Acessibilidade / Reportar erro

Notícias, psicosfera e violência da informação: as agências transnacionais de notícias e a alienação do território brasileiro

News, psycosphere and the violence of information: transnational news agencies and the alienation of the Brazilian territory

Resumo

No atual período histórico, os acontecimentos só marcam sua presença por intermédio dos meios de comunicação de massa. Nesse contexto, as notícias exercem um papel importantíssimo nos usos do território e em sua reorganização. O objetivo deste artigo é retomar a teoria geográfica para analisar a circulação de notícias do ponto de vista do território usado, problematizando a centralização do comando da circulação das notícias em poucos agentes - sobretudo as três agências transnacionais de notícias, Thomson Reuters, Agence France-Presse e Associated Press - nos círculos de informações no território brasileiro. Para tanto, busca-se avançar no entendimento das dinâmicas de configuração da psicosfera do território brasileiro a partir das notícias. O artigo trata dos eventos geográficos e do agendamento de pautas por essas agências transnacionais e tensiona o conceito de alienação do território para a análise.

Palavras-chave:
agências transnacionais de notícias; informação; alienação do território; psicosfera; território brasileiro

Abstract

In the current period, events can only exist effectively through mass media. In this context, the news play an important role on the uses of the territory and on its reorganization. This paper analyzes the circulation of news in Brazil from a geographical point of view, questioning the centralization of the command of news flows on the transnational news agencies. It discusses especially the role of the three main players: Thomson Reuters, Agence France-Presse (AFP) and Associated Press (AP). Therefore, dynamics of the psychosphere of the Brazilian territory are investigated based on the news flows, approaching the concepts of territorial alienation and geographical events throught the agenda-setting power of these global news agencies.

Keywords:
transnational news agencies; information; territorial alienation; psychosphere; Brazilian territory

Introdução

No atual período, da globalização, surge a possibilidade de perceber instantaneamente os eventos do mundo. Todavia, ao mesmo tempo, a importância da mediação das interpretações é reforçada. Esta mediação é realizada por grandes agentes da comunicação global - como as agências transnacionais de notícias. Assim, conforme Santos (2008a______. Metamorfoses do espaço habitado: fundamentos teóricos e metodológicos da Geografia. São Paulo: Edusp, 2008a [1988]. [1988]), “não conhecemos o fato em si, mas as interpretações que são realizadas pelas agências internacionais”. Qualquer análise sobre os fluxos globais de notícias, tanto nos países centrais quanto nos países periféricos, deve levar em conta essas agências (BOYD-BARRETT, 1980, p. 13) -, embora o papel delas esteja, em geral, oculto para o público (BENAYAS, 2006, p. 15).

As agências transnacionais de notícias são os principais intermediários entre os veículos de comunicação social e as fontes das notícias (MONTALBÁN, 1979, p. 30-31). Elas possuem redes próprias de correspondentes distribuídos pelo mundo e vendem informações para diversos agentes - em especial, outras empresas de comunicação. A partir de suas sedes, localizadas nos países do centro do sistema capitalista, as agências transnacionais exercem um comando da circulação de notícias, filtrando as informações de acordo com uma racionalidade e uma ideologia externa aos países e pautando sua vida política e cotidiana. Essas agências existem desde a primeira metade do século XIX (AGUIAR, 2009AGUIAR, Pedro. Notas para uma História do Jornalismo de Agências. In: VII Encontro Nacional de História da Mídia. Anais... Fortaleza, 2009.), modificando sua atuação ao longo da história, mas mantendo sua importância na produção e na circulação de informações.

Neste artigo, busca-se problematizar a dimensão política da centralização do comando da circulação das notícias em poucos agentes - sobretudo as três agências transnacionais de notícias, Thomson Reuters, Agence France-Presse e Associated Press - nos círculos de informações no território brasileiro. Para esta análise, resgata-se o par conceitual tecnosfera-psicosfera (SANTOS, 2006aSANTOS, Milton; SILVEIRA, María Laura. O Brasil: Território e Sociedade no início do século XXI. Rio de Janeiro: Record, 2006 [2001]. [1996], p. 255-258). Enquanto a tecnosfera compreende o conjunto de objetos técnicos, resultado da artificialização crescente do espaço, a psicosfera corresponde ao reino das ideias, crenças, paixões, sentidos e ao lugar da produção de um sentido, fornecendo regras à racionalidade ou estimulando o imaginário (SANTOS, 2008b ______. Técnica, Espaço, Tempo: globalização e meio técnico-científico informacional. São Paulo: Edusp, 2008b [1994].[1994], p. 30; SANTOS, 2006a ______. A Natureza do Espaço: técnica e tempo, razão e emoção. São Paulo: Edusp, 2006a [1996].[1996]).

A constituição, no atual período, de um conjunto sistêmico de objetos técnicos funcionais à fluidez global da informação favoreceu a ampliação da atuação dessas agências transnacionais de notícias. Analisam-se, aqui, os rebatimentos dessa centralização do comando dos círculos de informações e da reafirmação do poder dessas agências para a produção da psicosfera - cuja difusão pode estar em descompasso com a tecnosfera (RIBEIRO, 1991RIBEIRO, Ana Clara Torres. Matéria e espírito: o poder (des)organizador dos meios de comunicação. In: PIQUET, Rosélia; RIBEIRO, Ana Clara Torres. Brasil, território da desigualdade: descaminhos da modernização. Rio de Janeiro: Jorge Zahar: Fundação Universitária José Bonifácio, 1991.).

O artigo trata, inicialmente, dos eventos geográficos e do agendamento de pautas pelas agências. Em seguida, mobiliza o conceito de alienação do território para a discussão do tema. Busca-se, assim, avançar no entendimento das dinâmicas de configuração dessa psicosfera a partir das notícias.

Os eventos, o agendamento das pautas e a psicosfera

“os fatos não são aparições isoladas, eles se produzem conjuntamente na unidade superior de um todo. Eles são unidos entre si por laços internos e a presença de cada um modifica os demais em sua natureza profunda”.

Jean-Paul Sartre, Crítica da razão dialética, 1960.

“a imprensa pode não ter sucesso em grande parte do tempo em dizer às pessoas o que pensar, mas é incrivelmente bem-sucedida em dizer a seus leitores sobre o que pensar”.

Bernard Cohen, The Press and Foreign Policy, 1965 COHEN, Bernard. The Press and Foreign Policy. Princeton: Princeton Univeristy Press, 1965. .

A mídia desempenha um papel notável no aumento das interconexões globais desde as últimas décadas do século XIX (SANTOS, 2006aSANTOS, Milton; SILVEIRA, María Laura. O Brasil: Território e Sociedade no início do século XXI. Rio de Janeiro: Record, 2006 [2001]. [1996], p. 199), quando Nordau (1895NORDAU, Max. Degeneration. Londres: William Heinemann, 1895., p. 39, tradução própria, grifo nosso) afirmava que

o mais humilde habitante de uma vila tem, hoje [em 1892, quando da publicação original], um horizonte geográfico mais amplo e interesses intelectuais mais numerosos e complexos que o primeiro-ministro de um Estado pequeno, ou mesmo de segunda classe, de um século atrás. Se ele apenas ler o seu jornal, ainda que seja o mais provincial e inocente, ele participa, certamente não com interferência e influência ativa, mas com uma curiosidade contínua e receptiva em milhares de eventos que ocorrem em todas as partes do globo.

A noção de evento, proposta por Santos (2006aSANTOS, Milton; SILVEIRA, María Laura. O Brasil: Território e Sociedade no início do século XXI. Rio de Janeiro: Record, 2006 [2001]. [1996], p. 144), é um caminho de método para o desafio teórico da indissociabilidade entre espaço e tempo. O evento é entendido como um instante do tempo dando-se em um ponto do espaço. Segundo o autor, o evento é sempre presente, mas não necessariamente instantâneo - daí podermos analisar sua duração. Os eventos também podem ser analisados a partir de suas sobreposições, extensões e escalas.

Ainda conforme Santos (2006aSANTOS, Milton; SILVEIRA, María Laura. O Brasil: Território e Sociedade no início do século XXI. Rio de Janeiro: Record, 2006 [2001]. [1996], p. 144), o mundo é um conjunto de possibilidades, e o evento é o veículo de uma ou algumas dessas possibilidades, podendo atuar, também, como o vetor de possibilidades de uma formação socioespacial (SANTOS, 1977______. Sociedade e Espaço: a formação socioespacial como teoria e como método. Antipode, n. 1, vol. 9, jan./fev. 1977.; 2008c) - isto é, um país - ou de um lugar. O lugar é o depositário final do evento, e onde se instala um evento, há mudanças - eles transformam os objetos, dando-lhes novas características e trazendo novos conteúdos ao lugar (SANTOS, 2006a ______. A Natureza do Espaço: técnica e tempo, razão e emoção. São Paulo: Edusp, 2006a [1996].[1996], p. 146).

