Acessibilidade / Reportar erro

A LINGUÍSTICA EM MANUAIS BRASILEIRO E SOVIÉTICO

RESUMO:

O objetivo deste artigo é apresentar os resultados de uma pesquisa em análise comparativa de manuais de introdução à linguística brasileiro e soviético do final dos anos 1960 e início dos anos 1970. A delimitação do material de comparação foi empreendida por meio do procedimento metodológico denominado tertium comparationis, tal como ele foi desenvolvido pelos pesquisadores do Clesthia – axe sens et discours. A análise dos manuais foi orientada pelos conceitos e procedimentos elaborados por Bakhtin e o Círculo. Concluímos que a história da ciência nas duas línguas/culturas, o diálogo com a linguística desenvolvida em países com maior tradição na área e o meio social mais amplo foram fatores que fixaram limites, exerceram pressões e direcionaram sentidos para as apresentações da linguística aos futuros integrantes dessa ciência. A interação desses três processos sociohistóricos são fundamentais na definição das escolas linguísticas, na delimitação do objeto da linguística e na avaliação dos seus métodos.

PALAVRAS-CHAVE:
Análise comparativa de discursos; Manuais de Introdução à Linguística; Brasil; União Soviética

ABSTRACT:

The objective of this article is to present the results of a research in the comparative analysis of Brazilian and Soviet Introductory Linguistics textbooks from the late 1960s to the early 1970s. The selection of the materials being compared was carried out using the tertium comparationis method, developed by researchers from the Clesthia — axe sens et discours group. The analysis of the textbooks was based on concepts and procedures developed by Bakhtin and the Circle. We conclude that, in the history of the science, in the two languages/cultures, the dialogue with linguistics developed in countries with a stronger tradition in the field and a broader social arena were factors that set limits, exerted pressures and directed meanings in the presentation of linguistics to the future researchers in this field of science. The interaction of these three sociohistorical processes are fundamental in the definition of the schools of linguistics, in the delimitation of the object of study of linguistics, and in the evaluation of its methods.

KEYWORDS:
Comparative discourse analysis; Introductory Textbooks on Linguistics; Brazil; The Soviet Union

Introdução

O tema desta pesquisa surgiu durante a escrita do ensaio introdutório à tradução de Marxismo e Filosofia da Linguagem: Problemas Fundamentais do Método Sociológico na Ciência da Linguagem (2017 [1929]), no qual abordou-se o diálogo entre linguistas e filósofos da linguagem alemães e russos e Valentín Volóchinov para a constituição do método sociológico. Ao realizar a pesquisa bibliográfica, ficou evidente que conceitos e autores dominantes na linguística1 1 Em russo há três designações para linguística: iazikoznánie [conhecimento da linguagem], iazikovedénie [saber/conhecimento/estudo da linguagem] e lingvística [linguística]. A maioria dos manuais soviéticos e russos utiliza o primeiro termo. russa estavam ausentes ou pouco presentes na linguística brasileira, e, portanto, fez-se necessária a leitura de manuais russos de introdução e de história da linguística, para melhor situar a constituição dessa disciplina na Rússia e na União Soviética. O segundo fator determinante para esta investigação foi o início de um projeto em análise comparativa, que possibilitasse, por um lado, pesquisar enunciados em língua russa – língua/cultura com que tenho trabalhado estreitamente nos últimos 10 anos - e, por outro, permitisse articulação com a teoria bakhtiniana. Nesse contexto, este trabalho tem o objetivo de apresentar os resultados de uma análise comparativa de enunciados sobre a constituição da Linguística tal como ela aparece em manuais soviéticos e brasileiros de introdução a essa disciplina, com a finalidade de compreender aspectos condicionadores e particularizantes da Linguística brasileira, que só se tornam evidentes ao compará-la com uma esfera acadêmica distante cultural, histórica e culturalmente.

Desde os séculos XVII e XVIII, procedimentos de comparação contrastiva têm sido empregados na análise entre diferentes línguas - sem necessário parentesco genético entre si - com o propósito de criar dicionários bilíngues, gramáticas gerais e fundamentar o ensino de língua estrangeira (KODUKHOV, 1974KODUKHOV, V. I. Óbchee iazikoznánie [Linguística Geral]. Moscou: Víchaia Chkola, 1974). Desde então, formou-se um sistema de procedimentos de análise, utilizado para a descoberta de aspectos comuns e específicos entre as línguas investigadas, cuja produtividade dependia de uma adequada delimitação de fenômenos semelhantes.

Os trabalhos de análise literária de Bakhtin também inserem-se nos estudos comparativistas, uma vez que suas pesquisas sobre o romance, sobre as obras de Dostoiévski e de Rabelais sempre orientaram-se por comparações entre literaturas de diferentes línguas/culturas. As reflexões bakhtinianas sobre a distância temporal, espacial e cultural do indivíduo que compreende em relação ao objeto de estudo são fruto de sua abordagem comparativista da literatura, que lhe permitiu perceber a produtividade do encontro dialógico entre culturas. A própria base da existência do sentido é o encontro entre o um e o outro: “Não pode haver “sentido em si” – ele só existe para outro sentido, isto é, só existe com ele. Não pode haver um sentido único (um). Por isso não pode haver o primeiro nem o último sentido, ele está sempre situado entre os sentidos.” (BAKHTIN, 2003BAKHTIN, M. M. Os estudos literários hoje. In: BAKHTIN, M. M. Estética da criação verbal. 4.ed. Trad. Paulo Bezerra. São Paulo: Martins Fontes, 2003 [1970-1971]. p.359-366, p.382)2 2 Em razão da grande divulgação da teoria bakhtiniana em solo brasileiro e da necessidade de privilegiar os resultados da comparação, não abriremos uma seção específica para expor essa teoria, mas, durante a análise dos manuais, exporemos brevemente os conceitos necessários à compreensão do artigo. .

Um procedimento metodológico-chave desenvolvido por membros do Grupo de Pesquisa Clesthia - axe sens et discours (Paris III) para a comparação de línguas/culturas distintas é o tertium comparationis (MÜNCHOW, 2017MÜNCHOW, P. von. L'analyse du discours contrastive, un voyage au cœur du discours. In: COLÓQUIO BRASILEIRO-FRANCO-RUSSO EM ANÁLISE DE DISCURSO, 1., 2017, São Paulo. Análise de Discurso e Comparação: questões teóricas, metodológicas e empíricas. São Paulo: Universidade de São Paulo, nov. 2017. Comunicação no I Colóquio Brasileiro-Franco-Russo em Análise de Discurso, 2013MÜNCHOW, P. von. Cultures, discours, langues: aspects récurrents, idées emergentes. Contextes, représentations et modèles mentaux. In: CLAUDEL, C.; MÜNCHOW, P. von; RIBEIRO, M. P.; PUGNIÈRE-SAAVEDRA, F.; TRÉGUER-FELTEN. G. Cultures, discours, langues: nouveaux abordages. Limoges: Lambert-Lucas, 2013. p.187-207, 2011MÜNCHOW, P. von. Lorsque l'enfant paraît… le discours des guides parentaux en France et en Allemagne. Toulouse: PUM, 2011, 2005MÜNCHOW, P. von. Les journaux télévisés en France et en Allemagne: plaisir de voir ou devoir de s'informer. Paris: Presses Sorbonne Nouvelle, 2005): um conjunto de critérios de ordens variadas (gênero discursivo, momento histórico, tema etc.) que estabelece a base comum necessária à comparação, ou seja, à descrição e à análise das representações dominantes sobre a linguística nos dois países/culturas. Para este estudo, o tertium comparationis foi composto pelos seguintes critérios:

  1. O gênero discursivo “manual de introdução à linguística”, elaborado para circular majoritariamente em anos iniciais de cursos de Letras no Brasil e na Rússia com a finalidade de apresentar a ciência da linguagem a estudantes desses cursos;

  2. A autoria dos manuais que deveria ser de linguistas das duas línguas/culturas em comparação, a fim de que pudéssemos observar interpretações geradas nas duas esferas acadêmicas, o que eliminou a análise de manuais estrangeiros traduzidos;

  3. O momento histórico final dos anos 1960 e início dos anos 19703 3 Esse critério histórico eliminou a seleção de “Princípios de Linguística Geral” de J. Mattoso Câmara Junior publicado pela primeira vez em 1941. , época de implantação dos cursos de pós-graduação em Letras e Linguística no Brasil;

  4. A longevidade dos manuais atestada por inúmeras reedições e pelo reconhecimento dos linguistas das duas línguas culturas.

Com base nesse tertium comparationis selecionamos os seguintes manuais:

  1. KODUKHOV, V. I4 4 Professor Livre-Docente [Doktor Hayk], coordenador do departamento de língua russa no Instituto Pedagógico de Belgoródski, na Universidadesde Kazánski e na Universidade Estatal Russa Pedagógica A. I. Gértsena (São Petersburgo). Foi ainda professor de língua russa no ensino médio. Especialista em lexicologia e lexicografia, ensino de língua russa como estrangeira e autor de manuais de introdução à linguística. . Óbchee iazikoznánie [Linguística Geral]. Moscou: Víchaia Chkola, 1974. – o manual russo tem sua última edição em 2017 [1974]5 5 Disponível em: http://www.bgshop.ru/Catalog/GetFullDescription?id=10375858. Acesso em: 25 set. 2018.

  2. BORBA, F. da S6 6 Professor Livre-docente pela Universidade de São Paulo e Professor Aposentado do Programa de Pós-Graduação em Linguística e Língua Portuguesa – Faculdade de Ciências e Letras de Araraquara. Foi professor de língua portuguesa no ensino médio. Especialista em teoria sintática e lexicografia. . Introdução aos estudos linguísticos. 2.ed. São Paulo: Companhia Editora Nacional, 1970 [1967]. - o manual brasileiro está em sua 13. edição (2003)7 7 Disponível em: http://buscatextual.cnpq.br/buscatextual/visualizacv.do?id=K4780554H7. Acesso em: 25 set. 2018.

O presente estudo constitui a primeira etapa da comparação a ser continuada e completada, em um estudo posterior, por meio do cotejo de manuais contemporâneos das duas línguas/culturas, com vistas a observar as permanências e as mudanças.

A análise dos manuais seguirá o seguinte caminho: partiremos da esfera/campo de produção, recepção e circulação dos manuais, com o propósito de investigarmos particularidades dos autores, público-alvo, mercado editorial e esfera acadêmica nos dois países/culturas; em seguida, examinaremos como a história da linguística é apresentada nos dois compêndios; por fim, verificaremos a definição da linguística e seu objeto, bem como a exposição dos seus diferentes métodos.

Esfera/campo de produção, recepção e circulação dos manuais

A esfera ou campo da comunicação discursiva dos manuais - entendida como as peculiaridades dos produtos ideológicos decorrentes de um modo próprio de refletir e refratar tanto a realidade natural, quanto as demandas das demais esferas da cultura (GRILLO, 2006GRILLO, S. V. C. Esfera e campo. In: BRAIT, B. Bakhtin: outros conceitos-chave. São Paulo: Contexto, 2006. p.133-160; GRILLO; GLUSHKOVA, 2016GRILLO, S. V. C.; GLUSHKOVA, M. A divulgação científica no Brasil e na Rússia: um ensaio de análise comparativa de discursos. Bakhtiniana - revista de estudos do discurso, São Paulo, v.11, p.69-92, 2016.; GRILLO; HIGACHI, 2017GRILLO, S. V. C.; HIGACHI, A. Enunciados verbo-visuais na divulgação científica no Brasil e na Rússia: as revistas scientific american brasil e v míre naúki (no mundo da ciência). In: KOZMA, E. V. B.; PUZZO, M. B. (org.). Múltiplas linguagens: discurso e efeito de sentido. Campinas: Pontes, 2017. v.1, p.91-130.) - apresenta aspectos comuns nos manuais brasileiro e russo, bem como diferenças motivadas, a nosso ver, pelo estágio de inserção da ciência da linguagem nas duas comunidades acadêmicas e científicas8 8 Inspirado na tese de doutoramento de Edmunson (2017), fazemos uma distinção entre a esfera acadêmica - aquela em que são ensinados os conceitos e metodologias de uma ciência e é formada majoritariamente por instituições de ensino superior - e a esfera científica - na qual esses conceitos e metodologias são necessariamente produzidos seja em universidades, laboratórios e institutos de pesquisa, onde podem ainda ser ensinados. .

