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A análise de discursos comparativa no Brasil: uma reflexão a partir da noção de categoria

RESUMO

A análise de discursos comparativa surgiu na França, mais precisamente no laboratório CEDISCOR, da Universidade Sorbonne Nouvelle - Paris 3, por volta dos anos 2000. Atualmente, ela vem sendo implementada no Brasil no âmbito do grupo Diálogo (CNPq/USP). O objetivo do artigo é refletir sobre as possibilidades teóricas e metodológicas implicadas na prática da análise de discursos comparativa no Brasil, de inspiração bakhtiniana. Para tanto, partimos de uma reflexão teórica sobre a noção de categoria (de análise). Investigamos, por um lado, como a noção de categoria esteve presente já na criação do CEDISCOR e da análise de discursos comparativa na França, quando buscava-se determinar “categorias comparáveis” e, por outro lado, mostramos como a criação de uma ciência por Bakhtin – a metalinguística – parte também de uma revisão da noção de categoria linguística, o que tem implicações na maneira como a análise de discursos comparativa de inspiração bakhtiniana pode ser praticada no Brasil.

PALAVRAS-CHAVE:
Análise de discursos comparativa; Categoria de análise; Categoria linguística; Categoria enunciativa; Categoria discursiva

ABSTRACT

Comparative discourse analysis emerged in France, more precisely in the CEDISCOR laboratory of the Sorbonne Nouvelle University – Paris 3, around the year 2000. Currently, it is being implemented in Brazil within the Diálogo group (CNPq/USP). The purpose of this article is to reflect on the theoretical and methodological possibilities involved in the practise of Bakhtinian-inspired comparative discourse analysis in Brazil. To this end, we start from a theoretical reflection on the notion of category (of analysis). We investigate, on the one hand, how the notion of category was already present in the creation of CEDISCOR and comparative discourse analysis in France, when one sought to determine “comparable categories”; on the other hand, we show how the creation of a science by Bakhtin – metalinguistics – also starts from a revision of the notion of linguistic category, which has implications for the way Bakhtinian-inspired comparative discourse analysis can be practised in Brazil.

KEYWORDS:
Comparative discourse analysis; Category of analysis; Linguistic category; Enunciative category; Discursive category

Introdução

Comparar textos de um mesmo gênero de discurso em duas (ou mais) línguas-culturas diferentes: eis o objetivo da análise de discursos comparativa1 1 Optamos por intitular a corrente de “análise de discursos comparativa” (tal como ela é chamada na França), e não mais de “análise comparativa de discursos”, termo outrora empregado em artigos já publicados. Trata-se de uma decisão tomada após termos apresentado nosso trabalho em eventos que reuniram analistas do discurso de diversas abordagens, os quais nos indagaram acerca dos discursos subjacentes (quais são eles?) ao termo “análise comparativa de discursos”. Moirand (1992) que, num primeiro momento, intitulou a corrente de “linguística de discurso comparativa” e, posteriormente, de “análise do discurso comparativa”, defende que esta seja distinguida da concepção clássica da análise do discurso francesa, dado o interesse que tal corrente manifesta pelos discursos mais diversos possíveis, indo do literário ao científico, passando pelo midiático (cf. p.31). Ora, esse também é o caso da análise dialógica de discursos, razão pela qual pensamos que o termo “análise de discursos comparativa” é mais adequado ao trabalho que está sendo realizado pelo grupo Diálogo. Quando o corpus já está explicitado, pensamos que o termo “análise comparativa de discursos” não coloca problema (por exemplo: “análise comparativa de discursos de revistas científicas”). , campo em expansão no Brasil atualmente. Concebida na França nos anos 2000 por pesquisadores do grupo CEDISCOR (Centre de recherche sur les discours ordinaires et spécialisés), da Université Sorbonne Nouvelle – Paris 3, essa corrente de estudos tem como artigo precursor o texto Des choix méthodologiques pour une linguistique de discours comparative, publicado alguns anos antes, em 1992, pela pesquisadora Sophie Moirand, na revista Langages. Durante a implementação dessa corrente de pesquisa na França, muito se pensou sobre como a análise de discurso propriamente dita permitiria essa comparação. Foi assim que novas perspectivas de análise foram surgindo dentro da área, como, por exemplo, a de Patricia von Münchow, que passou a chamar a corrente de “análise de discurso contrastiva” (ADC). Desafio semelhante é lançado, atualmente, para o grupo Diálogo (USP/CNPq), no âmbito do qual a análise comparativa vem sendo implementada no Brasil numa perspectiva bakhtiniana. Haveria grandes diferenças metodológicas entre a abordagem francesa do CEDISCOR (hoje estendida ao laboratório CLESTHIA – axe sens et discours) e a perspectiva brasileira fundada sobre a análise dialógica de discursos? Estaríamos passando de uma análise dialógica de discursos para uma análise dialógica comparativa de discursos? Para dar início a essa reflexão, lançaremos mão de um estudo sobre a noção de categoria de análise e seu papel tanto na análise de discursos praticada pelo CEDISCOR, de origem francesa, quanto nas análises praticadas no Brasil pelo grupo Diálogo (CNPq/USP), de inspiração bakhtiniana.

