Resumo
Objetivo
Analisar a prática de profissionais médicos da Atenção Primária à Saúde (APS) de municípios polos de Residência em Saúde da Família e Comunidade em Minas Gerais (MG), Brasil.
Método
Trata-se de um estudo transversal e analítico, realizado de março a outubro de 2018 com médicos e médicos residentes que atuavam nas equipes de Estratégia Saúde da Família de oito municípios de MG. Avaliou-se as características sociodemográficas, a participação em capacitações específicas para demência e as práticas dos médicos no cuidado da pessoa idosa com demência.
Resultados
Dentre os profissionais, a maioria eram do sexo feminino (63,4%), possuíam até 30 anos de idade (57,7%) e não participaram de capacitação em demência (60%). Observou-se que a maior parte dos médicos diagnosticaram a patologia no estágio moderado a grave (67,5%). Entre as dificuldades para identificar casos de demências, destacaram-se: a baixa utilidade dos exames complementares (26,8%) e a dificuldade em diferenciar sinais e sintomas das demências de seus principais diagnósticos diferenciais (50%). A participação em capacitação influenciou nas dificuldades de identificação de casos (p=0,019), diferenciação de sinais e sintomas (p=0,018), confiança sobre o diagnóstico (p<0,001), responsabilização do diagnóstico pelo serviço especializado (p=0,019) e baixa disponibilidade de tempo dos profissionais (p=0,015).
Conclusão
O ensino prático direcionado à demência fornecido aos profissionais de saúde durante a formação médica ainda é incipiente e exige aperfeiçoamento, sendo necessárias intervenções educativas junto à equipe da APS e o aprimoramento dos protocolos voltados ao diagnóstico precoce e ao manejo das demências.
Palavras-Chave:
Demência; Capacitação em Serviço; Pessoal de Saúde; Educação; Atenção Primária à Saúde
Abstract
Objective
To analyze the practice of medical professionals in Primary Health Care (PHC) in municipalities that are centers of Residency in Family Healthcare in Minas Gerais (MG), Brazil.
Method
This is a cross-sectional and analytical study carried out from March to October 2018 with doctors and resident doctors who worked in the Family Health Strategy teams in eight municipalities in MG. The sociodemographic characteristics, participation in specific training for dementia, and practices of doctors in caring for the old person with dementia were evaluated.
Results
Among the professionals, most were female (63.4%) aged 30 years or less (57.7%), and did not participate in training for dementia (60%). It was observed that most doctors diagnosed the pathology in the moderate to the severe stage (67.5%). Among the difficulties in identifying cases of dementia, the following stood out: poor use of complementary exams (26.8%) and difficulty in differentiating signs and symptoms of dementia from their main differential diagnoses (50%). Participation in training influenced the difficulties in identifying the cases (p=0.019), differentiation of signs and symptoms (p=0.018), confidence in the diagnosis (p<0.001), responsibility for the diagnosis by the specialized service (p=0.019), and low availability of time by professionals (p=0.015).
Conclusion
Practical education in dementia provided to health professionals during medical training is still incipient and requires improvement, demanding educational interventions with the PHC team, and improvement of protocols aimed at early diagnosis and management of dementia.
Keywords
Dementia; Inservice Training; Health Personnel; Education; Primary Health Care
INTRODUÇÃO
A formação médica requer a aproximação entre o ensino teórico e prático com os serviços de saúde pública possibilitando que os discentes se familiarizem com os principais problemas de saúde da comunidade11 Souza CFTD, Oliveira DLLD, Monteiro GDS, Barboza HMDM, Ricardo GP, Lacerda Neto MCD, et al. A atenção primária na formação médica: a experiência de uma turma de medicina. Rev Bras Educ Med. 2013;37(3):448-54.. Durante o processo de formação, todos os cenários da prática médica devem estar presentes, desta forma é fundamental que haja uma efetiva atuação em Unidades Básicas de Saúde (UBS), ambulatórios de especialidades e hospitais. Essa questão deve ser prioridade no âmbito educacional e social, pois permitirá a construção de um perfil profissional que se familiariza com os problemas de saúde pública e políticas de saúde do país. Identifica-se também a necessidade de uma formação pautada na responsabilidade social junto à realização de atividades educacionais que promovam o aperfeiçoamento nos diversos cenários da prática profissional22 Brasil. Ministério da Educação. Resolução CNE/CES nº 116 de 3 de novembro de 2014. Institui Diretrizes Curriculares Nacionais do Curso de Graduação em Medicina. Diário Oficial da União. 03 abr. 2014; Seção 1:17..