Essa concepção de evento pode ser tensionada e mobilizada para analisar questões a respeito da comunicação. Considerando a atual concentração do controle e do comando da comunicação restrito a poucos agentes - sobretudo as agências transnacionais de notícias, no que interessa a este trabalho, mas, também, conglomerados de comunicação -, qual é o poder dessas agências de condicionar, a partir da dimensão imaterial, os eventos que efetivamente atingem um lugar, bem como a duração desses eventos? Embora dificilmente consigamos mensurar precisamente este poder, pensamos ser possível propor, aqui, um caminho para iniciar um entendimento dessas dinâmicas.

Baudrillard (1991BAUDRILLARD, Jean. La Guerra del Golfo no ha tenido lugar. Barcelona: Anagrama, 1991.), discutindo a informação e a Guerra do Golfo, percebe o poder da mídia de conferir importância a determinados eventos, moldar sua repercussão e, até mesmo, criá-los e modificá-los. No mesmo sentido, Nora (1976NORA, Pierre. O retorno do fato. In: LE GOFF, Jacques; NORA, Pierre. História: novos problemas. Rio de Janeiro: Francisco Alves, 1976., p. 181-182) fala de uma produção do acontecimento pelos agentes produtores de informação e de um monopólio da história por parte dos meios de comunicação de massa (mass media).

Nora (1976NORA, Pierre. O retorno do fato. In: LE GOFF, Jacques; NORA, Pierre. História: novos problemas. Rio de Janeiro: Francisco Alves, 1976.) considera que os acontecimentos, no atual período histórico, só marcam sua presença por intermédio dos meios de comunicação de massa. Para o autor, a mídia não é apenas o “meio” de divulgação dos acontecimentos, mas a própria condição de sua existência. Ele afirma que “o fato de terem acontecido não os torna históricos. Para que haja acontecimento é necessário que seja conhecido” (NORA, 1976NORA, Pierre. O retorno do fato. In: LE GOFF, Jacques; NORA, Pierre. História: novos problemas. Rio de Janeiro: Francisco Alves, 1976., p. 181). Daí este autor falar de um monopólio da história pelos agentes midiáticos, e que eles “fizeram da história uma agressão e tornaram o acontecimento monstruoso” na medida em que tendem a produzir o sensacional, fabricar permanentemente o novo e alimentar uma “fome” de acontecimentos.

Os meios “transformam em atos aquilo que não teria sido senão palavra no ar, dão ao discurso, à declaração, à conferência de imprensa a solene eficácia do gesto irreversível” (NORA, 1976NORA, Pierre. O retorno do fato. In: LE GOFF, Jacques; NORA, Pierre. História: novos problemas. Rio de Janeiro: Francisco Alves, 1976., p. 182). O acontecimento pode partir dessa dimensão imaterial - que pode ser até mesmo uma invenção - e concretizar-se em sistemas de ações e objetos novos, produzindo novos usos do território. Daí buscarmos essa relação entre o que o historiador francês Pierre Nora chama de acontecimento e a noção geográfica de evento, com base em Milton Santos (1999b______. O território e o Saber Local: algumas categorias de análise. Cadernos IPPUR, Rio de Janeiro, ano XIII, n. 2, 1999b., 2006a______. A Natureza do Espaço: técnica e tempo, razão e emoção. São Paulo: Edusp, 2006a [1996].).

A noção de evento se liga à consideração da empiricidade e da historicidade do tempo, de modo que possibilita unirmos analiticamente o mundo e o lugar, o futuro e o passado que aparece como presente (SANTOS, 1999b______. O território e o Saber Local: algumas categorias de análise. Cadernos IPPUR, Rio de Janeiro, ano XIII, n. 2, 1999b., p. 16) Além disso, é vital considerar que “o acontecimento testemunha menos pelo que traduz do que pelo que revela, menos pelo que é do que pelo que provoca. Sua significação é absorvida na sua ressonância” (NORA, 1976NORA, Pierre. O retorno do fato. In: LE GOFF, Jacques; NORA, Pierre. História: novos problemas. Rio de Janeiro: Francisco Alves, 1976., p. 188). A repercussão e os desdobramentos de um acontecimento - ou, dito de outro modo, a duração e o alcance de um evento - passam, no período atual, por “filtros” dos agentes que controlam a comunicação. Nora (1976NORA, Pierre. O retorno do fato. In: LE GOFF, Jacques; NORA, Pierre. História: novos problemas. Rio de Janeiro: Francisco Alves, 1976., p. 190) afirma, ainda, que

por mais independente que possa parecer, o desdobramento de um acontecimento não tem nada de arbitrário. Se não é seu aparecimento, pelo menos seu surgimento, seu volume, seu ritmo, seus encadeamentos, seu lugar relativo, suas sequelas e seus saltos obedecem a regularidades que dão aos fenômenos aparentemente mais longínquos um certo parentesco e uma morna identidade.

Esse poder midiático de repercussão e criação de eventos parece central para a existência e a reprodução da vida cotidiana, para a seleção de quais “feixes” de eventos vão se realizar no lugar. Conforme Nora (1976NORA, Pierre. O retorno do fato. In: LE GOFF, Jacques; NORA, Pierre. História: novos problemas. Rio de Janeiro: Francisco Alves, 1976., p. 181), “acontecimentos capitais podem ter lugar sem que se fale deles”. De outro lado, com as novas tecnologias da informação e sua apropriação por diferentes movimentos sociais no mundo, quais são as possibilidades e os limites de concretizar e repercutir novos eventos carregados de significados contra-hegemônicos?

Assim, para a compreensão dessa repercussão dos eventos, deve-se rever a questão da escala. A escala geográfica deve considerar o conteúdo do território e os eventos, pois

é a funcionalização dos eventos no lugar que produz uma forma, um arranjo, um tamanho do acontecer. Mas, no instante seguinte, outra função cria outra forma e, por conseguinte, outros limites. Muda a extensão do fenômeno porque muda a constituição do território: outros objetos, outras normas convergem para criar uma organização diferente. Muda a área de ocorrência dos eventos (SILVEIRA, 2004SILVEIRA, María Laura. Escala geográfica: da ação ao império? Terra Livre, Goiânia, ano 20, v. 2, n. 23, pp. 87-96, jul./dez. 2004., p. 90).

A noção de escala, conforme Santos (2006aSANTOS, Milton; SILVEIRA, María Laura. O Brasil: Território e Sociedade no início do século XXI. Rio de Janeiro: Record, 2006 [2001]. [1996], p. 152-153), se aplica aos eventos segundo duas acepções: (1) a escala da “origem” das variáveis envolvidas na produção do evento - relacionada à força do seu emissor - e (2) a escala de seu impacto, de sua realização - a área de ocorrência ou escala do fenômeno. Assim, de um lado, se os agentes produtores de informações têm o poder de criar acontecimentos (eventos), podemos afirmar uma escala de origem do evento a depender de seu poder (o evento pode ser mundial ou nacional, por exemplo); de outro lado, esses agentes, moldando a repercussão do evento, configuram sua escala de resultado, sua geografização, sua objetivação.

As agências transnacionais de notícias, ao coletar, selecionar e redistribuir informações aos principais agentes nacionais de comunicação exercem grande influência na definição da escala dos eventos. Cabe questionarmos o quanto o seu poder de comando das pautas nacionais se reflete no condicionamento dos aconteceres e no filtro de quais eventos terão ou não repercussão no território nacional.

Para tanto, buscamos inicialmente compreender seu poder de pautar a comunicação nacional. A teoria da comunicação chamada de “teoria do agendamento” (agenda-setting theory) - que Hohlfeldt (1997HOHLFELDT, Antonio. Os estudos sobre a hipótese de agendamento. Revista FAMECOS, Porto Alegre, n. 7, nov. 1997.) prefere chamar de “hipótese” do agendamento, por não se tratar de um conjunto de conceitos - nos ajuda a alcançar tal entendimento. Essa teoria surge com McCombs e Shaw (1972MCCOMBS, Maxwell; SHAW, Donald L. The Agenda-Setting Function of Mass Media. The public opinion quarterly, v. 36, n. 2, 1972.), que analisam a capacidade de agendamento - definição das pautas - da mídia na campanha eleitoral de 1968 nos Estados Unidos. Essa hipótese foi extensivamente utilizada (HOHLFELDT, 1997HOHLFELDT, Antonio. Os estudos sobre a hipótese de agendamento. Revista FAMECOS, Porto Alegre, n. 7, nov. 1997.) e permanece atual, segundo McCombs, em entrevista recente (MCCOMBS, 2008______. Um Panorama da Teoria do Agendamento, 35 anos depois de sua formulação (Entrevista). Intercom - Revista Brasileira de Ciências da Comunicação n. 204, São Paulo, v. 31, n. 2, jul./dez. 2008.). Atualmente, o poder da mídia noticiosa de definir a agenda de uma nação, ou de focar a atenção do público em poucas questões públicas selecionadas, é uma influência imensa e bem documentada (MCCOMBS, 2002MCCOMBS, Maxwell. The agenda-setting role of the mass media in the shaping of public opinion. In: Mass Media Economics 2002 Conference. Annals... London School of Economics, 2002., p. 1).