Este artigo, que pretende responder às questões formuladas acima, é um recorte de um projeto maior – uma pesquisa de pós-doutorado – que visa contribuir para a implementação da análise de discursos comparativa no Brasil. Tendo realizado nossa tese na Université Paris Descartes, numa perspectiva diferente daquela adotada no laboratório que acolheu a presente pesquisa, pensamos ser esta uma oportunidade para articular ambas as abordagens.

O artigo apresenta a seguinte estrutura: na seção 1, discutiremos a noção de categoria na análise de discurso, tal como ela é apreendida pelos pesquisadores do CLESTHIA/CEDISCOR. Em seguida, na seção 2, faremos uma breve exposição sobre a análise dialógica de discursos e suas categorias teóricas ou conceituais. Refletiremos, ainda, sobre as consequências da nossa discussão sobre a noção de categoria para a análise de discursos comparativa de inspiração bakhtiniana. Uma seção com a conclusão e outra com as referências constam ao final do artigo.

1 A noção de categoria na análise de discursos comparativa desenvolvida na França

Na França, é muito comum que pesquisadores de diversas correntes da análise de discurso utilizem o termo categoria de análise2 2 O termo entrada de análise aparece muitas vezes como sinônimo de categoria de análise, o que mostra que a própria análise começa a partir do estabelecimento dessas categorias, que servem de entrada para a análise de um corpus. nas suas pesquisas. Ribeiro (2015, p.75)RIBEIRO, M. P. “Droite” et “gauche” dans les discours d’un événement électoral. Une étude sémantique et contrastive des presses brésilienne et française. Les élections présidentielles de 2002 au Brésil et de 2007 en France. 2015. 500 f. Tese (Doutorado em Ciências da Linguagem) Université Sorbonne Nouvelle – Paris 3 e Universidade de São Paulo (cotutela)., ao descrever os trabalhos do CEDISCOR na sua tese de doutorado, aponta que o objetivo do programa de pesquisa “Comparaison, langue et culture dans des perspectives discursives”, criado em 2003, era

refletir sobre os “problemas metodológicos colocados pela observação de várias línguas e culturas: congruência do modelo teórico retido, pertinência das categorias de análise e modo de seleção do tertium comparationis, notadamente no âmbito dos discursos” (excerto da página do grupo no site http://syled.univ-paris3.fr/cediscor-projets.html; grifo nosso)3 3 No original: “réfléchir sur les ‘problèmes méthodologiques que pose la mise en regard de plusieurs langues et cultures: congruence du modèle théorique retenu, pertinence des catégories d’analyse et mode de sélection du tertium comparationis, notamment à l’échelle des discours’ (extrait de la page du groupe sur le site http://syled.univ-paris3.fr/cediscor-projets.html)”. Salvo indicação contrária, as traduções, neste artigo, são de nossa autoria e responsabilidade. .

Nota-se, no excerto acima, que o termo categoria de análise é assumido pelos pesquisadores do grupo, figurando na página de apresentação do programa na Internet. Mais do que isso: trata-se de uma questão central para o grupo, pois no texto precursor de Moirand (1992)MOIRAND, S. Des choix méthodologiques pour une linguistique de discours comparative. Langages, n. 105, p.28-41, 1992. sobre a linguística do discurso comparativa, o desafio lançado é a busca de “ferramentas que permit[a]m determinar categorias comparáveis4 4 No original: “d’outils permettant de déterminer des catégories comparables”. [grifo nosso]. No entanto, temos observado que a ideia da aplicação de categorias à análise de um corpus causa certo estranhamento por parte de alguns analistas de discurso no Brasil, por dar a impressão de que o analista apenas se serve de um conceito teórico para aplicá-lo mecanicamente na análise de um corpus (cf. Brait, 2018BRAIT, B. Análise e teoria do discurso. In: BRAIT, B. (Org.). Bakhtin: outros conceitos-chave. São Paulo: Contexto, 2018. p.9-31. [1.ed. 2006]), conforme discutiremos mais aprofundamente na seção 2. Por ora, pretendemos mostrar que há diversos níveis de apreensão dessas categorias de análise na França, que podem variar de um uso mais ou menos mecânico.

O nosso objetivo, com essa discussão, é depreender qual ou quais usos da noção de categoria são feitos pelos analistas de discurso que atuam no interior do laboratório CLESTHIA/CEDISCOR, principalmente os que trabalham com a análise de discurso comparativa. Dessa forma, refletiremos também sobre o nosso próprio trabalho analítico, visando repensar nossas práticas e procurando novas formas de atuação no interior dessa área.