Um primeiro aspecto distintivo das esferas acadêmicas russa e brasileira é a maior quantidade, na Rússia e também na época da União Soviética, de manuais autorais destinados a realizar uma introdução geral à Linguística. Uma visita a seções de Linguística de livrarias comerciais e universitárias de grandes capitais russas revela a diversidade de compêndios soviéticos e russos, que visam apresentar a disciplina Linguística – sua história, objetos, métodos -, enquanto que nas livrarias brasileiras predominam manuais introdutórios a partes da Linguística – Semântica, Fonologia, Sintaxe etc.9 9 Em uma passagem pela seção de Letras/Linguística de uma grande livraria paulistana em 28/07/2018, encontramos três manuais introdutórios: “Introdução aos estudos linguísticos” de Francisco da Silva Borba, “Introdução à Linguística” organizado por José Luiz Fiorin (6. ed., Contexto, 2018) e os volumes de “Introdução à Linguística” organizados por Fernanda Mussalim e Anna Christina Bentes (Editora Cortez, 2001). No Brasil, mesmo os manuais de introdução geral à disciplina normalmente são coletâneas escritas por especialistas de áreas específicas da linguística (Fonologia, Morfologia, Sintaxe, Semântica etc.). Essas peculiaridades editoriais dos dois países parecem indicar que, no Brasil, a disciplina Linguística é representada como constituída de áreas distintas, que são orientadas por epistemologias e métodos próprios e variados impossíveis de serem abarcados por um autor, enquanto que, na Rússia, ainda permanece a tendência a concebê-la como uma ciência unitária ao modo de uma “Linguística Geral” proposta, por exemplo, por Ferdinand de Saussure, e, portanto, passível de ser sintetizada por um, dois ou três autores.

O segundo momento de observação das esferas são as apresentações dos manuais, lugar em que são explicitados o destinatário presumido, os espaços institucionais de produção, recepção e circulação e as relações dialógicas do enunciado com os elos precedentes desse campo. A propósito desses aspectos, observemos os excertos a seguir extraídos dos textos de abertura “Do autor” (Ot ávtora) do manual russo e “Nota preliminar” do manual brasileiro:

Tabela 1
Destinatários presumidos

Em primeiro lugar, analisamos o endereçamento desses manuais, conceito que envolve os seguintes aspectos: o enunciado tem um autor e destinatários presumidos; o destinatário pode ser composto por determinados integrantes de uma esfera ou campo da comunicação discursiva; a concepção do destinatário e a antecipação do seu “fundo aperceptível de percepção” (“conhecimentos especiais de um dado campo cultural da comunicação”, concepções, valores, preconceitos etc.) (BAKHTIN, 2003BAKHTIN, M. M. Os estudos literários hoje. In: BAKHTIN, M. M. Estética da criação verbal. 4.ed. Trad. Paulo Bezerra. São Paulo: Martins Fontes, 2003 [1970-1971]. p.359-366, p.301-302) determina o conteúdo temático, o estilo e a construção composicional do gênero.

Os autores dos manuais são linguistas e professores universitários, ambos com experiência didática no ensino médio e pesquisa em lexicologia/lexicografia, e, por isso, conjugam atividades de pesquisa e de ensino na universidade as quais demandam competências e habilidades específicas: domínio dos conceitos e procedimentos metodológicos da área, bem como capacidade de didatizar esses conhecimentos e interagir com um público específico. Partilhando dessas características comuns, os autores aparecem de modo distinto em seus enunciados: o autor brasileiro implica-se e aparece mais ao enunciar na primeira pessoa do plural tanto inclusiva quanto exclusiva – “nossas faculdades”, “o que julgamos indispensável” – e ao utilizar o diminutivo e termos para expressar modéstia e afetividade - “esse trabalhinho”, “simples trabalho de compilação geral”; já o autor russo está estilística e sintaticamente muito menos presente, uma vez que ora o próprio manual assume a autoria das suas finalidades - “O curso de linguística geral amplia e aprofunda a preparação linguística geral/ Курс общего языкознания расширяет и углубляет общеязыковедческую подготовку» -, ora o sujeito autor é apagado por meio da utilização da voz passiva sintética - apresentam-se /освещаются, caracterizam-se/характеризуются, descrevem-se/описываются. A nosso ver, essa distinção reflete diferenças entre as esferas científicas e acadêmicas brasileira e russa: os linguistas brasileiros sentem-se mais à vontade para expressar sua subjetividade, uma vez que ela, mesmo que disfarçada, está sempre presente (CORACINI, 1991CORACINI, M. J. Um fazer persuasivo: o discurso subjetivo da ciência. São Paulo: Educ; Campinas: Pontes, 1991); enquanto que os linguistas soviéticos assumem o chamado estilo científico, muito desenvolvido pela estilística funcional russa (KÓJINA, 2008KÓJINA, M. N. Stilístika rússkogo iazyká: (Estilística da língua russa). Moscou: Flinta, 2008), que é caracterizado como abstrato, generalizante e objetivo.

Os destinatários são claramente definidos e praticamente idênticos nos dois manuais: no brasileiro - “os alunos de primeira série dos cursos de Letras de nossas faculdades”; e no russo – “graduandos em Faculdades de Letras”. Portanto, os destinatários são integrantes da esfera universitária dos cursos de Letras no Brasil e na Rússia, espaço também integrado pelos autores dos manuais. Contudo, observamos diferenças na concepção do destinatário e na antecipação do seu fundo aperceptível de percepção. No manual brasileiro, o destinatário é caracterizado pela falta de conhecimentos e habilidades – “Ainda mal habituado ao manejo de bibliografia estrangeira e sob o impacto de uma disciplina quase totalmente nova, é natural que o estudante não produza o suficiente ou, então, desanime” -, enquanto que, no russo, ele é particularizado por um sujeito em processo de aprimoramento, “eleva o seu nível teórico […] proporciona um melhor preparo dos graduandos para a atividade prática e criativa no campo da educação, cultura e ciência”. As diferenças relativas ao fundo aperceptível de percepção dos estudantes pode ser compreendida em razão do, já acima mencionado, estágio de inserção da ciência da linguagem nas duas comunidades acadêmicas e científicas. No manual brasileiro, a Linguística é uma ciência basicamente elaborada no exterior (“manejo de bibliografia estrangeira”) e ainda recente em solo nacional (“sob o impacto de uma disciplina quase totalmente nova”), possuindo uma única referência vernácula expressa na figura de Mattoso Câmara, único elo anterior na cadeia da esfera da ciência linguística brasileira. É importante situar que os primeiros cursos de pós-graduação em linguística do Brasil foram criados na Universidade Federal do Rio do Janeiro e na Universidade de São Paulo em 196812 12 Disponível em: http://www.ppglinguistica.letras.ufrj.br/index.php/pt/. Acesso em: 26 set. 2018. , e é ainda a partir desse mesmo ano que, segundo Altman (1998), p.44):

[…] se concentrou um conjunto de fatores de ordem intelectual e social que permitiu, em vários pontos do país, a solidificação institucional de uma ‘Linguística Brasileira’ e de um jovem grupo de pesquisadores que começaram, a partir de então a se reconhecer ‘lingüistas’.

No manual russo, a linguística é introduzida como possuidora de uma história (“No manual apresentam-se as principais etapas da história da linguística”), da qual participam linguistas russos e soviéticos (“Uma atenção especial é dada à contribuição da linguística nacional à teoria e prática da linguística”) e tem uma base na “teoria geral do conhecimento e do desenvolvimento das ciências contemporâneas”. Consequentemente, a linguística soviética dos anos 1970 já possui muitos elos anteriores na cadeia da comunicação da esfera científica, da qual ela é uma integrante ativa. Segundo as palavras introdutórias dos autores dos manuais, estudantes brasileiros do final dos anos 1960 e soviéticos do início dos anos 1970 são caracterizados de modos muito distintos e isso ocorre, a nosso ver, em razão das diferentes etapas da ciência da linguagem nas esferas científicas e acadêmicas dos dois países.

Uma comparação dos sumários fornece uma visão geral das semelhanças e diferenças na organização dos dois compêndios. Alertamos que, em razão da extensão, só transcrevemos os títulos dos capítulos, mas reproduzimos as divisões internas do capítulo 2 do manual brasileiro, por trazer a história da linguística, a qual está detalhada nos capítulos do manual russo:

Tabela 2
Capítulos do Sumário

Ao cotejarmos os dois sumários, compreendidos como articulações composicionais dos enunciados manuais, identificamos semelhanças e diferenças significativas. No que concerne às proximidades, ambos os compêndios têm capítulos iniciais dedicados à história da Linguística e apresentam etapas evolutivas comuns; o conceito de língua possui capítulos específicos; há seções dedicadas aos métodos linguísticos. Quanto às diferenças, destacamos os seguintes aspectos: o manual brasileiro destina uma de suas partes à estrutura da linguagem ou níveis de análise linguística, enquanto que o manual russo dedica mais espaço à apresentação da história da linguística, que ocupa toda a sua primeira parte; o compêndio russo dispensa um capítulo à linguística soviética (capítulo 6), aspecto já anunciado na apresentação do autor e por nós analisado acima; na parte sobre a história da linguística, o manual russo consagra capítulos à linguística lógica e psicológica, que estão ausentes do brasileiro; o manual russo tem uma parte sobre “teoria da língua/ linguagem”, integrada por capítulos reservados às relações entre língua/linguagem e pensamento (cap.9), língua/linguagem e sociedade (cap.10) e língua/linguagem e história (cap.11), sob a influência, a nosso ver, de uma “teoria geral do conhecimento”, conforme foi anunciado pelo autor em sua apresentação e analisamos acima.

Essa breve descrição dos sumários sinaliza especificidades na apresentação da linguística aos estudantes de Letras brasileiros e soviéticos no final dos anos 1960 e início dos anos 1970. Apesar de possuir um capítulo destinado à história da disciplina, o manual brasileiro concentra-se mais na constituição da Linguística e de seus níveis de análise. No manual russo, dedica-se um espaço maior ao conhecimento da história da disciplina Linguística e aponta-se a participação dos estudos vernáculos na evolução da área, bem como destinam-se capítulos às relações da língua/linguagem com pensamento, sociedade e história. A linguística russa parece constituir-se sobre uma base filosófica geral, que a coloca em contato com outras áreas. A nosso ver, essas diferenças estão ligadas a uma influência mais marcante da Linguística saussureana e chomskiana no Brasil, com sua ênfase no caráter autônomo da língua, e, muito embora sobretudo a linguística saussureana seja muito influente na União Soviética e na Rússia, a filosofia da linguagem do século XIX de origem alemã exerceu papel determinante na formação da linguística russa e soviética com reflexo nos anos 1970 e, segundo nossa experiência em universidades moscovitas, ainda nos dias atuais. Com isso, identificamos que os elos anteriores da cadeia da comunicação discursiva da esfera científica da Linguística e da esfera acadêmica dos cursos de Letras não cessam de fixar limites, exercer pressões e direcionar sentidos para as apresentações aos futuros integrantes dessas esferas.