McCombs (2002MCCOMBS, Maxwell. The agenda-setting role of the mass media in the shaping of public opinion. In: Mass Media Economics 2002 Conference. Annals... London School of Economics, 2002.) alerta que não propõe um sentido “pejorativo” para o fato de as organizações da mídia terem sua “agenda” e a colocarem para seu público. Ele esclarece que a agenda da mídia apresentada para o público resulta de inúmeras decisões no dia a dia, realizadas por diferentes jornalistas e supervisores, sobre as notícias do momento. A mesma preocupação com as interpretações apresenta Shaw (1979SHAW, Eugene. Agenda-setting and Mass Communication Theory. International Communication Gazette, v. 25, n. 96, 1979., p. 96-97, tradução própria), que afirma que “o agendamento assume, de fato, um impacto direto, mas não necessariamente imediato, da mídia em sua audiência” e não diz que a mídia esteja tentando persuadir, nem ser prescritiva e fazer defesa fechada de um determinado ponto de vista. De fato, levando em conta essas ponderações, é importante notar que a principal problematização política em relação ao agendamento se dá sobre o fato de poucos agentes centralizarem a produção de informações e o comando dos círculos de informações noticiosas - o que lhes confere bastante poder e prejudica a pluralidade.

A adaptação das agências transnacionais de notícias à globalização acompanhou um maior agendamento de temas por parte dessas agências sobre a mídia tradicional, interferindo sobremaneira no enquadramento do que essas mídias priorizariam ao noticiar (PAIVA e SILVA, 2002PAIVA E SILVA, Jaqueline. A Broadcast, o mercado financeiro e a cobertura de economia da grande imprensa. 2002. Dissertação (Mestrado em Comunicação) - Faculdade de Comunicação, Unniversidade de Brasília, Brasília, 2002., p. 43). Paterson (2006PATERSON, Chris. News Agency Dominance in International News on the Internet. Papers in International and Global Communication, n. 1/6, mai. 2006., p. 6, trad. própria) explica essa questão, ao afirmar que

as agências de notícias definem a agenda das histórias internacionais de outros meios de comunicação por meio da escolha de histórias que elas distribuem aos clientes e pela grande quantidade de recursos visuais fornecidos (que se deslocam para a TV, jornais, revistas e internet), e no caso de imagens de TV e fotos fornecidas por agências, pela natureza e pela quantidade de informação em áudio e textual que acompanha. Agências de notícias globais e regionais tornaram-se ainda mais cruciais devido à sua influência de agendamento em outras mídias, mas têm se tornado ainda mais cruciais à medida que cada vez mais ignoram os processadores intermediários de notícias no ciberespaço, permitindo-lhes atingir diretamente - pela primeira vez - uma grande parte da audiência das notícias em massa.

Assim, resgatamos, também, a epígrafe de Bernard Cohen (1965COHEN, Bernard. The Press and Foreign Policy. Princeton: Princeton Univeristy Press, 1965.), afirmando o poder desses agentes de pautarem os temas do debate público. Um indicador adicional desse comando é a padronização das pautas (PASTI, 2013aPASTI, André. Notícias, Informação e Território: as agências transnacionais de notícias e a circulação de informações no território brasileiro. Dissertação (Mestrado em Geografia) - Instituto de Geociências, Universidade Estadual de Campinas, Campinas, 2013a., p. 113-122), sobretudo dos círculos dominantes de informações. Esses círculos dominantes são aqueles cujas redes atingem mais lugares e pessoas e cujas informações são mais consumidas - partindo, assim, do alcance efetivo da informação no território (PASTI, 2013b______. Transformações e permanências na circulação de notícias na América Latina: contribuições ao debate. In: CONGRESSO BRASILEIRO DE CIÊNCIAS DA COMUNICAÇÃO, XXXVI. Anais... Manaus: Intercom, 2013b.).

Para contornar a dificuldade de um recorte empírico objetivo que possibilite analisar essa questão nos atuais círculos de informações do território brasileiro, buscamos analisar as principais pautas selecionadas pelo portal de notícias mais acessado, o G1/Globo - que é baseado na programação televisiva da Rede Globo - nas chamadas “retrospectivas” anuais. O primeiro quadro apresentado traz uma síntese de quantas notícias foram escritas com base no conteúdo fornecido pelas agências transnacionais estudadas (AFP, Reuters e AP), entre os anos 2009 e 2014:

Quadro 1:
Participação das agências transnacionais nas notícias selecionadas pelas retrospectivas de fim de ano - Globo - 2009 a 2014

O quadro 01 ilustra os usos constantes das agências transnacionais de notícias nas principais pautas repercutidas pela imprensa brasileira no período. A oscilação entre os anos investigados provavelmente deve-se mais à mudança na metodologia de organização e apresentação das “retrospectivas” anuais - com variação de mais de 3 vezes no número de notícias de um ano para o outro - do que a uma tendência de mudança do uso das informações das agências nesses anos. De todo modo, a média de cerca de 30 a 40% de notícias é bastante considerável e demonstrativa da inserção das agências na definição das pautas da mídia nacional. Ao analisar a seleção apenas das principais notícias do ano de 2011 da Globo, chega-se a um número ainda mais expressivo:

Quadro 2:
Principais notícias de 2011* - Globo (Retrospectiva 2011)

O quadro, ao selecionar apenas 11 notícias - representativas de uma pauta, que perdura por algum tempo - tem claros limites, mas também traz a possibilidade de problematizarmos algumas questões em relação ao conteúdo. De início, o percentual altíssimo das notícias que partiram das agências confirma seu poder de agendamento da mídia nacional. Também chama a atenção que uma seleção de apenas 11 temas de maior destaque traga “a morte de Steve Jobs”, criador da Apple - em um momento em que 53,5% da população do país sequer havia usado a internet (PNAD, 2012PNAD, Pesquisa Nacional por Amostragem de Domicílios. Síntese dos indicadores - 2011. Rio de Janeiro: IBGE, 2012.) - ou ainda o casamento da realeza britânica.

A relação entre temas nacionais e estrangeiros nessa retrospectiva, entre 2010 e 2014, é exibida no quadro a seguir. Percebe-se uma quantidade considerável de informações internacionais priorizadas entre as principais pautas:

Quadro 3:
Relação entre pautas nacionais e estrangeiras nas notícias selecionadas pelas retrospectivas de fim de ano - Globo - 2010 a 2014

Na mesma direção, é possível prosseguir nessa análise com base no quadro a seguir, com as notícias da retrospectiva de 2012 baseadas no conteúdo das agências transnacionais:

Quadro 4:
Notícias da retrospectiva da Globo baseadas no conteúdo das agências transnacionais - 2012 - Mundo e Brasil

De início, chama a atenção que temas nacionais de importância e grande audiência utilizem-se de informações das agências transnacionais, o que indica uma dependência, de fato, dessas informações. Além disso, das 12 notícias do mundo no quadro acima, três estão diretamente ligadas à economia, quatro à política (com forte influência sobre a economia) e duas tratam de desastres naturais e tragédias sociais, também com interesse aos mercados - totalizando 75% das pautas do mundo. Em entrevistas, editores confirmaram uma priorização da cobertura de notícias “gerais” que tenham impactos nos mercados.

Para além de uma leitura reducionista ou conspiratória, é necessário compreender que se trata de um mercado de notícias, movido pelos interesses econômicos (e políticos) desses agentes. Assim, é indispensável notar que agências como a Reuters, cujo foco de negócio está bastante relacionado ao mercado, trazem essas preocupações também para as notícias “gerais”, de modo que sua cobertura seja bastante pautada por eventos que podem trazem repercussões para o mercado financeiro.

Nesse sentido, cabe identificar uma tendência de financeirização do noticiário (sobretudo o econômico), já apontada por Puliti (2009PULITI, Paula. A Financeirização do Noticiário Econômico no Brasil (1989-2002). Dissertação (Mestrado em Ciências da Comunicação) - Escola de Comunicações e Artes, Universidade de São Paulo, São Paulo, 2009.) e Paiva e Silva (2002PAIVA E SILVA, Jaqueline. A Broadcast, o mercado financeiro e a cobertura de economia da grande imprensa. 2002. Dissertação (Mestrado em Comunicação) - Faculdade de Comunicação, Unniversidade de Brasília, Brasília, 2002.). O geógrafo Jamie Peck (2012, p. 369), em entrevista, alertou, também, que

a imagem de uma TV mostrando a crise do mercado de ações se movendo embaixo da tela, como vemos frequentemente nos dias de hoje, é um símbolo do modo como o mundo financeiro penetrou a vida cotidiana e nós, constantemente e subconscientemente, observamos o constante movimento do mercado financeiro. Acho que esse é o modo pelo qual os inovadores financeiros têm ampliado as tecnologias financeiras nas últimas décadas, de modo a financeirizar a vida cotidiana e os cálculos fundamentais do bem-estar social e econômico.