Num artigo recente publicado na revista Semiotica, Moirand (2018)MOIRAND, S. Le discontinu des catégories linguistiques confronté aux catégories et concepts des analyses du discours et au continu du déroulement de la parole “située”. Semiotica, n. 223, p.49-70, 2018. https://www.degruyter.com/document/doi/10.1515/sem-2017-0034/html Acesso em 28/03/2021.
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apresenta alguns dos pressupostos da noção de categoria discursiva. Ora, mas qual a relação entre categoria linguística, categoria discursiva e categoria de análise? Garric (2018)GARRIC, N. La définition: construction d’une catégorie (linguistique? discursive?) dans différents espaces de discours. Semiotica, n. 223, p.111-126, 2018., num artigo também publicado no número 223 da revista Semiotica, oferece um breve panorama dessas noções. Primeiramente, ela observa que esse problema se coloca para os linguistas que trabalham com “objetos transfrásticos” (2018, p.111). Incluem-se aí os analistas de discurso, mas também os estudiosos da linguística textual, por exemplo. Assim, as unidades abordadas nesses casos são

unidades diversas e heterogêneas que podem às vezes coincidir com categorias herdadas da tradição, mas que, frequentemente, dependem da criação metalinguística, respondendo assim ao apelo já formulado por Benveniste (1966-1974: p.45) quando ele fazia referência à necessidade de um “aparelho novo de conceitos e definições” (GARRIC, 2018, p.111GARRIC, N. La définition: construction d’une catégorie (linguistique? discursive?) dans différents espaces de discours. Semiotica, n. 223, p.111-126, 2018.)5 5 No original: “unités diverses et hétérogènes qui peuvent parfois coïncider avec des catégories héritées de la tradition, mais qui, souvent relèvent de la création métalinguistique, répondant ainsi à l’appel déjà formulé par Benveniste (1966–1974: 45) lorsqu’il faisait référence à la nécessité d’un ‘appareil nouveau de concepts et de définitions’”. .

A tradição, no caso, seria a tradição gramatical. Aí temos as categorias linguísticas6 6 O Dicionário de termos linguísticos, no Portal da Língua Portuguesa, apresenta a seguinte definição de categoria: “Termo usado em linguística em diferentes níveis de abstração. A categorização estabelece um conjunto de unidades classificatórias ou propriedades utilizadas para a descrição da língua. Estas unidades têm uma distribuição básica constante e ocorrem como unidades estruturais na língua. Em algumas abordagens, o termo categoria refere as próprias classes, como nome, verbo, sujeito, sintagma nominal. Mais especificamente, este termo refere as propriedades definidoras destas unidades gerais, como número, gênero e caso para a categoria nome, tempo, aspecto, voz, etc. para a categoria verbo” (XAVIER & MATEUS, 1992, n.p). . Todavia, Garric (2018)GARRIC, N. La définition: construction d’une catégorie (linguistique? discursive?) dans différents espaces de discours. Semiotica, n. 223, p.111-126, 2018. assinala que as definições de categoria não são consensuais, “particularmente no caso das categorias discursivas”7 7 No original: “tout particulièrement en ce qui concerne les catégories discursives”. (p.113). Como exemplo, ela cita o trabalho de Ali-Bouacha (1993)ALI-BOUACHA, M. Énonciation, argumentation et discours: le cas de la généralisation. Semen – Revue de sémio-linguistique des textes et discours, Besançon, n. 8, n.p, 1993. https://journals.openedition.org/semen/3985 Acesso em 28/03/2021.
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, um dos linguistas que trabalhou sobre as categorias discursivas em parceria com Moirand e que apresenta várias definições dessa noção: “[m]esmo sob a pluma de um só linguista, a heterogeneidade se impõe com força, já que uma categoria pode ser um ‘agenciamento regrado e regular de formas’, uma ‘categoria linguística’ ou ainda um ‘objeto metadiscursivo’”8 8 No original: “Même sous la plume d’un seul linguiste, l’hétérogénéité s’impose avec force, puisqu’une catégorie peut être un ‘agencement réglé et régulier de formes’, une ‘catégorie linguistique’ ou encore un ‘objet métadiscursif’”. (GARRIC, 2018, p.113GARRIC, N. La définition: construction d’une catégorie (linguistique? discursive?) dans différents espaces de discours. Semiotica, n. 223, p.111-126, 2018.). Vê-se, portanto, que o problema se encontra fundamentalmente na definição de categoria discursiva9 9 No caso da linguística textual, as categorias textuais. , e é sobre ele que Moirand (2018)MOIRAND, S. Le discontinu des catégories linguistiques confronté aux catégories et concepts des analyses du discours et au continu du déroulement de la parole “située”. Semiotica, n. 223, p.49-70, 2018. https://www.degruyter.com/document/doi/10.1515/sem-2017-0034/html Acesso em 28/03/2021.
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discorrerá no seu artigo.

