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A relação entre arte e vida no longa-metragem Gabbeh, de Mohsen Makhmalbaf: a perspectiva bakhtiniana em cena

RESUMO

Este artigo tem como objetivo realizar um ensaio-análise do longa-metragem Gabbeh (1996)GABBEH. Direção de Mohsen Makhmalbaf. Makhmalbaf Film House. Irã: 1996. Tehran: Makhmalbaf Film House, 1996. [DVD]. (72min.), colorido., do diretor iraniano Mohsen Makhmalbaf, promovendo reflexões que possam, em alguma medida, contribuir para o aprofundamento de questões que envolvem o campo da arte e da vida. As bases teórico-epistemológicas que sustentam esta análise são os estudos bakhtinianos em diálogo com a perspectiva vigotskiana. A análise parte de algumas cenas do filme e busca estabelecer uma relação entre alguns conceitos bakhtinianos - como dialogismo, cronotopo, polifonia, exotopia - e a arte cinematográfica em questão.

PALAVRAS-CHAVE:
Arte cinematográfica; Dialogia; Polifonia; Vida

ABSTRACT

This article aims to conduct an analysis of the feature film Gabbeh (1996)GABBEH. Direção de Mohsen Makhmalbaf. Makhmalbaf Film House. Irã: 1996. Tehran: Makhmalbaf Film House, 1996. [DVD]. (72min.), colorido., by Iranian director Mohsen Makhmalbaf, promoting reflections that may, to some extent, contribute to the deepening of questions that involve the field of art and life. The theoretical-epistemological bases that support this analysis are the Bakhtinian studies in dialogue with the Vygotskian perspective. The analysis starts from some scenes of the film and seeks to establish a relationship between some Bakhtinian concepts, such as dialogism, chronotope, polyphony, outsideness, and the cinematographic art in question.

KEYWORDS:
Cinematographic art; Dialogism; Polyphony; Life

A arte é uma presunção excessivamente atrevida, é patética demais, pois não lhe cabe responder pela vida que, é claro, não lhe anda no encalço. “Sim, mas onde é que nós temos essa arte - diz a vida -

Nós temos a prosa do dia-a-dia”.

Mikhail Bakhtin

Figura 1
Montagem da foto inicial e final do filme Gabbeh2 2 As imagens do filme Gabbeh (1996) presentes neste artigo foram autorizadas por Makhmalbaf Film House, via e-mail, no dia dezessete de setembro de 2019.

A partir da epígrafe que inaugura este ensaio-análise ou análise-ensaio - gênero não definido, mas orientado para reflexão -, podemos compreender, a partir do olhar bakhtiniano, que a arte não é espelhamento do real; ela não coincide com a vida tal como ela se configura. Se assim fosse, não haveria razão de existir poesia, bastar-nos-ia a prosa. Também não competiria ouvir músicas e assistir a filmes, pois tais atividades seriam meramente um repetir-se daquilo que é real, um replicar do dito e do vivido. A arte, contrariamente, parece ser aquilo que Vygotsky adjetiva em Psicologia da arte: “[ela] está para a vida como o vinho para a uva [...], recolhe da vida o seu material mas produz acima desse material algo que ainda não está nas propriedades desse material”. (1999, p.307-308). A arte, nesse sentido, pode ser encarada como uma potência de transformação da vida.

Do ponto de vista bakhtiniano, nas palavras de Ponzio (2010a, p.89)PONZIO, A. Procurando uma palavra outra. Tradução Valdemir Miotello et al. São Carlos, SP: Pedro e João Editores, 2010a., “a arte considera [...] [o] duplo do real. Ela não representa a realidade, mas [...], para tomar uma expressão de Bakhtin, figura seu duplo.”, de modo que haja a recriação da realidade; uma afiguração. Já para Volochínov (2013 [1926], p.88, grifos do autor)VOLOCHÍNOV, V. N. (Do Círculo de Bakhtin). Palavra na vida e palavra na poesia: introdução ao problema da poética sociológica. In: VOLOCHÍNOV, V. N. (Do Círculo de Bakhtin) A construção da enunciação e outros ensaios. Organização, tradução e notas João W. Geraldi. São Carlos, SP: Pedro & João Editores, 2013 [1926]. p.71-100., “uma obra artística é um potente condensador de valorações sociais não expressadas”; assim, vale considerar que, embora não coincidam, a arte e a vida e a vida e a arte estão em constante dialogia. Tal como registrou Bakhtin, “arte e vida não são a mesma coisa, mas devem tornar-se algo singular em mim, na unidade da minha responsabilidade.” (2010a [1919], p.XXXIV).

Apesar dessa abertura que busca indícios do que é arte para os autores mencionados, meu objetivo, aqui, não é tentar definir o que significa essa atividade, nem tampouco trazer quaisquer considerações sobre as razões de sua existência. Dentro dos limites orientados por tal gênero, proponho-me a trazer uma análise de algumas cenas do longa-metragem Gabbeh (1996)GABBEH. Direção de Mohsen Makhmalbaf. Makhmalbaf Film House. Irã: 1996. Tehran: Makhmalbaf Film House, 1996. [DVD]. (72min.), colorido., do diretor iraniano Mohsen Makhmalbaf. Para isso, como o próprio título deste texto indica, a discussão versará a partir da perspectiva bakhtiniana, trazendo breves considerações sobre conceitos de polifonia, dialogia, cronotopo, exotopia, dentre outros, com o propósito básico de suscitar reflexões sobre o processo de experimentação e análise da obra em questão. Sei, contudo, que os caminhos poderiam ser muitos. Gabbeh é um filme em que efervescem aspectos de composição artística, bem como temas diversos que poderiam também ser utilizados como mote de discussão para a elaboração deste texto. Seria relevante, nesse sentido, escolher diferentes abordagens, tais como: refletir sobre aspectos cronotópicos da obra; tematizar a memória na constituição do sujeito-personagem; abordar a constituição do professor-mediador a partir do personagem ‘Tio’; relacionar este filme com os filmes Silêncio e Jardim, parte da trilogia de Makhmalbaf. Enfim, as possibilidades seriam muitas, mas diante deste espaço-tempo em que me encontro, assumo a responsabilidade de elaborar um texto que tem como intuito abrir para possíveis reflexões sobre a obra, sem me fechar nas temáticas em questão.

Ainda que Bakhtin tenha se debruçado sobre estudos da arte voltados ao campo literário, compreendo que alguns de seus conceitos possam ser utilizados para a análise de outras manifestações artísticas3 3 Trabalhos realizados por Amorim (2006) e Spinelli (2005) evidenciam que as discussões da perspectiva bakhtiniana não se circunscrevem à literatura. Tais autores, por exemplo, trouxeram em seus textos exemplos cinematográficos para elucidar conceitos bakhtinianos como exotopia e cronotopo. . Desse modo, ao recorrer à perspectiva bakhtiniana para analisar os aspectos do audiovisual Gabbeh, tentarei fazê-lo, sabendo dessa particularidade. Além disso, vale registrar que, embora a arte que se serve de palavras-conceitos, como a literatura, e a arte que utiliza de imagens-conceitos, como o cinema, tenham diferenças substanciais no processamento de ‘recepção’, ambas são artes de ação (ECO, 2016ECO, U. A definição da arte. Tradução Eliana Aguiar. Rio de Janeiro: Record, 2016.).

O romance diz “acontece isso e depois aquilo etc.”, enquanto o filme coloca diante de nós uma sucessão de “isso + isso + isso etc”, uma sucessão de representações de um presente, hierarquizáveis apenas na fase de montagem. [...] O tratamento da temporalidade introduzido pelo filme certamente não deixou de provocar efeitos na cultura contemporânea: propôs de um modo tão violento um novo modo de entender a sucessão e a simultaneidade dos eventos (ECO, 2016ECO, U. A definição da arte. Tradução Eliana Aguiar. Rio de Janeiro: Record, 2016., p.191, grifos do autor).

