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CONSCIÊNCIA HISTÓRICA DE ESTUDANTES DE EDUCAÇÃO FÍSICA: UMA ANÁLISE A PARTIR DA TEORIA DA APRENDIZAGEM HISTÓRICA DE JÖRN RÜSEN

PHYSICAL EDUCATION STUDENTS’ HISTORICAL AWARENESS: AN ANALYSIS BASED ON JÖRN RÜSEN’S HISTORICAL LEARNING THEORY

CONSCIENCIA HISTÓRICA DE ESTUDIANTES DE EDUCACIÓN FÍSICA: UN ANÁLISIS DE LA TEORÍA DE APRENDIZAJE HISTÓRICO DE JÖRN RÜSEN

Resumo:

o objetivo desta investigação foi identificar o tipo de Consciência Histórica e competências de orientação de estudantes de Educação Física produzidas a partir de Curso Online Aberto e Massivo com o tema “história do futebol praticado por mulheres no Brasil”. A pesquisa qualitativa e exploratória produziu dados por meio de atividade avaliativa do curso. Foram confeccionadas respostas à questão problema relacionada à jovem Cristina e suas dúvidas em relação à tentativa de se tornar jogadora profissional. Os concluintes elaboraram dez Narrativas Históricas de acordo com o conceito de Jörn Rüsen. Oito expressaram uma Consciência Histórica Genética e dois do tipo Crítica. Como competência de orientação sinalizaram-se: o engajamento na modalidade; a construção de uma alternativa caso a profissionalização não desse certo; a perspectiva de carreira no exterior. Tal estudo traz ao campo um instrumental teórico que pode contribuir para qualificar o ensino da História da Educação Física.

Palavras-chave
História; Educação Física; Capacitação profissional; Educação continuada

Abstract:

This investigation aimed at identifying Physical Education students’ types of Historical Awareness and orientation skills produced in the Massive Open Online Course on the topic “History of Women’s Football in Brazil”. The qualitative and exploratory study produced data during the course’s evaluation activity. Answers were provided to the question of a young woman named Cristina and her doubts about trying to become a professional player. The students created ten Historical Narratives according to Jörn Rüsen’s concept. Eight of them manifested Historical Genetic Awareness and two had the Critical type. Guiding competences included: engagement with football; building an alternative in case professionalization did not work; the perspective of a career abroad. The study provides a theoretical framework to the field that can help improve teaching of Physical Education History.

Keywords
History; Physical Education; Professional training; Education, continuing

Resumen:

el objetivo de esta investigación fue identificar el tipo de Consciencia Histórica y competencias de orientación de estudiantes de Educación Física, producidas a partir de un Curso en Línea Abierto y Masivo con el tema "historia del fútbol practicado por mujeres en Brasil". La investigación cualitativa y exploratoria produjo datos a través de la actividad evaluativa del curso. Se confeccionaron respuestas a la cuestión-problema relacionada con la joven Cristina y sus dudas sobre el intento de convertirse en una jugadora profesional. Los graduados elaboraron diez narrativas históricas según el concepto de Jörn Rüsen. Ocho expresaron una Consciencia Histórica Genética y dos del tipo Crítica. Como competencia de orientación fueron señalados los siguientes puntos: compromiso con la modalidad deportiva; la construcción de una alternativa si la profesionalización no funciona; perspectiva de carrera en el extranjero. El estudio trae al campo instrumentos teóricos que pueden contribuir para cualificar la enseñanza de la Historia de la Educación Física.

Palabras clave
Historia; Educación Física; Capacitación profesional; Educación continua

1 INTRODUÇÃO

O ensino da História da Educação Física (HEF) e de seus conteúdos tem motivado diferentes discussões nas últimas décadas. Melo (1999MELO, Victor Andrade de. Por que devemos estudar história da Educação Física/Esportes nos cursos de graduação? In: MELO, Victor Andrade de: História da Educação Física e do esporte no Brasil: panoramas, perspectivas e propostas. São Paulo: Ibrasa, 1999. p. 23-37.) e Goellner (2012GOELLNER, Silvana Vilodre. A importância do conhecimento histórico na formação de professores de Educação Física e a desconstrução da história no singular. Kinesis, v. 30, n. 1, p. 37-55, jan./jun. 2012. ) discorreram sobre a importância do conhecimento histórico na formação de professores de Educação Física (EF), alertando para a necessidade de ruptura com a tradição metódica que hegemonizou a produção no campo ao longo do século XX. Gancz (2006GANCZ, Ricardo O ensino da história da Educação Física no Brasil: ainda seguimos uma visão linear? In: CONGRESSO LUSO BRASILEIRO DE HISTÓRIA DA EDUCAÇÃO. 7. 2006. Anais [...] Uberlândia: CLBHE, 2006, p. 1978-1998. Disponível em: Disponível em: https://docplayer.com.br/15259157-O-ensino-da-historia-da-educacao-fisica-no-brasil-ainda-seguimos-uma-visao-linear-resumo.html . Acesso em: 12 set. 2018.
https://docplayer.com.br/15259157-O-ensi...
) investigou o olhar de professores e estudantes acerca da sua pertinência para a atuação profissional, constatando um distanciamento entre a formação sobre o tema e as demandas do mundo do trabalho. Oliveira (2010OLIVEIRA, Marcus Aurélio Taborda de. Renovação historiográfica na Educação Física brasileira. In: SOARES, Carmen Lúcia (org.). Pesquisas sobre o corpo: Ciências Humanas e Educação. Campinas: Autores Associados, 2010. p. 118-131. ), em levantamento acerca da produção historiográfica da EF em congressos e periódicos, percebeu uma repetição de assuntos, recortes temporais e pouca apropriação de referenciais mais atuais.