A Atenção Primária à Saúde (APS) foi desenvolvida com uma elevada descentralização, tornando-se a porta de entrada do serviço de saúde através das UBS, que mantêm a comunicação entre a comunidade e os demais níveis de atenção à saúde33 Costa GDD, Souza RA, Yamashita CH, Pinheiro JCF, Alvarenga MRM, Oliveira MADC. Avaliação de conhecimentos e atitudes profissionais no cuidado às demências: adaptação transcultural de um instrumento. Rev Esc Enferm USP. 2015;49(2):298-308.. Sua importância se fundamenta na possibilidade de oferecer fácil acesso ao sistema de saúde pública e ainda proporcionar uma resposta resolutiva para maioria dos problemas de saúde da população44 Melo GA, Marinho JS, Madruga MLLH, Carvalho SMCR, Lemos MTM. Unidades básicas de saúde: uma análise à luz do programa nacional de melhoria do acesso e da qualidade na atenção básica. Rev Temas Saúde. 2018;18(1):5-16..
É necessário estabelecer contato direto com a APS através da atuação na prevenção de doenças e na promoção de saúde. Isso possibilita uma eventual discussão sobre a majoração curricular de tais práticas55 Caldeira ES, Leite MTDS, Rodrigues-Neto JF. Estudantes de medicina nos serviços de atenção primária: percepção dos profissionais. Rev Bras Educ Med. 2011;35(4):477-85.. O fortalecimento das Integrações intersetoriais promove maior efetividade na atuação da atenção básica exigindo não somente um melhor desempenho médico, mas também dos setores governamentais66 Gottlieb LM, Alderwick H. Integrating social and medical care: could it worsen health and increase inequity? Ann Fam Med. 2019;17(1):77-81..
Neste contexto, os programas de Residência em Saúde da Família, que são cenários da APS, contribuem para a formação de um perfil profissional mais assistencial, humanizado e que atenda às necessidades de saúde dos indivíduos, família e comunidade77 Santos IG, Batista NA, Devicenzi MU. Residência multiprofissional em saúde da família: concepção de profissionais de saúde sobre a atuação do nutricionista. Interface Comun Saúde Educ. 2015;19(53):349-60.. A institucionalização da relação ensino-serviço-comunidade através desses programas, além de ampliar o ambiente de aprendizagem, auxilia o Sistema Único de Saúde (SUS), aprimorando a assistência prestada à população88 Santos Filho EJD, Sampaio J, Braga LAV. Avaliação de um programa de residência multiprofissional em Saúde da Família e comunidade sob o olhar dos residentes. Tempus. 2017;10(4):129-49..
O envelhecimento populacional é reconhecido mundialmente e, no Brasil, estima-se por meio dos dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) que em 2050 a parcela da população idosa será cerca de 58,4 milhões, representando aproximadamente 26,7% da população brasileira. Um fato importante desse processo é a prevalência das doenças crônicas não transmissíveis, que contribuem para o aumento do número de óbitos, internações, institucionalizações e diminuição da capacidade funcional e cognitiva do indivíduo. Dentre essas doenças, estão as demências, que têm se tornado um problema de saúde pública99 Silva ILCD, Lima GS, Storti LB, Aniceto P, Formighieri PF, Marques S. Sintomas neuropsiquiátricos de idosos com demências: repercussões para o cuidador familiar. Texto & Contexto Enferm. 2018;27(3):1-11..
A demência é uma condição clínica caracterizada por um deficit cognitivo que gera dano à memória, à noção viso espacial, ao raciocínio e à capacidade de julgamento1010 Nascimento HG, Figueiredo AEB. Demência, familiares, cuidadores e serviços de saúde: o cuidado de si e do outro. Ciênc Saúde Colet. 2019;24(4):1381-92.. Mundialmente, entre 1990 e 2016, o número de casos de demência cresceu em 117%, aumentando de 20,2 milhões em 1990 para 43,8 milhões em 2016, com uma elevação de 1,7% na prevalência por idade nesse mesmo período1111 Nichols E, Szoeke CE, Vollset SE, Abbasi N, Abd-Allah F, Abdela J. Global, regional, and national burden of Alzheimer’s disease and other dementias, 1990-2016: a systematic analysis for the Global Burden of Disease Study 2016. Lancet Neurol. 2019;18(1):88-106.. Além disso, cerca de 47 milhões de pessoas têm demência sendo quase 60% em países de baixa e média renda. Em 2030, há projeção de 75 milhões de pessoas com demência e 132 milhões em 20501212 World Health Organization. mhGAP training manuals for the mhGAP Intervention Guide for mental, neurological and substance use disorders in non-specialized health settingsversion 2.0 (for eld testing). Geneva: WHO; 2017 [acesso em 23 jan. 2021]. Disponível em: https://apps.who.int/iris/handle/10665/25916 .
https://apps.who.int/iris/handle/10665/2...
