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DISPERSÃO ESPACIAL DA POPULAÇÃO NO BRASIL

Resumo

As evidências históricas não deixam dúvidas sobre a relevância dos deslocamentos espaciais da população na ocupação do território nacional. Em vários momentos no tempo essa força de trabalho móvel serviu como fonte catalisadora de profundas transformações econômicas e sociais nas regiões de origem e destino e não apenas como mão de obra disponível para as atividades econômicas. Esse trabalho tem como objetivo a avaliação da magnitude e diferenças no processo de dispersão espacial da população nas Regiões de Influência das Áreas de Concentração definidas pelo IBGE, tendo como base na distribuição dos estoques de população e dos fluxos migratórios identificados no Censo Demográfico de 1991, 2000 e 2010. Os resultados demonstram que não há uma tendência generalizada de ampliação da dispersão espacial da população. Embora os núcleos regionais que compõem as denominadas ACPs tenham experimentado, em sua maioria, queda no ritmo de crescimento demográfico e perdas relativas no processo de redistribuição espacial da população, ainda exercem alto nível de atração na população em cada região.

Palavras-chave:
Dispersão Espacial; População; Migração; Áreas de Concentração

Resumen

Las evidencias históricas no dejan dudas sobre la relevancia de los desplazamientos espaciales de la población en la ocupación del territorio nacional. En varios momentos del tiempo esa fuerza de trabajo móvil sirvió como fuente catalizadora de profundas transformaciones económicas y sociales en las regiones de origen y destino y no solamente como mano de obra disponible para las actividades económicas. Este trabajo tiene como objetivo la evaluación de la magnitud y diferencias en el proceso de dispersión espacial de la población en las Regiones Influencia de las Áreas de Concentración definidas por el IBGE, tomando como base la distribución de los estoques de población y de los flujos migratorios identificados en el Censo Demográfico de 1991, 2000, 2010. Los resultados demuestran que no hay una tendencia generalizada de ampliación de la dispersión espacial de la población. Aunque los núcleos regionales que componen las denominadas ACPs hayan experimentado, en su mayoría, reducción en el ritmo de crecimiento demográfico y pérdidas relativas en el proceso de redistribución espacial de la población, aún ejercen alto nivel de atracción en la población en cada región.

Palabras claves:
Dispersión espacial; Población; Migración; Zonas de concentración

Abstract

The historical evidence leaves no doubt about the relevance of the spatial displacement of the population in the occupation of the national territory. At various points in time this mobile workforce served as the catalyst of profound economic and social changes in their regions of origin and destination and not only as labor available for economic activities. This study aims to evaluate the magnitude and differences in the process of spatial dispersion of the population in the Regions of Influence of the Areas of Concentration defined by the IBGE, based on the distribution of population stocks and migration flows identified in the 1991, 2000 and 2010 Censuses. The results show that there is not a general trend of increasing spatial dispersion of the population. Although on the whole the regional centers that make up the so-called APCs have experienced a fall in the rate of population growth and relative losses in the process of spatial redistribution of the population, they still exert a high level of attraction over the population in each region.

Key Words:
Spatial Dispersion of Populations; Migration; Areas of Population Concentration (apcs)

INTRODUÇÃO

Uma das questões de interesse dos estudos regionais refere-se ao suposto processo de desconcentração espacial da população e das atividades econômicas. Não obstante às recorrentes controvérsias sobre o tema, que resultaram na proposição de expressões como "reversão da polarização", "desconcentração concentrada", "desenvolvimento poligonal", há pelo menos um relativo consenso acerca das evidências empíricas de queda no ímpeto de crescimento populacional dos grandes centros metropolitanos brasileiros, verificada sobretudo nas últimas décadas do século passado. Embora os processos de urbanização e metropolização no Brasil sejam relativamente recentes, os dados disponíveis nos últimos Censos Demográficos parecem confirmar uma tendência, ainda que não generalizada, de crescimento da emigração das principais metrópoles do país, mesmo que esses centros tenham mantido sua expressão demográfica regional e continuado a atrair expressivos contingentes de migrantes. Além das contribuições da economia regional e da demografia, já tradicionais nas pesquisas na área, esse debate requer novas evidências sobre os efeitos da suposta redistribuição espacial da população. No âmbito da Geografia, contudo, são raros os trabalhos sobre migrações internas no Brasil, principalmente aqueles que utilizam informações censitárias para estimar os movimentos espaciais da população. A análise regional dos fluxos migratórios permite reconhecer dimensões ainda pouco exploradas nos estudos sobre o processo de desconcentração ou dispersão espacial da população.

Os estudos sobre a mobilidade espacial da população passaram por significativa alteração na abordagem teórica após análise da realidade dos países de industrialização tardia (PACHECO e PATARRA, 1997PACHECO, C. A. e PATARRA, N. Movimentos migratórios anos 80: novos padrões? In: PATARRA, N. (Org.). Migração, condições de vida e dinâmica urbana. Campinas: Unicamp, 1997, p. 25-72.). A dinâmica de acumulação de capital, a herança histórica e a estrutura social passaram a ser consideradas chaves à mobilidade da população e da força de trabalho para a indústria em expansão ou como resposta às situações de estagnação frente à concentração crescente dos polos dinâmicos. Singer (1973)SINGER, P. Economia política da urbanização. São Paulo: Hucitec, 1973., por exemplo, considera a migração como um reflexo direto da estrutura do desenvolvimento do sistema capitalista, cujo motor principal é o acirramento das desigualdades regionais. Apesar do mérito, considerando o contexto em que foram propostas, as formulações estruturalistas não respondem integralmente às questões mais dinâmicas da população, inclusive aquelas específicas da migração e demais deslocamentos espaciais, como a pendularidade ou a mobilidade sazonal, vinculadas não apenas às necessidades do sistema capitalista na atualidade. Se o modo como são organizados os elementos do espaço pode ser visto como um resultado histórico da atuação dos atores políticos, econômicos e sociais, os fluxos de informação, capitais e pessoas permitem e alimentam o dinamismo das formas e funções que compõem e caracterizam cada região. Santos (1997)SANTOS, M. A natureza do espaço: técnica e tempo, razão e emoção. 2. ed. São Paulo:Hucitec, 1997., por exemplo, considera a necessidade de fluidez como uma das mais importantes características do mundo atual, que é especialmente relevante aos estudos regionais. Os movimentos migratórios são fenômenos que se manifestam e se materializam no tempo e espaço e não devem ser considerados apenas como resultado de uma realidade social e/ou condição econômica dada, mas, também, como causa para outros fluxos, como investimento, tecnologia, experiência profissional, etc., os quais possuem suas manifestações regionais (LOBO e MATOS, 2011LOBO, C. e MATOS, R. Migrações e a dispersão espacial da população nas regiões de Influência das principais metrópoles Brasileiras. Revista Brasileira de Estudos Populacionais, 2011, vol.28, n.1, pp. 81-101.).