Assim, interesses dos agentes do mercado acabam repercutindo nas escalas dos eventos e na criação de acontecimentos. Os agentes midiáticos, em especial as agências, inserem na psicosfera valores, preocupações e pautas ligados às finanças e aos interesses de agentes hegemônicos - que são seus clientes. Não se trata, todavia, de uma lógica causal simples, com a mídia criando eventos que chegam aos lugares com alguma previsibilidade e autonomia: o evento não tem autonomia de significação (SANTOS, 2006aSANTOS, Milton; SILVEIRA, María Laura. O Brasil: Território e Sociedade no início do século XXI. Rio de Janeiro: Record, 2006 [2001]. [1996]; SILVEIRA, 2002SILVEIRA, María Laura. Totalidade e fragmentação: o espaço global, o lugar e a questão metodológica, um exemplo argentino. In: SANTOS, Milton et al. (orgs.) O novo mapa do mundo: fim de século e globalização. São Paulo: Annablume/Hucitec-Anpur, 2002 [1993]. [1993], p. 203).

A dinâmica dos feixes de eventos que atingem ou não os lugares depende, também, de retomarmos a categoria de totalidade. Os eventos se inserem no movimento de totalização, realizando um conjunto de possibilidades nos lugares. Cada evento é “uma totalidade parcial que, no processo de totalização, vai se fazendo o todo” (SILVEIRA, 2002SILVEIRA, María Laura. Totalidade e fragmentação: o espaço global, o lugar e a questão metodológica, um exemplo argentino. In: SANTOS, Milton et al. (orgs.) O novo mapa do mundo: fim de século e globalização. São Paulo: Annablume/Hucitec-Anpur, 2002 [1993]. [1993], p. 203). Os agentes midiáticos exercem uma relativa mediação nessas possibilidades. Para compreender esse processo de totalização dos eventos e recomposição de uma nova totalidade, recorremos à noção de psicosfera. É também por meio da psicosfera, como uma cisão analítica dessa totalidade, que buscaremos compreender essa dinâmica.

Conforme Santos (2006aSANTOS, Milton; SILVEIRA, María Laura. O Brasil: Território e Sociedade no início do século XXI. Rio de Janeiro: Record, 2006 [2001]. [1996], p. 256), a psicosfera diz respeito ao “reino das ideias, crenças, paixões e lugar da produção de um sentido […]” - associados ao espírito de uma época (KAHIL, 2010KAHIL, Samira P. Psicosfera: uso corporativo da esfera técnica do território e o novo espírito do capitalismo. Sociedade & Natureza, Uberlândia, v. 22, n. 3, 2010., p. 477) -, fornecendo regras à racionalidade ou estimulando o imaginário (SANTOS, 2006aSANTOS, Milton; SILVEIRA, María Laura. O Brasil: Território e Sociedade no início do século XXI. Rio de Janeiro: Record, 2006 [2001]. [1996], p. 256). Os usos do território se fazem conjuntamente na tecnosfera e na psicosfera, que não devem ser autonomizadas na análise, pois são indissociáveis, complementares e os dois pilares da racionalidade fundadora da globalização (PEREIRA, 2007, p. 48). Para Kahil (2010, p. 477), “por suposto, a esfera técnica, mesmo como sistema de objetos técnicos, não poderia ter valor ou significado em si”. Tanto tecnosfera quanto psicosfera são frutos do artifício e, assim, são subordinados aos que impõem as mudanças (SANTOS, 2008b ______. Técnica, Espaço, Tempo: globalização e meio técnico-científico informacional. São Paulo: Edusp, 2008b [1994].[1994], p. 30).

Os eventos que são repercutidos pelas agências transnacionais de notícias - cuja escala de origem é, muitas vezes, mundial - contribuem, a partir dos lugares, nesse movimento de totalização, para a conformação de uma psicosfera com as características de uma globalização perversa (SANTOS, 2000______. Por uma outra globalização: do pensamento único à consciência universal. Rio de Janeiro: Record, 2000.). Como afirma Kahil (1997KAHIL, Samira P. Psicosfera: a modernidade perversa. Revista do Departamento de Geografia, São Paulo, n. 11, 1997., p. 218), “se na esfera técnica o espaço se organiza de modo descontínuo, como psicosfera o espaço se mundializa, internacionalizando crenças, desejos, hábitos e comportamentos”. A configuração dessa psicosfera envolve o agendamento das agências e a construção da agenda informativa internacional - que, como afirma Baldessar (2006, p. 143),

está intimamente ligada ao poder econômico e político e é instrumento de expansão do capitalismo. A polaridade na distribuição informativa internacional marcada, nas décadas de [19]60 e [19]70, pela guerra fria entre Estados Unidos e União Soviética, desapareceu do cenário midiático mundial. Hoje, o que verificamos é uma forte presença dos assuntos de interesses americanos na mídia internacional, desde a economia de combate ao terrorismo e, em alguma medida, as questões de interesse da União Europeia.

A seleção e a “filtragem” dos eventos e, sobretudo, a definição de sua escala de resultado pelas agências transnacionais têm um papel importante na conformação da psicosfera, das visões de mundo predominantes, das crenças e das prioridades no território brasileiro. Essa escala de resultado - área de ocorrência do fenômeno - pode ser maximizada ou diminuída de acordo com a escala de origem, o poder e o alcance dos agentes “criadores” do evento e, sobretudo, da repercussão pelos agentes que mediam a comunicação. Essas pautas impostas em função do agendamento da mídia pelas agências transnacionais de notícias representam escalas de resultado de eventos maximizadas, enquanto o silenciamento quanto a outros eventos tem o efeito contrário.

Kurtzman (1995) alerta para a importância do comando dos eventos pelos agentes produtores de informação, sobretudo nos mercados. Ainda que a concepção de “evento” para ele seja um pouco diferente da aqui apresentada, o exemplo permanece explicativo:

[…] os comerciantes de petróleo ficam sabendo de uma explosão numa refinaria de petróleo ou os corretores de moeda ficam sabendo de uma mudança nas taxas de juros por meios indiretos. Seus estômagos podem queimar, suas mãos podem suar, mas quase sempre estão a muitos quilômetros de distância do evento em si - às vezes até em outro continente. Os operadores não participam dos eventos diretamente. Apenas de seus resultados. Tomam conhecimento dos eventos e então agem.

Para Kahil (1997, p. 218), “é principalmente via ‘mídia’ que o tempo e o espaço hegemônicos imprimem em todos os lugares o ideal da modernidade”. Como observado anteriormente, a padronização das pautas dos círculos dominantes de informações noticiosas - ligada à influência das agências transnacionais na técnica jornalística -, bem como a influência das agências na definição da pauta nacional, reverbera em um sistema de ações que reorganiza o território nacional. Essas “pautas” que compõem a psicosfera condicionam o debate público, a política e a cultura.

Essa psicosfera, segundo Ribeiro (1991, p. 48), “produz a busca social da técnica e a adequação comportamental à interação moderna entre tecnologia e valores sociais”, e alguns setores produtivos - especialmente do chamado quaternário (PORAT, 1977) - “parecem alimentar, com especial ênfase, os processos culturais de consolidação dessa psicosfera, conformando verdadeiros polos emissores de valores (RIBEIRO, 1991, p. 48).

O atual sistema de comunicações no Brasil, com participação de destaque das agências transnacionais de notícias, “em sua face política, pode ser compreendido como parte do aparelho institucional criado para o desenvolvimento de estratégias de controle do território nacional e, em sua face econômica, como elo articulador e agilizador de mercados” (RIBEIRO, 1991, p. 46).

Nessa trama, as agências transnacionais de notícias, por meio do agendamento da mídia nacional e, consequentemente, das pautas da vida cotidiana, por seu poder de mediação e criação de acontecimentos, configuram-se como agentes centrais na definição da psicosfera. Propõe-se, assim, problematizar essa questão politicamente a partir do território usado: em que medida esse poder das agências contribui para uma alienação do território brasileiro?

O comando dos círculos de informação e a alienação territorial

“O que fazer quando a informação e a cultura disseminadas nas nações em desenvolvimento provêm, basicamente, dos países industrializados e quando tão pouco da informação e cultura difundida nos países industrializados provém das nações em desenvolvimento? O que fazer quando os que assinam os cheques, os que redigem as leis, os que investem, os que reestruturam, os que demitem, são também os nossos patrões, os nossos anunciantes, os nossos distribuidores, os nossos interlocutores, são, enfim, quem decide?”

Serge Halimi, Incentivar a dissidência. 2007.