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No Brasil, acredita-se que as demências acometam cerca de 2 milhões de pessoas idosas sendo que em média 40 a 60% seja por Doença de Alzheimer1313 Sociedade Brasileira de Geriatria e Gerontologia. Rio de Janeiro: SBGG; 2021. Em dia mundial do Alzheimer, dados ainda são subestimados, apesar de avanços no diagnóstico e tratamento da doença. 2019 [acesso em 14 fev. 2021]:[1 tela]. Disponível em: https://sbgg.org.br/em-dia-mundial-do-alzheimer-dados-ainda-sao-subestimados-apesar-de-avancos-no-diagnostico-e-tratamento-da-doenca/ .
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. Um estudo brasileiro, realizado principalmente na região sudeste revelou uma porcentagem dos casos de demência que variou entre 5,1 e 17,5% no país1414 Boff MS, Sekyia FS, Bottino CMC. Prevalence of dementia among Brazilian population: systematic review. Med Jl. 2011;129(1):46-50.. Dentre as principais morbidades psiquiátricas analisadas durante internação de pessoas idosas no país entre 2008 e 2014, a demência contribuiu com o maior número de óbitos, sendo o Sudeste, a região com maior coeficiente de mortalidade1515 Santos VC, Anjos KF, Boery RNSO, Moreira RM, Cruz DP, Boery EN. Internação e mortalidade hospitalar de idosos por transtornos mentais e comportamentais no Brasil, 2008-2014. Epidemiol Serv Saúde. 2017;26(1):39-49..
É importante destacar que as síndromes demenciais são as principais causas da perda de autonomia na velhice, necessitando de cuidados constantes no decorrer dessa enfermidade, que sem o diagnóstico precoce e tratamento adequado resulta na dependência total do paciente, uma vez que não há cura ou tratamento modificador eficaz do curso da doença1616 Fagundes TA, Pereira DAG, Bueno KMP, Assis MG. Incapacidade funcional de idosos com demência. Cad Ter Ocup UFSCar. 2017;25(1):159-69..
No que se refere à abordagem das demências em unidades básicas, o ensino oferecido pelas escolas médicas permite que seus alunos tenham um conhecimento incipiente sobre alterações cognitivas por meio de uma eficiente base teórica, porém, ainda se faz necessário uma maior capacitação com foco no diagnóstico e reconhecimento precoce de alterações sugestivas de demência nesse ambiente1717 Jacinto AF, Citero VDA, de Lima Neto JL, Boas PJFV, Valle APD, Leite AGRK. Knowledge and attitudes towards dementia among final-year medical students in Brazil. Rev Assoc Med Bras. 2017;63(4):366-70.. A qualificação dos profissionais de saúde da APS pode ajudar na realização de um diagnóstico precoce e favorável frente às demências, permitindo assim, um acompanhamento adequado33 Costa GDD, Souza RA, Yamashita CH, Pinheiro JCF, Alvarenga MRM, Oliveira MADC. Avaliação de conhecimentos e atitudes profissionais no cuidado às demências: adaptação transcultural de um instrumento. Rev Esc Enferm USP. 2015;49(2):298-308..
A importância do reconhecimento prévio dos sinais e sintomas das demências é justificada por seu grande impacto social e pelos benefícios de uma intervenção terapêutica precoce1818 Hermam L, Atri A, Salloway S. Alzheimer’s disease in primary care: the significance of early detection, diagnosis and intervention. Am J Med. 2017;130(6):1-10.. Desta forma, é preciso identificar quais são as principais dificuldades que os profissionais da APS enfrentam no rastreio das síndromes demenciais. Estudos direcionados para avaliar o conhecimento desses profissionais da saúde surgem como uma ferramenta para aperfeiçoar protocolos e condutas no manejo das demências33 Costa GDD, Souza RA, Yamashita CH, Pinheiro JCF, Alvarenga MRM, Oliveira MADC. Avaliação de conhecimentos e atitudes profissionais no cuidado às demências: adaptação transcultural de um instrumento. Rev Esc Enferm USP. 2015;49(2):298-308..