No âmbito da Educação Básica (EB), Soares et al. (1992SOARES, Carmem Lúcia et al. Metodologia do ensino de Educação Física. São Paulo: Cortez Editora, 1992.) propuseram que se estudasse a historicidade dos conteúdos da cultura corporal ao longo do processo de ensino-aprendizagem. Pereira e Impolcetto (2018PEREIRA, Mateus Camargo; IMPOLCETTO, Fernanda Moreto. O ensino da história das modalidades esportivas nos currículos estaduais (2005-2015). Arquivos em Movimento, v. 14, n. 1, p. 60-82, jan./jun. 2018. ) identificaram que a prescrição para o ensino do tema no ensino fundamental (anos finais) está presente em quase todos os currículos estaduais, nos Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN) e Base Nacional Comum Curricular (BNCC). Entretanto, concluíram também que as indicações não especificam os assuntos a serem tratados, nem sob quais referências teórico-metodológicas, dificultando sua implementação no contexto escolar.

Matthiesen e Ginciene (2009MATTHIESEN, Sara Quenzer; GINCIENE, Guy. Fragmentos da história dos 100 metros rasos: teoria e prática. Coleção Pesquisa em Educação Física, v. 8, n. 3, p. 181-186, 2009.), Freitas (2009FREITAS, Fernando Paulo Rosa de. O salto com vara na escola: subsídios para o seu ensino a partir de uma perspectiva histórica. 2009. 189 f. Dissertação (Mestrado em Ciência da Motricidade Humana) - Instituto de Biociências, Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho, Rio Claro, 2009.), Matthiesen, Ginciene e Freitas (2012MATTHIESEN, Sara Quenzer; GINCIENE, Guy; FREITAS, Fernando Paulo Rosa de. Registros da maratona em Jogos Olímpicos para a difusão em aulas de Educação Física. Revista Brasileira de Educação Física e Esporte, v. 26, n. 3, p. 463-471, jul./set. 2012.), Matthiesen e Ginciene (2013MATTHIESEN, Sara Quenzer; GINCIENE, Guy. História das corridas. Várzea Paulista: Fontoura , 2013. (Coleção História do Atletismo: da teoria à aplicação.v. 1).) e Matthiesen e Freitas (2017MATTHIESEN, Sara Quenzer; FREITAS, Fernando Paulo Rocha de. História dos Saltos. Várzea Paulista: Fontoura, 2017. Coleção História do Atletismo: da teoria à aplicação. v. 2.) elaboraram propostas para o ensino da história das provas do atletismo, voltadas para estudantes da EB. Nunes (2017NUNES, Fábio Santana. Perspectivas Metodológicas de Ensino da História dos Esportes. Cadernos de Formação RBCE, v. 8, n. 2, p. 59-71, set. 2017.) relatou experiências com a história das modalidades esportivas em turmas da graduação em EF. Todos avançaram no tratamento pedagógico de temas. Entretanto, nenhuma das produções estabeleceu diálogo com autores do ensino da História, abstendo-se de dialogar com conceitos que pudessem colaborar para uma melhor apropriação do conhecimento histórico. O movimento encetado neste artigo busca ocupar essa lacuna, promovendo o contato com conceitos cunhados pelo alemão Jörn Rüsen (2001RÜSEN, Jörn. Razão Histórica: Teoria da História: os fundamentos da ciência histórica. Brasília: Ed. UnB , 2001.; 2007aRÜSEN, Jörn. Reconstrução do passado: Teoria da História II: os princípios da pesquisa histórica. Brasília: Ed. UnB, 2007a. ; 2007bRÜSEN, Jörn. História Viva. Teoria da História III. Formas e Funções do conhecimento histórico. Brasília: Ed. UnB, 2007b.). O autor tem se dedicado ao diálogo entre a produção de conhecimento e o ensino da História, reelaborando conceitos tais como Didática da História (DH), Narrativa Histórica (NH) e Consciência Histórica (CH), entre outros. Esta última é composta por competências: da experiência, da interpretação da experiência no tempo e da orientação para a vida prática.

A utilização dos conceitos ocorreu em Curso Online Aberto Massivo (MOOC)1 1 Os MOOC são uma modalidade de ensino a distância gratuita, disponibilizada para um número expressivo de pessoas; não é necessário cumprir o programa de forma sequencial; não é obrigatória a certificação; em sua maioria, são cursos livres, com duração menor do que as especializações. Para fomentar a interação com o conteúdo disponível se utilizam de recursos web como vídeos, fóruns de discussão, produção de audiovisuais etc. São inspirados em um modelo de educação aberta pautada por recursos livres de licenciamentos, desde que mencionada a origem do material original. sobre a “história do futebol praticado pelas mulheres no Brasil”, cursado por estudantes de EF de diferentes estados brasileiros. O MOOC tratou historicamente dos marcos legais para a prática do futebol pelas mulheres, a trajetória da seleção brasileira da modalidade, bem como da organização dos campeonatos em âmbito nacional. Dessa forma, o objetivo deste trabalho foi analisar a CH dos discentes concluintes e, especificamente, a competência de orientação para a vida prática explicitada por eles. O desafio da investigação foi implementar o arcabouço teórico de Rüsen num processo pedagógico da EF, buscando contribuir para uma melhor efetivação do ensino dos conteúdos históricos na área.