Assim considerando, ainda no liame de explicar o processo de escrita e antes de iniciar quaisquer considerações sobre a obra cinematográfica, vale registrar que um gênero é sempre orientado a um terceiro, a um outro. Desse modo, para pensar a produção fílmica, importa compreender que ela pressupõe um autor e um destinatário: aquele que a produz, a assina, e aquele para qual a obra é destinada: o “espectador”4 4 Considero espectador não no sentido passivo que a palavra comporta em si mesma, mas compreendendo, à luz do que escrevera Pereira (2012), sobre a ‘atitude estética’: como alguém disposto a viver experiência artística, de modo a contemplá-la ativamente; estando disponível para. . Segundo Bakhtin (2010e [1961], p.333)BAKHTIN, M. Estética da criação verbal. Introdução e tradução do russo de Paulo Bezerra. Prefácio à edição francesa de Tzvetan Todorov. 5. ed. São Paulo: Martins Fontes, 2010.,

cada diálogo ocorre como que no fundo de uma compreensão responsiva de um terceiro invisivelmente presente, situado acima de todos os participantes do diálogo (parceiros). [...]

O referido terceiro não é algo místico ou metafísico [...]; é o elemento constitutivo do enunciado total, que numa análise mais profunda pode ser nele descoberto. Isso decorre da natureza da palavra, que sempre quer ser ouvida, sempre procura uma compreensão responsiva e não se detém na compreensão imediata mas abre caminho sempre mais e mais à frente.

Nesse sentido, embora o cineasta, autor5 5 “O autor deve ser entendido [...] a partir do acontecimento da obra como participante dela, como orientador autorizado do leitor [no caso do cinema, interlocutor ou espectador]. Compreender o autor no universo histórico de sua época, no seu lugar no grupo social, a sua posição de classe. [...] No interior de sua obra, o autor é para o leitor o conjunto dos princípios criativos que devem ser realizados, a unidade dos elementos transgredientes da visão, que podem ser ativamente vinculados à personagem e ao seu mundo” (BAKHTIN, 2010 [1979], p.191-192). de sua obra fílmica, oriente sua produção a um outro, esse outro não é apenas o outro imediato, é um outro que pode estar além. A obra artística não tende a permanecer no plano imediato, ela tende a se fixar no jamais, na grande temporalidade, de modo que ela escape do tempo limitado e se oriente ao outro que também é história, também é cultura (MIOTELLO, 2011MIOTELLO, V. Discursos da ética e a ética dos discursos. São Carlos, SP: Pedro & João Editores, 2011.).

E, daqui do Ocidente, eu, como espectadora, com meu ponto vista, ocupo o lugar do outro para a obra Gabbeh, de 1996, do iraniano Mohsen Makhmalbaf. A objetivação estética supõe, segundo Bakhtin (2010b [1979], p.29)BAKHTIN, M. Estética da criação verbal. Introdução e tradução do russo de Paulo Bezerra. Prefácio à edição francesa de Tzvetan Todorov. 5. ed. São Paulo: Martins Fontes, 2010., “um ponto de apoio, situado fora de si mesmo, de alguma força efetivamente real, de cujo interior eu poderia ver-me como outro”. Assim, nessa tentativa de dar acabamento à obra desse autor - ainda que de modo provisório -, atrevo-me (reitero) a não analisá-la sob algum enfoque temático, mas sob a lupa dos conceitos bakhtinianos em alguns aspectos da obra que, a partir da minha singularidade e experiência artística, julgo merecerem certo destaque.

Conforme Ismail Xavier, em O olhar e a cena, no cinema,

as relações entre visível e invisível, a interação entre o dado imediato e sua significação, tornam-se mais intrincadas. A sucessão de imagens criada pela montagem produz relações novas a todo instante e somos sempre levados a estabelecer ligações propriamente não existentes na tela. A montagem sugere, nós deduzimos. As significações engendram-se menos por força de isolamentos [...] e mais por força de contextualizações para as quais o cinema possui uma liberdade invejável (2003, p.33).

O olho da câmera, sob o ponto de vista do autor, leva o espectador à percepção das imagens, sugerindo interpretações. Embora haja um sujeito pressuposto no processo de criação do filme, esse sujeito não é passivo, ele, a partir de sua singularidade e historicidade, interpreta a sucessão de imagens de modo único em sua existência humana, dando seu acabamento em relação à obra. Xavier (2003)XAVIER, I. O olhar e a cena: melodrama, Hollywood, cinema novo, Nelson Rodrigues. São Paulo: Cosac & Naify, 2003., ao comentar o processo da experiência fílmica, discorre:

Diante do aparato construtor de imagens, minha interação é de outra ordem: envolve um olho que não vejo e não me vê, que é olho porque substitui o meu, porque me conduz de bom grado ao seu lugar para eu enxergar mais... ou talvez menos. Dado inalienável de minha experiência, o olhar fabricado é constante oferta de pontos de vista. Enxergar efetivamente mais, sem recusá-lo, implica discutir os termos desse olhar. Observar com ele o mundo mas colocá-lo também em foco, recusando a condição de total identificação com o aparato. Enxergar mais e estar atento ao visível e também ao que, fora do campo, torna visível (p.57).

Seguir nossos olhos com a câmera não é, portanto, ter um mesmo ponto de vista do objeto que nos orienta, mas, a partir dessa imagem que nos é oferecida, sermos capazes de interpretar as condições (não)estabelecidas, os subentendidos, os ditos e não ditos, o dado e não dado; enfim, as minúcias que compõem o todo da obra. Nas palavras de Bakhtin (2010h [1970], p.366)BAKHTIN, M. Estética da criação verbal. Introdução e tradução do russo de Paulo Bezerra. Prefácio à edição francesa de Tzvetan Todorov. 5. ed. São Paulo: Martins Fontes, 2010.,

no campo da cultura, a distância é alavanca mais poderosa da compreensão. A cultura do outro só se revela com plenitude e profundidade [...] aos olhos de outra cultura. Um sentido só revela as suas profundidades encontrando-se e contactando com o outro, com o sentido do outro: entre eles começa uma espécie de diálogo que supera o fechamento e a unilateralidade desses sentidos, dessas culturas.

Busco, portanto, a partir do meu horizonte apreciativo, trazer à obra a minha experiência estética, o meu acabamento, as minhas vivências, de modo a multiplicar as possíveis compreensões.

O filme Gabbeh6 6 Gabbeh, em persa, significa tapete. é iniciado com a imagem de um tapete sob um rio (1min.22s), enquanto a câmera parada o focaliza sendo levado junto à correnteza. Mais tarde, o espectador perceberá que este mesmo tapete é a representação da história contada no filme. Após essa cena inicial, a câmera focaliza o desenho de outro tapete (1min.54s) que também está submerso na água do rio e que também será o ponto para iniciar a narração dessa história. Neste tapete, entretanto, há o desenho de um casal em cima de um cavalo branco. Essa cena inicial, embora breve, pode dar indício à representação do tempo, da história, que marca todo o desenrolar da narrativa. A correnteza que leva o tapete é a mesma que renova a água: aqui podemos estar diante de uma metáfora que se refere ao próprio movimento da vida, esse continuum, esse processo de experiências irrepetíveis que é viver.