A linguística e sua história

A análise dos sumários do manuais já demonstrou diferenças significativas no modo como a história da disciplina Linguística é ensinada nos dois países. As leituras do capítulo 2 do compêndio brasileiro, bem como da primeira parte do soviético continuaram a revelar especificidades. O primeiro aspecto que gostaríamos de destacar são as relações dialógicas entre a esfera da linguística e os contextos sociopolíticos mais amplos das duas culturas/línguas. A esse respeito, Altman (1998)ALTMAN, C. A pesquisa linguística no Brasil (1968-1988). São Paulo: Humanitas/FFLCH/USP, 1998, na sua obra sobre a história da linguística no Brasil, já havia destacado que “[…] embora a ciência da linguagem – como, aliás, qualquer outra ciência – não tenha nacionalidade, enquanto discurso público e social, ela termina por se imbuir dos valores da sociedade que a produz e sustenta, e constrói, eventualmente, tradições próprias.” (ALTMAN, 1998ALTMAN, C. A pesquisa linguística no Brasil (1968-1988). São Paulo: Humanitas/FFLCH/USP, 1998, p.36). As relações entre o campo da ciência linguística e as sociedades brasileira e soviética do final dos anos 1960 e início dos anos 1970 se materializam em distintas ênfases valorativas (VOLOCHINOV, 2017VOLOCHINOV, V. N. Marxismo e Filosofia da Linguagem: problemas fundamentais do método sociológico na ciência da linguagem. Trad. S. Grillo e E.V. Américo. São Paulo: Contexto, 2017 [1929] [1929]), isto é, uma atenção especial a determinados aspectos da realidade que são valorativamente apreciados:

Tabela 3
As esferas científicas no Brasil e na União Soviética

No enunciado brasileiro, o autor, ao justificar um manual de introdução à linguística, responde de modo polêmico (BAKHTIN, 2010BAKHTIN, M. M. Problemas da poética de Dostoiévski. 5.ed. Trad. P. Bezerra. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2010) a um discurso refutável que só vê lugar para uma ciência que tenha “aplicação prática imediata”, ou seja, identificamos um discurso bivocal que aborda seu objeto de sentido – a linguística – e, no âmbito deste, ataca um discurso outro sobre esse objeto. As marcas desse discurso polêmico estão espalhadas no estilo do fragmento: o uso do “se” para indeterminar o sujeito e caracterizar as afirmações como pertencentes a um discurso social generalizado, a presença de pronomes excludentes (“nenhuma”) e adjetivos (“único”, “só”), que colocam esse discurso em seu grau extremo e o uso de uma forma verbal (“estaria') a distanciar o discurso do autor desse discurso social generalizado. Segundo esse manual, a linguística brasileira se institui em tensão com uma avaliação15 15 Conceito desenvolvido por Bakhtin (2013), Volóchinov e Medviédev, para designar um dos elementos constituintes da palavra ou signo ideológico verbal que compreende a relação subjetiva e valorativa com o objeto do sentido expressa no material sígnico. social hostil a ela.

No enunciado soviético, a trajetória da linguística é contada do ponto de vista de uma história do conhecimento que enfatiza seu caráter progressivo e cumulativo. Em seguida, a disciplina linguística também se desenvolve em um espaço social tenso, representado por metáforas que remetem ao universo dos espetáculos de combate (“arena”, “luta”), onde se desenvolve uma polêmica entre duas orientações filosóficas: o materialismo e o idealismo. Como sabemos, essa polêmica está na origem da instalação da União Soviética e o campo da linguística não é imune à sua influência, que voltará a permear de modo recorrente o compêndio soviético.

Portanto, seja em oposição a um discurso apregoador do pragmatismo na ciência, seja na tensão entre as epistemologias idealista e materialista, o campo da linguística surge no Brasil e se desenvolve na União Soviética em um diálogo polêmico com discursos exteriores à esfera da ciência da linguagem.

Conforme destacamos acima ao analisarmos os sumários, identificamos etapas da linguística no manual soviético que estão ausentes do manual brasileiro. A linguística psicológica, desenvolvida em meados do século XIX, não aparece no manual brasileiro; fato ligado, a nosso ver, ao papel que Wilhelm Humboldt (2013HUMBOLDT, V. F. O razlítchi organízmov tcheloviétcheskogo iaziká i o vliáni étogo razlítchia na úmstvennoe razvítie tcheloviétcheskogo roda: vvedénie vo vseóbschee iazikoznánie [Sobre a distinção dos organismos da linguagem humana e a influência dessa distinção para o desenvolvimento intelectual do gênero humano: introdução à linguística geral]. Tradução de P. S. Biliárski. 2.ed. Moscou: Librokom, 2013 [1859]. [1859]) desempenha na história da linguística segundo os manuais brasileiro e soviético.

Tabela 4
Pais fundadores da Linguística

A passagem acima transcrita do manual brasileiro é a única a citar e discorrer sobre o lugar de Humboldt (2013HUMBOLDT, V. F. O razlítchi organízmov tcheloviétcheskogo iaziká i o vliáni étogo razlítchia na úmstvennoe razvítie tcheloviétcheskogo roda: vvedénie vo vseóbschee iazikoznánie [Sobre a distinção dos organismos da linguagem humana e a influência dessa distinção para o desenvolvimento intelectual do gênero humano: introdução à linguística geral]. Tradução de P. S. Biliárski. 2.ed. Moscou: Librokom, 2013 [1859]. [1859]) na história da linguística. Nela são fornecidas informações sobre algumas de suas áreas de atuação, sobre o avanço que seu trabalho representou em relação ao período anterior, terminando com críticas à sua falta de empiricismo e presença de misticismo. Os aspectos são abordados de modo bem sintético e parecem não revelar um conhecimento da própria obra e conceitos desenvolvidos por Humboldt, mas realizar um resumo provavelmente com base em algum compêndio de linguística estrangeiro. Portanto, apesar das avaliações ou ênfases valorativas positivas (“precursor da linguística geral”, “Fez importantes considerações” e “Humboldt representa um progresso”), o leitor provavelmente terá uma representação de Humboldt, como um momento ultrapassado da história da linguística e formulador de ideias (“misticismo”) contraditórias com o conhecimento científico.

No manual soviético, os fragmentos transcritos representam apenas alguns dos momentos em que as ideias de Humboldt são mencionadas e expostas e ainda seu nome figura, no índice onomástico, com o mesmo número de menções de Saussure. O autor alemão é apresentado como o elaborador dos fundamentos filosóficos da linguística, bem como das vertentes linguísticas histórico-comparativa e psicológica.

Primeiramente, Humboldt aparece como fundador da linguística geral18 18 Manuais russos contemporâneos também sustentam essa mesma posição, a saber: Peretrukhin 2016 [1972] e de Amírova, Olkhóvikov, Rojdiéstvenskii (2008). , assim como ocorre na coletânea de textos recentemente traduzida para o russo - Kontsiéptsiia óbchego iazikoznániia: tsiéli, soderjánie, struktúra. Ízbrannie perevódi. [Concepção de uma linguística geral: objetivos, conteúdo, estrutura. Textos traduzidos selecionados] – na qual figura não como um momento ultrapassado da história da linguística, mas como “fundador da linguística geral” (“osnovopolójnik óbchego iazikoznánia”, HUMBOLDT, 2018HUMBOLDT, W. F. Kontsiéptsiia óbchego iazikoznániia: tsiéli, soderjánie, struktura. Ízbrannie perevódi. [Concepção de uma linguística geral: objetivos, conteúdo, estrutura. Textos traduzidos selecionados]. Trad. L. P. Lobanova. Moscou: Lenand, 2018, p.9) e “linguista em uma acepção bem contemporânea” (“lingvistom v ótchen sovremiénnom smísle”,HUMBOLDT, 2018HUMBOLDT, W. F. Kontsiéptsiia óbchego iazikoznániia: tsiéli, soderjánie, struktura. Ízbrannie perevódi. [Concepção de uma linguística geral: objetivos, conteúdo, estrutura. Textos traduzidos selecionados]. Trad. L. P. Lobanova. Moscou: Lenand, 2018, p.9).

Em seguida, ele lança os fundamentos da linguística histórico-comparativa, que não é um trabalho sobre a história da língua sem finalidades ou sem preocupação de determinar a natureza da linguagem, mas, com base no conceito de que a linguagem é uma atividade (enérgeia) e ao mesmo tempo um produto (érgon), a análise da evolução da língua é o meio mais adequado para o linguista observar algo que, segundo Humboldt, é essencial na linguagem: “[…] um processo de criação contínuo nunca totalmente atingido, com o propósito de fazer dos sons articulados um instrumento para expressão do pensamento.” (GRILLO, 2017GRILLO, S. V. C. Marxismo e filosofia da linguagem: uma resposta à ciência da linguagem do século XIX e início do XX. In: VOLOCHINOV, V. N. Marxismo e filosofia da linguagem: problemas fundamentais do método sociológico na ciência da linguagem. São Paulo: Ed. 34, 2017. p.7-82, p.21). Em outros termos, só um trabalho diacrônico poderia revelar a atividade dos sujeitos falantes sobre os recursos expressivos da língua.

Por fim, a concepção de linguagem de Humboldt (2013HUMBOLDT, V. F. O razlítchi organízmov tcheloviétcheskogo iaziká i o vliáni étogo razlítchia na úmstvennoe razvítie tcheloviétcheskogo roda: vvedénie vo vseóbschee iazikoznánie [Sobre a distinção dos organismos da linguagem humana e a influência dessa distinção para o desenvolvimento intelectual do gênero humano: introdução à linguística geral]. Tradução de P. S. Biliárski. 2.ed. Moscou: Librokom, 2013 [1859]. [1859]) deu origem a uma linguística psicológica que, segundo o compêndio, tem como alguns de seus mais importantes representantes em solo russo: Alekándr Potiebniá (1835-1891), Liev Chiérba (1880-1944), Liev Vigotski (1896-1934) e Alekséi Leontiev (1936-2004). Por essa pequena lista, constatamos que as ideias de Humboldt foram e continuam profícuas nos terrenos da linguística, da psicolinguística e da psicologia da linguagem.

A nosso ver, o reconhecimento da importância de Humboldt (2013HUMBOLDT, V. F. O razlítchi organízmov tcheloviétcheskogo iaziká i o vliáni étogo razlítchia na úmstvennoe razvítie tcheloviétcheskogo roda: vvedénie vo vseóbschee iazikoznánie [Sobre a distinção dos organismos da linguagem humana e a influência dessa distinção para o desenvolvimento intelectual do gênero humano: introdução à linguística geral]. Tradução de P. S. Biliárski. 2.ed. Moscou: Librokom, 2013 [1859]. [1859]) para a constituição da ciência da linguagem moderna é um importante diferencial nos compêndios brasileiro e soviético, com reflexos nos campos da linguística contemporânea das duas línguas/culturas.

Depois da parte histórica, o manual brasileiro abre com a conceituação da linguística, na qual Saussure aparece pela primeira vez como fundador de uma escola linguística, enquanto que, no compêndio soviético, Saussure surge ainda no capítulo de história da linguística:

Tabela 5
Saussure no Brasil e na União Soviética

O manual brasileiro acentua o caráter “inovador” dos trabalhos de Saussure e os vincula a uma orientação positivista. O compêndio soviético enfatiza as filiações linguísticas e filosóficas do linguista suíço, bem como os seus desdobramentos em escolas posteriores, ou seja, Saussure é apresentado como um elo na corrente da comunicação discursiva da linguística, que refrata conceitos da esfera filosófica. Uma segunda diferença significativa é o fato de Humboldt figurar como a base da escola idealista de Vossler no manual brasileiro e como um dos precursores do método das antinomias23 23 Esse método é assim definido “[…] a contradição entre duas posições excludentes entre si, reconhecidas como igualmente demonstráveis do ponto de vista lógico.” (KODUKHOV, 1974, p.71). no compêndio soviético.