2 BASES TEÓRICAS

O historiador alemão Jörn Rüsen (1938 - ) tem investido desde os anos 1980 numa teorização que estabeleça conexões entre a produção de conhecimento e o ensino de História (RÜSEN, 2006RÜSEN, Jörn. Didática da História: presente, passado e perspectivas a partir do caso alemão. Práxis Educativa, v. 1, n. 2, p. 7-16, jul./dez. 2006.). Nos anos 2000, a Editora da UnB traduziu uma trilogia do autor2 2 Razão Histórica (2001); Reconstrução do passado (2007) e Teoria da História (2007). A trilogia foi traduzida pelo professor da UnB Estevão de Rezende Martins. que condensa sua elaboração (RÜSEN, 2001RÜSEN, Jörn. Razão Histórica: Teoria da História: os fundamentos da ciência histórica. Brasília: Ed. UnB , 2001.; 2007aRÜSEN, Jörn. Reconstrução do passado: Teoria da História II: os princípios da pesquisa histórica. Brasília: Ed. UnB, 2007a. ; 2007bRÜSEN, Jörn. História Viva. Teoria da História III. Formas e Funções do conhecimento histórico. Brasília: Ed. UnB, 2007b.). Desde então, tem influenciado grupos de pesquisa em diversas universidades, com destaque para a Universidade Federal do Paraná (UFPR), Universidade Estadual de Ponta Grossa (UEPG), Universidade de Brasília (UnB), Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN), Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), Universidade Estadual de Londrina (UEL), entre outras (BAROM, 2014BAROM, Wilian Carlos Cipriani. Os micro campos da Didática da História: a teoria da história de Jörn Rüsen, pesquisas acadêmicas e o ensino da história. Revista de Teoria da História, v. 6, n. 12, p. 15-67, dez. 2014.).

Rüsen discorda da acepção de Didática como área do conhecimento que discute os métodos e técnicas do ensino. Para ele, a DH:

[…] analisa todas as formas e funções do raciocínio e conhecimento histórico na vida cotidiana, prática. Isso inclui o papel da história na opinião pública e as representações nos meios de comunicação de massa; ela considera as possibilidades e limites das representações históricas visuais em museus e explora diversos campos onde os historiadores equipados com essa visão podem trabalhar (RÜSEN, 2006RÜSEN, Jörn. Didática da História: presente, passado e perspectivas a partir do caso alemão. Práxis Educativa, v. 1, n. 2, p. 7-16, jul./dez. 2006., p. 12).

Portanto, além da escola, a educação histórica é promovida por diversos meios de comunicação e sob diferentes linguagens. Na EF, os Centros de Memória e os Museus do Futebol, no Pacaembu e do Mineirão, são exemplos de espaços que a promovem. Por meio de suas exposições e acervos mobiliza-se a Consciência Histórica (CH) dos sujeitos, conceituada como a “soma das operações mentais com as quais os homens interpretam sua experiência de evolução no tempo de seu mundo e de si mesmos, de tal forma que possam orientar, intencionalmente, sua vida prática do tempo” (RÜSEN, 2001RÜSEN, Jörn. Razão Histórica: Teoria da História: os fundamentos da ciência histórica. Brasília: Ed. UnB , 2001., p. 87). A CH cumpre duas funções: situar as pessoas no fluxo do tempo (construção de identidade) e orientar as ações na vida prática. Através dela, os indivíduos estabelecem relações entre o passado e as ações no presente e no futuro, explicitando-as sob a forma de uma Narrativa Histórica (NH).

O processo de aprendizagem histórica se dá por meio de NHs nas quais as competências componentes da CH podem ser mobilizadas. A NH é um “[…] resultado intelectual mediante o qual e no qual a CH se forma e, por conseguinte, fundamenta decisivamente todo pensamento histórico e todo conhecimento histórico científico” (RÜSEN, 2001RÜSEN, Jörn. Razão Histórica: Teoria da História: os fundamentos da ciência histórica. Brasília: Ed. UnB , 2001., p. 61). Recorre a lembranças, mas somente expressa CH quando correlaciona o passado ao presente, numa perspectiva de continuidade e orientação da vida prática. São componentes da CH as competências da experiência, da interpretação da experiência no tempo e de orientação para a vida prática.

Pela competência da experiência as operações da CH se tornam processos de aprendizagem ao aumentar o conhecimento sobre o que aconteceu no passado e promover a percepção de que as condições do passado são diferentes das do presente. Pela competência de interpretação amplia-se a experiência e o conhecimento, ocasionando uma mudança produtiva no padrão de interpretação, de forma a significar os fatos históricos. Os argumentos levados em consideração para a tomada de decisão à época das ocorrências são conhecidos e compreendidos. Com a competência de orientação os sujeitos se preocupam com o uso do conhecimento histórico voltado para a organização da vida prática nos processos, os quais transformam as pessoas e o seu mundo.

As CHs podem ser de quatro tipos:

  1. Consciência Histórica Tradicional (CHT): quando a realidade é explicada sob a perspectiva das permanências, da tradição. Explicações do presente e perspectivas de futuro são resumidas na frase “as coisas sempre foram assim e sempre serão”. O tempo é eternizado como sentido.

  2. Consciência Histórica Exemplar (CHE): explicações do presente são pautadas por exemplos históricos, recuperados de forma seletiva. A História é vista como um estabelecimento de regras e normas de atuação atemporais, orientando a atuação do agir no presente, em determinadas situações e condições. As pessoas atribuem a si mesmas a referência do agir correto, enxergando a versão histórica como algo universal e de forma supratemporal. Frase recorrente: “a experiência ensina que…”.

  3. Consciência Histórica Crítica (CHC): rompe com as explicações correntes, consagradas, com a ideia de continuidade da história. Reconstrói as narrativas, questionando a plausibilidade das explicações anteriores. Uma frase que ilustra tal forma de CH seria: “Será que foi dessa forma mesmo?”.

  4. Consciência Histórica Genética (CHG): a história é vista como processo de mudanças nas quais os tempos alteram as formas de ler a realidade, pois pautados por elementos diferentes de épocas anteriores. Trabalha com a ideia de desenvolvimento, alteridade e utopia. Uma possível frase ilustrativa seria: “Naquela época funcionava assim, hoje os parâmetros são outros”.