Este trabalho teve como objetivo analisar a prática de profissionais médicos na APS de municípios polos de Residência em Saúde da Família em Minas Gerais, Brasil.
MÉTODOS
Trata-se de um estudo transversal e analítico, realizado na APS de municípios polos de Residência de Medicina de Família e Comunidade e Residência Multiprofissional em Saúde da Família da Universidade Estadual de Montes Claros (UNIMONTES). O estudo foi realizado com a população de médicos da APS e médicos residentes que atuavam nas equipes das UBS dos municípios do norte de Minas Gerais: Montes Claros (158 equipes), Taiobeiras (15 equipes), Salinas (17 equipes), Pirapora (17 equipes), Janaúba (24 equipes), Porteirinha (17 equipes), Coração de Jesus (13 equipes) e Bocaiúva (13 equipes). No período de realização do estudo, estimou-se a população de aproximadamente 274 profissionais médicos do quadro de funcionários desses municípios e de 122 residentes médicos. Este levantamento considerou o número de equipes cadastradas no Cadastro Nacional de Estabelecimentos de Saúde (CNES) e cadastradas nas vagas ofertadas nos editais de residência em Medicina de Família e Comunidade e Residência Multiprofissional em Saúde da Família e Comunidade. Utilizou-se como critério de inclusão: ser profissional atuante na APS, e como critério de exclusão foi utilizado: estar em afastamento das atividades laborais por licença ou qualquer motivo e estar em período de férias.
A coleta de dados foi efetuada de março a outubro de 2018 por meio de visitas agendadas às Unidades Básicas de Saúde. Os profissionais foram identificados em seus setores de trabalho e convidados a participarem do estudo. Os profissionais que não estavam presentes no dia da visita, receberam o questionário via e-mail.
Para a coleta de dados foi aplicado o instrumento Atenção Sanitária às Demências: a visão da Atenção Básica na versão para médicos. O instrumento original foi desenvolvido e aplicado em Dublin pelo Dementia Services Informationand Development Centre. Esse instrumento foi adaptado para o contexto brasileiro seguindo normas internacionais de adaptação transcultural e, para tanto, foram utilizadas as etapas de: tradução; síntese; retrotradução; revisão por um comitê de especialistas (juízes) e pré-teste33 Costa GDD, Souza RA, Yamashita CH, Pinheiro JCF, Alvarenga MRM, Oliveira MADC. Avaliação de conhecimentos e atitudes profissionais no cuidado às demências: adaptação transcultural de um instrumento. Rev Esc Enferm USP. 2015;49(2):298-308.. Para este estudo utilizou-se questões que contemplavam as características sociodemográficas de sexo (masculino ou feminino); idade (20 a 29, 30 a 39, 40 a 49, 50 anos ou mais) e cor da pele autodeclarada (branca, negra, parda ou amarela) além da característica econômica de renda (salários mínimos). Também foram utilizadas questões que abrangiam participação em capacitação específica para demência e prática do médico no cuidado da pessoa idosa com demência (métodos de rastreio e diagnóstico).
Os dados foram organizados, tabulados e posteriormente codificados. Foram calculadas as frequências absolutas (n) e as frequências relativas (%). Para analisar a possível associação entre as variáveis, utilizaram-se os testes do qui-quadrado de Pearson ou exato de Fisher. O nível de significância utilizado foi de 95%.
O projeto de pesquisa está de acordo com a Resolução nº 466/2012 e a Resolução nº 510/2016. Este estudo foi aprovado no Comitê de Ética e Pesquisa (CEP nº. 2.483.632) e passou por aprovação da Coordenação da APS e/ou dos gestores de saúde dos municípios através do Termo de Concordância da Instituição (TCI). Aos participantes da pesquisa foram entregues ou enviados por e-mail os Termos de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE).
RESULTADOS
Participaram deste estudo 138 médicos, sendo que 35,5% (49) estavam cursando residência em Saúde da Família. A taxa de resposta foi de 34,8%. Entre os médicos 65,2% (90) eram do sexo feminino; 38,4% (53) com faixa etária até os 39 anos, 51,4% (71) com cor de pele autodeclarada branca e 59,4% (82) com renda de cinco a 10 salários mínimos.