Posteriormente a essa cena, há aquela em que, a princípio, parece-me a mais esclarecedora para compreender o enfoque dado ao longa-metragem: a câmera parada focaliza uma paisagem de campo e surge, de longe, um casal de idosos, discutindo sobre qual deles irá lavar o tapete que a idosa carrega nas costas. Nesse momento, a idosa estende o tapete sobre o chão (o mesmo tapete do início do filme, em que há tecido o casal montado em um cavalo branco), e questiona o seu marido:

Quadro 1
Trecho Gabbeh (3min.33s-5min-35s)

Segundo Bakhtin (2010i [1930-1940], p.399)BAKHTIN, M. Estética da criação verbal. Introdução e tradução do russo de Paulo Bezerra. Prefácio à edição francesa de Tzvetan Todorov. 5. ed. São Paulo: Martins Fontes, 2010.,

o autor de uma obra está presente no todo da obra, não se encontra em nenhum elemento destacado desse todo, e menos ainda no conteúdo separado do todo. O autor se encontra naquele momento inseparável em que o conteúdo e a forma se fundem intimamente, e é na forma onde mais percebemos a sua presença. A crítica costuma procurá-lo no conteúdo destacado do todo, que permite identificá-lo facilmente com o autor-homem de uma determinada época, que tem determinada biografia e uma determinada visão de mundo. Aí a imagem do autor quase se funde com a imagem do homem real.

Considerando as palavras de Bakhtin, ainda que não devamos buscar o autor no conteúdo da obra em questão, sabemos, pois, que as motivações para a realização desse filme provêm de um sujeito histórico e datado no tempo e no espaço. Os desenlaces, as sequências de imagem e a temática decorrem de alguém que tem propósitos com sua arte, ainda que esse propósito seja diverso, sem especificidades; com o intuito somente de que o ‘espectador’ experencie sua obra, nada mais. Conforme Bourriaud (2009 [1998], p.20)BOURRIAUD, N. Estética relacional. Tradução Denise Bottmann. São Paulo: Editora Martins Fontes, 2009., “uma obra de arte não tem função útil a priori [...]; [ela] é disponível, flexível”.

Sendo assim, o que podemos perceber na obra de Makhmalbaf é que ele traz questões culturais bastante simbólicas na elaboração de Gabbeh. A própria paisagem, as roupas coloridas, as ovelhas, as lãs, a poesia e o próprio gabbeh são indícios de uma imersão na cultura iraniana. Ao trazer para o centro do filme um tapete persa confeccionado pelas tribos nômades do norte do Irã, ele parece convidar o espectador a estabelecer uma experiência estética com elementos que fazem parte dessa cultura. E mais, ao longo do filme, podemos considerar que o diretor nos encaminha, por meio de sua obra, a enxergar o tapete não como artesanato somente, mas como arte. O filme, portanto, parece indicar uma constante metalinguagem sobre o próprio Cinema como atividade do campo artístico, e o tapete como uma arte persa que conta a história de um povo.

Muitas etapas são necessárias para se fabricar um tapete persa e muitas pessoas estão envolvidas em cada uma dessas etapas, desde a escolha do material, das tintas, do desenho do modelo, da fabricação do tear, da tecelagem do tapete em si, da comercialização. Os materiais mais usados na fabricação dos tapetes persas são a lã de carneiro, o algodão e a seda. Esses materiais podem ser combinados, sendo que geralmente a urdidura e a trama (fios longitudinais e transversais) são de algodão. Nos tapetes feitos pelas tribos nômades essa parte pode ser feita apenas de lã. (PÓLA; MACHADO, 2013PÓLA, M. C. R.; MACHADO, S. R. B. A geometria dos tapetes persas. In: SIMPÓSIO NACIONAL DE GEOMETRIA DESCRITIVA E DESENHO TÉCNICO, 21, 2013, Florianópolis. Anais. Florianópolis: Universidade Federal de Santa Catarina, 2013. p.1-12., p.4).

O filme, que conta - de certo modo - a história de uma tribo nômade, traz todos esses aspectos mencionados sobre a produção do tapete persa, o qual é constituído com muitos fios, muitas cores e muitas mãos. E muitas etapas também são necessárias para realizar um filme: som, imagem, figurino, cenário, personagens, luz. Quantos olhares, quantas contribuições para torná-lo um todo significativo!, e, além do filme e do tapete, muitas mãos também são necessárias para uma vida. Makhmalbaf, portanto, ao nos oferecer sua obra, convida-nos para a reflexão sobre a própria constituição da arte de tapeçaria, da arte fílmica, e da arte na vida e da vida na arte.

Ao analisar uma determinada obra, seja ela qual for, não podemos nos eximir de pensar sobre seu contexto de produção. À luz de Bakhtin (2010i [193?-194?], p.406)BAKHTIN, M. Estética da criação verbal. Introdução e tradução do russo de Paulo Bezerra. Prefácio à edição francesa de Tzvetan Todorov. 5. ed. São Paulo: Martins Fontes, 2010., “a obra é integrada também pelo seu necessário contexto extratextual. É como se ela fosse envolvida pela música do contexto axiológico-entonacional, no qual é interpretada e avaliada”. Assim, assumir que o diretor traz imagens e situações relevantes da cultura iraniana é um modo de compreender sua obra como constituída em um dado cronotopo e, além disso, revela sua individualidade como autor tanto no estilo quanto em sua visão de mundo. Essa marca de individualidade “é o que cria princípios interiores específicos que a separam de outras obras a ela vinculadas no processo de comunicação discursiva de um dado campo cultural” (BAKHTIN, 2010dBAKHTIN, M. Estética da criação verbal. Introdução e tradução do russo de Paulo Bezerra. Prefácio à edição francesa de Tzvetan Todorov. 5. ed. São Paulo: Martins Fontes, 2010. [1952-1953], p.279). Entender, por exemplo, a utilização do tapete persa como central no seu filme é um modo de compreendê-lo também como arte milenar dessa cultura e, por isso, refletir sobre como esse artesanato, que também está no plano da arte, entra no mundo da vida dos sujeitos iranianos.

À parte essas considerações, vale mencionar também que o diretor, ao trazer a fala do idoso, questionando sua esposa sobre quem, além dela, poderia lavar o tapete, pode, de certo modo, encaminhar-nos à reflexão-crítica sobre a estrutura familiar do Irã, ou do próprio mundo, em que coloca a mulher como única possível nos trabalhos domésticos também naquele país. As possibilidades são muitas e nos abrem caminho para interpretações outras. Em relação a esse aspecto, utilizo novamente as palavras de Bakhtin [que trata da obra literária], para fazer uma alusão à obra cinematográfica:

A obra, como réplica do diálogo, está disposta para a resposta do outro (dos outros), para a sua ativa compreensão responsiva, que pode assumir diferentes formas: influência educativa sobre os leitores, sobre suas convicções, respostas críticas, influência sobre seguidores e continuadores; ela determina as posições responsivas dos outros nas complexas condições de comunicação discursiva de um dado campo da cultura (2010d [1952-1953], p.279).

Ainda em se tratando do Quadro 1, com falas que inauguram o filme, a idosa, ao falar com o gabbeh - o tapete - e, por conseguinte, o tapete surgir na imagem de uma jovem, pode nos levar a compreender a obra como uma fábula que faz referência a outros textos, como o conto de fadas A Branca de Neve, dos irmãos Grimm, na cena em que a bruxa conversa com o espelho; ou o conto árabe Aladim, quando a personagem esfrega a lâmpada, na qual surge um gênio. A palavra não é adâmica, desse modo, uma obra conversa sempre com outras obras e ainda que não tenha sido o propósito do autor realizar tais referências nesse trecho do filme, ela, por si só, é uma constante dialogia com a própria linguagem cinematográfica, criada por outros diretores, em outros momentos históricos. Dito isto, importa considerar que

toda leitura de imagem é produção de um ponto de vista: o do sujeito observador, não o da “objetividade” da imagem. A condição dos efeitos da imagem é essa. Em particular, o efeito da simulação apoia-se numa construção que inclui o ângulo do observador. O simulacro parece o que não é a partir de um ponto de vista; o sujeito está aí pressuposto. Portanto, o processo de simulação não é o da imagem em si, mas o da sua relação com o sujeito (XAVIER, 2003XAVIER, I. O olhar e a cena: melodrama, Hollywood, cinema novo, Nelson Rodrigues. São Paulo: Cosac & Naify, 2003., p.51-52).