Perceber como as pessoas compreendem processos históricos a partir desse arcabouço teórico pode contribuir para o aprimoramento do ensino ofertado em qualquer nível de ensino, ampliando suas possibilidades de intervenção na realidade em que estiverem inseridos. Dessa forma, as elaborações de Rüsen foram aplicadas a partir de um tema de destaque na história recente, o futebol praticado pelas mulheres no Brasil.

3 DECISÕES METODOLÓGICAS

Trata-se de uma pesquisa qualitativa, voltada para a tentativa de compreender os processos pelos quais as pessoas constroem significados de suas experiências, ou seja, de compreender o significado ou as representações que as pessoas constroem a partir de suas vivências (TRIVIÑOS, 2009TRIVIÑOS, Augusto Nivaldo Silva. Introdução à pesquisa em ciências sociais: a pesquisa qualitativa em Educação - O Positivismo, A Fenomenologia, O Marxismo. 5. ed. São Paulo: Atlas , 2009.). Quanto aos objetivos, ela é exploratória (GIL, 2007GIL, Antonio Carlos. Como elaborar projetos de pesquisa. 4. ed. São Paulo: Atlas, 2007.), pois visa maior familiaridade com um problema.

Na análise de dados, buscou-se interpretar as respostas dos estudantes sobre a questão problema relacionada à jovem Cristina, identificando as adequações delas aos conceitos elaborados por Jörn Rüsen, especificamente de componentes da CH: interpretação da experiência no tempo e competência de orientação. A constituição da pergunta inspirou-se nos exemplos aplicados por Rüsen (2007aRÜSEN, Jörn. Reconstrução do passado: Teoria da História II: os princípios da pesquisa histórica. Brasília: Ed. UnB, 2007a. ), Alves (2011ALVES, Ronaldo Cardoso. Aprender história com sentido para a vida: consciência histórica em estudantes brasileiros e portugueses. 2011. 322 f. Tese (Doutorado em Educação) - Faculdade de Educação, Universidade de São Paulo, São Paulo, 2011.) e Balestra (2015BALESTRA, Juliana Pirola da Conceição. O peso do passado: currículos e narrativas no ensino de história das Ditaduras de Segurança Nacional em São Paulo e Buenos Aires. 2015. 226 f. Tese (Doutorado em Educação) - Faculdade de Educação, Universidade Estadual de Campinas, Campinas, 2015.) e se encontra no Quadro 1:

Quadro 1 -
Questão problema

O texto explorou um recorte do percurso histórico do futebol praticado pelas mulheres no Brasil trabalhado no MOOC e encarnado nas figuras dos parentes da personagem Cristina. Lembranças de um passado de frustração estariam presentes no seu dia a dia, influenciando-a nas suas escolhas; por outro lado, a esperança num futuro melhor, ainda que sob riscos de manutenção da escrita familiar, completava o quadro argumentativo sob o qual os estudantes teriam que se posicionar. Foram analisadas:

O tipo de CH, expondo os elementos que confirmavam a caracterização realizada (competência da interpretação da experiência no tempo);

A competência de orientação.

O MOOC ocorreu em oito aulas, nas quais se discorreu sobre a “história do futebol praticado pelas mulheres no Brasil”. Utilizaram-se videoaulas, textos de apoio e atividades avaliativas. Foi divulgado por meio de rede social e site institucional; os conteúdos estiveram na plataforma TIM Tec entre 26/02 e 20/05/2019. Concluíram o curso 12 estudantes de EF, num universo de 126. Todos preencheram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE), sendo identificados como A1 a A12; os gêneros foram autodeclarados e expressos sob as iniciais M (masculino) e F (feminino). A pesquisa foi aprovada pelo Comitê de Ética em Pesquisa com Seres Humanos do Instituto de Biociências da Unesp - Câmpus de Rio Claro.

Dentre aqueles que finalizaram o curso, seis eram do gênero masculino e seis do feminino. Quanto à graduação, dez cursavam EF no IFSULDEMINAS, sendo quatro no bacharelado, quatro na licenciatura e dois não indicaram a modalidade. Outras duas pessoas cursavam EF em outros cursos: uma na Universidade Estadual de Feira de Santana (UEFS); e outra em Belo Horizonte (não explicitou a instituição). As idades variavam entre 18 e 26 anos, com quatro estudantes menores de 20 anos e quatro maiores. Os demais não indicaram a idade. Cinco alunos tinham alguma relação com o futebol, fosse na condição de atleta, ex-atleta ou participante de algum projeto relacionado à modalidade em prefeituras ou Instituição de Ensino Superior.

4 ANÁLISE E DISCUSSÃO

A NH torna presente o passado, de forma que o presente aparece como sua continuação no futuro. Com isso a expectativa de futuro vincula-se diretamente à experiência do passado. Essa íntima interdependência entre passado, presente e futuro é concebida como uma representação de continuidade e serve à orientação da vida humana prática atual (RÜSEN, 2001RÜSEN, Jörn. Razão Histórica: Teoria da História: os fundamentos da ciência histórica. Brasília: Ed. UnB , 2001., p. 64).

Dentre os 12 estudantes concluintes, dez produziram respostas que se encaixaram no conceito de NH do autor. Somente os textos de A5 e A10 não contemplaram as características previstas, sendo excluídas da análise.

Os estudantes A1, A2, A4, A6, A7, A9, A11 e A12 expressaram uma CHG. De acordo com Alves (2011ALVES, Ronaldo Cardoso. Aprender história com sentido para a vida: consciência histórica em estudantes brasileiros e portugueses. 2011. 322 f. Tese (Doutorado em Educação) - Faculdade de Educação, Universidade de São Paulo, São Paulo, 2011., p. 71):

[…] a constituição genética de sentido considera todos os modelos anteriores para promover suas propostas. Mudança é o conceito a ser observado. A História é vista em si, ou seja, como processo no qual todo ser humano adentra e age de forma a colocar-se em sua dinâmica de duração.