Quanto à escolaridade 44,2% (61) possuíam graduação, 27,5% (38) especialização, 22,5% (31) residência e 5,8% (8) mestrado ou doutorado. Dentre os médicos questionados, 97,8% (135) consideraram importante a realização de atividades de capacitações específicas em demência, no entanto, 60,9% (84) dos interrogados negaram ter participado de capacitações voltadas ao diagnóstico e manejo das síndromes demenciais.
Com relação à frequência da realização do diagnóstico de demências, 52,9% (73) dos entrevistados afirmaram que nunca/raramente realizam o diagnóstico. Mas, quando o diagnóstico é realizado, 67,8% (94) dos médicos o fazem em estágio moderado/grave da doença. Dentre os médicos que participaram do estudo 15,9% (22) não realizam o diagnóstico e encaminham o paciente ao especialista.
No que concerne às dificuldades encontradas para identificar um caso de demência, 61,6% (85) relataram dificuldades em diferenciar os sinais e sintomas de demência em relação a seus principais diagnósticos diferenciais e 26,1% (36) identificaram a baixa utilidade dos exames complementares como maior dificuldade. A participação em capacitação em demência influenciou significativamente nas dificuldades de identificação de um caso de demência e na diferenciação de sinais e sintomas de demência (Tabela 1).
Dificuldades encontradas para identificar um caso de demência pelos médicos da Atenção Primária à Saúde. Montes Claros, MG, 2018.
Na tabela 2 são apresentados os principais aspectos que dificultam o diagnóstico de demência. Dos médicos questionados, 59,6% (81) informaram pouca confiança sobre o diagnóstico; 38,7% (53) consideraram que o diagnóstico deve ser realizado pelo serviço especializado e 87,5% (63) se queixaram da baixa disponibilidade de tempo para realizar o diagnóstico, sendo que esses aspectos foram associados à variável participação em capacitação (p<0,05). Observou-se que 13,8% (19) dos profissionais afirmaram que nenhum aspecto dificulta a realização do diagnóstico.
Aspectos que dificultam a realização do diagnóstico de demência pelos médicos da Atenção Primária à Saúde. Montes Claros, MG, 2018.
No que se refere a utilização habitual de testes para avaliar a função cognitiva, 71% (98) dos médicos entrevistados utilizavam o miniexame do estado mental; 27,5% (38) usavam o teste de fluência verbal categoria animal e/ou fruta e 34,1% (47) faziam uso do teste do desenho do relógio. A participação em capacitação se associou significativamente na utilização do teste de fluência verbal categoria animal e/ou fruta e (p=0,017) e no uso do teste do desenho do relógio (p=0,015) (Tabela 3).
Testes utilizados para avaliação da função cognitiva na prática dos médicos da Atenção Primária à Saúde. Montes Claros, MG, 2018.
Considerando os testes para avaliar a capacidade funcional, 69,6% (96) alegaram não utilizar nenhum teste. Com relação aos exames complementares solicitados para realização do diagnóstico do subtipo de demência destacaram-se: 68,6% (94) hemograma; 63,5% (87) bioquímica com glicemia; 67,9% (90) hormônio tireoestimulante; 69,3% (95) vitamina B12; 51,8% (71) ácido fólico. Dentre os médicos entrevistados, 27,5% (35) relataram que não realizam o diagnóstico do subtipo de demência e encaminham o paciente ao especialista.
Dentre os médicos participantes do estudo, 81,2% (112) afirmaram apresentar dificuldades para cuidar de pacientes com demências graves, considerando como principais dificuldades o tratamento farmacológico complexo 51,4% (71) e a ausência de suporte de atendimento especializado 40,6% (56). Sobre o tratamento e acompanhamento dos pacientes com demência na Atenção Básica, as principais dificuldades foram: 59,4% (82) utilização de fármacos específicos; 13% (18) antidepressivos; 29,7% (41) antipsicóticos; 22,5% (31) benzodiazepínicos, sedativos e hipnóticos; 38,4% (53) manejo da rigidez, tremor e outros distúrbios neurológicos; 52,9% (73) necessidades de apoio do cuidador e/ou da família; 42,0% (58) falta de tempo para realizar acompanhamento e tratamento do paciente. Dos médicos interrogados, 4,3% (6) alegaram não encontrar nenhuma dificuldade.