Compreender a dinâmica migratória na escala regional envolve, portanto, a investigação de relações que se estabelecem entre as diversas formas de estabelecimentos humanos, privilegiando combinações e diferenciações que se manifestam no espaço. É exatamente a abordagem em escala regional que confere uma particularidade a essa pesquisa. O objetivo proposto nesse trabalho é avaliar, considerando o recorte espacial estabelecido pelas Regiões de Influência (RIs) das Áreas de Concentração Populacional (ACPs), como definido pelo IBGE (REGIC 2007), o atual estágio da dispersão espacial da população. Discriminadas as dimensões estoque e fluxos, respectivamente pela população residentes e pelos migratórios intermunicipais, utilizou-se como base os microdados amostrais extaídos dos Censos Demográficos de 1991, 2000 e 2010. O recorte regional estabelecido, ainda que possa ser objeto de críticas e controvérsias, também permite analisar, ainda, os fluxos migratórios circunscritos em uma análise de rede, avaliando as perdas e ganhos de cada unidade espacial, em diversos níveis hierárquicos e de agregação

CONCENTRAÇÃO E DISPERSÃO ESPACIAL DA POPULAÇÃO: ASPECTOS TEÓRIOS E CONCEITUAIS

Richardson (1980)RICHARDSON, H. W. Polarization reversal in developing countries. The Regional Science Association Papers. Los Angeles, v. 45, p. 67-85, Nov. 1980. publica uma obra de referência sobre o processo de reversão da polarização das atividades econômicas e da população. Nesse trabalho, o autor estabelece como premissa a ideia de que o crescimento continuado da concentração das atividades econômicas não leva a um perpétuo aumento da eficiência, pois os benefícios marginais derivados da escala urbana e da concentração tendem a diminuir a partir do momento em que o centro urbano atinge um determinado tamanho de população. Para esse autor, nessa mesma obra, o processo de reversão caracteriza-se pela mudança de tendência de polarização espacial na economia nacional, a partir do qual ocorreria a dispersão espacial para fora da região central. Uma sequência de fatos, ainda de acordo com Richardson (1980)RICHARDSON, H. W. Polarization reversal in developing countries. The Regional Science Association Papers. Los Angeles, v. 45, p. 67-85, Nov. 1980., caracteriza a reversão da polarização: no início, um processo bem definido de concentração econômica se estabelece, gerando um centro e uma periferia, quando ocorrem transformações estruturais na área central. Como os núcleos adjacentes passam a apresentar crescimento mais acelerado que o centro, inicia-se o processo de reversão da polarização, esquematizando-se uma dispersão ampliada. A dispersão atingiria, também, os centros secundários, quando a área central começaria a perder população. A expansão mais rápida das oportunidades de emprego fora da principal área metropolitana, promove a redistribuição da população em todo o sistema urbano, refletindo as crescentes vantagens comparativas das cidades secundárias (médias). Esse quadro constitui o reflexo da conversão dos fluxos de capital e de trabalho para fora do núcleo (metrópole) central até cidades (médias) secundárias, promovendo o aumento das taxas de crescimento econômico e demográfico.

Várias foram as tentativas de avaliar empiricamente evidencias sobre o processo de desconcentração/dispersão econômica e demográfica. Champion (1984)CHAMPION, A. G. Recent change in the pace of population deconcentration in Britain, Geoforum, v. 18, n. 4, p. 379-401, 1987., por exemplo, ao enfatizar especificamente dados demográficos, utilizou as estimativas oficiais anuais da população para examinar mudanças na escala de deslocamento urbano-rural na distribuição da população britânica desde os anos 1960. Os resultados apresentados revelaram que o nível de desconcentração população no âmbito regional atingiu seu ápice no início da década de 1970 e, desde então, a taxa de perda de população observada em Londres e em várias outras grandes cidades diminuiu acentuadamente. Os resultados indicam que os diferenciais da taxa de crescimento da população entre a Grã-Bretanha metropolitana e não-metropolitanas estreitou entre os anos 1970 e 1980, mas manteve-se a relação negativa entre a situação urbana e mudança população. Ao contrário da experiência dos EUA e de outros países europeus, a Grã-Bretanha, em meados dos anos 1980, experimentou um ressurgimento do crescimento não-metropolitanas, que teve impacto generalizado em todo o país (CHAMPION, 1994CHAMPION, A. G. Population Change and Migration in Britain since 1981: Evidence for Continuing Deconcentration, Environment and Planning A, October, n. 26: p.1501-1520, 1994.). Lipshitz (1996)LIPSHITZ, G. Spatial Concentration and Deconcentration of Population: Israel as a Case Study. Geoforum. v. 27. N. 1, p. 87-96, 1996., ao examinar a população e a migração em Israel, no período de 1948-1992, observou que a característica mais comum foi uma desaceleração ou mesmo reversão na tendência da concentração, que vem operando amplamente na década anterior, ainda que os resultados não sejam generalizados para todas as regiões do país. Uma das conclusões do estudo foi que a maioria das pessoas que se desloca de regiões centrais escolheu como seus destinos localidades nas periferias metropolitanas.