Em A1 observou-se um diagnóstico das transformações da prática do futebol pelas mulheres no país:

[…] futebol feminino sofreu diversas mudanças ao longo do tempo. Inicialmente ele era pouco difundido, já que as mulheres tinham outras funções na sociedade, porém ele foi evoluindo aos poucos, até o momento em que ele foi respeitado e admirado pelos espectadores. Mas que ainda tem muito o que evoluir, já que o futebol masculino é muito mais presente em nossa sociedade (…) o futebol feminino não possui calendários de jogos durante o ano todo, ou seja, infelizmente ela talvez não dependeria somente do futebol para a sua sobrevivência.

O diagnóstico veio acompanhado de uma visão de inserção de Cristina na história por seus atributos pessoais (competência de orientação):

Mas é de extrema importância que ela ouça o que seu coração diz, e se for real o sonho de se tornar jogadora de futebol, ela terá que lutar e se esforçar todos os dias de sua vida para fazer o seu melhor e se tornar uma jogadora reconhecida, assim como foi o processo do futebol feminino até ser reconhecido, as mulheres precisaram ser muito resistentes, ousadas, persistentes e dedicadas.

A exaltação desses atributos evidenciou uma percepção majoritariamente individual do fazer histórico, desconsiderando os condicionantes sociais que influenciam nos processos, tais como os fatores econômicos. Há, entretanto, um olhar processual que considera o passado agindo no presente e influenciando o futuro de Cristina, reservando a ela um certo protagonismo. Essa consideração do passado em diálogo com as intenções do futuro influencia as ações no presente. A mensagem é que a jovem avance no sonho, mas não desconsidere a possibilidade de se deparar com um cenário difícil.

Como em A1, A2, A4, A7, A9, A11 e A12 também mostram uma leitura de história como processo e em movimento. Consideraram que os tempos estão mudando e que Cristina deve se inserir nesse percurso e mostrar todo o seu potencial. Há, contudo, uma competência de orientação mais diversa do que a expressada por A1: a necessidade de estudo para lhe abrir outras portas caso a carreira de jogadora profissional não prosperasse; e de engajamento, para honrar a luta daquelas mulheres que vieram antes dela.

Hoje em dia o futebol feminino está oferecendo melhores condições de vida para as jogadoras do que antigamente, pois existem vários times espalhados pelo Brasil, e muito mais campeonatos que antes […] Cristina é ainda muito nova, e com toda essa luta que acontece atualmente por parte dos times femininos e das jogadoras, futuramente esse cenário poderá estar melhor ainda, fazendo com que ela tenha melhores condições para mostrar todo seu potencial. Porém, ela deve conciliar os estudos com sua carreira, pois mesmo que ela consiga uma carreira no futebol, os estudos sempre são importantes para ele ter um pensamento crítico das coisas e lutar pelos seus ideais. E, se a carreira não der certo, ela sempre terá uma garantia de que conseguirá emprego mais facilmente do que se não tivesse estudado. Além disso, por estar seguindo esse sonho de ser jogadora, ela vai estar honrando o legado de grandes mulheres do passado, que lutaram e sofreram muito para que o futebol feminino tivesse o reconhecimento que tem hoje (A2).

O futebol feminino, apesar de ter passado por muitas transformações ao longo dos anos, ainda caminha lentamente para melhoras de suas condições, mas ainda assim continua caminhando e evoluindo dia após dia […] Porém, é um esporte em constante evolução, depois de muitas lutas, hoje o esporte já atingiu um patamar profissional, vários preconceitos em relação a ele foram quebrados, ainda existe muita luta a ser realizada para a melhoria, muitos preconceitos remanescentes devem ser quebrados, não será fácil, mas se existe amor ao esporte, (…) honrar todas as mulheres que fizeram com que essa escolha fosse possível, então lute, corra atrás, mas não se jogue de cabeça, tenha uma segunda opção, pois se no futebol masculino a taxa de sucesso é baixa, no feminino é ainda pior. Observe os casos de fracasso no esporte em sua família e tente aprender com os erros cometidos por eles, busque alternativas que eles não tentaram, mostre algo novo, sempre lutando e nunca perdendo o foco em seus objetivos. Mas lembre-se: apesar de todas dificuldades, persista sempre, trabalhe duro […] traga conhecimentos como treinadora, transforme as frustrações de sua família em força para persistir e no final será recompensada (A4).

A9 apontou que a escolha de Cristina por continuar na modalidade (competência de orientação) tem um sentido parecido com a persistência de diversas mulheres que se mantiveram firmes na luta pelo direito à prática do futebol no passado, podendo inspirar as gerações futuras:

Como professor devo compartilhar o máximo de conhecimento que possuo com a Cristina, apontando os pontos positivos e negativos da modalidade tanto no passado como na atualidade. Porém, tentaria incentivá-la a seguir carreira, falando que seria difícil por questões financeiras, condições de serviços entre outras, porém é uma batalha que deve ser feita para que no futuro tenham equidade em todos aspectos.

E se realmente fosse o sonho dela, não desistir jamais, pois se as mulheres que consolidaram o futebol feminino no Brasil tivessem desistido, talvez não existisse essa modalidade feminina (A9).

A competência de orientação indicada é que se engaje na busca pela carreira esportiva, tendo consigo que outras mulheres passaram por muitas dificuldades para que ela pudesse vislumbrar a atuação na modalidade.