Correspondente à frequência do planejamento do acompanhamento específico para o cuidador do paciente com demência, 67,0% (87) dos médicos relataram que nunca/raramente o fazem. Referente aos fatores influentes para o médico não informar ao paciente o diagnóstico de demência, 31,9% (44) não informam pelo motivo do paciente estar em estágio avançado da doença, 47,1% (65) não ter capacidade para compreender a informação sobre diagnóstico e 21,7% (30) devido a família não desejar que o paciente saiba seu diagnóstico.
DISCUSSÃO
No presente estudo foi avaliada a prática médica frente às demências na APS e foi demonstrado que a maior parte dos profissionais entrevistados não participaram de atividades de capacitação específica em demência e possuíram dificuldades não somente no diagnóstico, mas também no manejo e acompanhamento dos pacientes com demência, o que evidencia um entendimento incipiente sobre as demências. As estratégias utilizadas para avaliação cognitiva foram diversas, evidenciando o conhecimento desses profissionais sobre os testes disponíveis, entretanto, testes para avaliação funcional tiveram seu uso limitado. Além disso, a maioria dos médicos informaram dificuldade em conduzir casos graves de demência e relataram pouco planejamento para o acompanhamento desses pacientes.
A deficiência do conhecimento sobre demência pelos profissionais de saúde afeta a compreensão da evolução clínica dessa patologia, além de postergar o diagnóstico e o tratamento, que são imprescindíveis para a atenuação dos sintomas e do retardo da doença1111 Nichols E, Szoeke CE, Vollset SE, Abbasi N, Abd-Allah F, Abdela J. Global, regional, and national burden of Alzheimer’s disease and other dementias, 1990-2016: a systematic analysis for the Global Burden of Disease Study 2016. Lancet Neurol. 2019;18(1):88-106.. Apesar da crescente demanda voltada para os quadros de demência, pouco foi realizado em relação à formação dos profissionais nesse assunto, visto que em muitos países não há programas educacionais direcionados a esse tema1010 Nascimento HG, Figueiredo AEB. Demência, familiares, cuidadores e serviços de saúde: o cuidado de si e do outro. Ciênc Saúde Colet. 2019;24(4):1381-92.. As diretrizes curriculares do curso de Medicina ampliaram a discussão sobre formação médica, sinalizando a importância da APS nesse processo, o que exige novos arranjos institucionais e a ampliação de estratégias que possam formar profissionais de saúde comprometidos com práticas resolutivas e de qualidade22 Brasil. Ministério da Educação. Resolução CNE/CES nº 116 de 3 de novembro de 2014. Institui Diretrizes Curriculares Nacionais do Curso de Graduação em Medicina. Diário Oficial da União. 03 abr. 2014; Seção 1:17..
O Ministério da Saúde tem criado propostas de educação permanente para os profissionais da saúde, a fim de propiciar melhor desenvolvimento da prática profissional1919 Costa GDD, Spineli VMCD, Oliveira MADC. Educação profissional sobre demências na atenção primária à saúde: revisão integrativa. Rev Bras Enferm. 2019;72(4):1086-93.. Neste contexto, a ampliação do conhecimento sobre o sistema de referência e contrarreferência, através dessas ações educativas, contribui para a construção de um sistema integrado com aproximação entre os profissionais da atenção primária com aqueles que atuam em outros níveis do serviço de saúde2020 Protasio APL, Silva PB, Lima EC, Gomes LB, Machado LS, Valença AMG. Avaliação do sistema de referência e contrarreferência do estado da Paraíba segundo os profissionais da Atenção Básica no contexto do 1º ciclo de Avaliação Externa do PMAQ-AB. Saúde Debate. 2014;38:209-20..
O gerenciamento eficaz das demências baseia-se em conhecimentos sólidos sobre fisiopatologia, manifestação clínica e farmacoterapêutica entre os profissionais de saúde. Desta forma, a ausência de um reconhecimento precoce está relacionada aos menores níveis de conhecimento dos médicos sobre a sintomatologia envolvida nas demências. O que ocasiona uma barreira para alcançar diagnósticos oportunos, que podem ser alcançados através de intervenções educacionais, como demonstrado em um estudo realizado em 2017, no Reino Unido2121 Llife S, Wilcock J. The UK experience of promoting dementia recognition and management in primary care. Z Gerontol Geriatr. 2017;50(Suppl 2):63-7..