Além dessas questões, o que se coloca na cena elucidada anteriormente, é justamente o fato de que, somando ao narrador-câmera, surge também outro narrador: o próprio tapete, denominado gabbeh. Não se trata, entretanto, de um tapete falante, mas da representação de uma moça que está desenhada nos fios que entrelaçam o artesanato (ou a arte); a moça, por sua vez, conta a sua história registrada no tapete. Essa mesma moça - como veremos adiante e como registro na Figura 1 que inaugura este texto - é a própria idosa. Em resumo: há, no tapete, o registro de uma história, a história do casal de senhores, contada pela jovem em questão.

Diante desses ‘outros’ que narram a história, podemos trazer o que Bakhtin acentua sobre o papel do narrador:

Não sou eu mas o outro, investido de afetuosa autoridade interior em mim, quem me guia, e eu não o reduzo a meios [...]; não há parasitismo. Aqui a personagem e o narrador podem facilmente intercambiar posições: seja eu a começar narrando sobre o outro, que me é íntimo, [...], ou o outro a narrar a meu respeito, de qualquer forma eu me entrelaço com a narração nos mesmos tons, na mesma configuração formal que ele (2010b [1979], p.141).

Ainda que o filósofo da linguagem tenha discutido, nesse trecho selecionado, questões referentes a obras literárias autobiográfica-biográfica, podemos fazer uma suposta alusão ao papel do narrador-câmera quando, a depender dos planos que toma - que escolhe -, é capaz de produzir efeitos distintos e pontos de vista diversos sobre o outro, bem como à própria narradora-gabbeh, que conta a história da idosa - dela mesma quando mais jovem -, a partir de seu horizonte apreciativo. A jovem-gabbeh, ao realizar esse papel de narrar, é, muitas vezes, confrontada e questionada pela idosa. Nesse papel, podemos refletir, portanto, sobre um possível intercâmbio de posições entre aquela que se enuncia, ocupando o lugar do ‘presente’ - a idosa -, e aquela que se enuncia, ocupando o lugar de um ‘passado recente’ - a jovem-gabbeh. Nesse sentido, em uma posição dialógica entre esse eu e outro, a história é narrada. A jovem-gabbeh é, desse modo, convidada a responder sobre sua história em um diálogo incessante entre ela e o casal de idosos.

No que tange ao trecho da cena anterior, podemos inferir esse convite à resposta, pois, ao ser questionado pelo idoso sobre quem é seu pai, a jovem-gabbeh responde: ‘seu nome é fios de lã’ e, a partir daí, inicia a contação de sua história, de sua vida, da vida da idosa. Os fios que tramam a história são os mesmos fios que tecem o tapete. O pai, por sua vez, como patriarca da família, parece orientar esses fios, ditar o ritmo, as cores, as formas, o modo como a jovem deve seguir sua vida, constituir-se como sujeito da trama. No decorrer do filme, a idosa, como se confrontasse a si mesma quando jovem, indaga à jovem-gabbeh sobre as escolhas de sua vida. Nesse processo, a partir dos pressupostos bakhtinianos, podemos levar em conta o conceito de excedente de visão, o qual, segundo Bakhtin (2010b [1979], p.23)BAKHTIN, M. Estética da criação verbal. Introdução e tradução do russo de Paulo Bezerra. Prefácio à edição francesa de Tzvetan Todorov. 5. ed. São Paulo: Martins Fontes, 2010.,

É o broto em que repousa a forma e de onde ela desabrocha como uma flor. Mas para que esse broto efetivamente desabroche na flor da forma concludente, urge que o excedente de minha visão complete o horizonte do outro indivíduo contemplado sem perder a originalidade deste. Eu devo entrar em empatia com esse outro indivíduo, ver axiologicamente o mundo de dentro dele tal qual ele o vê, colocar-me no lugar dele e, depois de ter retornado ao meu lugar, completar o horizonte dele com o excedente de visão que desse meu lugar se descortina fora dele, convertê-lo, criar para ele um ambiente concludente a partir desse excedente da minha visão, do meu conhecimento, da minha vontade e do meu sentimento.

A senhora, portanto, quer ouvir sua própria história na voz e memória dela quando jovem. Ela convoca esse seu olhar pré-vivido, um olhar que ela (já) não parece ter, que, talvez, por ter passado por tantas outras experiências não se recorda do mesmo modo. Convoca, assim, ao seu olhar quando ainda apaixonada; ao seu olhar, quando ainda no impulso da vida. Esse olhar refrata o que ela foi, dá acabamento à sua história, a suas escolhas; atribui outros sentidos às suas vivências. Quem é ela, afinal? Quem é Gabbeh? Quem é a jovem? A idosa parece, portanto, querer esse outro que lhe diga ser quem ela é para si e para o outro, de modo em que se constitua subjetivamente: “eu não posso passar sem o outro, não posso me tornar eu mesmo sem o outro; eu devo encontrar a mim mesmo no outro, encontrar o outro em mim.” (BAKHTIN, 2010fBAKHTIN, M. Estética da criação verbal. Introdução e tradução do russo de Paulo Bezerra. Prefácio à edição francesa de Tzvetan Todorov. 5. ed. São Paulo: Martins Fontes, 2010. [1961-1962], p.342]).

Em uma cena subsequente, podemos perceber claramente esse excedente de visão de que trato aqui: ao ouvir a jovem-gabbeh falar, o esposo elogia a moça, comentando sua beleza. Eis que a idosa sente ciúmes de seu comentário, de modo que ele sugere que a esposa sente ciúmes dela mesma. Nesse momento, podemos compreender que ainda que num mesmo corpo, nossas relações, nossas vivências vão-nos tornando outro; o tempo nos torna outro. Ela já não é a jovem. Ser sujeito no mundo é se constituir na relação com o outro, é ser inconcluso e inesgotável, é ser outro a cada instante, a cada encontro.

Cabe também registrar que a jovem, ao narrar sua vida, convida o casal a assisti-la e, num jogo de imagens, a trama é iniciada. Daí, surge um outro cronotopo que, a partir da narração da jovem-gabbeh, dá início à história do próprio tapete da qual ela ‘saiu’; este tapete que registra a história do casal de idosos. Assim, tal como nos fios que tecem o tapete, as ações das personagens se entrelaçam e afetam suas vidas, de modo que os fios vão se encontrando e formando uma trama no tempo e no espaço. Assim como acontece em nossa vida, a história não se apresenta de forma tão linear, nem é tão simples como parece. De modo a reforçar a tessitura entre conteúdo e forma, proposta pelo autor, a obra vai se constituindo como uma produção artística, em uma relação constante entre arte e vida. O foco do filme não nos parece, portanto, a história em si, mas o modo como ela é contada e tem seus fios alinhados, transformados em uma trama única, singular no campo da arte cinematográfica.