A7 se diferencia pontualmente de A1, A2, A4 e A9 por considerar que existem ações institucionais que podem tornar o caminho de Cristina menos penoso. Como exemplo, a menção às exigências para que as equipes profissionais filiadas à Confederação Sul-americana de Futebol (CONMEBOL) mantivessem times femininos como requisito para a participação em torneios continentais:

Diante de todas essas experiências familiares em relação ao futebol que você teve, cabe ressaltar que não é algo fácil de enfrentar, principalmente no futebol feminino. As mulheres praticantes de futebol vêm lutando e batalhando para uma conquista de valorização como o masculino. Antigamente as mulheres chegaram até mesmo ser proibidas na época da ditadura e mesmo assim continuaram. O futebol feminino vem sofrendo diversos preconceitos até mesmo nos dias atuais e nem mesmo por isso nós mulheres devemos desistir. Hoje em dia o futebol feminino vem mostrando o seu reconhecimento de degrau em degrau. Tem crescido campeonatos amadores para mulheres, algo que não tinha tanto, e principalmente em questões de profissionalização o Brasil vem com uma exigência de uma importante entidade no esporte que de maneira iniciativa de incentivo à profissionalização do futebol feminino é todos os masculinos terem uma equipe feminina em mesmas condições do masculino para participar de um dos campeonatos mais disputados da América Latina, vulgo a Libertadores. […] As mulheres que no passado ‘brigaram’ pelos seus reconhecimentos e que vem proporcionando novas possibilidades para as mulheres do futuro (A7).

A11 foi na mesma direção de A7 em relação às possibilidades abertas pelas regras da CONMEBOL, mas agregou a necessidade de estudo como competência de orientação, corroborando A2:

Diria a Cristina que apesar das frustrações vividas pelo seu pai e sua irmã, o rumo das coisas pode ser diferente com ela. Contaria a ela sobre a luta das mulheres na sociedade, tal luta vem gerando empoderamento e conquistas em vários âmbitos sociais, e no futebol não está sendo diferente, por mais que seja com passos curtos, a mulher vem conquistando o seu espaço enquanto atleta e sendo reconhecida pelas suas habilidades futebolísticas […] e como a mulher também vem conquistando mais espaço na mídia, no campo, nas arquibancadas, na arbitragem e nas esferas da administração e gestão dos clubes. E a Cristina pode usufruir desses espaços. Com a obrigatoriedade dos clubes brasileiros terem equipes formadas por mulheres, o futebol praticado por mulheres deverá se expandir ainda mais e se popularizar, ganhará mais visibilidade, reconhecimento por parte das entidades responsáveis e poderá ter mais recursos financeiros (patrocínios). E em poucos anos será alcançada a profissionalização do futebol praticado por mulheres. Outro fator que pode contribuir para uma carreira de sucesso para a Cristina é que sua irmã possui contato com atletas no exterior, o que pode resultar em uma carreira futebolística lá fora e/ou em uma bolsa de estudos em uma universidade americana. É bom lembrá-la que é fundamental continuar estudando, ingressar na universidade, pois isso também a tornará uma atleta mais competente, e quando ela chegar à idade ou por motivo de lesão precisar parar com as atividades esportivas, ela terá outra profissão para exercer (A11).

A12 acompanhou A1, A2, A4, A7, A9 e A11 na perspectiva processual de história e no engajamento como competência de orientação. Mas agregou aos demais um olhar contextualizado acerca da desigualdade de gênero como elemento central para explicar a diferenciação de tratamento entre o futebol praticado por homens e mulheres. Engajar-se no futebol, portanto, seria parte da luta por igualdade de direitos em outras esferas da sociedade.

A orientação que eu daria a Cristina seria que:

1) Ainda existe muito a ser conquistado no futebol feminino brasileiro, mas que é através de pessoas que amam a esporte e que desejam fazer dele sua carreira é que essas conquistas virão;

2) Que não será fácil, mesmo porque a invisibilidade do futebol feminino se dá basicamente por causa da desigualdade de gênero ainda tão presente não apenas no esporte, mas em várias áreas da nossa sociedade;

3) Que jogar futebol no Brasil sendo mulher é mais que um ato de coragem e resistência, sendo também uma atitude política que atravessa questões relativas às lutas por igualdade de direitos (entre eles o direito de ter o trabalho reconhecido, ter visibilidade, de ter salários dignos, assim como qualquer jogador homem);

4) Que ela deveria ter coragem e que não duvidasse que a ocupação daquele espaço é direito dela tanto quanto de qualquer outra pessoa e que a persistência dela diante de seu desejo, ainda que no micro, contribuiria significativamente na forma como as pessoas ainda enxergam o futebol praticado por mulheres. É evidente que esse futebol precisa adquirir significado para a sociedade e esse significado só pode ser construído através da história, uma história da qual ela também seria protagonista (A12).

Em A12, o horizonte de expectativas (ser jogadora de futebol) dialogou com a experiência acerca e sobre a modalidade (invisibilidade; luta pela igualdade de gênero; por condições de trabalho). A forma como a narrativa em questão posiciona Cristina, como alguém que lê esse contexto e, ciente de suas limitações, vai em busca do seu sonho, é mostra de uma CHG. O protagonismo na tomada de decisões foi pautado por uma interpretação da história na qual a leitura dos eventos históricos não é definidora do futuro, mas um dado importante a ser considerado.

A consideração pela luta das jogadoras do passado, competência de orientação expressada por A2, A3, A4, A7, A9, A11 e A12, indica uma inserção no processo histórico que se pauta pela compreensão de identidade e compromisso coletivo, corroborando a afirmação de Rüsen (2001RÜSEN, Jörn. Razão Histórica: Teoria da História: os fundamentos da ciência histórica. Brasília: Ed. UnB , 2001., p. 67):

[…] mediante a narrativa histórica são formuladas representações da continuidade da evolução temporal dos homens e de seu mundo, instituidoras de identidade, por meio da memória, e inseridas, como determinação de sentido, no quadro de orientação da vida prática humana.