Tanto Moirand (2018)MOIRAND, S. Le discontinu des catégories linguistiques confronté aux catégories et concepts des analyses du discours et au continu du déroulement de la parole “située”. Semiotica, n. 223, p.49-70, 2018. https://www.degruyter.com/document/doi/10.1515/sem-2017-0034/html Acesso em 28/03/2021.
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quanto Garric (2018)GARRIC, N. La définition: construction d’une catégorie (linguistique? discursive?) dans différents espaces de discours. Semiotica, n. 223, p.111-126, 2018. mostram que as categorias ditas discursivas não vêm prontas: “Essas unidades não são um dado já aí, elas se o tornam a posteriori, pelo trabalho analítico”10 10 No original: “Ces unités ne sont pas une donnée déjà là, elles le deviennent a posteriori par le travail analytique”. (GARRIC, 2018, p.111GARRIC, N. La définition: construction d’une catégorie (linguistique? discursive?) dans différents espaces de discours. Semiotica, n. 223, p.111-126, 2018.): “cada uma dessas categorias é uma construção contextualizada e funcional ou finalizada do analista que exige a superação das habituais categorias gramaticais”11 11 No original: “chacune de ces catégories est une construction contextualisée et fonctionnelle ou finalisée de l’analyste qui exige le dépassement des habituelles catégories logico-grammaticales”. (GARRIC, 2018, p.113GARRIC, N. La définition: construction d’une catégorie (linguistique? discursive?) dans différents espaces de discours. Semiotica, n. 223, p.111-126, 2018.). Nesta seção, veremos principalmente como Moirand (2018)MOIRAND, S. Le discontinu des catégories linguistiques confronté aux catégories et concepts des analyses du discours et au continu du déroulement de la parole “située”. Semiotica, n. 223, p.49-70, 2018. https://www.degruyter.com/document/doi/10.1515/sem-2017-0034/html Acesso em 28/03/2021.
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trabalha essa problemática; articularemos suas reflexões com as de outros membros do CEDISCOR, sempre que julgarmos pertinente.

Um fato que nos chamou atenção no artigo recente publicado por Moirand (2018)MOIRAND, S. Le discontinu des catégories linguistiques confronté aux catégories et concepts des analyses du discours et au continu du déroulement de la parole “située”. Semiotica, n. 223, p.49-70, 2018. https://www.degruyter.com/document/doi/10.1515/sem-2017-0034/html Acesso em 28/03/2021.
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é que ela considerava a discussão acerca das categorias como decisiva para a própria criação do CEDISCOR. Vinte anos antes de fundar esse centro, ela havia trabalhado com análises de conteúdo; encontrar observáveis linguísticos para analisar um discurso era, pois, um desafio central – inclusive da própria análise de discurso que se desenvolvia na época. Assim, desde o início dos trabalhos nesse centro de pesquisa, “[u]ma categoria era ‘o que contribui de maneira positiva para a determinação dos objetos’, segundo Ali Bouacha, que já propunha ‘buscar uma base mínima do que poderia ser uma teoria e uma metodologia dos observáveis’”12 12 No original: “Une catégorie, c’était ‘ce qui contribue de façon positive à la détermination des objets’, pour Ali Bouacha qui proposait déjà de ‘chercher une base minimale de ce qui pourrait être une théorie et une méthodologie des observables’”. (MOIRAND, 2018, p.50MOIRAND, S. Le discontinu des catégories linguistiques confronté aux catégories et concepts des analyses du discours et au continu du déroulement de la parole “située”. Semiotica, n. 223, p.49-70, 2018. https://www.degruyter.com/document/doi/10.1515/sem-2017-0034/html Acesso em 28/03/2021.
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). Vemos, portanto, que ao falar de categoria, a grande questão é essa busca de observáveis. Ainda para Ali-Bouacha (1993, § 17)ALI-BOUACHA, M. Énonciation, argumentation et discours: le cas de la généralisation. Semen – Revue de sémio-linguistique des textes et discours, Besançon, n. 8, n.p, 1993. https://journals.openedition.org/semen/3985 Acesso em 28/03/2021.
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, o problema reside no fato de que a “atividade discursiva está ao mesmo tempo dentro e fora do campo da linguística”, ou seja, “em matéria de análise de discurso, as unidades sobre as quais se tem o hábito de trabalhar em linguística tornam-se inoperantes”13 13 No original: “L’activité discursive est à la fois dans le champ et hors du champ de la linguistique”; “en matière d’analyse de discours, les unités sur lesquelles on a l’habitude de travailler en linguistique deviennent inopérantes”. .