No caso Brasil, algumas tentativas de aplicação desses modelos foram apresentadas. Entretanto, as particularidades estruturais e setoriais brasileiras oferecem dificuldades adicionais para a correta inteligibilidade do fenômeno. Townroe e Keen (1984)TOWNROE, P.; KEEN, D. M. Polarization reversal in the state of São Paulo, Brazil. Journal of the Regional Studies Association Cambridge, v. 18, n. 1, Feb. 1984. trazem algumas evidências concretas de reversão da polarização no Estado de São Paulo entre 1970 e 1980. Além da diminuição da população do núcleo da população, esses autores identificaram sinais claros de desconcentração espacial da população. Contudo, as proposições sobre o possível processo de reversão da polarização no Brasil sofreram inúmeras críticas, tanto pela consistência das evidências empíricas apresentadas, como pelo tipo de variáveis e a metodologia utilizada. Azzoni (1986)AZZONI, C. Indústria e reversão da polarização no Brasil. Ensaios Econômicos, São Paulo, IPE/USP, n. 58, 1986. destaca o fato de o tamanho da cidade ser considerado com indicador de economias de aglomeração, sendo crucial considerar a região central capaz de gerar um campo de atração sobre novos investimentos. Para Azzoni (1986)AZZONI, C. Indústria e reversão da polarização no Brasil. Ensaios Econômicos, São Paulo, IPE/USP, n. 58, 1986. atração regional transcenderia o ambiente das cidades, enquanto os custos locacionais são essencialmente urbanos. Logo, seria temerário crer na ocorrência de um processo de reversão da polarização no Brasil, pois, contrariamente, as evidências indicam que, longe de constituir-se um sinal de reversão da polarização, o fenômeno observado em São Paulo estaria mais próximo de um espraiamento da indústria dentro da área mais industrializada do país, em um processo do tipo "desconcentração concentrada (AZZONI, 1986AZZONI, C. Indústria e reversão da polarização no Brasil. Ensaios Econômicos, São Paulo, IPE/USP, n. 58, 1986.). Diniz (1993)DINIZ, C. C. Desenvolvimento poligonal no Brasil; nem desconcentração, nem contínua polarização. Nova Economia, Belo Horizonte, v. 31, n. 11, p. 35-64, set. 1993. oferece elementos de uma nova forma de interpretação. Após a indiscutível concentração econômica e demográfica verificada até fins dos anos de 1960, iniciou-se em um primeiro momento o processo de reversão da polarização (DINIZ, 1993DINIZ, C. C. Desenvolvimento poligonal no Brasil; nem desconcentração, nem contínua polarização. Nova Economia, Belo Horizonte, v. 31, n. 11, p. 35-64, set. 1993.). Para Diniz (1993)DINIZ, C. C. Desenvolvimento poligonal no Brasil; nem desconcentração, nem contínua polarização. Nova Economia, Belo Horizonte, v. 31, n. 11, p. 35-64, set. 1993., o "espraiamento" industrial brasileiro não ocorreu apenas dentro do limitado raio de 150 km da área metropolitana de São Paulo. Após a incontestável concentração econômica e demográfica verificada até final da década de 1960, iniciou-se, em um primeiro momento, o processo de reversão dessa polarização. Entretanto, o processo de desconcentração não teria ocorrido de modo ampliado, mas sim em espaços seletivos bem equipados e ricos em externalidades no país, refletindo, sobretudo, o espraiamento para o interior de determinados Estados. Em uma segunda fase, ocorreria a relativa reconcentração no polígono definido pela região formada por Belo Horizonte-Uberlândia-Londrina/Maringá-Porto Alegre-Florianóplis-São José dos Campos-Belo Horizonte.

Negri (1996), além de considerar indevida a analogia de Azzoni, acredita ser inapropriado o polígono estabelecido por Diniz (1993)DINIZ, C. C. Desenvolvimento poligonal no Brasil; nem desconcentração, nem contínua polarização. Nova Economia, Belo Horizonte, v. 31, n. 11, p. 35-64, set. 1993., não obstante a região central ter-se beneficiado da desconcentração dos últimos 20 anos, quando ampliou sua participação na indústria nacional de 33,1% para 49,2%, isto não representou incoerências frente ao crescimento fora do polígono. As observações de Matos (1995)MATOS, R. Questões teóricas acerca dos processos de concentração e desconcentração da população no espaço. Revista Brasileira de Estudos de População, São Paulo, p. 35-58, 1995. corroboram, de certa forma, a análise feita por Azzoni, pois não se sabe qual é o verdadeiro alcance do suposto fenômeno de desconcentração e se as explicações existentes abrangem todos os casos, muito embora importantes mudanças na distribuição espacial da população estão em curso. É importante reconhecer, portanto, que boa parte da expansão da urbanização do país nas últimas décadas deriva dos efeitos multiplicadores de espraiamento da concentração urbana e industrial do Sudeste. Esse processo estimulou o adensamento da rede urbana e os vínculos de complementaridade entre as diversas centralidades. Lobo e Matos (2011)LOBO, C. e MATOS, R. Migrações e a dispersão espacial da população nas regiões de Influência das principais metrópoles Brasileiras. Revista Brasileira de Estudos Populacionais, 2011, vol.28, n.1, pp. 81-101., ao analisarem a dispersão espacial no Brasil nas décadas de 1980 a 2000, não confirmam a integralidade da reversão da polarização nos termos de Richardson, nem a suposta desconcentração econômico-demográfica destacada por Redwood III, entre outros, mas oferecem sinais de dispersão espacial da população, já proeminente em determinados casos, como na Região de Influência de São Paulo. Nessa região, o volume dos fluxos migratório direcionados para os principais polos de atração sugere tratar-se de uma forma de "dispersão polinucleada" (LOBO, 2009LOBO, C. Dispersão espacial da população nas Regiões de Influência das principais metrópoles brasileiras. Tese (Doutorado em Geografia), Instituto de Geociências, Universidade Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte, 2009.).