Há, portanto, uma discordância com perspectivas individualistas de ação, manifestada nas NHs de A1 e A8 (como veremos logo à frente).

As narrativas de A3 e A8 expressaram uma CHC. Segundo Alves (2011ALVES, Ronaldo Cardoso. Aprender história com sentido para a vida: consciência histórica em estudantes brasileiros e portugueses. 2011. 322 f. Tese (Doutorado em Educação) - Faculdade de Educação, Universidade de São Paulo, São Paulo, 2011., p. 70) a CHC “baseia sua argumentação na negação às formas predominantes de orientação temporal e criação de sentidos que eram fundamentadas em tradições e modelos exemplares atemporais”.

A3 remeteu à história familiar de Cristina. O passado familiar é como uma “sina” a ser negada pela jovem, visto que se aponta uma nova realidade para a modalidade e para a luta das mulheres por direitos. Indica que ela siga sua busca pela profissionalização. Nessa narrativa as orientações temporais passadas (o percurso familiar) não bastam para orientar o futuro, demandando uma nova perspectiva.

Você que não acompanhou muito seu pai, mas que já teve uma visão melhor na tentativa de sua irmã, já conseguiu perceber o quanto as mulheres sofreram e ainda sofrem para estar no mundo do futebol, além das dificuldades financeiras, das estruturas dos apoios das mídias enfim inúmeras barreiras. Porém, hoje em dia isso tem mudado bastante. As mulheres estão com mais forças e lutando ainda mais pelos seus direitos. Cristina, eu como você já tentei seguir carreira como jogador profissional, não consegui devido a muitas dificuldades que tem até que se consiga a profissionalização. Eu te aconselho a não desistir de tentar construir sua carreira como jogadora, mas que fique bem claro que não vai ser fácil, porém não é impossível. Futebol feminino é bem mais valorizado, com muitos patrocinadores e campeonatos para que se possa disputar, além de ter várias jogadoras brasileiras se destacando na Europa. E o ensino e escolinhas de futebol feminino no Brasil tem crescido muito devido às conquistas femininas (A3).

O texto de A3 corrobora a afirmação de Rüsen (2010RÜSEN, Jörn. Desenvolvimento da competência narrativa na aprendizagem histórica: uma hipótese ontogenética relativa à consciência moral. In: SCHMIDT, Maria Auxiliadora; BARCA, Isabel; MARTINS, Estevão de Rezende (org.). Jörn Rüsen e o Ensino de História. Curitiba: Ed. UFPR, 2010p. 51-77., p. 78):

As operações da consciência histórica são necessárias sempre que a orientação temporal passada pela tradição não basta. Isso é logo de início, uma situação de fato, pois o conjunto das experiências do presente inclui sempre também experiências do tempo cuja interpretação pela tradição não existe ou não é suficiente para que se possa agir com segurança (ou seja: sem uma reflexão adicional e um constituição específica de orientação). Mas não é só de fato que as tradições previamente dadas não bastam para a orientação da vida prática no tempo. Também por princípio não seriam suficientes pois o superávit intencional característico do agir humano […] conduz a intenções do agir que vão além das sendas temporais traçadas tradicionalmente para a vida prática atual.

A competência de orientação se manifesta no indicativo de prosseguimento à carreira, não se deixando influenciar pelas dificuldades familiares do passado.

A8 também manifesta uma CHC:

A orientação que daria para Cristina é que ela deve ir atrás dos seus sonhos, sim. Se ela quer jogar futebol, então que vá em busca. Porém, tem que estar ciente que, no Brasil, é uma carreira de risco e com pouco retorno financeiro. Mas que não deve desanimar por isso. As condições dessa prática já melhoraram muito com o decorrer do tempo e tendem a melhorar mais ainda. Tem que estar disposta a treinar muito para se destacar. E tentar conseguir ir pra fora do Brasil, onde terá reconhecimento tanto profissional quanto financeiro (A8).

O passado difícil da modalidade é negado, colocando-se a perspectiva de jogar a modalidade no exterior (competência de orientação). A conquista do sucesso, entretanto, é tratada como uma decorrência de sua vontade, também desconsiderando condicionantes sociais, tal como fizera A1.

5 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Compreender as CHs e as competências de orientação de estudantes de EF sobre a “História do futebol praticado pelas mulheres no Brasil” foram os objetivos desta investigação.

Dentre os 12 concluintes do MOOC, dez produziram NH de acordo com o conceito cunhado por Rüsen (2001RÜSEN, Jörn. Razão Histórica: Teoria da História: os fundamentos da ciência histórica. Brasília: Ed. UnB , 2001.), no qual passado, presente e futuro são conectados numa perspectiva de continuidade. Mesmo entre os que produziram NH, percebeu-se pouca mobilização de argumentos históricos, indiciando que há ainda muito o que se fazer para que as pessoas se apropriem desse conhecimento nos processos pedagógicos. Tal situação reforça a necessidade de melhorar o ensino deste componente curricular em todos os níveis da Educação Básica, conforme parâmetros previstos em documentos nacionais e estaduais.

Nunes (2012NUNES, Clarice. O ensino da história da educação e a produção de sentidos na sala de aula. Revista Brasileira de História da Educação, v. 3, n. 2(6), p. 115-158, fev. 2012, p. 131) defende que o processo de ensino se dê numa “interação pedagógica”. Alerta que “se o professor coloca o aluno no lugar do saber desqualificado, o aluno também coloca o professor como exclusivo responsável pela sua aprendizagem”. Dessa forma, pouco se avançará rumo a uma aprendizagem significativa, na qual se perceba que os sentidos atribuídos ao conhecimento histórico não são elementos dados por um expert de forma arbitrária, mas construídos por meio de fontes e uma perspectiva teórica assumida. Construir projetos de ensino a partir das memórias dos estudantes é uma alternativa sugerida.