Nas cenas subsequentes do longa-metragem Gabbeh, a jovem comenta ao casal que, segundo as ordens de seu pai, só poderia casar-se com o homem que segue sua tribo quando seu tio voltasse da cidade à tribo. Mas, assim que ele retorna, outros empecilhos se colocam e seu pai estabelece novamente outros obstáculos: ela só poderia se casar quando sua mãe parisse. A narração, tanto na voz da jovem quanto no olho da câmera, visa contar esses percalços até que a jovem consiga, por fim, fugir com seu amado. O clímax da obra, entretanto, não está na conquista da jovem, mas no processo, nas vivências que a jovem conta; no modo como se estabelece a história, como as relações vão se colocando frente às situações da vida, em um enlace poético entre forma e conteúdo.

A segunda cena sobre a qual buscarei trazer sentidos que possam ser vistos sob a ótica bakhtiniana corresponde àquela em que a jovem-gabbeh, ao narrar sua história ao casal de idosos, conta que seu tio havia encontrado uma pretendente em uma nascente de um rio. Ainda que em cronotopos distintos, a cena é posta lado a lado, como se dialogassem entre si, de modo a constituir-se na história.

A idosa, sentada à beira do rio, lava com os pés o seu tapete, e escuta a jovem-gabbeh narrar o encontro de seu tio com a futura esposa. Seu tio, em outro cronotopo, conversa com sua pretendente enquanto ela lava a louça. Ao receber a afirmativa de que ela aceita casar-se com ele, o tio sai para ajudá-la com os afazeres. Nesse momento, surgem membros da família que esperavam o retorno do ‘tio’ e enchem, na nascente, uma bolsa de água para a viagem de volta à tribo. A jovem-gabbeh, assistindo ao evento junto ao casal de idosos, passa a dialogar com a cena narrada, tentando, para isso, encher a bolsa de água junto a eles, de modo a apressar a ação e, portanto, o casamento. Segue, a seguir, a sequência de fotogramas da cena em questão:

Figura 2
Fotograma do filme Gabbeh - cena: 28min24s -28min55s

Na sequência de fotogramas (Figura 2), a imagem da bolsa sendo cheia de água com a ajuda da mão de uma pessoa, corresponde ao cronotopo da história contada, enquanto na sequência de fotogramas seguintes, as imagens correspondem ao tempo-espaço de onde se conta a história: pela jovem-gabbeh e pelo casal de idosos (nessa cena, o enfoque do plano é dado apenas à idosa, mas o senhor encontra-se ao lado, como é possível verificar em cenas posteriores). Podemos perceber na cena em questão que, enquanto a idosa pede que a jovem tenha paciência, pois, diante da história narrada, pode-se ver pessoas enchendo a bolsa - o que sugere que a vida esteja acontecendo -, a jovem, contudo, afirma que, mesmo diante do acontecimento, elas ‘demoram muito’ no processo. Eis que a idosa, na sua contrapalavra, comenta que a jovem é que não tem paciência suficiente e traz sua experiência ao dizer que ‘já se apaixonou e compreende sua angústia, por isso irá ajudá-la a acelerar o processo de encher a bolsa de água’.

Diante de tal cena, colocam-se inúmeras questões que poderiam ser um convite ao questionamento e à reflexão do espectador. A primeira questão é justamente o modo como o diretor da obra utilizou-se da criatividade dos recursos cinematográficos para a construção da narrativa. Utilizar dois tempos e espaços num mesmo plano cinematográfico, em que o narrador e a história narrada estejam dialogando, é um modo minimamente curioso para a composição da obra. Denominarei, aqui, como diferentes cronotopos. Nas palavras de Bakhtin (2010c [1975], p.211)BAKHTIN, M. Estética da criação verbal. Introdução e tradução do russo de Paulo Bezerra. Prefácio à edição francesa de Tzvetan Todorov. 5. ed. São Paulo: Martins Fontes, 2010., o conceito de cronotopo refere-se à “interligação fundamental das relações temporais e espaciais, artisticamente assimiladas em literatura”, sendo concebido como uma forma arquitetônica da narrativa que configura modos de vida em contextos particulares de temporalidades (MACHADO, 2010MACHADO, I. A questão espaço-temporal em Bakhtin: cronotopia e exotopia. In: PAULA, L.; STAFUZZA, G. (orgs.). Círculo de Bakhtin: diálogos (in)possíveis. Campinas, SP: Mercado de Letras. Série Bakhtin: Inclassificável, 2010. p.203-234.). Nesse sentido, “a representação do tempo une-se à do espaço como uma metáfora que se faz real: o tempo se faz visível e o espaço responde a esta visibilidade dos movimentos do tempo e do enredo. Os significados tomam a forma de um signo audível e visível” (BAKHTIN, 2010cBAKHTIN, M. Estética da criação verbal. Introdução e tradução do russo de Paulo Bezerra. Prefácio à edição francesa de Tzvetan Todorov. 5. ed. São Paulo: Martins Fontes, 2010. [1975], p.258).

Ainda que não nos refiramos aqui a uma análise literária, mas audiovisual, podemos compreender que, de acordo com o conceito de cronotopo, “a experimentação de uma manifestação artística é sobredeterminada por um espaço e por um tempo que podem mudar a todo instante, por constituírem elementos correspondentes a significados infinitos e inacabados que dialogam entre si” (SPINELLI, 2005SPINELLI, E. M. Estudos cronotópicos em narrativas audiovisuais. Revista Galáxia, São Paulo, n. 10, p.31-50, dez. 2005., p.36).

Muitos diretores realizam em seus filmes planos em que há a composição de dois tempos e espaços em um mesmo filme: alguém contando um fato. No jargão cinematográfico, chamam a esse tipo de composição da imagem de flashback. Filmes como Tomates verdes fritos, do diretor Jon Avnet, Mister Nobody, de Jaco Van Dormael, e Close-up, do também iraniano Kiarostami, demonstram essa tomada cronotópica, com o propósito de exercer a função de ‘recordação’ de algum momento vivido pelo personagem. Não nos parece novidade estabelecer contações de história dentro da história. Elas, aliás, são bem comuns, principalmente em filmes de ação que, por exemplo, tematizam crimes em que o objetivo é remontar os fatos para descobrir o ‘assassino’, o ‘sequestrador’ etc. O que diferencia, entretanto, esse tipo de construção cinematográfica do filme de Makhmalbaf é justamente o fato de o diretor estabelecer em sua enformação estética a busca do diálogo dos narradores (câmera + personagem) com a cena narrada. Nesse sentido, ao haver, por parte da jovem-gabbeh, o intuito de auxiliar as personagens da cena narrada a encher a bolsa de água, isso demonstra tanto particularidades da composição plástico-pictural da obra em questão quanto um lugar dialógico sugerido entre passado e presente em relação à história narrada.

Não sei se haveria aqui espaço e coerência em realizar uma espécie de análise dialógica entre imagens, haja vista que, na verdade, os sujeitos dos diferentes cronotopos não parecem interagir entre si, mas a interação parece vir justamente dos planos da câmera: enquanto a bolsa aparece sendo cheia, a jovem-gabbeh, em outro plano, auxilia nesse enchimento. A cena narrada na voz da jovem-gabbeh parece, entretanto, excluída desse encontro de vozes, uma vez que o ‘passado’ - a história contada ou as personagens que fazem parte desse plano - não está ciente de que está sendo ‘observado’.