Ao analisar a circulação de informações noticiosas, percebe-se um comando das pautas exercido pelas agências transnacionais de notícias e outros agentes, sempre a partir de suas sedes nos países centrais e impondo-se aos demais territórios. Essa é uma dimensão fundamental da composição da psicosfera dos territórios dos países subdesenvolvidos, como o Brasil, e nos leva à eminência de discutir a noção de alienação do território - para, depois, problematizar esse conceito dentro da investigação aqui empreendida.

O conceito de alienação do território tem suas origens no pensamento geográfico em Max Sorre (1961, p. 320), com a ideia de paisagem derivada, que buscou explicar as paisagens produzidas nos países subdesenvolvidos que derivam e se assemelham a paisagens de lugares europeus. Já constava, desde então, uma preocupação em mostrar as relações entre a história dos países desenvolvidos e subdesenvolvidos para a organização do espaço nos países periféricos.

Partindo dessa noção, Santos (1971SANTOS, Milton; KAYSER, Bernard. Espaces et villes du Tiers Monde. Tiers-Monde, tome 12, n. 45, 1971.; 2009a [1978]) discute a ideia de espaço derivado, encontrado nos países subdesenvolvidos, que seria aquele “cujos princípios de organização devem muito mais a uma vontade longínqua do que aos impulsos ou organizações simplesmente locais” (SANTOS, 2009a______. O trabalho do geógrafo no terceiro mundo. São Paulo: Edusp, 2009a [1978]. [1978], p. 123). O momento era de pensar a construção de uma nova teoria de organização do espaço para os países subdesenvolvidos (SANTOS; KAYSER, 1971, p. 12).

Concomitantemente, Isnard (1978ISNARD, Hildebert. O espaço do geógrafo. Boletim Geográfico, v. 36, n. 258-259, pp. 5-16, 1978. [original: ISNARD, Hilderbert, L’Espace du Géographe. Annales de Géographie, t. 84, n. 462, pp. 174-187, 1975.] [1975]) analisou esse problema propondo o conceito de espaços alienados. Para este autor, “os espaços organizados pela colonização são […] integrados em um espaço econômico exterior onde se encontram os centros de decisão. Dependem desses centros […]. Sua extroversão os transforma em espaços alienados que escapam à propriedade plena de seus habitantes” (ISNARD, 1978, p. 14; 1975, p. 185). Ainda para Isnard (1982, p. 54-55), seria necessário utilizar o conceito de espaços alienados “para designar regiões que devem ao exterior não só a sua criação e a sua integração no mercado mundial, mas ainda a sobrevivência da sua organização”, regiões “cuja população indígena jamais controla, e que até os próprios poderes públicos dificilmente controlam”. Ele ainda afirma que em tais condições já não seria “sobre o terreno que o geógrafo deverá procurar as chaves da explicação de uma organização espacial: a iniciativa está noutro lado, na capital ou no estrangeiro”.É importante destacar que o conceito de alienação é internalizado no pensamento geográfico nessa ideia de alienação do território ou espaço alienado em um contexto marcado pela renovação crítica da Geografia. Assim sendo, tem raízes no marxismo e no conceito de alienação de Marx (2004MARX, Karl. Manuscritos econômico-filosóficos. São Paulo: Boitempo. 2004 [1844]. [1844], p. 79-98):

Examinamos o ato do estranhamento da atividade humana prática, o trabalho, sob dois aspectos. 1) A relação com o produto do trabalho como objeto estranho e poderoso sobre ele. Esta relação é ao mesmo tempo a relação com o mundo exterior sensível, com os objetos da natureza como um mundo alheio que se lhe defronta hostilmente. 2) A relação do trabalho com ato da produção interior do trabalho. Esta relação é a relação do trabalhador com a sua própria atividade como uma [atividade] estranha que não pertence a ele (MARX, 2004MARX, Karl. Manuscritos econômico-filosóficos. São Paulo: Boitempo. 2004 [1844]. [1844], p. 83).

É necessário observar que o debate desse conceito no campo marxista - sobretudo na Sociologia e na Filosofia - é antigo, extenso e controverso. Entre as diversas análises e discussões sobre esse conceito, citamos: Israel (1972ISRAEL, Joachim. L’aliénation de Marx a la sociologie contemporaine: um étude macrosociologique. Paris: Editions Anthropos, 1972.), que realiza, por um estudo macrossociológico, uma análise que abrange desde os precedentes da alienação (antes de Marx), o conceito em Marx, o problema da alienação nas obras de Weber, Simmel e Durheim, Fromm, Marcuse, Wright Mills, Seeman, Blauner e Goldthorpe, Allardt, Mizruchi e outros, a alienação em sociedades socialistas e a reificação; Mészaros (2006), que aborda as origens da alienação em Marx, a estrutura da teoria de alienação para o autor, seus aspectos principais e sua significação contemporânea; e Ranieri (2001RANIERI, Jesus. A câmara escura: alienação e estranhamento em Marx. São Paulo: Boitempo, 2001.; 2006______. Alienação e estranhamento: a atualidade de Marx na crítica contemporânea do capital. In: CONFERENCIA INTERNACIONAL LA OBRA DE CARLOS MARX Y LOS DESAFÍOS DEL SIGLO XXI, IV. Anales... [online]. v. 27, 2006. Disponível em: <http://www.nodo50.org/cubasigloXXI/congreso06/conf3_ranieri.pdf>. Acesso em 2013.
http://www.nodo50.org/cubasigloXXI/congr...
), que diferencia os termos alienação (do alemão Entäusserung) e estranhamento (Entfremdung) em Marx, de modo distinto da maior parte da bibliografia sobre o tema. Em uma síntese mais geral, Petrovic (1998PETROVIC, Gajo. Alienation. In: BOTTOMORE, Tom; HARRIS, Laurence; KIERNAN, V. G.; MILIBAND, Ralph. (eds.) A Dictionary of Marxist Thought. Harvard: Blackwell Publishing Limited, 1998., p. 11, tradução própria), afirma que o sentido dado por Marx para a alienação seria “uma ação por meio da qual (ou estado no qual) um indivíduo, um grupo, uma instituição ou uma sociedade se tornam (ou permanecem) alheios, estrangeiros, estranhos, enfim alienados (1) aos resultados ou produtos de sua própria atividade (e à atividade ela mesma), e/ou (2) à natureza em que vive e/ou (3) a outros seres humanos, e - em adição e através de qualquer ou todas de (1) a (3) - também (4) a si mesmos (às suas possibilidades humanas constituídas historicamente)”. Esse debate foi muito timidamente apropriado pelo pensamento geográfico na inserção do conceito de alienação do território.

Em função da proximidade de Milton Santos com o marxismo existencialista de Sartre (SANTOS, 1982______. Para que a Geografia mude sem ficar a mesma coisa. Boletim Paulista de Geografia, n. 59, AGB - Seção São Paulo, São Paulo, 1982., p. 14-17; GRIMM, 2011GRIMM, Flávia. Trajetória epistemológica de Milton Santos: uma leitura a partir da centralidade da técnica, dos diálogos com a economia política e da cidadania como práxis. 2011. Tese (Doutorado em Geografia Humana) - Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas, Universidade de São Paulo, São Paulo, 2011., p. 238) desde o período do fim da década de 1960 e início da década de 1970 - aproximação que culminaria em sua proposta de uma epistemologia da existência para o espaço geográfico -, percebe-se uma similaridade dos usos e pressupostos do conceito de alienação com a concepção do filósofo francês. Para Sartre, a alienação trata “do roubo do ato pelo exterior; eu atuo aqui e a ação de um outro ou de um grupo, alhures, modifica de fora o sentido do meu ato” (SARTRE, 2002SARTRE, Jean-Paul. Crítica da razão dialética: precedido por Questões de método. Rio de Janeiro: DP&A, 2002 [1960]. [1960], p. 262; 887). É nessa direção que se desenvolvem as definições de território alienado e alienação do território - com uma preocupação com a existência.

Já em momento posterior, em um contexto de globalização e no esforço de apresentação de uma proposta teórica para a Geografia (GRIMM, 2011GRIMM, Flávia. Trajetória epistemológica de Milton Santos: uma leitura a partir da centralidade da técnica, dos diálogos com a economia política e da cidadania como práxis. 2011. Tese (Doutorado em Geografia Humana) - Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas, Universidade de São Paulo, São Paulo, 2011., p. 262), Santos expõe o conceito de território alienado, onde as decisões essenciais concernentes ao processo local são estranhas ao lugar e obedecem motivações distantes (SANTOS, 2000______. Por uma outra globalização: do pensamento único à consciência universal. Rio de Janeiro: Record, 2000., p. 107). Essa noção é bastante mobilizada nas análises das imposições do agronegócio ao campo. Com base nessa construção teórica, Cataia (2001CATAIA, Márcio. Território Nacional e Fronteiras Internas. A Fragmentação do Território Brasileiro. 2001. Tese (Doutorado em Geografia Humana) - Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas, Universidade de São Paulo, São Paulo, 2001., p. 188) desenvolve a ideia de alienação do território para municípios que preparam seus territórios corporativamente, ou

aqueles lugares que preparam seu território com todo um conjunto de obras de infraestrutura e isenções fiscais no intuito de atrair investimentos, mas acabam por se transformar em reféns da política das empresas em função do poder econômico que as empresas transnacionais possuem (CATAIA, 2003b, p. 2).