As NHs analisadas expressaram, em sua maioria, uma CHG: A1, A2, A4, A6, A7, A9, A11 e A12. A3 e A8, uma CHC. Os dados da presente investigação são um alento no sentido apontado por Schmidt e Garcia (2005SCHMIDT, Maria Auxiliadora Moreira dos Santos; GARCIA, Tânia Maria Braga. A formação da consciência histórica de alunos e professores e o cotidiano em aulas de história. Caderno Cedes, v. 25, n. 67, p. 297-308, set./dez. 2005. Disponível em: Disponível em: https://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0101-32622005000300003&lng=en&nrm=iso&tlng=pt . Acesso em: 23 ago. 2018.
https://www.scielo.br/scielo.php?script=...
), no qual se deve buscar que as pessoas possam avançar de CHs dos tipos Tradicionais e Exemplares para os Críticos e Genéticos.

Em se tratando de EF, na qual os desafios atuais são enormes (vide a precarização da disciplina na BNCC do ensino médio; os parcos recursos orçamentários para a área; o esvaziamento pelo atual governo federal de programas voltados para a democratização das práticas corporais), a manifestação de CHG e CHC são importantes para a compreensão das tarefas impostas para a área no presente e futuro.

Como competência de orientação percebeu-se o cuidado com a construção de alternativas caso a carreira não deslanchasse (A2, A4, A7, A11 e A12); somou-se a essa perspectiva a necessidade de engajamento para consolidá-la (A1, A2, A3, A4, A7, A9, A11 e A12). A12 também indicou uma compreensão de que a prática profissional está inserida numa luta maior pelos direitos das mulheres; A7 e A11 enxergaram uma perspectiva mais promissora para a modalidade dadas as deliberações das entidades obrigando equipes a se adequarem às novas regras estabelecidas pela CONMEBOL em relação à obrigatoriedade de manutenção de equipes femininas como requisito para participarem de competições continentais.

Na contramão desta visão contextualizada, A1 e A8 deram destaque para os atributos pessoais de Cristina como centrais para a vitória de sua iniciativa, evidenciando falta de conexão às condicionantes sociais que influenciam a vida em sociedade. Para A8, a competência de orientação indicada foi a carreira no exterior.

A realização de estudos como este vem colaborar com novas perspectivas teóricas para o ensino da história da Educação Física e do esporte. Buscou-se contribuir para a sua consolidação nos cursos de formação, bem como para um melhor aproveitamento dos conteúdos trabalhados. Os conceitos de Jörn Rüsen para os estudos na área acrescentam novos desafios para o conjunto dos pesquisadores da EF, merecendo maiores investimentos e experiências.

REFERÊNCIAS

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  • TRIVIÑOS, Augusto Nivaldo Silva. Introdução à pesquisa em ciências sociais: a pesquisa qualitativa em Educação - O Positivismo, A Fenomenologia, O Marxismo. 5. ed. São Paulo: Atlas , 2009.
  • 1
    Os MOOC são uma modalidade de ensino a distância gratuita, disponibilizada para um número expressivo de pessoas; não é necessário cumprir o programa de forma sequencial; não é obrigatória a certificação; em sua maioria, são cursos livres, com duração menor do que as especializações. Para fomentar a interação com o conteúdo disponível se utilizam de recursos web como vídeos, fóruns de discussão, produção de audiovisuais etc. São inspirados em um modelo de educação aberta pautada por recursos livres de licenciamentos, desde que mencionada a origem do material original.
  • 2
    Razão Histórica (2001RÜSEN, Jörn. Razão Histórica: Teoria da História: os fundamentos da ciência histórica. Brasília: Ed. UnB , 2001.); Reconstrução do passado (2007RÜSEN, Jörn. Reconstrução do passado: Teoria da História II: os princípios da pesquisa histórica. Brasília: Ed. UnB, 2007a. ) e Teoria da História (2007RÜSEN, Jörn. História Viva. Teoria da História III. Formas e Funções do conhecimento histórico. Brasília: Ed. UnB, 2007b.). A trilogia foi traduzida pelo professor da UnB Estevão de Rezende Martins.

NOTAS EDITORIAIS

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    Este é um artigo publicado em acesso aberto (Open Access) sob a licença Creative Commons atribuição Não Comercial 4.0 (CC BY-NC 4.0), que permite uso, distribuição e reprodução em qualquer meio, desde que o trabalho original seja corretamente citado, com a restrição que impede o uso para fins comerciais. Mais informações em: https://creativecommons.org/licenses/by-nc/4.0
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    O presente trabalho foi realizado com apoio da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior -Brasil (CAPES) - Código de Financiamento 001 This study was financed in part by the Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior - Brasil (CAPES) - Finance Code 001.
  • ÉTICA EM PESQUISA

    Declaramos que esta pesquisa foi aprovada pelo Comitê de Ética em Pesquisa com Seres Humanos do Instituto de Biociências da Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho - campus de Rio Claro, sob o número 2.375.376.
  • RESPONSÁVEIS EDITORIAIS

    Alex Branco Fraga*, Elisandro Schultz Wittizorecki*, Ivone Job*, Mauro Myskiw*, Raquel da Silveira* *Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Escola de Educação Física, Fisioterapia e Dança, Porto Alegre, RS, Brasil

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    18 Nov 2020
  • Data do Fascículo
    2020

Histórico

  • Recebido
    24 Jan 2020
  • Aceito
    15 Jul 2020
  • Publicado
    17 Ago 2020
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