No campo dos estudos enunciativos, é com Dubois, no artigo célebre lançado no nº 13 da revista Langages, que teremos “uma concepção da enunciação e uma reflexão sobre as categorias que a atualizam no enunciado”14 14 No original: “une conception de l’énonciation et une réflexion sur les catégories qui l’actualisent dans l’énoncé”. (MOIRAND, 2018, p.51MOIRAND, S. Le discontinu des catégories linguistiques confronté aux catégories et concepts des analyses du discours et au continu du déroulement de la parole “située”. Semiotica, n. 223, p.49-70, 2018. https://www.degruyter.com/document/doi/10.1515/sem-2017-0034/html Acesso em 28/03/2021.
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). Mas a dificuldade colocada para todo o campo da linguística da enunciação é a localização dos rastros do “impacto do sujeito falante no seu enunciado”15 15 No original: “l’impact du sujet parlant dans son énoncé”. (MOIRAND, 2018, p.51MOIRAND, S. Le discontinu des catégories linguistiques confronté aux catégories et concepts des analyses du discours et au continu du déroulement de la parole “située”. Semiotica, n. 223, p.49-70, 2018. https://www.degruyter.com/document/doi/10.1515/sem-2017-0034/html Acesso em 28/03/2021.
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). Cada corrente enunciativa surgida à época resolverá esse problema à sua maneira, conforme “as concepções diferentes do discurso16 16 No original: “conceptions différentes du discours”. , elaborando “categorias discursivas diferentes”17 17 No original: “catégories discursives différentes”. (MOIRAND, 2018, p.52MOIRAND, S. Le discontinu des catégories linguistiques confronté aux catégories et concepts des analyses du discours et au continu du déroulement de la parole “située”. Semiotica, n. 223, p.49-70, 2018. https://www.degruyter.com/document/doi/10.1515/sem-2017-0034/html Acesso em 28/03/2021.
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). Na seção 2, veremos como essa problemática se coloca para Bakhtin e o Círculo.

É com a efervescência dos estudos discursivos, nas décadas de 1980 e 1990, que a problemática das categorias se complexifica e dá margem, segundo o que pudemos interpretar do trabalho de Moirand (2018)MOIRAND, S. Le discontinu des catégories linguistiques confronté aux catégories et concepts des analyses du discours et au continu du déroulement de la parole “située”. Semiotica, n. 223, p.49-70, 2018. https://www.degruyter.com/document/doi/10.1515/sem-2017-0034/html Acesso em 28/03/2021.
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a essa tendência em apresentar categorias a priori, que mais tarde serão aplicadas por analistas do discurso, desvinculadas de suas teorias de origem. A linguista chega a falar, no artigo, de uma “inflação de categorias”. O grande problema, segundo ela (2018, p.53), é que “[a]lém de nos encontrarmos diante de uma mistura de conceitos operatórios e de noções descritivas, assistimos ao deslizamento de conceitos rumo a categorias de descrição”18 18 No original: “Outre qu’on se trouve face à un mélange de concepts opératoires et de notions descriptives, on assiste aux glissements de concepts vers de catégories de description”. . Um exemplo bastante ilustrativo oferecido por ela é a noção de ato de fala, oriunda da pragmática, que “se torna, em Roulet como em Kerbrat-Orecchioni, ‘a menor unidade de comunicação’ que é exposta e da qual se descrevem as combinações em categorias mais amplas”19 19 No original: “[...] devient, chez Roulet comme chez Kerbrat-Orecchioni, ‘la plus petite unité de communication’ qu’on met au jour, et dont on décrit les combinaisons dans des catégories plus larges”. (MOIRAND, 2018, p.53MOIRAND, S. Le discontinu des catégories linguistiques confronté aux catégories et concepts des analyses du discours et au continu du déroulement de la parole “située”. Semiotica, n. 223, p.49-70, 2018. https://www.degruyter.com/document/doi/10.1515/sem-2017-0034/html Acesso em 28/03/2021.
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). Daí para a aplicação da categoria “ato de fala” a um determinado corpus – desconsiderando a teoria pragmática –, basta um pequeno passo. Além disso, Moirand (2018)MOIRAND, S. Le discontinu des catégories linguistiques confronté aux catégories et concepts des analyses du discours et au continu du déroulement de la parole “située”. Semiotica, n. 223, p.49-70, 2018. https://www.degruyter.com/document/doi/10.1515/sem-2017-0034/html Acesso em 28/03/2021.
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assinala outro problema colocado pela teoria da enunciação à análise de discurso:

[…] a enunciação torna-se uma maneira de descrever os enunciados por meio de rastros, de indícios, de observáveis, mas sob o risco de “perder de vista” a discursividade e o sentido do discurso, quando se foca uma ou várias categorias sem estudar a sua distribuição e a sua combinação com outras categorias na ordem do texto […], e mesmo se se recorre, num segundo momento, a categorias “exteriores” tomadas de empréstimo da psicologia social, da história, da filosofia, da sociologia, etc., não se “re-pensa”, geralmente, a articulação entre as categorias linguageiras e as categorias não-linguageiras (MOIRAND, 2018, p.53MOIRAND, S. Le discontinu des catégories linguistiques confronté aux catégories et concepts des analyses du discours et au continu du déroulement de la parole “située”. Semiotica, n. 223, p.49-70, 2018. https://www.degruyter.com/document/doi/10.1515/sem-2017-0034/html Acesso em 28/03/2021.
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)20 20 No original: “[…] l’énonciation devient un moyen de décrire les énoncés au travers de traces, d’indices, d’observables, mais au risque de ‘rater’ la discursivité et le sens du discours lorsqu’on se focalise sur une ou plusieurs catégories sans étudier leur distribution et leur combinaison à d’autres catégories dans l’ordre du texte […], et même si l’on fait appel, dans un second temps, à des catégories ‘extérieures’ empruntées à la psychologie sociale, à l’histoire, à la philosophie, à la sociologie, etc., on ne ‘re-pense’ pas, généralement, l’articulation entre les catégories langagières et les catégories non langagières”. .

Desde então, no contexto francês, tanto Culioli quanto Pêcheux empenharam-se em propor “uma teoria unificada que articula[sse] proposições teóricas com categorias de descrição”21 21 No original: “proposer une théorie unifiée qui articule des propositions théoriques à des catégories de description”. (MOIRAND, 2018, p.54MOIRAND, S. Le discontinu des catégories linguistiques confronté aux catégories et concepts des analyses du discours et au continu du déroulement de la parole “située”. Semiotica, n. 223, p.49-70, 2018. https://www.degruyter.com/document/doi/10.1515/sem-2017-0034/html Acesso em 28/03/2021.
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). A solução, no campo da análise de discurso, foi articular as categorias descritivas com os conceitos:

a articulação de categorias descritivas (que dão conta das operações de referenciação, de predicação, de enunciação...) com os conceitos, levando em conta as condições de construção e de produção do discurso (correferenciação, heterogeneidade enunciativa, interdiscursividade...), se impôs na análise do discurso (MOIRAND, 2018, p.55MOIRAND, S. Le discontinu des catégories linguistiques confronté aux catégories et concepts des analyses du discours et au continu du déroulement de la parole “située”. Semiotica, n. 223, p.49-70, 2018. https://www.degruyter.com/document/doi/10.1515/sem-2017-0034/html Acesso em 28/03/2021.
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)22 22 No original: “Ainsi, l’articulation de catégories descriptives (qui rendent compte des opérations de référenciation, de prédication, d’énonciation...) à des concepts prenant en compte les conditions de construction et de production du discours (coréférenciation, hétérogéneité énonciative, interdiscursivité…) s’est-elle imposée en analyse du discours”. .

Sobre a preocupação de combinar as categorias a fim de evitar o problema da perda da apreensão da discursividade, podemos averiguá-la no trabalho de von Münchow (2004)MÜNCHOW, P. von. Les journaux télévisés en France et en Allemagne. Plaisir de voir ou devoir de s’informer. Paris: Presses Sorbonne Nouvelle, 2004.. Na análise de discurso contrastiva, aliás, esse aspecto é ainda mais importante, pois realizar uma análise comparativa fundada sobre uma única categoria pode reforçar preconceitos e estereótipos sobre uma determinada cultura. Ao comentar o trabalho realizado por Clyne (no campo da retórica contrastiva) sobre as culturas alemã e japonesa, von Münchow (2004, p.45)MÜNCHOW, P. von. Les journaux télévisés en France et en Allemagne. Plaisir de voir ou devoir de s’informer. Paris: Presses Sorbonne Nouvelle, 2004. afirma que a conclusão do autor é discutível,

ainda mais se ela tiver sido fundada somente na análise da organização textual. Uma abordagem tão interpretativa precisaria ser fundada numa combinação de várias entradas de análise. Do contrário, é bastante verossímil que a pesquisa intercultural de discursos apenas reforçará preconceitos e estereótipos23 23 No original: “encore plus si elle n’est fondée que sur l’analyse de l’organisation textuelle. Une approche aussi interprétative nécessiterait d’être fondée sur une combinaison de plusieurs entrées d’analyse. Sinon il est effectivement vraisemblable que la recherche interculturelle de discours ne fera que renforcer des préjugés et des stéréotypes”. [...] [grifo nosso]

A linguista deixa claro que, no seu estudo sobre os telejornais franceses e alemães, fundou-se sobre “duas grandes entradas de análise, o que permite contornar e relativizar as conclusões [...]”24 24 No original: “deux grandes entrées d’analyse, ce qui permet de cibler et de relativiser les conclusions”. (MÜNCHOW, 2004, p.45; grifos da autoraMÜNCHOW, P. von. Les journaux télévisés en France et en Allemagne. Plaisir de voir ou devoir de s’informer. Paris: Presses Sorbonne Nouvelle, 2004.). Numa análise na perspectiva bakhtiniana, esse estudo fundado em mais de uma categoria tende a ocorrer naturalmente, pois para se dar conta de uma categoria descritiva ou conceitual do Círculo, várias outras precisam ser evocadas, por encontrarem-se imbricadas.