Ainda no sentido de uma ordem estranha ao lugar, Santos e Silveira discutem a alienação ao investigarem diversas situações do território brasileiro (SANTOS; SILVEIRA; 2006SANTOS, Milton; SILVEIRA, María Laura. O Brasil: Território e Sociedade no início do século XXI. Rio de Janeiro: Record, 2006 [2001]. [2001], p. 116; 130; 299; 301). Nesse novo momento, a preocupação que movimenta as análises dos autores aparenta estar ligada às dinâmicas da globalização, à economia política do território no atual período e à consequente alienação do território. Nessa linha de pensamento, Cataia (2001CATAIA, Márcio. Território Nacional e Fronteiras Internas. A Fragmentação do Território Brasileiro. 2001. Tese (Doutorado em Geografia Humana) - Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas, Universidade de São Paulo, São Paulo, 2001., p. 221) afirma que “há empresas transnacionais economicamente mais poderosas que territórios nacionais inteiros”. Santos e Silveira (2006 [2001], p. 254) desenvolvem esse ponto de vista, anunciando que

na medida em que, com o mercado chamado global, cada empresa busca satisfazer-se nos lugares onde as respostas aos seus reclamos são mais adequadas, tal demanda é errática e o território passa a ter, nas áreas atingidas por esse tipo de relações, uma dinâmica praticamente imprevisível no próprio lugar em que se exerce e que é também alienada, já que não precisa ter correspondência com os interesses da sociedade local ou nacional.

Ribeiro (2005, p. 266-268) também problematiza a configuração dos territórios alienados, considerando analiticamente a existência de dois processos: (1) a alienação do território, que corresponderia à dimensão material, ligada à tecnosfera, e (2) a alienação territorial, correspondendo à dimensão imaterial, ligada à psicosfera. Uma ideia que permitiria problematizar essa alienação territorial é a de que a desinformação que caracteriza a dinâmica comunicacional contemporânea levaria a uma práxis invertida - baseada em Sartre (2002SARTRE, Jean-Paul. Crítica da razão dialética: precedido por Questões de método. Rio de Janeiro: DP&A, 2002 [1960]. [1960], p. 271). Conforme Santos (2006aSANTOS, Milton; SILVEIRA, María Laura. O Brasil: Território e Sociedade no início do século XXI. Rio de Janeiro: Record, 2006 [2001]. [1996], p. 227), “o discurso das ações e o discurso dos objetos às vezes se completam como base da desinformação e da contra-informação e não propriamente da informação”. Essa desinformação, tratada anteriormente neste trabalho, é exemplificada pelo autor: “quando o discurso dos objetos é apenas chamado para legitimar uma ação, mas sem revelar suas propriedades escondidas ou o discurso como base de uma ação comandada de fora que leva a construir uma história através de práxis invertidas”.

Pereira (2011) resgata essa questão no debate da alienação do território, afirmando que nos territórios alienados “há lugar para uma ‘práxis invertida’ (e por isso uma falsa práxis)”, já que parte significativa da sociedade e das políticas do território nacional se presta à realização de trabalho e projetos que lhes são estranhos. Para o autor, essa práxis seria invertida pois “ao invés de constituir-se como ação orientada para a construção livre e autônoma do território, se apega aos mandamentos de uma lógica corporativa que promove a expansão e o fortalecimento dos nexos capitalistas, capazes de erigir uma configuração territorial que lhe dá suporte” (PEREIRA, 2011, p. 99). Na mesma direção, Kahil (1997, p. 218) diz que

na sociedade mundial, criada pela conexão global das possibilidades de comunicação, a identidade do homem com seu mundo se perde porque a interação social se constrói num espaço e num tempo presente, instantâneo, privado de memória, do qual o homem não participa de sua construção - o que determina um espaço estranho, um tempo efêmero.

Partindo desse entendimento teórico em torno do conceito de alienação do território, voltamos aos círculos de informações noticiosas. Em que medida é possível declarar que as agências transnacionais de notícias contribuem para a alienação do território brasileiro?

Para uma resposta afirmativa, é preciso considerar, em primeiro lugar, o comando dos círculos de informações no território brasileiro - da informação que efetivamente circula, é consumida e configura usos desse território - exercido pelas agências transnacionais de notícias, a partir de suas matrizes nos países centrais do capitalismo (nesse caso, Estados Unidos, França e Reino Unido). Os círculos de cooperação (SANTOS, 2008b______. Técnica, Espaço, Tempo: globalização e meio técnico-científico informacional. São Paulo: Edusp, 2008b [1994]. [1994], p. 121-122) do mercado de notícias que se configuram no território brasileiro a partir dos círculos dominantes de informações noticiosas são consumidores, dependentes dessas agências e alimentam um ciclo de redistribuição dessas notícias. A hierarquia da divisão territorial do trabalho noticioso acompanha, portanto, decisões tomadas fora do território nacional que o reorganizam, trazem novos conteúdos e novos usos.

No mesmo sentido, consideramos, também, um agendamento da psicosfera do território nacional pelas agências, com a definição vertical e exógena das principais pautas, associada ainda à capacidade de mediação da repercussão dos eventos no território nacional por esses agentes. Esses novos conteúdos são carregados de racionalidades e ideologias alheias, imbuídos de interesses dos agentes que comandam esses círculos de notícias ou seus clientes - com destaque ao mercado financeiro. A mediação dos aconteceres, dos feixes de eventos que se concretizam ou não nos lugares e a definição da escala de resultado dos eventos por agentes externos ao território, de modo centralizado e por poucas empresas de informação, configuram uma dimensão importante da alienação territorial. Conforme Santos (2000______. Por uma outra globalização: do pensamento único à consciência universal. Rio de Janeiro: Record, 2000., p. 40),

falsificam-se os eventos, já que não é propriamente o fato o que a mídia nos dá, mas uma interpretação, isto é, a notícia […]. Numa sociedade complexa como a nossa, somente vamos saber o que houve na rua ao lado dois dias depois, mediante uma interpretação marcada pelos humores, visões, preconceitos e interesses das agências.

Essa racionalidade imposta de fora acompanha a configuração do território brasileiro como um território alienado. O período atual, sabe-se (SANTOS, 2000______. Por uma outra globalização: do pensamento único à consciência universal. Rio de Janeiro: Record, 2000.; MATTELART, 2002MATTELART, Armand. A globalização da Comunicação. Bauru (SP): Edusc, 2002.), é marcado pela intensificação dos fluxos globais, com a chegada de informações externas a todo momento - de forma seletiva no território usado. Todavia, não é a mera presença dessas informações e ordens de fora o que configura os espaços alienados. O que define a alienação é o “estranhamento” nos lugares quanto à lógica que os organiza, a mudança - “de fora” - do sentido dos aconteceres, a predominância de uma lógica exógena e imposta por poucos agentes hegemônicos do período.

A alienação difundida globalmente pelas ideologias do capitalismo adquire uma dimensão material coerente com a natureza, a escala e a intensidade da globalização da economia, conforme Ribeiro (2005, p. 266). Para esta autora, tais ideologias apoiam a multiplicação ininterrupta dos objetos, transformam os lugares em alvos de investimentos voláteis e a cultura em alavanca do lucro. A conformação dessa dimensão imaterial do território alienado, a alienação territorial, faz com que sobretudo as classes médias e altas envolvam-se na defesa política da nova racionalidade, do economicismo, daquilo que Ribeiro e Silva (2004RIBEIRO, Ana Clara Torres; SILVA, Catia Antonia da. Impulsos globais e espaço urbano: sobre o novo economicismo. In: RIBEIRO, Ana Clara Torres (comp.). El rostro urbano de América Latina - O rosto urbano da América Latina. Buenos Aires: CLACSO, 2004., p. 351-352) chamam de “novos impulsos globais” - vetores que condensam informação e inovação, em seus elos com a nova gestão; uma forma de agir de natureza sistêmica e corporativa, que se apropria de condições herdadas e de níveis de controle da mudança permitidos pelo meio técnico-científico-informacional. Daí falarmos de uma práxis invertida, no sentido discutido por Pereira (2011).

Nesse último ponto, é importante considerar que as grandes corporações de comunicação exercem um papel estratégico no atual período: são agentes operacionais da globalização, legitimando e tornando hegemônico seu discurso, enquadrando o consumo como valor (MORAES, 2010MORAES, Dênis de. O capital da mídia na lógica da globalização. In: MORAES, Dênis de (org.). Por uma outra comunicação: mídia, mundialização cultural e poder. Rio de Janeiro: Record, 2010., p. 187-188). É a ideia de Ramonet (1998RAMONET, Ignacio. O pensamento único e os regimes globalitários. In: FIORI, José Luis et al. Globalização: o fato e o mito. Rio de Janeiro: Ed. Uerj, 1998., p. 57), quando discute o pensamento único - a tradução, em termos ideológicos e com pretensão universal, dos interesses de um conjunto de forças econômicas, especialmente as do capitalismo internacional. Parte das dinâmicas consideradas como perversidades da globalização (SANTOS, 2000) também é produzida pelas agências transnacionais.