Ainda em relação à apresentação da história da linguística, gostaríamos de examinar o lugar das linguísticas russa/soviética e brasileira nesse processo. Apesar de o manual brasileiro não trazer informações sobre escolas linguísticas na esfera científica brasileira, a pesquisa historiográfica de Altman (1998)ALTMAN, C. A pesquisa linguística no Brasil (1968-1988). São Paulo: Humanitas/FFLCH/USP, 1998 aponta que os estudos da linguagem se constituíram no Brasil em duas tradições principais: por um lado, uma filológica-portuguesa e dialetológica e, por outro, uma estruturalista linguística. A tradição filológico-portuguesa tinha por projeto a edição crítica de textos literários do português com o propósito de recuperar a cultura de um autor, época ou povo, e a dialetologia visava levantar dados das variantes regionais do Português do Brasil e elaborar atlas linguísticos brasileiros regionais, de acordo com os preceitos do método da Geografia Linguística. Embora Mattoso Câmara ministrasse cursos de Linguística na extinta Faculdade de Filosofia e Letras da Universidade do Distrito Federal (Rio de Janeiro) em 1938 e 1939, a tradição estruturalista expandiu-se nos anos 1960, época em que o termo linguística surgiu no contexto acadêmico brasileiro e se formou um estruturalismo linguístico de “descrição sincrônica de outras modalidades de língua que não a literária” (ALTMAN, 1998ALTMAN, C. A pesquisa linguística no Brasil (1968-1988). São Paulo: Humanitas/FFLCH/USP, 1998, p.122). Essas duas tradições dos estudos linguísticos no Brasil não são contempladas no compêndio brasileiro.

O manual soviético introduz a linguística nacional de dois modos: ao incluir a colaboração de autores russos em correntes linguísticas supranacionais (Aleksandr Potiebniá na linguística psicológica; o linguista polonês que fez carreira na Rússia Baudouin de Courtenay na sociologia da língua e no neogramaticismo, Roman Jakobson na linguística funcional etc.) e ao tratar da abordagem de uma linguística soviética. É desta última que discorreremos a seguir.

Em uma seção denominada “Linguística soviética”, identificamos diversos aspectos característicos do desenvolvimento da linguística nos anos pós revolução de 1917:

A linguística soviética baseada na filosofia marxista-leninista congrega linguistas que trabalham na União Soviética, e suas teorias e práticas herdam a melhor tradição da linguística nacional. Entretanto, a linguística soviética está estreitamente ligada à linguística mundial. (KODUKHOV, 1974KODUKHOV, V. I. Óbchee iazikoznánie [Linguística Geral]. Moscou: Víchaia Chkola, 1974, p.99, tradução nossa).24 24 Original: Советское языкознание, базирующееся на марксистско-ленинской философии, объединяет языковедов, работающих в Советском Союзе, и его теория и практика наследуют лучшие традиции отечественного языкознания. Однако советская лингвистика тесно связана и с мировым языкознанием. (KODUKHOV, 1974, p.99).

Toma impulso também o trabalho teórico; o fundamento filosófico da linguística soviética torna-se o marxismo. A linguística marxista é compreendida como sociologia da linguagem. Em uma série de trabalhos, o conhecimento metodológico é elucidado para linguistas em enunciados de clássicos do marxismo-leninismo: “Marxismo e filosofia da linguagem” (1929) V. N. Volóchinov […] (KODUKHOV, 1974KODUKHOV, V. I. Óbchee iazikoznánie [Linguística Geral]. Moscou: Víchaia Chkola, 1974, p.101, tradução nossa).25 25 Original: Оживляется и теоретическая работа; философской основой советского языкознания становится марксизм. Марксистское языкознание понимается как социология языка. В ряде работ разъясняется методологическое знание для языковедов высказываний классиков марксизма-ленинизма: «Марксизм и философия языка» (1929) В. Н. Волошинова […] (KODUKHOV, 1974, p.101).

Os linguistas soviéticos partem da natureza social da linguagem – mais importante meio da comunicação humana. Justamente tal compreensão da língua e da participação prática na construção da língua impulsionaram, em primeiro plano, o problema da língua padrão como forma de cultura nacional. (KODUKHOV, 1974KODUKHOV, V. I. Óbchee iazikoznánie [Linguística Geral]. Moscou: Víchaia Chkola, 1974, p.101-102, tradução nossa).26 26 Original: Советские языковеды исходят общественной природы языка – важнейшего средства человеческого общения. Именно такое понимание языка и практическое участие в языком строительстве выдвинули на передний план проблему литературного языка как формы национальной культуры. (KODUKHOV, 1974, p.101-102).

Os linguistas soviéticos tomaram e tomam parte direta na edificação cultural. Eles prestaram grandes serviços na criação de: escolas e manuais para instituições de ensino superior, diversos dicionários de línguas de povos da União Soviética, alfabetos para línguas antes ágrafas, e reforma e unificação de antigos alfabetos e ortografias. (KODUKHOV, 1974KODUKHOV, V. I. Óbchee iazikoznánie [Linguística Geral]. Moscou: Víchaia Chkola, 1974, p.111, tradução nossa).27 27 Original: Советские языковеды принимали и принимают непосредственное участие в культурном строительстве. Велики их заслуги в создании школьных и вузовских учебников, различных словарей языков народов Советского Союза, алфавитов для ранее бесписьменных языков и реформировании и унификации старых алфавитов и орфографий. (KODUKHOV, 1974, p.111).

Identificamos, primeiramente, a afirmação reiterada de uma base filosófica marxista-leninista para a linguística soviética. Se, por um lado, essa assunção pode significar uma ruptura com o conhecimento anteriormente produzido na Rússia e uma polarização com outras tradições não socialistas, por outro, verificamos uma preocupação em conectar a linguística soviética com aquela desenvolvida em séculos anteriores na própria Rússia e com o estado da ciência linguística em outros países do mundo. Em outros termos, trata-se de marcar a especificidade de um espaço disciplinar nacional e histórico em diálogo com a diacronia da disciplina e com seu desenvolvimento contemporâneo internacional.

Em segundo lugar, constatamos a assunção do surgimento de uma corrente linguística sob explícita influência da teoria materialista marxista que adquiriu a denominação de sociologia da linguagem ou, como encontramos em outros materiais, método sociológico. O autor cita 7 expoentes dessa teoria (V. Volóchinov, R. Chor, E. Polivánov, E. Rit, S. Bikóvski, S. Katsnelson, N. Marr) que foram autores de obras consideradas por ele «clássicos», entre as quais aparece em primeiro lugar o conhecido livro de V. N. Volóchinov «Marxismo e filosofia da linguagem». Embora este trabalho esteja longe de gozar da sua popularidade em solo brasileiro, percebemos que no início dos anos 1970 ele era conhecido por linguistas soviéticos e considerado um importante representante da sociologia da linguagem.

Por fim, depreendemos a preocupação do autor em destacar a participação de linguistas soviéticos em diversas atividades que, apesar de diretamente relacionadas à linguagem, extrapolavam a esfera científica da linguística, em uma acepção estrita, e expandiam-se principalmente para esferas educacional, social e política, a saber:

  • a fixação de uma norma padrão para um país de grande extensão territorial e enorme diversidade sociocultural;

  • a realização de trabalhos em lexicografia e lexicologia que resultaram na produção de dicionários até hoje reeditados na Rússia;

  • a elaboração de sistemas de escrita para línguas que até então não os possuíam;

  • a reforma ortográfica da língua russa;

  • a criação de escolas de Educação Básica; a elaboração de manuais para instituições de ensino superior.

Em síntese concluímos que, no manual brasileiro, a linguística é uma ciência jovem e, apesar de os estudos historiográficos de Altman (1998)ALTMAN, C. A pesquisa linguística no Brasil (1968-1988). São Paulo: Humanitas/FFLCH/USP, 1998 apontarem uma tradição filológica-portuguesa e dialetológica, estas não são tratadas no manual, ao passo que, no compêndio soviético, a linguística soviética é uma ciência a ser compreendida de modo bastante complexo: ao mesmo tempo herdeira de uma tradição anterior e participante da ruptura pós Revolução de 1917; formuladora de correntes próprias e em sintonia com a linguística mundial; estreitamente comprometida com projetos sociais como a padronização do idioma nacional, a elaboração de escrita para línguas até então ágrafas e de formulação de políticas educacionais para a Educação Básica e Superior.

Definição da linguística e de seus métodos

Nesta seção, analisaremos como a ciência linguística é definida nos compêndios brasileiro e soviético. Começaremos pela definição do seu objeto nos fragmentos a seguir:

Tabela 6
A Linguística no Brasil e na União Soviética

Depreendemos procedimentos estilístico-composicionais diversos na exposição do objeto da linguística. No manual brasileiro, o capítulo “Linguística” começa com duas pequenas seções denominadas “Conceituação geral” e “Objeto”, ambas em negrito e destacadas com os algarismos romanos 1 e 2, por meio das quais rapidamente o leitor identifica o campo e o objeto da linguística; em seguida, discorre-se sobre as “características particulares” da linguagem: os signos linguísticos, linguagem e pensamento, articulação da linguagem humana, sistema auditivo de símbolos, arbitrariedade, aquisição por aprendizagem, a universalidade. No manual soviético, o capítulo “Teoria da linguagem” inicia-se com uma introdução de sete páginas sem divisões, na qual se destaca a importância de definir a natureza da linguagem e seu objeto; na sequência, são apresentadas as diversas antinomias envolvendo os termos “língua” e “fala”: constante/mutável, contemporâneo/histórico, lógico/psicológico, social/individual, atividade discursiva/seu resultado, sistema/processo, forma/conteúdo, coisa/objeto; para no final desta seção definir o objeto da linguística. As diferenças na composição dos compêndios parece pressupor dois destinatários presumidos distintos: o manual brasileiro pressupõe um leitor menos experiente com a área e que necessita de indicações precisas de onde encontrar os conceitos, ou seja, é como se o autor grifasse os conceitos centrais para o leitor; já o manual soviético projeta um leitor mais experiente com textos acadêmicos e capaz de localizar conceitos de modo mais autônomo. Em seguida, a apresentação do objeto da linguística – a linguagem verbal humana – é explorada de modos bem distintos: no manual brasileiro, apresentam-se as características constitutivas da linguagem, e, no soviético, defende-se a necessidade de começar a discussão pelas categorias filosóficas e pelas dicotomias no estudo da linguagem.