Vemos, portanto, que vários foram os procedimentos adotados ao longo do tempo pelos analistas de discurso na França, em particular no CEDISCOR, para tratar da noção de categoria de análise de maneira que se favoreça uma aplicação menos “mecanicista”. Além disso, é importante ressaltar que Moirand (2018)MOIRAND, S. Le discontinu des catégories linguistiques confronté aux catégories et concepts des analyses du discours et au continu du déroulement de la parole “située”. Semiotica, n. 223, p.49-70, 2018. https://www.degruyter.com/document/doi/10.1515/sem-2017-0034/html Acesso em 28/03/2021.
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diferencia noções e conceitos de categorias descritivas (essas últimas mais ligadas ao aspecto linguístico-enunciativo). Ao final do seu texto, ela abordará a importância de se recorrer, na análise de discursos, a “categorias globais, conceitos e/ou noções associadas, que se trata de articular com categorias locais (palavra, construção sintática, embrayeurs, modalizadores, etc.)”25 25 No original: “catégories globales, concepts et/ou notions associées, qu’il s’agit d’articuler à des catégories locales (mot, construction syntaxique, embrayeurs, modalisateurs, etc.)”. (2018, p.56). É dessa forma que ela vem trabalhando com o conceito de dialogismo, oriundo do Círculo de Bakhtin, nas suas análises de discurso (cf. Moirand, 2018MOIRAND, S. Le discontinu des catégories linguistiques confronté aux catégories et concepts des analyses du discours et au continu du déroulement de la parole “située”. Semiotica, n. 223, p.49-70, 2018. https://www.degruyter.com/document/doi/10.1515/sem-2017-0034/html Acesso em 28/03/2021.
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; 2007MOIRAND, S. Les discours de la presse quotidienne. Observer, analyser, comprendre. Paris: PUF, 2007.; 2004MOIRAND, S. Le dialogisme, entre problématiques énonciatives et théories discursives. Cahiers de Praxématique, n. 43, 2004. https://journals.openedition.org/praxematique/1853 Acesso 28/03/2021.
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). Para a linguista, o dialogismo26 26 Notamos que Bakhtin e os pensadores do Círculo empregam raramente o termo “dialogismo” (o termo “diálogo” é bem mais usual). Tylkowski (2011, p.58) assinala que o termo aparece já em 1929 em Problemas da obra de Dostoiévski, “na passagem em que Bakhtin caracteriza a maneira dostoievskiana de filosofar referindo-se a Leonid Grossman”. [No original: “dans le passage où Bakhtine caractérise la façon dostoïevskienne de philosopher en se référant à Leonid Grossman”]. seria um exemplo de conceito para “pensar com” (penser avec) – que entraria na análise como um conceito operatório:

O dialogismo, sob condição de não reduzi-lo a uma categoria local (para descrever, por exemplo, certas formas de negação ou de tematização), e sob condição de lhe associar as noções propostas por Volochinov e/ou Bakhtin (a situação, a avaliação, a teoria do enunciado, o supradestinatário), permite ir pescar e reagrupar, ao longo dos dados estudados e do corpus, diferentes rastros de categorias locais: palavras com sua dimensão dialógica; diversas construções sintáticas que inscrevem interdiscursos (próximos do preconstruído); diferentes formas de discurso representado (inclusive da oralidade pelos rastros particulares de entonação, de pausas, etc.) e marcas de heterogeneidades enunciativas (Authier), mas substituídas no seu enquadramento textual e no seu ambiente discursivo, no cerne dos discursos transversos e, portanto, das memórias que eles transportam27 27 No original: “Le dialogisme, à condition de ne pas le réduire à une catégorie locale (pour décrire par exemple certaines formes de négation ou de thématisation), et à condition de lui associer les notions proposées par Volochinov et/ou Bakhtine (la situation, l’évaluation, la théorie de l’énoncé, le surdestinateur), permet d’aller pêcher et de regrouper, au fil des données étudiées et des corpus, différentes traces de catégories locales : des mots avec leur épaisseur dialogique ; diverses constructions syntaxiques qui inscrivent de l’interdiscours (proches du pré-construit) ; différentes formes de discours représentés (y compris l’oral par des traces particulières d’intonation, de pauses, etc.) et de marques d’hétérogénéités énonciatives (Authier), mais replacées dans leur encadrement textuel et leur environnement discursif, au sein des discours transverses et donc des mémoires qu’ils transportent”. (MOIRAND, 2018, p.59MOIRAND, S. Le discontinu des catégories linguistiques confronté aux catégories et concepts des analyses du discours et au continu du déroulement de la parole “située”. Semiotica, n. 223, p.49-70, 2018. https://www.degruyter.com/document/doi/10.1515/sem-2017-0034/html Acesso em 28/03/2021.
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).