Importante estudioso das agências de notícias, Boyd-Barrett (2000BOYD-BARRETT, Oliver. Constructing the global, Constructing the local: News Agencies Re-present the World. In: MALEK, A.; KAVOORI, A. (eds.) The global dynamics of news: studies in International News Coverage and News Agenda. Stamford: Ablex, 2000., p. 300-301), sintetiza a questão da relação das agências com a composição da tecnosfera e da psicosfera da globalização, apontando como esses agentes constroem os “imaginários” da globalização e, também, imaginários nacionais - agindo diretamente na alienação dos territórios.

O autor identifica oito processos principais: (1) elas consolidam redes de informação dentro das fronteiras nacionais, por meio do suporte e do apoio a poderosas instituições nacionais, contribuindo para a “racionalização” da comunicação entre Estado e população; (2) elas contribuem para a internacionalização, construindo uma agenda de notícias internacional influente que age sobre a mídia “de varejo”, os governos e o mercado financeiro; (3) eles desenvolvem e/ou exploram tecnologias para melhorar as redes de comunicação global; (4) cotidianamente, em suas práticas de coleta e disseminação de notícias, fazem uma mediação entre os lugares e o global; (5) a Reuters e outras agências financeiras facilitam as transações financeiras e até criam meios para conduzir negociações internacionais em equities, câmbio e diversas commodities; (6) rotineiramente, elas fornecem informações que guiam as interpretações de comentaristas da mídia nacional, relacionando situações nacionais e locais com eventos em escala global; (7) elas definem “globalização” como um sinônimo de “ocidentalização”, inserindo em seu noticiário ideologias ocidentais - que elas mesmas ajudaram a formar na segunda metade do século XIX - como critérios para seleção de notícias, tomando os interesses ocidentais como norma, por meio da adoção de recortes de notícias particulares, e pela distribuição desigual de atenção em relação aos diferentes países e regiões do mundo; e (8) contribuem para uma homogeneização da cultura global, por meio da distribuição de certos tipos de influentes discursos sobre política, economia e esportes, enquanto multiplicam largamente a quantidade de textos em que disponibilizam esses discursos “commoditizados”, por meio dos serviços para redistribuição de notícias (BOYD-BARRET, 2000BOYD-BARRETT, Oliver. Constructing the global, Constructing the local: News Agencies Re-present the World. In: MALEK, A.; KAVOORI, A. (eds.) The global dynamics of news: studies in International News Coverage and News Agenda. Stamford: Ablex, 2000.).

Alguns dos itens acima corroboram entendimentos anteriormente apresentados, de que as agências são produtoras do tempo real, da convergência dos momentos e da cognoscibilidade do planeta. Outros apontam claramente para dimensões da alienação territorial, com imposição de pautas, formas de pensar e interpretar as questões nacionais, de agendamento e difusão da racionalidade dominante. De fato, as agências transnacionais de notícias são agentes ativos na produção da globalização. Considerando, ainda, a influência das agências na definição das técnicas jornalísticas (FONSECA, 2005; LAGE, 2005, p. 57), adicionaríamos um novo aspecto da alienação territorial - já que o próprio fazer jornalístico é uma práxis invertida.

Considerações finais

Essa dinâmica de centralização da informação nas agências transnacionais de notícias compõe aquilo que Santos (2000) aponta como a violência da informação no período atual - considerando a importância crescente da informação e a forma como ela é oferecida à humanidade, controlada por poucos agentes. Cabe entender essa violência da informação não enquanto metáfora, mas como dado fundante da perversidade da globalização atual. Nesse sentido, Nora (1976, p. 187) afirma que estaríamos em um estado de superinformação perpétua e de subinformação crônica. O fato é que, mesmo com o aparente “excesso” quantitativo de notícias circulando no território, a informação sobre o que acontece não vem da interação entre as pessoas, mas do que é transmitido pelos agentes midiáticos, com uma interpretação interessada dos acontecimentos (SANTOS, 2000, p. 41). Essas interpretações são, ainda, homogeneizadas em função de grande parte das informações e imagens sobre o mundo partirem dos mesmos agentes.

Essa informação que se apresenta com violência, carregada de significados exógenos e racionalidades externas aos lugares, produz, como visto, uma alienação do território brasileiro. Tal alienação pode ser entendida pela mediação que o agendamento das pautas nacionais pelas agências traz aos feixes de eventos, que vão ou não atingir os lugares segundo intenções de fora, por meio da transformação da escala de resultado desses eventos geográficos e pelas significações a eles atribuídas, além do desconhecimento dos acontecimentos próximos, sempre sujeitos a essas mediações. A alienação territorial que esses círculos de informações impõem ao território brasileiro produz, na psicosfera, referências a uma práxis invertida, guiada pela racionalidade hegemônica.

Cabe, no entanto, lembrar que há diversas iniciativas em curso para promover maior produção e circulação de informações a partir dos lugares, combater a monopolização da informação e desconstituir a violência mencionada. Entre elas, pode-se citar as diversas iniciativas para a democratização da comunicação na América Latina. De um lado, há um conjunto de ações para a promoção de novos agentes comunicacionais, da redistribuição de financiamento para novas mídias locais e regionais e da distribuição de canais para a comunicação comunitária e os povos originários; de outro, um combate aos monopólios da informação, com regulações com limites à propriedade cruzada e iniciativas comunicativas de cooperação “sul-sul”; por fim, outros usos, técnicas e possibilidades de financiamento do jornalismo. Fazendo novos usos das possibilidades da globalização, essas iniciativas podem vir a ampliar a comunicação de fato e apontar para a libertação dos sujeitos das práxis invertidas. Por meio dessas iniciativas potenciais, é possível vislumbrar a superação da violência da informação e a produção de uma globalização mais solidária e humana.

Agradecimentos

À CAPES, pela bolsa concedida, e à orientação da Professora Drª Adriana Maria Bernardes da Silva na pesquisa de mestrado, cujo presente trabalho faz parte.