No que diz respeito às definições propriamente ditas, a delimitação do objeto da linguística tem uma coincidência central nos dois manuais: ambos apontam a linguagem verbal humana como esse objeto e destacam sua função comunicativa. No entanto, verificamos diferenças importantes na compreensão do conceito de linguagem humana. No compêndio brasileiro, a linguagem é basicamente definida como um sistema de signos sonoros e, com isso, fundamenta-se na definição de Saussure no “Curso de Linguística Geral” de que em razão da complexidade do fenômeno linguístico é preciso se restringir a uma parte dele: a língua. No manual soviético, a linguagem é sistema, norma linguística32 32 Norma – “[…] conjunto de tudo o que foi falado e compreendido em uma determinada situação concreta, em uma ou outra época da vida de um dado grupo social.” (CHIERBA, 1974 [1931], p.26, tradução nossa). Em outros termos, “[…] condicionamento social e limitação de uma ou outra estrutura, bem como o funcionamento e desenvolvimento histórico da língua.” (KODUKHOV, 1974, p.122, grifo nosso) e atividade discursiva33 33 Compreende o processo de fala e sua compreensão, com a ênfase de que os dois aspectos são igualmente ativos: a compreensão é tanto condicionada pela fala quanto a condiciona. . Depreendemos que essas três “faces” da linguagem decorrem de uma assimilação crítica da dicotomia do “Curso” (SAUSSURE, 196- [1916SAUSSURE, F. de. Curso de Lingüística Geral. Trad. A. Chelini, J. P Paes, I. Blikstein. São Paulo: Cultrix, 196 - [1916]]), por meio do trabalho do linguista russo Liev Chierba “Sobre o aspecto triádico dos fenômenos linguísticos e o experimento na linguística” (1931) e da influência do linguista alemão Wilhelm Humboldt. Em síntese, as linguísticas soviética e brasileira apresentadas nos manuais têm o mesmo objeto empírico – a linguagem verbal humana -, a partir do qual constituem diferentes objetos teóricos.

Por fim, passemos à apresentação dos métodos em linguística. Antes, cremos ser necessário elucidar as concepções mais correntes de método, conceito que costuma trazer problemas. A palavra método origina-se no grego metá + hodós (através de + caminho) e, a partir do século XVI, já tem a acepção de investigação científica (CUNHA, 2010CUNHA, A. G. da. Dicionário etimológico da língua portuguesa. 4.ed. Rio de Janeiro: Lexicon, 2010). Vejamos ainda duas acepções de método:

Método - Entende-se habitualmente por método uma sequência programada de operações que visa à obtenção de um resultado conforme as exigências da teoria. Nesse sentido, o termo método é quase sinônimo de procedimentos; métodos particulares, explicitados e bem definidos, que têm um valor geral, são equiparáveis a procedimentos de descoberta. (GREIMAS; COURTÉS, 2010GREIMAS, A. J.; COURTÉS, J. Dicionário de semiótica. Trad. D. A. D. Lima et al. São Paulo: Contexto, 2010, p.311).

Método (do grego méthodos – caminho da pesquisa) na linguística – 1) conjunto geral de diretrizes teóricas, procedimentos, metódica de pesquisa da linguagem, ligados a uma teoria linguística determinada e com uma metodologia geral, também chamado Método Geral. 2) Procedimentos particulares, metódica, operações apoiadas em diretrizes teóricas determinadas, como meio técnico, instrumento para pesquisa de diferentes aspectos da linguagem, - Métodos particulares. (IARTSEVA, 1990, p.298, tradução nossa).34 34 Original: Метод (от греч. méthodos – путь исследования) в языкознании – 1) обобщенные совокупности теоретических установок, приёмов, методик исследования языка, связанные с определенной лингвистической теорией и с общей методологией, - т. наз. Общие М. 2) Отдельные приёмы, методики, операции, опирающиеся на определенные теоретич. установки, как технич. cредство, инструмент для исследования того или иного аспекта языка, - частные М. (ЯРЦЕВА, 1990, p.298).

Greimas e Courtés (2010)GREIMAS, A. J.; COURTÉS, J. Dicionário de semiótica. Trad. D. A. D. Lima et al. São Paulo: Contexto, 2010 identificam o método como uma parte da teoria e o distinguem desta; já o dicionário russo de Iartseva admite uma acepção mais ampla em que método pode ser utilizado como sinônimo de teoria e uma acepção particular, como procedimentos de descoberta científica ligada a um método, semelhante à definição de Greimas e Courtés.

O manual brasileiro inicia o capítulo “Métodos linguísticos” com a afirmação “O desenvolvimento da lingüística tem propiciado o aparecimento de vários métodos de pesquisa, todos eles de resultados fecundos.” (BORBA, 1970 [1967]BORBA, F. da S. Introdução aos estudos linguísticos. 2.ed. São Paulo: Cia. Nacional, 1970 [1967], p.143) e passa imediatamente à sua enumeração e exposição. Já o manual russo dedica um capítulo à definição de método de pesquisa e método filosófico, ou seja, apresenta a relação entre métodos de ciência linguística com uma teoria geral do conhecimento:

Método […] é um meio de conhecimento do objeto, de seus aspectos constitutivos, de seu funcionamento. O conhecimento (aí incluído o pensamento científico) é uma aproximação infinita do pensamento em relação ao objeto, um processo de domínio pelo homem da natureza, das leis de desenvolvimento da sociedade e do próprio pensamento. (KODUKHOV, 1974KODUKHOV, V. I. Óbchee iazikoznánie [Linguística Geral]. Moscou: Víchaia Chkola, 1974, p.202, tradução nossa).35 35 Original: Метод […] средство познания объекта, его отдельных сторон, его функционирования. Познание (в том числе научное мышление) представляет собой бесконечное приближение мышления в объекту, процесс овладения человека природой, а также законами развития общество и самого мышления. (KODUKHOV, 1974, p.202).

O conhecimento como processo encerra três etapas: pesquisa (descoberta dos fatos ou de suas relações), sistematização (interpretação e demonstração) e exposição (descrição). (KODUKHOV, 1974KODUKHOV, V. I. Óbchee iazikoznánie [Linguística Geral]. Moscou: Víchaia Chkola, 1974, p.205, tradução nossa).36 36 Original: Познание как процесс включает три основных этапа: исследования (открытия фактов или их взаимосвязи), систематизации (интерпретации и доказательства) и изложения (описания) (KODUKHOV, 1974, p.205).

Observação da linguagem – são as regras e técnicas de retirada do texto (ou do fluxo da fala) de um ou outro fato e de incluí-lo em uma categoria estudada (sistema). (KODUKHOV, 1974KODUKHOV, V. I. Óbchee iazikoznánie [Linguística Geral]. Moscou: Víchaia Chkola, 1974, p.206, tradução nossa).37 37 Original: Лингвистическое наблюдение – это правила и техника выделения из текста (или потока речи) того или иного факта и включение его в изучаемую категорию (систему). (KODUKHOV, 1974, p.206).

Interpretação consiste na descoberta do sentido de resultados obtidos e de definição da característica conteudística ou por meio da inclusão deles em uma teoria existente (como confirmação ou complemento), ou por meio da criação de uma nova teoria, se os resultados obtidos e suas características conteudísticas não entram no âmbito de uma teoria antiga. (KODUKHOV, 1974KODUKHOV, V. I. Óbchee iazikoznánie [Linguística Geral]. Moscou: Víchaia Chkola, 1974, p.210, tradução nossa).38 38 Original: Интерпретация состоит в раскрытии смысла полученных результатов и определении содержательной характеристики или путём включения их в существующие теории (как подтверждения или дополнения), или путём создания новой теории, если полученные результаты и их содержательные характеристики не укладываются в рамки старой теории. (KODUKHOV, 1974, p.210).

Além dos métodos de conhecimento e dos métodos científicos gerais há ainda métodos particulares – de pesquisa científica, métodos de ciências individuais […] a estrutura do método de pesquisa é determinada pela interação entre o aspecto, o procedimento, as metódicas de pesquisa e o modo de descrição. (KODUKHOV, 1974KODUKHOV, V. I. Óbchee iazikoznánie [Linguística Geral]. Moscou: Víchaia Chkola, 1974, p.213, tradução nossa).39 39 Original: Кроме методов познания и общенаучных методов есть ещё частные методы – научно-исследовательские, методы отдельных наук. […] структура исследовательского метода определяется взаймодействием аспекта, приёма, и методики исследования и способа описания. (KODUKHOV, 1974, p.213). O aspecto da pesquisa é o modo de conhecimento da realidade, assim como auxilia na retirada de aspectos particulares, fenômenos, objetos da realidade, com o propósito de submetê-los a um estudo especial. A separação de um aspecto de pesquisa pré determina a escolha do procedimento (ou) procedimentos de pesquisa mais eficaz (ou eficazes) em dado caso. (KODUKHOV, 1974, p.214) [Аспект исследования является способом познания действительности, так как помогает выделить из неё отдельные стороны, явления, объекты для того, чтобы подвергнуть их специальному изучению. Выделение аспекта исследования предопределяет выбор того или иного приёма (или) приёмов исследования, наиболее эффективного (или эфективных) в данном случае. (KODUKHOV, 1974, p.214)]. Procedimento […] conjunto de regras de pesquisa formulados como metódica de análise (por exemplo, um procedimento de pesquisa é o método da reconstrução interna ou o método distributivo). Tais procedimentos […] podem ser utilizados em diferentes métodos. (KODUKHOV, 1974, p.214) [Приём […] совокупность правил исследования, сформулированных как методика анализа (приёмом исследования, например, метод внутренней реконструкции или дистрибутивный метод). Такие приёмы […] могут быть исползованы в разных методах]. (KODUKHOV, 1974, p.214)]. Metódica – significa o próprio processo de aplicação de um método-procedimento […] domínio da aplicação de um método. (KODUKHOV, 1974, p.215) [Методика – означает самую процедуру применения того или иного метода-приёма […] мастерство применения того или иного метода]. (KODUKHOV, 1974, p.215). Modo de descrição – forma externa de um procedimento e metódica de análise. Os modos de descrição dividem-se, segundo o seu caráter, em formalizados e não formalizados e, de acordo com o meio de descrição, em verbais e não verbais. (KODUKHOV, 1974, p.215-216) [Способ описания – внешняя форма того или иного приёма и методики анализа. Способы описания деляется по характеру описания на формализованные и неформализованные, а по средствам описания – на вербальные и невербвльные]. (KODUKHOV, 1974, p.215-216).

O compêndio russo define o conhecimento científico em geral, em seguida descreve métodos de pesquisa científica e expõe a realização desses métodos na linguística. Sua definição de método inclui os procedimentos metodológicos de seleção, coleta, descrição e interpretação de dados. Destaco ainda a aspectualização dos métodos, ou seja, a delimitação dos elementos constituintes dos diferentes conceitos (por exemplo, definição de conhecimento como «processo de domínio pelo homem da natureza, das leis de desenvolvimento da sociedade e do próprio pensamento.”) e das diferentes etapas ou fases de realização da pesquisa (por exemplo, “pesquisa (descoberta dos fatos ou de suas relações), sistematização (interpretação e demonstração) e exposição (descrição)”). A exposição de princípios epistemológicos (no sentido de princípios do fazer científico geral) permitem que o estudante de letras soviético compreenda a linguística na relação com uma teoria geral do fazer científico.

Ainda em relação ao método, nos compêndios dedicam-se seções à definição dos principais métodos da linguística. No manual brasileiro apresentam-se cinco métodos: histórico comparativo, geográfico, de palavras e coisas, descritivo e glotocronológico; já no soviético, em princípio, encontramos apenas dois - descritivo e comparativo – dentro dos quais se distribuem aqueles apresentados como diferentes no compêndio brasileiro: os geográfico e de palavras e coisas são descritos como procedimentos no interior do método descritivo, e o glotocronológico, do histórico-comparativo. Passemos a analisar como os dois grandes métodos – descritivo e histórico-comparativo - aparecem nos dois compêndios:

Tabela 7
O método linguístico no Brasil e na União Soviética

Os dois compêndios fazem apresentações bem distintas do método descritivo. O manual brasileiro inicia com uma definição de forma linguística44 44 “Uma ambigüidade marca o uso do termo formal, que pode ser entendido tanto como o estudo das formas (em oposição a estudo do conteúdo) quanto como o estudo da rede abstrata das relações estruturais (neste caso, aplica-se tanto ao estudo de formas quanto de conteúdos).” (ALTMAN, 1998, p.298). , expõe a dupla articulação da linguagem, divide os aspectos externos e internos da língua, sendo que estes últimos são compostos por quatro planos de análise linguística. A exposição do conceito de forma é feita de modo simplificado provavelmente em decorrência do fundo aperceptível de percepção do interlocutor do manual. Não fica muito claro o que o autor entende por “planos”, pois, ao incluir o “estilístico”, percebemos que ele não está falando dos níveis de análise linguística de Benveniste (1997BENVENISTE, E. Les niveaux de l'analyse linguistique. In: BENVENISTE, E. Problèmes de linguistique générale I. Paris: Gallimard, 1997 [1962]. p.119-131 [1962]) que vai até o nível da frase, enquanto último nível da língua a ser composto de signos.