Na verdade, a interpretação da realidade por modeles teóricos esboçados para os países de desenvolvimento avançado esbarra na particularidade e complexidade que marcam a formação do território e a organização do espaço nacional. O processo de urbanização brasileiro começa a tomar forma nos anos de 1940, quando uma ainda frágil industrialização induz a uma reorganização espacial da população no território nacional. Um novo padrão de urbanização, essencialmente concentrador, se desenhava. É na região Sudeste que se vão encontrar os grandes centros urbanos concentradores dessa imensa massa de urbanos que vai se formando no país. Isso ocorre à revelia dos esforços governamentais na direção das aberturas de fronteiras agrícolas desde a década de 1930 (MARTINE, 1987; PATARRA, 1984, TASCHNER e BÓGUS, 1986). Em oposição, declina a população rural desde os anos de 1950. Nos anos de 1970 a população urbana passou a representar cerca de 56% total no Brasil. No mesmo período, essa proporção atinge 72,7% para o caso do Sudeste. O aumento dos fluxos migratórios campo-cidade promoveu a intensificação do processo de crescimento da população urbana, fortemente concentrada nas principais capitais brasileiras, formando grandes e complexos aglomerados urbanos, via processo de metropolização e conurbação .

A análise da estrutura e distribuição espacial da população não é nova. Ravenstein (1980)RAVENSTEIN, E. G. Leis da migração. In: MOURA, H. (Coord.). Migração interna: textos selecionados. Fortaleza: BNB, ETENE, 1980. p. 22-88., por exemplo, ao final do século XIX e início do XX, já apontava que há expressivas relações entre as atividades econômicas e os deslocamentos espaciais da população, sobretudo no que diz respeito à distância, aos movimentos por etapas, à configuração das correntes e contracorrentes, à predominância da migração feminina e, também, ao fato de que as migrações tendiam a gerar movimentos sucessivos a partir de áreas próximas a um centro industrial ou comercial. As grandes cidades "proporcionam facilidades tão extraordinárias à divisão e à combinação do trabalho, ao exercício de todas as artes e à prática de todas as profissões que, a cada ano, um número maior de pessoas nelas possa habitar" (RAVENSTEIN, 1980RAVENSTEIN, E. G. Leis da migração. In: MOURA, H. (Coord.). Migração interna: textos selecionados. Fortaleza: BNB, ETENE, 1980. p. 22-88., p.26). Para esse mesmo autor, há outros aspectos que devem ser considerados, dado o efeito indutor na migração, tais como: as facilidades educacionais, a salubridade do clima ou a carestia de vida. Ao rever as teses de Ravestein, Lee (1980) introduz algumas informações adicionais acerca dos movimentos internos nas sociedades de capitalismo tardio. Em sua análise, Lee (1980) que a decisão de migrar está vinculada a uma decisão racional (embora não exclusiva), envolvendo os chamados fatores positivos e negativos nas áreas de origem e destino. Torna-se natural, na perspectiva oferecida por esse autor, que pessoas distintas sejam afetadas de maneira diferente por uma série de obstáculos ou incentivos à possibilidade de migrar.

Embora não exclua literalmente a perspectiva individual, Singer (1973)SINGER, P. Economia política da urbanização. São Paulo: Hucitec, 1973. considera a migração um reflexo direto da estrutura e dos mecanismos de desenvolvimento do sistema capitalista, cujo motor principal é o acirramento das desigualdades regionais. Para esse autor,

É claro que qualquer processo de industrialização implica uma ampla transferência de atividades (e, portanto, de pessoas) do campo às cidades. Mas, nos moldes capitalistas, tal transferência tende a se dar a favor de apenas algumas regiões em cada país, esvaziando as demais. Tais desequilíbrios regionais são bem conhecidos e se agravam na medida em que as decisões locacionais são tomadas tendo por critério apenas a perspectiva da empresa privada (SINGER, 1973SINGER, P. Economia política da urbanização. São Paulo: Hucitec, 1973., p.222).