Assim, se formos adiante, podemos compreender que a cena mais parece uma tentativa de diálogo por parte do ‘presente’, o qual busca, a partir da ação da personagem jovem-gabbeh, ‘modificar ou apressar’ os rumos do passado, do que necessariamente desse ‘passado’ - história narrada - estabelecendo diálogo com o ‘presente’. Ainda que saibamos que um passado não poderia, em tese, ouvir um futuro, um devir, mas apenas ter possíveis projeções para ele, na cena em foco o ‘passado’ não demonstra ser convocado para o diálogo, de modo, portanto, que “as palavras de um terceiro ausente, que a própria personagem não pode escutar, não pode compreender, [...] já estariam fora do todo dialógico” (BAKHTIN, 2010fBAKHTIN, M. Estética da criação verbal. Introdução e tradução do russo de Paulo Bezerra. Prefácio à edição francesa de Tzvetan Todorov. 5. ed. São Paulo: Martins Fontes, 2010. [1961-1962], p.352).

Sendo assim, talvez pudéssemos também questionar uma possível relação funcional da cena em questão. A jovem-gabbeh não quer ajudar as pessoas a encherem a bolsa por um compadecimento, uma empatia com os sujeitos que estão na nascente, exercendo essa tarefa. Mas, em contrapartida, sua ação demonstra um interesse próprio, parte de um ‘sujeito-interesseiro’, de uma alteridade relativa (PONZIO, 2010aPONZIO, A. Procurando uma palavra outra. Tradução Valdemir Miotello et al. São Carlos, SP: Pedro e João Editores, 2010a.), do plano da funcionalidade. Ela quer encher rapidamente a bolsa para que a história, enfim, aconteça e ela possa se casar com o homem que segue sua tribo. A palavra, nesse contexto, demonstra uma não abertura ao outro, quando, na verdade,

a palavra viva, indissociável do convívio dialógico, por sua própria natureza quer ser ouvida e respondida. Por sua natureza dialógica, ela pressupõe também a última instância dialógica. Receber a palavra, ser ouvido. É inadmissível a solução à revelia. Minha palavra permanece no diálogo contínuo, no qual ela será ouvida, respondida, reapreciada (BAKHTIN, 2010fBAKHTIN, M. Estética da criação verbal. Introdução e tradução do russo de Paulo Bezerra. Prefácio à edição francesa de Tzvetan Todorov. 5. ed. São Paulo: Martins Fontes, 2010. [1961-1962], p.356).

À parte desse breve devaneio frente às possibilidades de compreensão de uma obra e ainda com o propósito de dar um acabamento à cena em questão, podemos, além disso, inferir um encontro de subjetividades da idosa com ela mesma: a jovem-gabbeh. No momento em que a idosa utiliza suas vivências para dizer que a jovem não tem paciência, podemos compreender, certamente, esse olhar sobre seu antigo eu e, portanto, a percepção de sua constituição como sujeito. Assim como o tapete, vamos tecendo nossa vida a partir das relações, encontros, que estabelecemos ao longo da existência. Contrariamente à jovem-gabbeh, que buscou ‘encher a bolsa’ em um plano da alteridade relativa, pensando no ‘eu’, a idosa pareceu auxiliar a jovem, colocando-se em seu lugar, de modo a estabelecer uma alteridade absoluta (PONZIO, 2010bPONZIO, A. Encontros de palavras: o outro no discurso. Tradução Valdemir Miotello et al. São Carlos, SP: Pedro e João Editores, 2010b.), do plano da infuncionalidade, em um tempo da escuta da palavra outra. Nessa cena, a idosa responde com sua vida às ações da jovem, auxiliando-a em uma possível memória do futuro e, o ‘tenha paciência’ é o que ela pode dizer, oferecer, conforme aquilo que já vivenciou.

A memória sobre o outro e sua vida difere radicalmente da contemplação e da lembrança de minha própria vida: a memória vê a vida e seu conteúdo de modo diferente, e só ela é esteticamente produtiva. [...] A memória da vida finda do outro [...] possui a chave de ouro do acabamento estético do indivíduo. [...] A memória é um enfoque construído do ponto de vista do acabamento axiológico; em certo sentido ela é inviável, mas por outro lado só ela é capaz de julgar a vida finda e toda presente, independentemente do objetivo e do sentido (BAKHTIN, 2010bBAKHTIN, M. Estética da criação verbal. Introdução e tradução do russo de Paulo Bezerra. Prefácio à edição francesa de Tzvetan Todorov. 5. ed. São Paulo: Martins Fontes, 2010. [1979], p.98).

Aqui podemos observar uma intercambialidade de papéis, na qual a memória, nesse momento, não vem das palavras da jovem, mas da idosa que, ao se reconhecer nos olhos de outro, contribui para a subjetividade e acabamento da jovem-gabbeh, de modo a haver refração também sobre sua própria subjetividade. Além disso, como mencionado anteriormente, ao se propor a auxiliar a jovem, a idosa demonstra ‘abertura’ ao diálogo, colocando-se no lugar do outro e estabelecendo, então, uma diferença não-indiferente (PONZIO, 2010bPONZIO, A. Encontros de palavras: o outro no discurso. Tradução Valdemir Miotello et al. São Carlos, SP: Pedro e João Editores, 2010b.), frente a um sujeito “[...] único existindo em relação, na relação com o outro, [...] único na palavra viva, na outra palavra que se relaciona com uma palavra outra” (PONZIO, 2010aPONZIO, A. Procurando uma palavra outra. Tradução Valdemir Miotello et al. São Carlos, SP: Pedro e João Editores, 2010a., p.23).

Cabe acentuar que, em todo o decorrer do filme, cenas como as elencadas anteriormente trazem aspectos dialógicos elucidativos no que diz respeito a personagens principais que assistem e/ou contam uma história: o casal de idosos e a jovem-gabbeh. E se anteriormente sugeri uma não-dialogicidade cronotópica entre a cena de onde se narra e a cena narrada, em outros momentos do filme a dialogia parece acontecer de modo mais explícito. Para elucidar esse acontecimento, elejo, aqui, a cena em que a jovem-gabbeh narra a morte de sua irmã. Nessa cena do filme, o foco são as mãos da tecelã e o tapete sendo tecido, enquanto ela afasta as lãs coloridas e elege a lã preta para utilizar na tecelagem. A morte, nesse sentido, parece ser tecida no tapete, simbolizada pela lã de cor ‘preta’. A lã, ainda em rolo sobre o tapete, é lançada para a cena nas mãos da jovem-gabbeh, de onde a história é narrada. Ela, por sua vez, menciona ‘é minha culpa’, referindo-se à morte da irmã, e, por fim, joga o rolo de lã na nascente do rio, e ele é levado pela correnteza. A sequência de fotogramas a seguir, ilustra o que busquei descrever:

Figura 3
Fotograma do filme Gabbeh - cena 50min08s - 50min20s

Diante de tal cena, parece estabelecer-se um diálogo entre os dois cronotopos - do passado e do presente. Se antes não se pôde antever a contrapalavra do ‘passado’, aqui, com o lançamento do rolo de lã às mãos da jovem-gabbeh, essa dialogia parece ser posta e visível. Somam-se a isso outras questões se apõem diante desse momento do filme: a própria simbologia da lã preta, representando a morte, e seu lançar sobre as águas do rio podem nos levar à profunda reflexão sobre o tempo e, portanto, sobre o ciclo da vida. A obra de arte, nas palavras de Vygotsky (2001, p.329), “nunca reflete a realidade em toda a sua plenitude e verdade real, mas é produto sumamente complexo da elaboração dos elementos da realidade, de incorporação a essa realidade de uma série de elementos inteiramente estranhos a ela.”. Do ponto de vista bakhtiniano, poderíamos dizer que tal obra implica uma afiguração.