O compêndio russo destaca os antecedentes históricos do método descritivo, delimita sua natureza sincrônica e passa a descrever os procedimentos de identificação das unidades linguísticas e da sua interpretação (esta entendida como a inserção das unidades em categorias), faz uma crítica à assunção da natureza imanente da linguagem (isto é, a afirmação da interioridade dos seus elementos constituintes e a negação de forças exteriores sobre a linguagem, COMTE-SPONVILLE, 2000COMTE-SPONVILLE, A. (org.). Dictionnaire de la philosophie. Paris: Encyclopaedia Universalis/Albin Michel, 2000) – a qual só pode ser superada pelo materialismo dialético – filosofia do proletariado e marxista.

O método histórico-comparativo também é descrito nos dois compêndios:

Tabela 8
O método histórico-comparativo no Brasil e na União Soviética

Ambos os manuais delimitam a evolução das línguas como objeto do método histórico-comparativo, mas o compêndio soviético esclarece que se trata de reconstruir a origem comum de línguas aparentadas. Observamos diferenças significativas entre ambos quanto à avaliação do método e mesmo da sua composição: no manual brasileiro são apontadas insuficiências no método histórico-comparativo, que pode ser utilizado mediante recursos empíricos complementares; no manual soviético apresenta-se o «método comparativo» que se divide em histórico-comparativo e contrastivo, este com o objetivo de comparar as línguas entre si, sem a finalidade de reconstrução histórica e sem que as línguas cotejadas tenham parentesco.

Na apresentação dos métodos, identificamos avaliações distintas em relação aos métodos descritivo e histórico-comparativo. No manual brasileiro, o método descritivo é apresentado sintética e simplificadamente em decorrência de dois fatores: primeiramente, da presunção do fundo aperceptível de percepção do destinatário presumido conforme apontamos anteriormente («Ainda mal habituado ao manejo de bibliografia estrangeira e sob o impacto de uma disciplina quase totalmente nova, é natural que o estudante não produza o suficiente ou, então, desanime”), e do fato de que toda a sua segunda parte é dedicada à exposição da estrutura da linguagem47 47 Conferir sumário transcrito no início do artigo. , espaço em que o leitor poderá compreender mais detidamente o conceito de forma. Ainda sobre o manual brasileiro, não se fazem restrições ao método descritivo, mas o método histórico-comparativo é objeto de uma série de críticas que apontam insuficiências nos seus procedimentos. No compêndio soviético, o método descritivo tem antecedentes históricos bem longínquos (sua origem encontra-se nas gramáticas chinesa, indiana e grega) e faz-se críticas à abordagem estruturalista, defensora do caráter imanente das unidades de análise linguística, cuja abordagem neopositivista pode ser superada no campo do materialismo dialético, ao passo que o método histórico-comparativo é uma subdivisão dentro do método comparativo que se desdobra em histórico-comparativo e contrastivo e não encontramos restrições a eles.

Considerações finais

O objetivo central da análise comparativa de enunciados de duas línguas/culturas, conforme destacamos na introdução deste artigo, é levar-nos à identificação das especificidades de ambas decorrentes do contraste. O percurso de análise comparativa dos manuais brasileiro e soviético revelaram semelhanças e diferenças significativas na apresentação da linguística a estudantes dos cursos de Letras no Brasil e na União Soviética do final dos anos 1960 e início dos anos 1970.

A escolha do gênero «manual de introdução» de autores vernáculos parece-nos relevante, pois esses compêndios permitem a depreensão de definições, conceitos, procedimentos da ciência da linguagem com os quais os ingressantes na área se deparam e que formam seu «fundo aperceptível de percepção» a marcar de modo mais ou menos consciente sua trajetória na esfera da Linguística. A tabela a seguir busca sintetizar as principais diferenças encontradas entre os dois manuais:

Tabela 9
Síntese dos resultados da comparação

A história da ciência nas duas línguas/culturas, o diálogo com a linguística desenvolvida em países com maior tradição na área e o meio social mais amplo foram fatores que fixaram limites, exerceram pressões e direcionaram sentidos para as apresentações da linguística aos futuros integrantes dessa ciência nas duas línguas/culturas. A interação desses três processos sociohistóricos foram fundamentais na definição das escolas linguísticas, na delimitação do objeto da linguística e na avaliação dos seus métodos.