A contribuição de Singer (1973)SINGER, P. Economia política da urbanização. São Paulo: Hucitec, 1973., especialmente no que se relaciona às reflexões sobre a migração, está na identificação de como os chamados fatores da atração refletem a necessidade de mão de obra reflexo do crescimento da produção industrial e da expansão do setor de serviços urbanos. Os fatores de expulsão, por sua, vez, podem ser divididos em fatores de mudança, decorrentes da penetração do capitalismo no campo e da adoção de um sistema poupador de mão de obra, e em fatores de estagnação, ligados à pressão demográfica exercida sobre a terra. As regiões de mudança perdem população, mas a produtividade aumenta, o que permite, pelo menos em princípio, uma melhora nas condições de vida locais. Já as áreas de estagnação apresentam deterioração da qualidade de vida, funcionando às vezes como "viveiros de mão de obra" para os latifundiários e para as grandes empresas agrícolas (SINGER, 1973SINGER, P. Economia política da urbanização. São Paulo: Hucitec, 1973.). Na mesma abordagem estruturalista, há ainda alguns autores que consideram a migração como fluxo profundamente ligado à criação, expansão e articulação dos mercados de trabalho. Se o desenvolvimento é desigual no âmbito do capitalismo, a população se distribui seguindo a mesma lógica de intensificação dos espaços econômicos, formando grandes reservatórios de mão de obra. Afora o mérito de tais formulações, a abordagem estruturalista não consegue abarcar toda a multiplicidade das causas mais dinâmicas e específicas da migração, tais como, as vantagens comparativas e as potencialidades externas que têm transformado os espaços de destino. Para Matos (1995)MATOS, R. Questões teóricas acerca dos processos de concentração e desconcentração da população no espaço. Revista Brasileira de Estudos de População, São Paulo, p. 35-58, 1995. há pouco esforço na análise da migração de origem urbana, além de quase sempre não haver sequer menção à migração de retorno. Adicionalmente, não existe investimento substantivo na compreensão dos efeitos positivos que a migração pode gerar na dinamização das regiões de destino, tanto no que diz respeito à oferta de mão de obra qualificada, como a certas possibilidades de novos investimentos e de intercâmbio técnico, por exemplo. A análise da migração dá visibilidade a processos sociais mais amplos, não se limitando a ser um simples indicador de concentração ou dispersão das atividades econômicas. Permite, inclusive, identificar o perfil de desenvolvimento rural e urbano, as formas institucionais e sociais de difusão de informações e inovações, a inserção tardia ou avançada na transição demográfica e os graus de desigualdade regional quando discutem sobre o fim do padrão concentrador das atividades. Para Matos (2003)MATOS, R. Questões teóricas acerca dos processos de concentração e desconcentração da população no espaço. Revista Brasileira de Estudos de População, São Paulo, p. 35-58, 1995., deve-se dar visibilidade às alterações recentes no padrão migratório brasileiro, o qual vem se caracterizando pela secundarização dos fluxos oriundos do campo em direção às cidades e pela complexificação da rede urbana, sinais evidentes do aumento de certas externalidades positivas na periferia e dos novos fluxos migratórios que já se dirigem às cidades médias.

Considerando que a organização dos elementos do espaço deve ser encarada como o resultado histórico da atuação dos atores políticos, sociais e econômicos, os fluxos de informação, capitais e pessoas, por exemplo, permitem e alimentam o dinamismo das formas e funções dos elementos que compõem e caracterizam o espaço. De acordo com Santos (1997)SANTOS, M. A natureza do espaço: técnica e tempo, razão e emoção. 2. ed. São Paulo:Hucitec, 1997., a fluidez é uma das mais importantes características do mundo atual que é, ao mesmo tempo, causa, condição e resultado de sua própria necessidade. As migrações internas são, por essência, manifestações desses fluxos que se materializam no espaço. Tratam-se de contingentes de pessoas que se deslocam no espaço, reflexo não exclusivo de uma realidade social e/ou condição econômica momentânea, mas, ainda, causas e consequências de outros fluxos. Envolvem, inclusive investimentos, tecnologias e experiências profissionais, que podem traduzir-se em expressivos incrementos positivos nas áreas de origem. Avaliar essa fluidez no âmbito regional é um desafio proposto nesse trabalho.

A DISTRIBUIÇÃO ESPACIAL DA POPULAÇÃO: O RECORTE REGIONAL E A OPERACIONALIZAÇÃO METODOLÓGICA UTILIZADA

Os níveis de hierarquia urbana e a delimitação das regiões de influência das cidades brasileiras constam de estudos anteriores que foram realizados pelo IBGE, que tiveram como base a aplicação de questionários que permitiram a investigação da intensidade dos fluxos de consumidores em busca de bens e serviços nos anos de 1966, 1978 e 1993. A atual proposta de regionalização (REGIC 2007), publicada em 2008, retoma a concepção original utilizada nos primeiros trabalhos realizados pelo IBGE, que resultaram em um clássico estudo: a divisão do Brasil em regiões funcionais urbanas, de 1972. Na REGIC 2007 foi privilegiado o conceito de gestão do território, como definido por Corrêa (1995). Para esse autor, o centro de gestão do território

[...] é aquela cidade onde se localizam, de um lado, os diversos órgãos do Estado e, de outro, as sedes de empresas cujas decisões afetam direta ou indiretamente um dado espaço que passa a ficar sob o controle da cidade através das empresas nela sediadas (CORRÊA, 1995, p.83).

A classificação de hierarquia na rede de cidades, resumidamente, privilegiou dois níveis de centralidade: a da Gestão Federal, mensurada a partir da existência de órgãos do Poder Executivo e do Judiciário Federal e a da Gestão Empresarial, que se refere à presença de diferentes equipamentos e serviços (comércio e serviços, instituições financeiras, ensino superior, saúde, internet, redes de televisão aberta e conexões aéreas) . O conjunto final das Regiões de Influência no território nacional envolvia um total de 711 centros de gestão, classificados em seis níveis de hierarquia, conforme sua posição nos respectivos âmbitos da gestão federal e empresarial. O estabelecimento das regiões de influência e a articulação das redes de cidades ocorreu conforme a intensidade das ligações, identificadas com base em dados secundários e informações obtidas por questionário específico da pesquisa. As cidades foram classificadas em cinco grandes níveis de hierarquia, quais sejam:

  1. METRÓPOLES - são os 12 principais centros urbanos do País, que se caracterizam por seu grande porte e por fortes relacionamentos entre si, além de, em geral, possuírem extensa área de influência direta. O conjunto foi dividido em três subníveis, segundo a extensão territorial e a intensidade destas relações: 1.a - Grande metrópole nacional - São Paulo, o maior conjunto urbano do país, com 19,5 milhões de habitantes; 1.b - Metrópole nacional - Rio de Janeiro e Brasília, com população de 11,8 milhões e 3,2 milhões em 2007, respectivamente; e 1.c - Metrópole - Manaus, Belém, Fortaleza, Recife, Salvador, Belo Horizonte, Curitiba, Goiânia e Porto Alegre, com população variando de 1,6 (Manaus) a 5,1 milhões (Belo Horizonte), constituem o segundo nível da gestão territorial.