A afiguração se constitui na relação do texto artístico com a representação da vida concreta, na tensão dialógica da forma artística com os conteúdos da vida, do valor artístico com os valores extra-artísticos. A afiguração artística, por penetrar no interior da vida como ela é e com todos os seus valores, veicula um ponto de vista externo a ela. Tal ponto de vista constitui a alteridade e especificidade da forma artística, a alteridade do ponto de vista do texto artístico, o seu ‘encontrar-se fora’, a sua ‘exotopia’ (vnenachodimost’ - BAKHTIN) a respeito da vida representada (PONZIO, 2017PONZIO, L. Visões do texto. Trad. Mary Elizabeth Cerutti-Rizzatti e Giorgia Brazzarola. Pedro & João Editores: São Carlos/SP, 2017., p.33).

Gabbeh é, portanto, um filme que, embora contendo uma história simples, espécie de fábula étnica, traz para sua narrativa e composição uma complexificação das experiências humanas e uma reflexão que impera sobre a relação arte e vida. No que concerne a esse aspecto, é importante também trazer como possível composição do filme o conceito de polifonia, o qual caracteriza-se pela composição de vozes no discurso. Ainda que Bakhtin, ao trazer esse conceito, tenha se referido ao romance, arrisco-me a fazer correlação com as tomadas de câmera do filme em questão.

Segundo Bakhtin,

as vozes, [na polifonia], permanecem independentes e, como tais, combinam-se numa unidade de ordem superior a da homofonia. E se falarmos de vontade individual, então e precisamente na polifonia que ocorre a combinação de várias vontades individuais, realiza-se a saída de principio para além dos limites de uma vontade. Poder-se-ia dizer assim: a vontade artística da polifonia e a vontade de combinação de muitas vontades, a vontade do acontecimento (2013 [1963], p.23)

Em uma das cenas do filme, a polifonia se torna bastante evidente. Refere-se ao momento em que uma ovelha, ao parir seu filhote, começa a lambê-lo e, posteriormente a riscar o chão constantemente em passos ritmados. A cena é cortada e o enfoque se volta para as tecelãs; elas estão finalizando o tapete: com uma ferramenta específica, alinham suas linhas para cortar os fios. As duas cenas são repetidas algumas vezes e ambas seguem o mesmo ritmo: as patas da ovelha riscando o chão simultaneamente com a ferramenta que risca o tapete.

Figura 4
Fotogramas do filme Gabbeh - 1h03s-1h3m33s

O que muitos cineastas designam como ‘rima’ às imagens que conversam entre si, seguindo o mesmo movimento e o mesmo som, ao lançar mão da perspectiva bakhtiniana nesta cena em questão, há a sugestão de um possível discurso polifônico, uma vez que ambas as tomadas de plano dialogam entre si: uma responde à outra em um jogo constante de contrapalavra, ainda que por meio de imagens. Diante dessa interpretação, esse momento específico do filme pode-nos encaminhar a um diálogo que está além do visível: podemos, quiçá, dar outros sentidos, dentre os quais: de que estamos diante de um discurso da própria simbologia da vida e do nascimento da arte, uma vez que, enquanto a ovelha prepara o filhote para a vida - lambendo-o, as tecelãs finalizam o tapete, lançando-o também para o mundo. Tapete confeccionado a partir das próprias lãs das ovelhas em questão. Diante dessas possíveis interpretações de que a vida é tecida no tapete, elejo, para compor essa análise, a cena em que nasce o irmão da jovem-gabbeh e esse nascimento parece ser manifestado pelo ovo que cai sobre a sua mão. Eis a sequência de fotogramas:

Figura 5
Fotograma do filme Gabbeh - 42min-42s.

Na cena em questão, a jovem-gabbeh estende sua mão para receber o ovo que surge do alto da tela. Após essa primeira tomada, mãos de uma mulher tiram lãs vermelhas do caldeirão (em que elas estavam sendo tingidas) e as jogam em cima de uma pedra. Por fim, focaliza-se a imagem de uma criança tecida no tapete. As cenas em questão são constituídas a partir do choro de um recém-nascido ao fundo. Essa configuração artística também pode conotar aquilo que vimos tratando: a representação da vida na arte; nasce o bebê, expele-se a placenta; nasce a arte. Gabbeh nos parece estabelecer esse diálogo contínuo entre arte e vida. Não só nas cenas mencionadas neste texto como também em todo o decorrer do filme, o qual narra a história de um amor materializada no/e contada por um tapete. Na medida em que as situações cotidianas vão ocorrendo, as tecelãs, paralelamente, escolhem os fios de lã que possam materializar a história desse povo e desse amor, em um diálogo contínuo até a finalização das obras de arte: tapete e filme. Os fios, portanto, não são escolhidos aleatoriamente, há ali implicações sociais e culturais em sua escolha, assim como acontece em nossa vida quando das situações rotineiras às mais complexas.

Além disso, o próprio diretor, ao tangibilizar a cor, não só dos tapetes, mas das flores nos campos, das paisagens iranianas em si, possibilita novas relações e sugestões de imagem que podem fazer com que estabeleçamos sentidos diversos. Gritam as personagens em certo trecho do filme: “Vida é cor! Amor é cor! Homem é cor! Mulher é cor! Amor é cor! Criança é cor!”, parecendo, naquele momento, um apelo à arte que entra na vida e à vida que entra na arte, assim como nos desenhos e matizes de cores materializados nos fios dos tapetes iranianos.

E fios também são necessários para compor a análise de uma obra de arte. Sendo assim, aquilo a que Geraldi (1991, p.166)GERALDI, W. Portos de passagem. São Paulo: Martins Fontes, 1991. se referia ao tratar do processo de leitura de textos, podemos aludir a ‘ler’ obras de arte. Nesse ato, “a trama toma as pontas dos fios do bordado tecido para tecer sempre o mesmo e outro bordado, pois as mãos que agora tecem trazem e traçam outra história. Não são mãos amarradas [...], não são mãos livres [...]. São mãos carregadas de fios”, as quais retomam os fios, em um encontro entre autor e interlocutor, contribuindo para os sentidos da obra.

Considerações finais

Por fim, vale registrar, então, que não tive o propósito de aprofundar e adentrar nas diversas possibilidades de interpretação que a obra sugere. Quis, contudo, trazer um pouco de meu olhar frente à ‘apreciação do filme’; aquilo que me causou estranhamento, encantamento e, de certo modo, um ‘desfibrilar’ constante. “A vivência estética cria uma atitude muito sensível para os atos posteriores e, evidentemente, nunca passa sem deixar vestígios para o nosso comportamento” (VYGOTSKY, 1999VYGOTSKY, L. Psicologia da arte. Trad. Paulo Bezerra. São Paulo: Martins Fontes, 1999., p.342). E foram os vestígios que busquei tematizar na tessitura deste texto.

Como pontuaram Zanela & Vargas (2008, p.1588)ZANELLA, A.; VARGAS, A. Dialogia, processo de criação e obra de arte. In: ENCONTRO NACIONAL DA ASSOCIAÇÃO NACIONAL DE PESQUISADORES EM ARTES PLÁSTICAS PANORAMA DA PESQUISA EM ARTES VISUAIS, 17. Florianópolis, 2008. Anais. Florianópolis, 2008.,

A escuta/leitura da obra de arte não é tarefa simples, posto que também aí a dialogia se apresenta. Vozes várias se objetivam na produção artística, características de um tempo e espaço, e outras tantas podem se apresentar, através do contemplador/recriador. Difícil auscultar essas vozes, mas o exercício da procura de algumas delas - eleitas pelo artista - pode contribuir para a própria escuta da obra de arte e do processo de sua criação.