Referências

  • AGUIAR, Pedro. Notas para uma História do Jornalismo de Agências. In: VII Encontro Nacional de História da Mídia. Anais... Fortaleza, 2009.
  • BALDESSAR, Maria José. A ordem invertida: o fluxo internacional de notícias e a ascensão da Internet. 2005. Tese (Doutorado em Ciências da Comunicação) - Escola de Comunicações e Artes, Universidade de São Paulo, São Paulo, 2006.
  • BAUDRILLARD, Jean. La Guerra del Golfo no ha tenido lugar. Barcelona: Anagrama, 1991.
  • BOYD-BARRETT, Oliver. Constructing the global, Constructing the local: News Agencies Re-present the World. In: MALEK, A.; KAVOORI, A. (eds.) The global dynamics of news: studies in International News Coverage and News Agenda. Stamford: Ablex, 2000.
  • CATAIA, Márcio. Território Nacional e Fronteiras Internas. A Fragmentação do Território Brasileiro. 2001. Tese (Doutorado em Geografia Humana) - Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas, Universidade de São Paulo, São Paulo, 2001.
  • ______. Alienação dos Territórios Frente aos Processos da Globalização Econômica. In: ENCUENTRO DE GEÓGRAFOS DE AMÉRICA LATINA, IX. Anales… Mérida: EGAL, 2003b.
  • COHEN, Bernard. The Press and Foreign Policy. Princeton: Princeton Univeristy Press, 1965.
  • GRIMM, Flávia. Trajetória epistemológica de Milton Santos: uma leitura a partir da centralidade da técnica, dos diálogos com a economia política e da cidadania como práxis. 2011. Tese (Doutorado em Geografia Humana) - Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas, Universidade de São Paulo, São Paulo, 2011.
  • HOHLFELDT, Antonio. Os estudos sobre a hipótese de agendamento. Revista FAMECOS, Porto Alegre, n. 7, nov. 1997.
  • INWOOD, Michael. Dicionário Hegel. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1997.
  • ISNARD, Hildebert. O espaço do geógrafo. Boletim Geográfico, v. 36, n. 258-259, pp. 5-16, 1978. [original: ISNARD, Hilderbert, L’Espace du Géographe. Annales de Géographie, t. 84, n. 462, pp. 174-187, 1975.]
  • ______. O Espaço Geográfico. Coimbra: Almedina, 1982.
  • ISRAEL, Joachim. L’aliénation de Marx a la sociologie contemporaine: um étude macrosociologique. Paris: Editions Anthropos, 1972.
  • KAHIL, Samira P. Psicosfera: a modernidade perversa. Revista do Departamento de Geografia, São Paulo, n. 11, 1997.
  • KAHIL, Samira P. Psicosfera: uso corporativo da esfera técnica do território e o novo espírito do capitalismo. Sociedade & Natureza, Uberlândia, v. 22, n. 3, 2010.
  • KURTZMAN, Joel. A morte do dinheiro: como a economia eletrônica desestabilizou os mercados mundiais e criou o caos financeiro. São Paulo: Atlas, 1995.
  • MARX, Karl. Manuscritos econômico-filosóficos. São Paulo: Boitempo. 2004 [1844].
  • MATTELART, Armand. A globalização da Comunicação. Bauru (SP): Edusc, 2002.
  • MCCOMBS, Maxwell; SHAW, Donald L. The Agenda-Setting Function of Mass Media. The public opinion quarterly, v. 36, n. 2, 1972.
  • MCCOMBS, Maxwell. The agenda-setting role of the mass media in the shaping of public opinion. In: Mass Media Economics 2002 Conference. Annals... London School of Economics, 2002.
  • ______. Um Panorama da Teoria do Agendamento, 35 anos depois de sua formulação (Entrevista). Intercom - Revista Brasileira de Ciências da Comunicação n. 204, São Paulo, v. 31, n. 2, jul./dez. 2008.
  • MÉSZÁROS, István. A teoria da alienação em Marx. São Paulo: Boitempo, 2006.
  • MORAES, Dênis de. O capital da mídia na lógica da globalização. In: MORAES, Dênis de (org.). Por uma outra comunicação: mídia, mundialização cultural e poder. Rio de Janeiro: Record, 2010.
  • NORA, Pierre. O retorno do fato. In: LE GOFF, Jacques; NORA, Pierre. História: novos problemas. Rio de Janeiro: Francisco Alves, 1976.
  • NORDAU, Max. Degeneration. Londres: William Heinemann, 1895.
  • PAIVA E SILVA, Jaqueline. A Broadcast, o mercado financeiro e a cobertura de economia da grande imprensa. 2002. Dissertação (Mestrado em Comunicação) - Faculdade de Comunicação, Unniversidade de Brasília, Brasília, 2002.
  • PASTI, André. Notícias, Informação e Território: as agências transnacionais de notícias e a circulação de informações no território brasileiro. Dissertação (Mestrado em Geografia) - Instituto de Geociências, Universidade Estadual de Campinas, Campinas, 2013a.
  • ______. Transformações e permanências na circulação de notícias na América Latina: contribuições ao debate. In: CONGRESSO BRASILEIRO DE CIÊNCIAS DA COMUNICAÇÃO, XXXVI. Anais... Manaus: Intercom, 2013b.
  • PATERSON, Chris. News Agency Dominance in International News on the Internet. Papers in International and Global Communication, n. 1/6, mai. 2006.
  • PECK, Jamie. Entrevista a André Pasti, Luciano Duarte, Melissa Steda e Wagner Nabarro. Boletim Campineiro de Geografia, v. 2, n. 2, 2012.
  • PEREIRA, Evelyn. A empresa e o lugar na globalização: a “Responsabilidade social empresarial” no território brasileiro. Dissertação (Mestrado em Geografia Humana) - Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas, Universidade de São Paulo, São Paulo, 2007.
  • PEREIRA, Mirlei Fachini Vicente. Território e política: práxis invertidas e desafios da existência. Sociedade & Natureza, Uberlândia, v. 23, n. 1, 2011.
  • PETROVIC, Gajo. Alienation. In: BOTTOMORE, Tom; HARRIS, Laurence; KIERNAN, V. G.; MILIBAND, Ralph. (eds.) A Dictionary of Marxist Thought. Harvard: Blackwell Publishing Limited, 1998.
  • PNAD, Pesquisa Nacional por Amostragem de Domicílios. Síntese dos indicadores - 2011. Rio de Janeiro: IBGE, 2012.
  • PORAT, Marc Uri. The information economy: definition and measurement. Washington: National Science Fondation, 1977.
  • PULITI, Paula. A Financeirização do Noticiário Econômico no Brasil (1989-2002). Dissertação (Mestrado em Ciências da Comunicação) - Escola de Comunicações e Artes, Universidade de São Paulo, São Paulo, 2009.
  • RAMONET, Ignacio. O pensamento único e os regimes globalitários. In: FIORI, José Luis et al. Globalização: o fato e o mito. Rio de Janeiro: Ed. Uerj, 1998.
  • RANIERI, Jesus. A câmara escura: alienação e estranhamento em Marx. São Paulo: Boitempo, 2001.
  • ______. Alienação e estranhamento: a atualidade de Marx na crítica contemporânea do capital. In: CONFERENCIA INTERNACIONAL LA OBRA DE CARLOS MARX Y LOS DESAFÍOS DEL SIGLO XXI, IV. Anales... [online]. v. 27, 2006. Disponível em: <http://www.nodo50.org/cubasigloXXI/congreso06/conf3_ranieri.pdf>. Acesso em 2013.
    » http://www.nodo50.org/cubasigloXXI/congreso06/conf3_ranieri.pdf
  • RIBEIRO, Ana Clara Torres. Matéria e espírito: o poder (des)organizador dos meios de comunicação. In: PIQUET, Rosélia; RIBEIRO, Ana Clara Torres. Brasil, território da desigualdade: descaminhos da modernização. Rio de Janeiro: Jorge Zahar: Fundação Universitária José Bonifácio, 1991.
  • ______. Outros territórios, outros mapas. Osal, Ano VI, n. 16, pp. 263-272, jan./abr. 2005.
  • RIBEIRO, Ana Clara Torres; SILVA, Catia Antonia da. Impulsos globais e espaço urbano: sobre o novo economicismo. In: RIBEIRO, Ana Clara Torres (comp.). El rostro urbano de América Latina - O rosto urbano da América Latina. Buenos Aires: CLACSO, 2004.
  • SANTOS, Milton. Le métier du géographe en pays sous-développés. Paris: Ophrys, 1971.
  • ______. Sociedade e Espaço: a formação socioespacial como teoria e como método. Antipode, n. 1, vol. 9, jan./fev. 1977.
  • ______. Para que a Geografia mude sem ficar a mesma coisa. Boletim Paulista de Geografia, n. 59, AGB - Seção São Paulo, São Paulo, 1982.
  • ______. O território e o Saber Local: algumas categorias de análise. Cadernos IPPUR, Rio de Janeiro, ano XIII, n. 2, 1999b.
  • ______. Por uma outra globalização: do pensamento único à consciência universal. Rio de Janeiro: Record, 2000.
  • ______. A Natureza do Espaço: técnica e tempo, razão e emoção. São Paulo: Edusp, 2006a [1996].
  • ______. Metamorfoses do espaço habitado: fundamentos teóricos e metodológicos da Geografia. São Paulo: Edusp, 2008a [1988].
  • ______. Técnica, Espaço, Tempo: globalização e meio técnico-científico informacional. São Paulo: Edusp, 2008b [1994].
  • ______. Da totalidade ao lugar. São Paulo: Edusp, 2008c.
  • ______. O trabalho do geógrafo no terceiro mundo. São Paulo: Edusp, 2009a [1978].
  • SANTOS, Milton; KAYSER, Bernard. Espaces et villes du Tiers Monde. Tiers-Monde, tome 12, n. 45, 1971.
  • SANTOS, Milton; SILVEIRA, María Laura. O Brasil: Território e Sociedade no início do século XXI. Rio de Janeiro: Record, 2006 [2001].
  • SARTRE, Jean-Paul. Crítica da razão dialética: precedido por Questões de método. Rio de Janeiro: DP&A, 2002 [1960].
  • SHAW, Eugene. Agenda-setting and Mass Communication Theory. International Communication Gazette, v. 25, n. 96, 1979.
  • SILVEIRA, María Laura. Totalidade e fragmentação: o espaço global, o lugar e a questão metodológica, um exemplo argentino. In: SANTOS, Milton et al. (orgs.) O novo mapa do mundo: fim de século e globalização. São Paulo: Annablume/Hucitec-Anpur, 2002 [1993].
  • SILVEIRA, María Laura. Escala geográfica: da ação ao império? Terra Livre, Goiânia, ano 20, v. 2, n. 23, pp. 87-96, jul./dez. 2004.
  • SORRE, Max. L'Homme sur la Terre. Une vaste synthèse de géographie humaine. Paris: Hachette, 1961.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    25 Jul 2020
  • Data do Fascículo
    Jan-Apr 2018

Histórico

  • Recebido
    08 Dez 2016
  • Aceito
    19 Abr 2018
Editora da Universidade Federal de Uberlândia - EDUFU Av. João Naves de Ávila, 2121 - Bloco 5M – Sala 302B, 38400902 - Uberlândia - Minas Gerais - Brasil, +55 (34) 3239- 4549 - Uberlândia - MG - Brazil
E-mail: sociedade.natureza@ig.ufu.br