  2. CAPITAL REGIONAL - integram este nível 70 centros que, como as metrópoles, também se relacionam com o estrato superior da rede urbana. Com capacidade de gestão no nível imediatamente inferior ao das metrópoles, têm área de influência de âmbito regional, sendo referidas como destino, para um conjunto de atividades, por grande número de municípios.

  3. CENTRO SUB-REGIONAL - integram este nível 169 centros com atividades de gestão menos complexas, dominantemente entre os níveis 4 e 5 da gestão territorial; têm área de atuação mais reduzida, e seus relacionamentos com centros externos à sua própria rede dão-se, em geral, apenas com as três metrópoles nacionais.

  4. CENTRO DE ZONA - nível formado por 556 cidades de menor porte e com atuação restrita à sua área imediata; exercem funções de gestão elementares.

  5. CENTRO LOCAL - as demais 4.473 cidades cuja centralidade e atuação não extrapolam os limites do seu município, servindo apenas aos seus habitantes, têm população predominantemente inferior a 10 mil habitantes (mediana de 8.133 habitantes).

Ao considerar os propósitos definidos nesse trabalho, utilizou-se como recorte espacial a agregação dos municípios que compõem as chamadas Áreas de Concentração da População (ACPs) de primeiro nível hierárquico, definidas pelo próprio IBGE, que são: Belém, Belo Horizonte, Cuiabá, Curitiba, Fortaleza, Goiânia, Manaus, Porto Alegre, Recife, Rio de Janeiro, Salvador e São Paulo . Também foram incluídas as RIs de Brasília e Porto Velho, que, apesar de não serem consideradas ACPs, têm sua área de polarização bem delimitada, inclusive na própria REGIC. Os recortes que delimitam cada uma dessas Regiões de Influência direta são representados na Figura 1. Destacam-se, em magnitude, além da RI de São Paulo, com 24,95% da população, 16,06% dos municípios e 8,89% da área do país, as RIs de Fortaleza e Rio de Janeiro, ambas com alta proporção da população residente. No caso de Fortaleza, chama atenção, ainda, o elevado percentual de municípios e de área do território nacional, compreendendo, respectivamente,14,43% e 9,30% (Tabela 1).

Figura 1
Regiões de Influência dos núcleos das ACPs no território brasileiro

Tabela 1
População residente, número de municípios e área total das Regiões de Influência dos núcleos ACPs, Brasil 2010

Com base nesse recorte regional, foram discriminadas duas dimensões para análise da dispersão da população: a) de estoque (população residente); e b) de fluxo (migrações). A primeira, que converge uma situação de distribuição espacial estabelecida, foi obtida por duas variáveis: 1ª) proporção da população fora do núcleo, dada pela somatória dos residentes nos municípios de cada RI, dividida pela população do município sede de cada ACP; e 2ª) distância linear (euclidiana) do Centro Médio Ponderado (CMP) à sede do município núcleo de cada ACP. Trata-se, nesse caso, de uma medida que avalia o distanciamento do centro gravitacional de distribuição espacial da população do núcleo de cada ACP. A dimensão de fluxo também é composta por duas variáveis, que são: 1ª) razão de emigração, dada pela divisão entre o número de imigrantes e de emigrantes intrarregionais, procedentes do núcleo da ACP e aqueles com destino ao mesmo, discriminados conforme origem e destino nos demais municípios da respectiva RI . Essa variável indica, portanto, a proporção que a migração procedente do núcleo representa na migração para o núcleo; 2ª) Distância Média Ponderada dos vetores de migração procedentes do núcleo de cada ACP com destino aos municípios de cada RI. Nessa variável o peso foi definido pelo número de migrantes em cada vetor migratório (vetor que representa as trajetórias migratórias na matriz migratória de origem/destino intermunicipal), em seu respectivo quinquênio (1986/1991, 1995/2000 ou 2005/2010). Os valores para cada uma dessas variáveis foram convertidos em um índice (I_v^d), dado pela seguinte expressão:

Esse procedimento permitiu a padronização da unidade e da escala de análise das variáveis. Como os valores máximo e mínimo de referência foram estabelecidos considerando os três períodos analisados, foi possível, além de estabelecer parâmetros de comparação entre as diferentes RIs de cada ACPs, avaliar as alterações na escala temporal. Os valores entre 0 e 1 representam, nessa ordem, as situações de menor e maior dispersão espacial nas três décadas avaliadas (1991, 2000 e 2010). Refletem diferenças regionais e alterações temporais que representam crescimento ou não em cada variável. A agregação dos escores referentes às duas variáveis de cada dimensão, obtido pela média aritmética simples, permitiu a proposição de dois Índices de Dispersão Espacial da População: o IDEPe, que avalia a dispersão na dimensão estoque; e o IDEPf, que indica as variações na dimensão fluxo.

As RIs dos núcleos das ACPs no Brasil, com adaptações e aplicações metodológicas, como proposto nesse trabalho, fornece mais que um importante recorte espacial de análise regional. Embora possa suscitar questionamentos metodológicos e conceituais mais amplos, tanto teóricos, como metodológicos, as RIs representam um quadro aproximado que reflete as relações de interdependência que se estabelecem no espaço, onde os movimentos espaciais da força de trabalho assumem um papel especialmente relevante, especialmente em um momento em que o processo de redistribuição espacial da população ganha relevância . Tomando o município como unidade espacial de análise, de acordo com a divisão político-administrativa em cada período, incluindo subsequentes agrupamentos espaciais (agregações regionais), é possível identificar e mapear os indicadores referentes a distribuição e dispersão espacial da população. Os resultados, embora não conclusivos e circunscritos em um intervalo de tempo específico (três décadas censitárias), podem ser úteis não apenas a análise da dinâmica migratória regional, mas também a elaboração e discussão de políticas públicas, inclusive aquelas voltadas a superação de desigualdades regionais, que há tempos são características da realidade brasileira.