  • 1
    Em russo há três designações para linguística: iazikoznánie [conhecimento da linguagem], iazikovedénie [saber/conhecimento/estudo da linguagem] e lingvística [linguística]. A maioria dos manuais soviéticos e russos utiliza o primeiro termo.
  • 2
    Em razão da grande divulgação da teoria bakhtiniana em solo brasileiro e da necessidade de privilegiar os resultados da comparação, não abriremos uma seção específica para expor essa teoria, mas, durante a análise dos manuais, exporemos brevemente os conceitos necessários à compreensão do artigo.
  • 3
    Esse critério histórico eliminou a seleção de “Princípios de Linguística Geral” de J. Mattoso Câmara Junior publicado pela primeira vez em 1941.
  • 4
    Professor Livre-Docente [Doktor Hayk], coordenador do departamento de língua russa no Instituto Pedagógico de Belgoródski, na Universidadesde Kazánski e na Universidade Estatal Russa Pedagógica A. I. Gértsena (São Petersburgo). Foi ainda professor de língua russa no ensino médio. Especialista em lexicologia e lexicografia, ensino de língua russa como estrangeira e autor de manuais de introdução à linguística.
  • 5
    Disponível em: http://www.bgshop.ru/Catalog/GetFullDescription?id=10375858. Acesso em: 25 set. 2018.
  • 6
    Professor Livre-docente pela Universidade de São Paulo e Professor Aposentado do Programa de Pós-Graduação em Linguística e Língua Portuguesa – Faculdade de Ciências e Letras de Araraquara. Foi professor de língua portuguesa no ensino médio. Especialista em teoria sintática e lexicografia.
  • 7
  • 8
    Inspirado na tese de doutoramento de Edmunson (2017)EDMUNDSON, M. V. A. da S. Relações dialógicas no processo de ressignificação do discurso científico em enunciados de notícia de popularização da ciência. 2017, fazemos uma distinção entre a esfera acadêmica - aquela em que são ensinados os conceitos e metodologias de uma ciência e é formada majoritariamente por instituições de ensino superior - e a esfera científica - na qual esses conceitos e metodologias são necessariamente produzidos seja em universidades, laboratórios e institutos de pesquisa, onde podem ainda ser ensinados.
  • 9
    Em uma passagem pela seção de Letras/Linguística de uma grande livraria paulistana em 28/07/2018, encontramos três manuais introdutórios: “Introdução aos estudos linguísticos” de Francisco da Silva Borba, “Introdução à Linguística” organizado por José Luiz Fiorin (6. ed., Contexto, 2018FIORIN, J. L. (org.). Introdução à Linguística. I. Objetos teóricos. 6.ed. São Paulo: Contexto, 2018) e os volumes de “Introdução à Linguística” organizados por Fernanda Mussalim e Anna Christina Bentes (Editora Cortez, 2001MUSSALIM, F.; BENTES, A. C. (org.) Introdução à linguística: domínios e fronteiras. São Paulo: Cortez, 2001. vols. 1 e 2).
  • 10
    Original: Курс общего языкознания расширяет и углубляет общеязыковедческую подготовку выпускников филологических факультетов: поднимает их теоретический уровень, знакомит с основными лингвистическими направлениями и школами, вводит в проблематику современной лингвистики, вооружает методологией и методикой лингвистического анализа, способствует лучшей подготовке выпускника к творческой практической деятельности в области просвещения, культуры и науки. (KODUKHOV, 1974KODUKHOV, V. I. Óbchee iazikoznánie [Linguística Geral]. Moscou: Víchaia Chkola, 1974, p.3).
  • 11
    Original: В учебнике освещаются главные этапы история лингвистики и её ведущие направления и школы, характеризуются основные проблемы современного теоретического языкознания, описываются различные методы и приёмы лингвистического анализа. Особое внимание обращено на вклад отечественного языкознания в теорию и практику мировой лингвистики. Лингвистическая проблематика рассматривается в свете общей теории познания и развития современных наук. (KODUKHOV, 1974KODUKHOV, V. I. Óbchee iazikoznánie [Linguística Geral]. Moscou: Víchaia Chkola, 1974, p.2).
  • 12
    Disponível em: http://www.ppglinguistica.letras.ufrj.br/index.php/pt/. Acesso em: 26 set. 2018.
  • 13
    A palavra russa язык recobre as palavras “língua” e “linguagem” em português, razão pela qual mantivemos os dois termos nos contextos em que consideramos serem possíveis tanto um quanto outro termo.
  • 14
    Original: Каждая наука имеет свою историю, и новые знания являются аккумуляцией уже известных, их дальнейшим развитием и видоизменением, в ряде случаев весьма существенным.
    История лингвистики показывает, что языкознание не может развиваться изолированно от других наук, что на лингвистической арене также проявляется борьба материалистической философии с идеализмом, диалектики с метафизикой. (KODUKHOV, 1974KODUKHOV, V. I. Óbchee iazikoznánie [Linguística Geral]. Moscou: Víchaia Chkola, 1974, p.4).
  • 15
    Conceito desenvolvido por Bakhtin (2013)BAKHTIN, M. M. Os gêneros do discurso. In: BAKHTIN, M. M.. Estética da criação verbal. Trad. P. Bezerra. São Paulo: Martins Fontes, 2013. p.261-306., Volóchinov e Medviédev, para designar um dos elementos constituintes da palavra ou signo ideológico verbal que compreende a relação subjetiva e valorativa com o objeto do sentido expressa no material sígnico.
  • 16
    Original: Философские основы сравнительно-исторического и типологического языкознания заложил В. Гумбольдт (1767-1835) […] Значение Гумбольдта для языкознания можно сравнить с влиянием на развитие философии Канта и Гегеля, причём Гумбольдт более похож на Гегеля. В отличие от Канта, Гумбольдт говорил о вербально-логическом (а не чисто логическом) мышлении. Язык, считал он, функционирует как обозначение предметов и как средство общения. И поскольку язык есть сложное и противоречивое явление, постольку отдельные стороны его можно постичь, если применить методику антиномий, частного и общего. Основные противоречия, с которыми встречается исследователь языка, - это противоречия субъективного и объективного, языка и мышления, деятельности и дела, общего (коллективного) и особенного (индивидуального).[…] Гумбольдт считал, что языкознание должно иметь свою философскую базу – философию языка, построенную на прочном фундаменте анализа различных языков. Основными принципами философии языка, по мнению Гумбольдта, являются признание языка и его формы как деятельности и национального сознания народа. (KODUKHOV, 1974KODUKHOV, V. I. Óbchee iazikoznánie [Linguística Geral]. Moscou: Víchaia Chkola, 1974, p.25).
  • 17
    Original: Психологическое направление в языкознании возникло как реакция на учения представителей натуралистического и логического направлений. Его истоки мы находим в концепции Гумбольдта, который подчеркнул активный и семантический характер речевой деятельности. (KODUKHOV, 1974KODUKHOV, V. I. Óbchee iazikoznánie [Linguística Geral]. Moscou: Víchaia Chkola, 1974, p.41).
  • 18
    Manuais russos contemporâneos também sustentam essa mesma posição, a saber: Peretrukhin 2016PERETRUKHIN, V. N. Vvediénie v iazikoznánie [Introdução à linguística]. Moscou: Librakom, 2016 [1972]. [1972] e de Amírova, Olkhóvikov, Rojdiéstvenskii (2008)AMÍROVA, T. A.; OLKHÓVIKOV, B. A.; ROJDIÉSTVENSKII, I. V. Istóriia iazikoznánia [História da linguística]. 5.ed. Moscou: Izdátelstkii tséntr “Akadiémiia”, 2008..
  • 19
    Original: Работы Ф. де Соссюра (1857-1913) находится на стыке разных лингвистических направлений и школ: он поддерживает идеи психологической и социологической лингвистики, неограмматизма, его концепция будет продолжена в учениях структуралистических школ, лингвосемиотики и системой лингвистики. (KODUKHOV, 1974KODUKHOV, V. I. Óbchee iazikoznánie [Linguística Geral]. Moscou: Víchaia Chkola, 1974, p.70).
  • 20
    Original: Создавая теорию языка, де Соссюр опирался не только на лингвистическую традицию, но и на философские труды И. Канта, О. Конта и Э. Дюркгейма, из учения которого он взял понимание социального факта как представления коллективного сознания, принуждающего индивида подчиняться этому социальному. (KODUKHOV, 1974KODUKHOV, V. I. Óbchee iazikoznánie [Linguística Geral]. Moscou: Víchaia Chkola, 1974, p.71).
  • 21
    Original: Основным методом анализа де Соссюр метод антиномий. Это тоже было уже известно: метод антиномий широко использовал В. Гумбольдт и многие лингвисты XIX в. (KODUKHOV, 1974KODUKHOV, V. I. Óbchee iazikoznánie [Linguística Geral]. Moscou: Víchaia Chkola, 1974, p.71).
  • 22
    Original: Исследуя, как и Гумбольдт, противоречивую природу речевой деятельности (langage), её основным противоречием де Соссюр считал антиномию языка (langue) и речи (parole). (KODUKHOV, 1974KODUKHOV, V. I. Óbchee iazikoznánie [Linguística Geral]. Moscou: Víchaia Chkola, 1974, p.72).
  • 23
    Esse método é assim definido “[…] a contradição entre duas posições excludentes entre si, reconhecidas como igualmente demonstráveis do ponto de vista lógico.” (KODUKHOV, 1974KODUKHOV, V. I. Óbchee iazikoznánie [Linguística Geral]. Moscou: Víchaia Chkola, 1974, p.71).
  • 24
    Original: Советское языкознание, базирующееся на марксистско-ленинской философии, объединяет языковедов, работающих в Советском Союзе, и его теория и практика наследуют лучшие традиции отечественного языкознания. Однако советская лингвистика тесно связана и с мировым языкознанием. (KODUKHOV, 1974KODUKHOV, V. I. Óbchee iazikoznánie [Linguística Geral]. Moscou: Víchaia Chkola, 1974, p.99).
  • 25
    Original: Оживляется и теоретическая работа; философской основой советского языкознания становится марксизм. Марксистское языкознание понимается как социология языка. В ряде работ разъясняется методологическое знание для языковедов высказываний классиков марксизма-ленинизма: «Марксизм и философия языка» (1929) В. Н. Волошинова […] (KODUKHOV, 1974KODUKHOV, V. I. Óbchee iazikoznánie [Linguística Geral]. Moscou: Víchaia Chkola, 1974, p.101).
  • 26
    Original: Советские языковеды исходят общественной природы языка – важнейшего средства человеческого общения. Именно такое понимание языка и практическое участие в языком строительстве выдвинули на передний план проблему литературного языка как формы национальной культуры. (KODUKHOV, 1974KODUKHOV, V. I. Óbchee iazikoznánie [Linguística Geral]. Moscou: Víchaia Chkola, 1974, p.101-102).
  • 27
    Original: Советские языковеды принимали и принимают непосредственное участие в культурном строительстве. Велики их заслуги в создании школьных и вузовских учебников, различных словарей языков народов Советского Союза, алфавитов для ранее бесписьменных языков и реформировании и унификации старых алфавитов и орфографий. (KODUKHOV, 1974KODUKHOV, V. I. Óbchee iazikoznánie [Linguística Geral]. Moscou: Víchaia Chkola, 1974, p.111).
  • 28
    Original: Строго антиномическая концепция «язык – речь» имеет два существенных недостатка: а) в этой концепции сложная природа языка как основного средства общения представлена упрощенно; как будет показано ниже (см. с. 121-122), язык представляет единство системы и структуры языка, языковой нормы и речевой деятельности; б) концепция «язык – речь» нередко истолковывается как противопоставление объекта (речи-текста) субъекту исследования (метаязыку, исследовательской модели). (KODUKHOV, 1974KODUKHOV, V. I. Óbchee iazikoznánie [Linguística Geral]. Moscou: Víchaia Chkola, 1974, p.120).
  • 29
    Liev Vladímirovitch Chierba (1880-1944) linguista russo que estudou um dialeto eslavo pouco conhecido à época (восточнолужицк) localizado no território da Alemanha. Chierba dava muita importância à língua falada e foi um dos primeiros a defender que a língua viva existe predominantemente sob a forma do diálogo. A tricotomia sistema/norma/atividade discursiva foi exposta por Chierba no trabalho “Sobre o aspecto triádico dos fenômenos linguísticos e o experimento na linguística” (1931).
  • 30
    Original: Язык – структура (система), язык – норма, язык –речевая деятельность говорящих – таков троякий предмет языкознания, о чём убедительно писал в свое время Л. В. Щерба. (KODUKHOV, 1974KODUKHOV, V. I. Óbchee iazikoznánie [Linguística Geral]. Moscou: Víchaia Chkola, 1974, p.121)
  • 31
    Original: Итак, предметом языкознания является человеческий язык как конкретно-историческая норма. (KODUKHOV, 1974KODUKHOV, V. I. Óbchee iazikoznánie [Linguística Geral]. Moscou: Víchaia Chkola, 1974, p.123).
  • 32
    Norma – “[…] conjunto de tudo o que foi falado e compreendido em uma determinada situação concreta, em uma ou outra época da vida de um dado grupo social.” (CHIERBA, 1974 [1931], p.26, tradução nossa). Em outros termos, “[…] condicionamento social e limitação de uma ou outra estrutura, bem como o funcionamento e desenvolvimento histórico da língua.” (KODUKHOV, 1974KODUKHOV, V. I. Óbchee iazikoznánie [Linguística Geral]. Moscou: Víchaia Chkola, 1974, p.122, grifo nosso)
  • 33
    Compreende o processo de fala e sua compreensão, com a ênfase de que os dois aspectos são igualmente ativos: a compreensão é tanto condicionada pela fala quanto a condiciona.
  • 34
    Original: Метод (от греч. méthodos – путь исследования) в языкознании – 1) обобщенные совокупности теоретических установок, приёмов, методик исследования языка, связанные с определенной лингвистической теорией и с общей методологией, - т. наз. Общие М. 2) Отдельные приёмы, методики, операции, опирающиеся на определенные теоретич. установки, как технич. cредство, инструмент для исследования того или иного аспекта языка, - частные М. (ЯРЦЕВА, 1990, p.298).
  • 35
    Original: Метод […] средство познания объекта, его отдельных сторон, его функционирования. Познание (в том числе научное мышление) представляет собой бесконечное приближение мышления в объекту, процесс овладения человека природой, а также законами развития общество и самого мышления. (KODUKHOV, 1974KODUKHOV, V. I. Óbchee iazikoznánie [Linguística Geral]. Moscou: Víchaia Chkola, 1974, p.202).
  • 36
    Original: Познание как процесс включает три основных этапа: исследования (открытия фактов или их взаимосвязи), систематизации (интерпретации и доказательства) и изложения (описания) (KODUKHOV, 1974KODUKHOV, V. I. Óbchee iazikoznánie [Linguística Geral]. Moscou: Víchaia Chkola, 1974, p.205).
  • 37
    Original: Лингвистическое наблюдение – это правила и техника выделения из текста (или потока речи) того или иного факта и включение его в изучаемую категорию (систему). (KODUKHOV, 1974KODUKHOV, V. I. Óbchee iazikoznánie [Linguística Geral]. Moscou: Víchaia Chkola, 1974, p.206).
  • 38
    Original: Интерпретация состоит в раскрытии смысла полученных результатов и определении содержательной характеристики или путём включения их в существующие теории (как подтверждения или дополнения), или путём создания новой теории, если полученные результаты и их содержательные характеристики не укладываются в рамки старой теории. (KODUKHOV, 1974KODUKHOV, V. I. Óbchee iazikoznánie [Linguística Geral]. Moscou: Víchaia Chkola, 1974, p.210).
  • 39
    Original: Кроме методов познания и общенаучных методов есть ещё частные методы – научно-исследовательские, методы отдельных наук. […] структура исследовательского метода определяется взаймодействием аспекта, приёма, и методики исследования и способа описания. (KODUKHOV, 1974KODUKHOV, V. I. Óbchee iazikoznánie [Linguística Geral]. Moscou: Víchaia Chkola, 1974, p.213). O aspecto da pesquisa é o modo de conhecimento da realidade, assim como auxilia na retirada de aspectos particulares, fenômenos, objetos da realidade, com o propósito de submetê-los a um estudo especial. A separação de um aspecto de pesquisa pré determina a escolha do procedimento (ou) procedimentos de pesquisa mais eficaz (ou eficazes) em dado caso. (KODUKHOV, 1974KODUKHOV, V. I. Óbchee iazikoznánie [Linguística Geral]. Moscou: Víchaia Chkola, 1974, p.214) [Аспект исследования является способом познания действительности, так как помогает выделить из неё отдельные стороны, явления, объекты для того, чтобы подвергнуть их специальному изучению. Выделение аспекта исследования предопределяет выбор того или иного приёма (или) приёмов исследования, наиболее эффективного (или эфективных) в данном случае. (KODUKHOV, 1974KODUKHOV, V. I. Óbchee iazikoznánie [Linguística Geral]. Moscou: Víchaia Chkola, 1974, p.214)]. Procedimento […] conjunto de regras de pesquisa formulados como metódica de análise (por exemplo, um procedimento de pesquisa é o método da reconstrução interna ou o método distributivo). Tais procedimentos […] podem ser utilizados em diferentes métodos. (KODUKHOV, 1974KODUKHOV, V. I. Óbchee iazikoznánie [Linguística Geral]. Moscou: Víchaia Chkola, 1974, p.214) [Приём […] совокупность правил исследования, сформулированных как методика анализа (приёмом исследования, например, метод внутренней реконструкции или дистрибутивный метод). Такие приёмы […] могут быть исползованы в разных методах]. (KODUKHOV, 1974KODUKHOV, V. I. Óbchee iazikoznánie [Linguística Geral]. Moscou: Víchaia Chkola, 1974, p.214)]. Metódica – significa o próprio processo de aplicação de um método-procedimento […] domínio da aplicação de um método. (KODUKHOV, 1974KODUKHOV, V. I. Óbchee iazikoznánie [Linguística Geral]. Moscou: Víchaia Chkola, 1974, p.215) [Методика – означает самую процедуру применения того или иного метода-приёма […] мастерство применения того или иного метода]. (KODUKHOV, 1974KODUKHOV, V. I. Óbchee iazikoznánie [Linguística Geral]. Moscou: Víchaia Chkola, 1974, p.215). Modo de descrição – forma externa de um procedimento e metódica de análise. Os modos de descrição dividem-se, segundo o seu caráter, em formalizados e não formalizados e, de acordo com o meio de descrição, em verbais e não verbais. (KODUKHOV, 1974KODUKHOV, V. I. Óbchee iazikoznánie [Linguística Geral]. Moscou: Víchaia Chkola, 1974, p.215-216) [Способ описания – внешняя форма того или иного приёма и методики анализа. Способы описания деляется по характеру описания на формализованные и неформализованные, а по средствам описания – на вербальные и невербвльные]. (KODUKHOV, 1974KODUKHOV, V. I. Óbchee iazikoznánie [Linguística Geral]. Moscou: Víchaia Chkola, 1974, p.215-216).
  • 40
    Original: Описательный метод – самый старый и в то же время современный метод лигвистики. Древнейшие китайские, индийские и греческие грамматики были по преимуществу описательными […]
    Описательном методом называется система исследовательских приёмов, применяемых для характеристики явлений языка на данном этапе его развития; это синхронного анализа. (KODUKHOV, 1974KODUKHOV, V. I. Óbchee iazikoznánie [Linguística Geral]. Moscou: Víchaia Chkola, 1974, p.219).
  • 41
    Original: На первом этапе описатеьного анализя из текста выделяются слова и предложения, т. е. номинативные и коммуникативные единицы языка. (KODUKHOV, 1974KODUKHOV, V. I. Óbchee iazikoznánie [Linguística Geral]. Moscou: Víchaia Chkola, 1974, p.219).
  • 42
    Original: Второй этап описательного анализа состоит в членении выделеных из текста единиц, т. е. нахождении структурных единиц […] вычленяются морфема и словоформа, словосочетание и член предложения.
    Третий этап описательного анализа связан с интерпретацией выделеных номинативно-коммуникативных и структурных единиц.
    Структурная (не структуралическая!) интепретация осуществляется чаще всего при помощи методик категориального и дискретного анализа. (KODUKHOV, 1974KODUKHOV, V. I. Óbchee iazikoznánie [Linguística Geral]. Moscou: Víchaia Chkola, 1974, p.220).
  • 43
    Original: Структуралисты (и не только они, так как подобные взгляды существовали и ранее) ошибаются тогда, когда эти единицы лигвистического анализа и отношения между ними объявляют иманентной сущностью языка. Это, несомнено, проявление неопозитивизма, преодолеть которе можно только с принципиальной позиции диалектического материализма. (KODUKHOV, 1974KODUKHOV, V. I. Óbchee iazikoznánie [Linguística Geral]. Moscou: Víchaia Chkola, 1974, p.222).
  • 44
    “Uma ambigüidade marca o uso do termo formal, que pode ser entendido tanto como o estudo das formas (em oposição a estudo do conteúdo) quanto como o estudo da rede abstrata das relações estruturais (neste caso, aplica-se tanto ao estudo de formas quanto de conteúdos).” (ALTMAN, 1998ALTMAN, C. A pesquisa linguística no Brasil (1968-1988). São Paulo: Humanitas/FFLCH/USP, 1998, p.298).
  • 45
    Original: На сравнении языков основаны два вида сравнительного метода – сравнительно-исторический и сравнительно-споставительный. […] Сравнительно-исторический метод имеет целью на только сравнение языков и их явлений, но и обнаружение развития родственных языков; цель сравнетельно-сопоставительного метода – охаректеризовать сопоставлаемые явления двух или нескольких языков,установить общее и различное в аналогичных явлениях, отвлекаясь от истории и их происхождения. (KODUKHOV, 1974KODUKHOV, V. I. Óbchee iazikoznánie [Linguística Geral]. Moscou: Víchaia Chkola, 1974, p.253).
  • 46
    Original: Сравнительно-исторический метод основывается на понятии генетической общности и наличии семей и групп родственных языков. (KODUKHOV, 1974KODUKHOV, V. I. Óbchee iazikoznánie [Linguística Geral]. Moscou: Víchaia Chkola, 1974, p.254).
    Сравнительно-историческое языкознание изучает родственные языки, их классификацию, историю и распространение. (KODUKHOV, 1974KODUKHOV, V. I. Óbchee iazikoznánie [Linguística Geral]. Moscou: Víchaia Chkola, 1974, p.254).
  • 47
    Conferir sumário transcrito no início do artigo.