Em outro estudo, no estado do Rio de Janeiro, seis equipes das UBS de três municípios foram avaliadas quanto aos trabalhos em atenção à saúde da pessoa idosa. Foi investigado um total de 54 pessoas: 30 agentes comunitários de saúde, 12 profissionais de nível superior e 12 profissionais de nível médio, sendo que, a análise do conteúdo das entrevistas individuais utilizou categorias analíticas oriundas dos discursos. Essa avaliação evidenciou a deficiência no atendimento direcionado a esse grupo e a necessidade de ações para valoração e inclusão dessa população mediante melhora efetiva nas capacitações e maior integração de serviços e uso de protocolos para guiar um manejo adequado junto à assistência de qualidade2222 Motta LBD, Aguiar ACD, Caldas CP. Estratégia Saúde da Família e a atenção ao idoso: experiências em três municípios brasileiros. Cad saúde Pública. 2011;27(4):779-86..
É importante estabelecer um modelo de formação concordante com as particularidades da prática médica voltada às pessoas idosas e suas principais comorbidades2323 Brasil VJW, Batista NA. O ensino de geriatria e gerontologia na graduação médica. Rev Bras Educ Med. 2015;39(3):344-51.. Um estudo feito com 450 profissionais de saúde na China avaliou os conhecimentos e abordagens dos casos de doença de Alzheimer e outras demências, demostrando a importância da aprendizagem contínua sobre a patologia. Intervenções educacionais em curto prazo dificultam o aprofundamento necessário no aprendizado ou a confiança clínica para reconhecer a síndrome demencial, sendo necessária uma investigação mais elaborada para programar políticas relacionadas ao adequado reconhecimento da enfermidade2424 Wang Y, Xiao LD, Luo Y, Xiao SY, Whitehead C, Davies O. Community health professionals’ dementia knowledge, attitudes and care approach: a cross-sectional survey in Changsha, China. BMC Geriatr. 2018;18(1):122.. Por conseguinte, tratando-se da capacitação específica em demências, recomenda-se que ocorram estratégias educativas, tais como: seminários, discussão de casos, disponibilização de materiais de estudo e programas de gestão voltados para as síndromes demenciais junto às equipes da APS, visto que a APS é polo de Residência em Saúde da Família e Comunidade. A aplicação dessas medidas tende a demonstrar um avanço significativo na capacidade de suspeitar e conduzir casos de demência pelos profissionais de saúde1919 Costa GDD, Spineli VMCD, Oliveira MADC. Educação profissional sobre demências na atenção primária à saúde: revisão integrativa. Rev Bras Enferm. 2019;72(4):1086-93..
Para mais, foi constatado que o diagnóstico demencial se estabelece na maioria das vezes quando o quadro clínico se encontra de moderado a grave. Isso ocorre porque os pacientes com essa doença já possuem deficit cognitivos anos antes do diagnóstico. Apesar dos prejuízos na memória serem relevantes, permanece vago o grau e velocidade com que outras funções cognitivas são danificadas durante os anos que precedem o aparecimento clínico da doença2525 Zanini RS. Demência no idoso: aspectos neuropsicológicos. Rev Neurociênc. 2010;18(2):220-6.. Junta-se a isso o fato de pacientes, familiares e/ou cuidadores buscarem o serviço de saúde quando essa enfermidade já não se encontra em seu estágio inicial33 Costa GDD, Souza RA, Yamashita CH, Pinheiro JCF, Alvarenga MRM, Oliveira MADC. Avaliação de conhecimentos e atitudes profissionais no cuidado às demências: adaptação transcultural de um instrumento. Rev Esc Enferm USP. 2015;49(2):298-308.. Outro motivo para o atraso no diagnóstico das demências é acreditar que o comprometimento cognitivo em pessoas idosas é normal, comprometendo o rastreio de deficit cognitivo na velhice2626 Miranda LFJRD, Matoso RDO, Rodrigues MV, Lima TOLD, Nascimento AF, Carvalho FC, et al. Factors influencing possible delay in the diagnosis of Alzheimer’s disease Findings from a tertiary Public University Hospital. Dement Neuropsychol. 2011;5(4):328-31..
Referente ao diagnóstico diferencial, é necessário atentar-se para não confundir o quadro de depressão com fases iniciais de demência ou com um comprometimento cognitivo leve2727 Izquierdo I. Memória. Porto Alegre: Artmed; 2002.. É necessário destacar que pode haver associação entre transtornos cognitivos e depressão, podendo a depressão ser um preditor para demência2828 Costa EC, Aguiar C, Blay SL. Diferenciação entre os quadros depressivos com comprometimento cognitivo na demência nos idosos. Rev Debates Psiquiatr. 2011;1(4):10-3..