A DISPERSÃO ESPACIAL DA POPULAÇÃO NO BRASIL: ALGUMAS EVIDÊNCIAS EMPÍRICAS

Ao considerar os resultados referentes a distribuição da população (variável estoque), uma primeira observação diz respeito a maior proporção da população residentes fora do núcleo das ACPs, exceto para os casos de Brasília, que nas três décadas apresenta valores superiores a 50%. Contudo, ao comparar os valores nos três censos, nota-se que o percentual da população residente nas RIs cresceu apenas nas ACPs de Belém, Cuiabá, Fortaleza, Goiânia, Porto Alegre, Recife, Rio de Janeiro e São Paulo. Embora essa maior participação do RI nos estoques regionais seja, em princípio, um indicador geral de dispersão para esses casos, apenas para os casos de Brasília, Porto Velho e Rio de Janeiro observou-se um aumento da distância decorrente do deslocamento do centro gravitacional de concentração da população, representado pelo Centro Médio Ponderado (CMP) em relação ao núcleo da respectiva ACP. São, contudo, efeitos decorrentes do forte crescimento demográfico de importantes cidades localizadas em áreas próximas aos núcleos das ACPs, normalmente abrangendo distâncias inferiores a 100 km (exceto para os casos das RIs de Fortaleza e Goiânia, com distanciamento superior a 200 km). Esses parâmetros associados indicam que parte considerável das RIs das ACPs no país tem experimentado um crescimento do peso demográfico de municípios mais próximos aos principais centros regionais, inclusive aqueles localizados nas periferias das regiões metropolitanas.

Quando analisados os indicadores de fluxo (migração intrarregional), os resultados indicam, em geral, um quadro mais definido de dispersão da população, ainda que especificidades regionais devam ser observadas. Esse fato pode ser observado quando comparados os valores da razão de migração, dada pela divisão entre os imigrantes nas RIs procedentes do núcleo pelos emigrantes das RIs com destino ao núcleo de cada ACPs. Exceto para as ACPs de Porto Alegre, Recife, Rio de Janeiro e São Paulo, nota-se um crescimento da razão de migração, o que demonstra o crescimento relativo (e, em vários casos, absoluto) da migração dos núcleos para as respectivas RIs. Ressalta-se, por outro lado, o caso de São Paulo, que apresentou a maior queda relativa, ainda que tivesse um saldo migratório negativo nas trocas que envolveram os núcleos das ACPs. No quinquênio 2005/2010, por exemplo, para cada migrante com destino ao núcleo, outros quatro foram na direção oposta (para os municípios da RI).

Tabela 2
População residente nas Regiões de Influência (RIs), número e percentual sobre a População do Núcleo da ACP e Distância do Núcleo da ACP em relação ao Centro Médio Ponderado (CMP) – Brasil 1991, 2000 e 2010

Os valores referentes a Distância Padrão Ponderada (DPP), derivada dos vetores migratórios intermunicipais, com peso definido pelo volume de migrantes em cada período, não confirmam, todavia, ampliação generalizada da dispersão espacial. Para os casos de Cuiabá, Manaus, Porto Velho, Rio de Janeiro, Salvador e São Paulo ocorreu redução da DPP. Essa queda, não é resultado da redução dos fluxos migração para municípios mais distantes, mas sim um crescimento absoluto e relativo da emigração do núcleo para municípios mais próximos aos núcleos das RIs de cada ACPs. Como representado nas Figuras 2, 3 e 4, nota-se um significativo crescimento da migração para os municípios próximos aos núcleos regionais, especialmente para os casos das ACPs de São Paulo e Rio de Janeiro. Em São Paulo foram oito municípios que recebem mais de 10 mil emigrantes da capital paulista, no quinquênio 2005/2010, foram: Guarulhos, Praia Grande, São Bernardo do Campo, Itaquaquecetuba, Osasco, Taboão da Serra, Santo André e Cotia. Em sua imensa maioria, todos localizam-se na periferia metropolitana ou em áreas do entorno próximo. Nas demais ACPs, os municípios que receberam mais de 10 mil migrantes procedentes do núcleo, no mesmo quinquênio, foram: Ananindeua (Belém), Contagem e Ribeirão das Neves (Belo Horizonte), Águas Lindas de Goiás e Valparaíso de Goiás (Brasília), São José dos Pinhais e Colombo (Curitiba), Caucaia (Fortaleza), Aparecida de Goiânia (Goiânia), Viamão (Porto Alegre), Jaboatão dos Guararapes (Recife), Lauro de Freitas e Camaçari (Salvador), Duque de Caxias, Nova Iguaçu e Niterói (Rio de Janeiro).

Tabela 3
Número de Imigrantes, Razão de Migração e Distância Padrão Ponderada (DPP) dos fluxos migratórios procedentes do Núcleo do Núcleo das ACPs – Brasil 1986/1991, 1995/2000 e 2005/2010

Figura 2
Número de imigrantes procedentes do Núcleo das ACPs residentes nos municípios de cada RI, migração de data fixa 1986/1991

Figura 3
Número de imigrantes procedentes do Núcleo das ACPs residentes nos municípios de cada RI, migração de data fixa 1995/2000

Figura 4
Número de imigrantes procedentes do Núcleo das ACPs residentes nos municípios de cada RI, migração de data fixa 2005/2010

A análise dos resuldados agregados nos Indices de Dispersal Espacial da População, expostos na Figura 5, indicam quadros distintos. No que se refere a dimensão estoque (IDEPe), as RIs com maior nível de dispersão são Fortaleza, Recife e Goiânia. São regiões com elevada proporção da população fora no núcleo, embora envolvam metrópoles com volumes populações significativos e que tem apresentado rítmo acelerado de crescimento demográfico nas últimas décadas. Em situação diferenciada, com níveis mais baixos de dispersão, merecem destaque Manaus e Brasília. No caso de Manaus, as características históricas e geográficas da região, com ampla extensão territorial,definem um alto nível de primazia metropolitana, tendo, inclusive, baixo nível de estruturação da rede urbana. Quando observadas as variações temporais, chama atenção os casos do Rio de Janeiro e Belém. São regiões, ainda que, comparativamente, não apresentem alto nível de dispersão, têm experimentado um processo de redistribução espacial da população, dada a expansão econômica de municípios periféticos ou mesmo aqueles mais afastados do centro, como acontece no caso específico da expansão do norte fluminense, dado o afluxo de mão de obra para a atividade de exploração mineral e atividades afins.