Diante do que nos colocam os autores mencionados, tenho ciência da limitação desta análise. Mas, a parte esses registros de mea culpa, devo mencionar que Gabbeh (1996)GABBEH. Direção de Mohsen Makhmalbaf. Makhmalbaf Film House. Irã: 1996. Tehran: Makhmalbaf Film House, 1996. [DVD]. (72min.), colorido. é um filme em que a complexificação das relações humanas se torna evidente quando dessa junção entre a forma e o conteúdo. Makhmalbaf, ao tematizar fatos da realidade, por exemplo, a morte da criança e o nascimento do bebê, não se utilizou de um sentido verossímil, em uma representação pura do real, mas, ao lançar mão dessas temáticas que envolveram a história do filme, o diretor, como artista, buscou a afiguração; buscou abordar tais questões de modo metafórico; artístico.

Sendo assim, Gabbeh não me parece refletir a realidade como um espelho em que nos miramos, mas a refrata; inquieta a vida cotidiana porque rompe a monotonia. Nas palavras de Ponzio (2017, p.62)PONZIO, L. Visões do texto. Trad. Mary Elizabeth Cerutti-Rizzatti e Giorgia Brazzarola. Pedro & João Editores: São Carlos/SP, 2017., “o artista olha a vida não de maneira direta, imediata, frontal, mas distanciando-se do mundo já dado e, sem permanecer indiferente, põe-se na condição de poder vencer tudo aquilo que, de outro modo, homologaria, circunscreveria, reduziria a força, a criatividade expressiva”. Diferentemente do cientista, que vê a vida do ponto de vista dos meios e métodos para dominá-la, o artista “consegue ver a vida de um modo que ela caiba, de maneira essencial e orgânica, no plano da obra” (MEDVIÉDEV, 2012MEDVIÉDEV, P. N. O método formal nos estudos literários. Introdução crítica a uma poética sociológica. Tradução e Nota Sheila Grillo e Ekaterina Vólkova Américo. Apresentação Beth Brait. Prefácio Sheila Vieira de Camargo Grillo. São Paulo: Contexto, 2012.).

Em suma, vimos, em Gabbeh, esse olhar de esguelha, esse olhar que não coincide com o real, que, aliás, demonstra uma constituição constante na subjetividade do casal de idosos e traz para cena a arte manifesta pelos fios que tecem o tapete, que tecem a vida dos personagens e tecem, também, o próprio filme em questão. Como os fios de lã, tentei, aqui, alinhar os discursos, trançar possibilidades, em um desafio contínuo de buscar por uma coerência que não resulta ‘nós’, mas sentidos outros. O texto, tal como os fios que tecem um tapete, reivindica escolhas, pontos de vista, ordenamento, dentre outros pré-requisitos para se estabelecer, surgir e, por fim, poder ser finalizado. Sei que muito poderia ser mencionado sobre a obra fílmica de que busquei tratar aqui, mas, como o propósito não é pelo esgotamento do objeto, findo aqui esta análise.

  • 2
    As imagens do filme Gabbeh (1996)GABBEH. Direção de Mohsen Makhmalbaf. Makhmalbaf Film House. Irã: 1996. Tehran: Makhmalbaf Film House, 1996. [DVD]. (72min.), colorido. presentes neste artigo foram autorizadas por Makhmalbaf Film House, via e-mail, no dia dezessete de setembro de 2019.
  • 3
    Trabalhos realizados por Amorim (2006)AMORIM, M. Cronotopo e exotopia. In: BRAIT, B. (org.). Bakhtin: outros conceitos-chave. São Paulo: Contexto, 2006. p.95-114. e Spinelli (2005)SPINELLI, E. M. Estudos cronotópicos em narrativas audiovisuais. Revista Galáxia, São Paulo, n. 10, p.31-50, dez. 2005. evidenciam que as discussões da perspectiva bakhtiniana não se circunscrevem à literatura. Tais autores, por exemplo, trouxeram em seus textos exemplos cinematográficos para elucidar conceitos bakhtinianos como exotopia e cronotopo.
  • 4
    Considero espectador não no sentido passivo que a palavra comporta em si mesma, mas compreendendo, à luz do que escrevera Pereira (2012)PEREIRA, M. V. O limiar da experiência estética: contribuições para pensar um percurso de subjetivação. Pro-Posições, vol.23, n.1, p.183-198, 2012. Disponível em: http://www.scielo.br/scielo.php?pid=S010373072012000100012&script=sci_abstract&tlng=pt. Acesso em: 29 nov. 2018.
    http://www.scielo.br/scielo.php?pid=S010...
    , sobre a ‘atitude estética’: como alguém disposto a viver experiência artística, de modo a contemplá-la ativamente; estando disponível para.
  • 5
    “O autor deve ser entendido [...] a partir do acontecimento da obra como participante dela, como orientador autorizado do leitor [no caso do cinema, interlocutor ou espectador]. Compreender o autor no universo histórico de sua época, no seu lugar no grupo social, a sua posição de classe. [...] No interior de sua obra, o autor é para o leitor o conjunto dos princípios criativos que devem ser realizados, a unidade dos elementos transgredientes da visão, que podem ser ativamente vinculados à personagem e ao seu mundo” (BAKHTIN, 2010BAKHTIN, M. Estética da criação verbal. Introdução e tradução do russo de Paulo Bezerra. Prefácio à edição francesa de Tzvetan Todorov. 5. ed. São Paulo: Martins Fontes, 2010. [1979], p.191-192).
  • 6
    Gabbeh, em persa, significa tapete.

REFERÊNCIAS

  • AMORIM, M. Cronotopo e exotopia. In: BRAIT, B. (org.). Bakhtin: outros conceitos-chave. São Paulo: Contexto, 2006. p.95-114.
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  • BAKHTIN, M. O autor e a personagem na atividade estética. In: BAKHTIN, M. Estética da criação verbal Introdução e tradução do russo de Paulo Bezerra. Prefácio à edição francesa de Tzvetan Todorov. 5. ed. São Paulo: Martins Fontes, 2010b [1979]. p.3-192.
  • BAKHTIN, M. O romance de educação e sua importância na história do realismo. In: BAKHTIN, M. Estética da criação verbal Introdução e tradução do russo de Paulo Bezerra. Prefácio à edição francesa de Tzvetan Todorov. 5. ed. São Paulo: Martins Fontes, 2010c [1979]. p.205-258.
  • BAKHTIN, M. Os gêneros do discurso. In: BAKHTIN, M. Estética da criação verbal Introdução e tradução do russo de Paulo Bezerra. Prefácio à edição francesa de Tzvetan Todorov. 5. ed. São Paulo: Martins Fontes, 2010d [1952-1953]. p.261-306.
  • BAKHTIN, M. O problema do texto na linguística, na filologia e em outras ciências humanas. In: BAKHTIN, M. Estética da criação verbal Introdução e tradução do russo de Paulo Bezerra. Prefácio à edição francesa de Tzvetan Todorov. 5. ed. São Paulo: Martins Fontes, 2010e [1959-1961]. p.307-335.
  • BAKHTIN, M. Reformulação do livro sobre Dostoiévski. In: BAKHTIN, M. Estética da criação verbal Introdução e tradução do russo de Paulo Bezerra. Prefácio à edição francesa de Tzvetan Todorov. 5. ed. São Paulo: Martins Fontes, 2010f [1961-1962]. p.337-357.
  • BAKHTIN, M. Os estudos literários hoje. In: BAKHTIN, M. Estética da criação verbal Introdução e tradução do russo de Paulo Bezerra. Prefácio à edição francesa de Tzvetan Todorov. 5. ed. São Paulo: Martins Fontes, 2010g [1970]. p.359-366.
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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    21 Set 2020
  • Data do Fascículo
    Jul-Sep 2020

Histórico

  • Recebido
    02 Jul 2019
  • Aceito
    27 Abr 2020
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