Com relação à dificuldade de comunicação médico-paciente, é importante ressaltar que a comunicação inadequada implica em escassez de informação e autonomia do paciente ou cuidadores2929 Jorge R, Sousa L, Nunes R. Preferências e prioridades para os cuidados de fim de vida de pessoas idosas: adaptação cultural para o Brasil. Geriatr Gerontol Aging. 2016;10(2):101-11.. Os pacientes possuem o direito às informações verídicas relacionadas ao seu diagnóstico e tratamento, assim como têm o direito de participação das decisões sobre o manejo apropriado em relação a sua patologia3030 Vianna LG, Vianna C, Bezerra AJC. Relação médico-paciente idoso: desafios e perspectivas. Rev Bras Educ Med. 2010;34(1):150-59.. Por isso, é fundamental que os profissionais de saúde sejam treinados para uma boa habilidade comunicativa3131 Harding R, Selman L, Beynon T, Hodson F, Coady E, Read C, et al. Meeting the communication and information needs of chronic heart failure patients. J Pain Symptom Manage. 2008;36(2):149-56..
No que diz respeito ao tratamento, os médicos que assistem o paciente devem instituir um Plano Terapêutico Singular (PTS), sendo fundamental o acompanhamento do paciente e a revisão periódica dos medicamentos prescritos e seus possíveis efeitos adversos3232 Alves RP, Caetano AI. O papel do Médico de Família no diagnóstico e seguimento dos doentes com declínio cognitivo e demência. Rev Port Med Geral Fam. 2010;26(1):69-74.. Também é imprescindível o acompanhamento pela equipe multiprofissional, que além de beneficiar o tratamento das demências, reduz a sobrecarga sobre os cuidadores. Percebe-se que aqueles que cuidam diretamente de pessoas com demência se tornam mais suscetíveis ao desenvolvimento de doenças crônicas. Desta forma, é importante que ocorra a preservação da saúde física e mental desses cuidadores que pode ser alcançada por meio de programas que incluem psicoterapia e prática de atividades físicas regulares3333 Viale M, Palau FG, Cáceres M, Pruvost M, Miranda AL, Rimoldi MF. Programas de intervención para el manejo del estrés de cuidadores de pacientes com demência. Neuropsicol Latinoam. 2016;8(1):35-41..
Este estudo apresenta como limitação a possibilidade de viés de informação. A generalização dos dados está ainda limitada pela amostragem de conveniência. A baixa taxa de resposta obtida deve ser levada em consideração e pode ser associada a natureza online da pesquisa. Ainda assim, os resultados desta investigação são importantes por serem oriundos de um levantamento pioneiro nos municípios do norte de Minas Gerais.
As informações e evidências obtidas neste trabalho devem incentivar os profissionais da saúde, especialmente os que atuam na APS, às atualizações contínuas sobre esse tema. Os dados obtidos também demonstraram a importância do investimento na capacitação voltada à demência na formação médica. Além disso, poucos estudos foram dedicados à análise da formação médica frente a demência na APS, o que corrobora para a importância do tema e realização de mais pesquisas sobre o assunto.
CONCLUSÃO
Este trabalho demonstrou que o ensino prático direcionado à demência fornecido aos profissionais de saúde no cenário do estudo durante a formação médica ainda é incipiente e exige aperfeiçoamento. Os resultados obtidos poderão contribuir para o conhecimento na área e para discussões a respeito do processo de ensino aprendizagem na área médica.
O diagnóstico precoce das demências permite um melhor prognóstico da doença, uma maior qualidade de vida ao doente e ao seu cuidador e possibilita a redução de custos com assistência hospitalar e, por isso, é necessário que ocorram intervenções educativas junto à equipe da Atenção Primária à Saúde e o aprimoramento dos protocolos voltados ao diagnóstico precoce e ao manejo das demências.
É importante que ocorra melhora no sistema de referência do profissional especialista da atenção secundária, com consequente contrarreferência e organização da rede de atenção à saúde à pessoa idosa. Ademais, são necessários novos estudos sobre demências, visto que há escassez na literatura sobre o tema.
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Não houve financiamento para a execução deste trabalho.
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Datas de Publicação
-
Publicação nesta coleção
19 Maio 2021 -
Data do Fascículo
2020
Histórico
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Recebido
19 Set 2020 -
Aceito
11 Mar 2021