Figura 5
Índices de Dispersão Espacial da População (IDEPe e IDEPf) das RIs das ACPs – Brasil 1991, 2000 e 2010

A análise do índice de fluxo (IDEPf) identifica uma situação diferente aquela obtervada para o IDEPe. Os maiores nível de dispersão, considerando a dinâmica migratória atual na região, correspondem às RIs de São Paulo, Manaus e Porto Velho. No caso paulista, cuja magnitude, incluse, já garante notoriedade, observa-se o arrefecimento da tendência de dispersão. Não significa, contudo, evidencias de reconcentração. Trata-se, na verdade, de crescimento da migração envolvendo municípios de cuta e média distância, cujo peso elevado interfere nos indicadores de dispersão espacial. Na outra ponta, os menores valores de dispersão por fluxos migratórios foram identificados nas RIs de Porto Alegre, Recife e Salvador. São núcleos regionais que ainda têm se destacado pela elevada proporação nos destinos da migração regional. Parte desses fluxos é decorrente de um rearanjo na dinâmica migratória, inclusive pelo redirecionamento de tradicionais fluxos antes concentrados na direção dos principais centros metropolitanos do pais, principalmente para São Paulo. Pelo menos em parte, essas correntes migratórias têm se voltado para a própria região, dando novo dinamismo aos fluxos intrarregionais na atualidade.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

O debate acerca a dispersão espacial da população tornou-se recorrente nos últimos anos, resultado, em parte, do elevado poder explicativo e das consequencias inerentes à dinâmica demográfica da população brasileira. Ainda existem inúmeras incertezas sobre a prevalencia de determinados padrões de distribuição espacial da população brasileira. A crença na suposta reversão da polarização, ou mesmo a hipotese de desconcentração espacial, como sugerida por determinados autores e proposta nos modelos clássicos da economia regional, tem se mostrado inapropriada à análise do caso brasileiro. A progressiva queda relativa no peso econômico e demográfico dos principais centros urbanos do país, bem como a desaceleração no ritmo de crescimento populacional das principais Regiões Metropolitanas, requer um maior aprofundamento na avaliação de novas tendências e padrões na distribuição espacial da população brasileira.

As últimas três décadas do século passado são centrais na análise da dinâmica demográfica brasileira. Se a progressiva queda nas taxas de fecundidade foi responsável direta pela forte desaceleração no ritmo de crescimento demográfico do país, as migrações internas foram fundamentais no processo de redistribuição espacial da população. Mesmo que as metrópoles e suas Regiões de Influência continuem atraindo expressivos contingentes, a intensificação nos fluxos de migrantes tem refletido diretamente no crescimento demográfico de vários núcleos urbanos fora das principais regiões metropolitanas brasileiras, tornando mais densa a rede de cidades em cada uma de suas Regiões de Influência.

Tendo como base empírica as dimensões de estoque e fluxo da populção, este trabalho apresenta um esforço de análise da distribuição da população residente e da migração regional, com enfase nos fluxos que envolvem cada uma das RIs das ACPs do Brasil. Os resultados demonstram que não há uma tendência generalizada de ampliação da dispersão espacial da população. Embora os núcleos regionais que compõem as denominadas ACPs tenham experimentado, em sua maioria, queda no rítmo de crescimento demográfico e perdas relativas no processo de redistribução espacial da população, ainda exercem alto nível de atração na população em cada região. O quadro sintético decorrente dos resultados empíricos apresentados nesse trabalho, permite expor algumas considerações gerais: 1ª) os estoques de população e fluxos migratórios indicam, se não um processo de desconcentração nos moldes clássicos, pelo menos trazem evidencias de fases iniciais de dispersão espacial, mais restrita a periferia menos distante; 2ª) os valores de IDPEf , diferente do IDPEe, que traduz um processo histórico de maior temporalidade, trazem indícios de possíveis mudanças de tendência verificadas nas últimas décadas, tal como obsevado em São Paulo, que apresentou elevado grau de dispersão (apesar da queda no ímpeto). 3ª) a dinâmica migratória regional ganha revevância no processo de redistribuição espacial da população, ainda que os fluxos longas distâncias, especialmente os interregionais, continuem relevantes.

Finalmente importa salientar, as possibilidades e potencialidades oferecidas aos estudos sobre a mobilidade espacial da população no âmbito regional. Ao fornecer um quadro atual da organização urbano-regional do Brasil, a análise dos estoque e fluxos de pessoas, avaliados peço recorte estabelecido pelas RIs das ACPs no país, também permite avaliar a distribuição dos estoques e fluxos em uma perspectiva de rede, seja considerada em um sentido mais específico (rede urbana) ou amplo (rede geográfica). Em um ou outro caso oferece um quadro sintético aproximado as relações entre a distribuição espacial da população e a organização regional.

AGRADECIMENTOS

Ao CNPq e a FAPEMIG, pelo auxílio financeiro aos projetos de pesquisa. Cabe menção especial o apoio oferecido pela FAPEMIG por meio da concessão de bolsa de pesquisa pelo Programa Pesquisador Mineiro.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Jul-Sep 2016

Histórico

  • Recebido
    Jul 2016
  • Aceito
    Ago 2016
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