REFERÊNCIAS

  • AMÍROVA, T. A.; OLKHÓVIKOV, B. A.; ROJDIÉSTVENSKII, I. V. Istóriia iazikoznánia [História da linguística]. 5.ed. Moscou: Izdátelstkii tséntr “Akadiémiia”, 2008.
  • ALTMAN, C. A pesquisa linguística no Brasil (1968-1988) São Paulo: Humanitas/FFLCH/USP, 1998
  • BAKHTIN, M. M. Os gêneros do discurso. In: BAKHTIN, M. M.. Estética da criação verbal. Trad. P. Bezerra. São Paulo: Martins Fontes, 2013. p.261-306.
  • BAKHTIN, M. M. Problemas da poética de Dostoiévski. 5.ed. Trad. P. Bezerra. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2010
  • BAKHTIN, M. M. Os estudos literários hoje. In: BAKHTIN, M. M. Estética da criação verbal. 4.ed. Trad. Paulo Bezerra. São Paulo: Martins Fontes, 2003 [1970-1971]. p.359-366
  • BENVENISTE, E. Les niveaux de l'analyse linguistique. In: BENVENISTE, E. Problèmes de linguistique générale I. Paris: Gallimard, 1997 [1962]. p.119-131
  • BORBA, F. da S. Introdução aos estudos linguísticos 2.ed. São Paulo: Cia. Nacional, 1970 [1967]
  • CAMARA JUNIOR, J. M. Princípios de linguística geral. 7.ed. Rio de Janeiro: Padrão Livraria Editoria, 1989 [1941]
  • COMTE-SPONVILLE, A. (org.). Dictionnaire de la philosophie. Paris: Encyclopaedia Universalis/Albin Michel, 2000
  • CORACINI, M. J. Um fazer persuasivo: o discurso subjetivo da ciência. São Paulo: Educ; Campinas: Pontes, 1991
  • CUNHA, A. G. da. Dicionário etimológico da língua portuguesa. 4.ed. Rio de Janeiro: Lexicon, 2010
  • EDMUNDSON, M. V. A. da S. Relações dialógicas no processo de ressignificação do discurso científico em enunciados de notícia de popularização da ciência. 2017
  • Tese (Doutorado em Linguística) - Universidade Federal da Paraíba, João Pessoa, 2017
  • FIORIN, J. L. (org.). Introdução à Linguística. I. Objetos teóricos. 6.ed. São Paulo: Contexto, 2018
  • GREIMAS, A. J.; COURTÉS, J. Dicionário de semiótica. Trad. D. A. D. Lima et al São Paulo: Contexto, 2010
  • GRILLO, S. V. C. Marxismo e filosofia da linguagem: uma resposta à ciência da linguagem do século XIX e início do XX. In: VOLOCHINOV, V. N. Marxismo e filosofia da linguagem: problemas fundamentais do método sociológico na ciência da linguagem. São Paulo: Ed. 34, 2017. p.7-82
  • GRILLO, S. V. C. Esfera e campo. In: BRAIT, B. Bakhtin: outros conceitos-chave. São Paulo: Contexto, 2006. p.133-160
  • GRILLO, S. V. C.; GLUSHKOVA, M. A divulgação científica no Brasil e na Rússia: um ensaio de análise comparativa de discursos. Bakhtiniana - revista de estudos do discurso, São Paulo, v.11, p.69-92, 2016.
  • GRILLO, S. V. C.; HIGACHI, A. Enunciados verbo-visuais na divulgação científica no Brasil e na Rússia: as revistas scientific american brasil e v míre naúki (no mundo da ciência). In: KOZMA, E. V. B.; PUZZO, M. B. (org.). Múltiplas linguagens: discurso e efeito de sentido. Campinas: Pontes, 2017. v.1, p.91-130.
  • IARTSEVA, V. N. Lingvistícheskii Entsiklopedítcheskii Slovar [Dicionário enciclopédico de linguística]. Moscou: Soviétskaia Entsiklopédiia, 1990
  • HUMBOLDT, W. F. Kontsiéptsiia óbchego iazikoznániia: tsiéli, soderjánie, struktura. Ízbrannie perevódi. [Concepção de uma linguística geral: objetivos, conteúdo, estrutura. Textos traduzidos selecionados]. Trad. L. P. Lobanova. Moscou: Lenand, 2018
  • HUMBOLDT, V. F. O razlítchi organízmov tcheloviétcheskogo iaziká i o vliáni étogo razlítchia na úmstvennoe razvítie tcheloviétcheskogo roda: vvedénie vo vseóbschee iazikoznánie [Sobre a distinção dos organismos da linguagem humana e a influência dessa distinção para o desenvolvimento intelectual do gênero humano: introdução à linguística geral]. Tradução de P. S. Biliárski. 2.ed. Moscou: Librokom, 2013 [1859].
  • KODUKHOV, V. I. Óbchee iazikoznánie [Linguística Geral]. Moscou: Víchaia Chkola, 1974
  • KÓJINA, M. N. Stilístika rússkogo iazyká: (Estilística da língua russa). Moscou: Flinta, 2008
  • MÜNCHOW, P. von. L'analyse du discours contrastive, un voyage au cœur du discours. In: COLÓQUIO BRASILEIRO-FRANCO-RUSSO EM ANÁLISE DE DISCURSO, 1., 2017, São Paulo. Análise de Discurso e Comparação: questões teóricas, metodológicas e empíricas. São Paulo: Universidade de São Paulo, nov. 2017. Comunicação no I Colóquio Brasileiro-Franco-Russo em Análise de Discurso
  • MÜNCHOW, P. von. Cultures, discours, langues: aspects récurrents, idées emergentes. Contextes, représentations et modèles mentaux. In: CLAUDEL, C.; MÜNCHOW, P. von; RIBEIRO, M. P.; PUGNIÈRE-SAAVEDRA, F.; TRÉGUER-FELTEN. G. Cultures, discours, langues: nouveaux abordages. Limoges: Lambert-Lucas, 2013. p.187-207
  • MÜNCHOW, P. von. Lorsque l'enfant paraît… le discours des guides parentaux en France et en Allemagne. Toulouse: PUM, 2011
  • MÜNCHOW, P. von. Les journaux télévisés en France et en Allemagne: plaisir de voir ou devoir de s'informer. Paris: Presses Sorbonne Nouvelle, 2005
  • MUSSALIM, F.; BENTES, A. C. (org.) Introdução à linguística: domínios e fronteiras. São Paulo: Cortez, 2001. vols. 1 e 2
  • PERETRUKHIN, V. N. Vvediénie v iazikoznánie [Introdução à linguística]. Moscou: Librakom, 2016 [1972].
  • SAUSSURE, F. de. Curso de Lingüística Geral. Trad. A. Chelini, J. P Paes, I. Blikstein. São Paulo: Cultrix, 196 - [1916]
  • VOLOCHINOV, V. N. Marxismo e Filosofia da Linguagem: problemas fundamentais do método sociológico na ciência da linguagem. Trad. S. Grillo e E.V. Américo. São Paulo: Contexto, 2017 [1929]

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    28 Out 2020
  • Data do Fascículo
    2020

Histórico

  • Recebido
    10 Set 2018
  • Aceito
    23 Maio 2019
Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho Rua Quirino de Andrade, 215, 01049-010 São Paulo - SP, Tel. (55 11) 5627-0233 - São Paulo - SP - Brazil
E-mail: alfa@unesp.br