Claudel (2004)CLAUDEL, C. La notion de figure: propositions méthodologiques pour une approche comparée du genre interview de presse en français et en japonais, Travaux neuchâtelois de linguistique, n. 40, p.27-45, 2004. https://core.ac.uk/download/pdf/20650667.pdf Acesso em 28/03/2021.
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, refletindo sobre suas comparações do francês e do japonês, também expõe os limites da noção de categoria (principalmente a de categorias linguísticas) e opta por analisar o corpus por meio da noção translinguística de figura. Nesse artigo, ela trata o gênero do discurso como uma noção “extralinguística” necessária para o estabelecimento da comparação. Verificamos, assim, que nos trabalhos do grupo CEDISCOR, o uso do termo “categoria de análise” não é mecânico, apesar do seu emprego frequente, já que a teoria sobre a qual as categorias se fundamentam é devidamente examinada no decurso das respectivas análises de discurso. Vejamos, na seção abaixo, como se realiza o trabalho da análise dialógica do discurso com categorias descritivas e categorias conceituais.

2 A noção de categoria na análise de discursos comparativa de inspiração bakhtiniana

Conforme vimos na seção anterior, a questão das categorias de análise, nos trabalhos em análise de discurso, coloca problema por ser demasiado polissêmica, referindo-se ora a uma categoria linguística, ora a uma categoria enunciativa ou discursiva, além de, muitas vezes, ser usada como sinônimo de conceito operatório. Tal polissemia se verifica, também, nos trabalhos em análise de discurso de inspiração bakhtiniana. Um breve apanhado de excertos de trabalhos publicados por membros do grupo Diálogo mostra a gama variada de sentidos atribuídos à noção de categoria. Por exemplo: um dos subcapítulos do livro de Costa (2010)COSTA, L. R. Da ciência à política. Dialogismo e responsividade no discurso da SBPC nos anos 80. São Paulo: Annablume; Fapesp, 2010. é intitulado “A categoria gênero e o lugar do editorial no discurso da revista”; Grillo & Ferraz (2009)GRILLO, S. V. de C.; FERRAZ, F. S. M. A divulgação científica: uma abordagem dialógica do enunciado. In: GIL, B. D.; CARDOSO, E. de A.; CONDÉ, V. G. (Org.). Modelos de análise linguística. São Paulo: Contexto: 2009. p.135-152. citam noções bakhtinianas como “categorias-chave” para a análise que efetuam de um corpus de divulgação científica: “Dentre as categorias-chave para a análise, destacam-se aquelas que também são objetos centrais para esta teoria: as noções de enunciado, dialogismo e gêneros do discurso” (p.136); Ferraz (2009)FERRAZ, F. S. M. Relações dialógicas em reportagem de divulgação científica impressas e digitais. In: GARCIA, B. R.V; CUNHA, C. L.; PIRIS, E. L.; FERRAZ, F. S. M.; GONÇALVES SEGUNDO, P. R. (Org.). Análises do discurso: o diálogo entre as várias tendências na USP. São Paulo: Paulistana Editora, 2009. p.231-238. emprega também o termo “categorias conceituais”: “categorias conceituais formuladas no âmbito da teoria do Círculo bakhtiniano, tais como enunciado, processo enunciativo, gêneros discursivos, entre outros, convergem para esta concepção dialógica da linguagem” (p.232). Por fim, Grillo (2012)GRILLO, S. V. de C. Fundamentos bakhtinianos para a análise de enunciados verbo-visuais. Filologia e Linguística Portuguesa, v. 14, n. 2, p.235-246, 2012., uma das líderes do grupo Diálogo, fala em “categorias teóricas”, ressaltando a importância de um diálogo entre o pesquisador e a sua teoria e o objeto analisado:

A análise de enunciados verbo-visuais em uma perspectiva bakhtiniana deve se pautar, por um lado, no seu caráter real e objetivo e na sua capacidade, enquanto manifestação humana, de determinar o seu modelo de análise, e, por outro, nas questões e categorias teóricas previamente definidas pelo pesquisador. É no diálogo, por um lado, do pesquisador e sua teoria com, por outro, seu objeto falante que está o fundamento epistemológico da teoria de Bakhtin e seu Círculo (p.237; grifo nosso).

Grillo (2012)GRILLO, S. V. de C. Fundamentos bakhtinianos para a análise de enunciados verbo-visuais. Filologia e Linguística Portuguesa, v. 14, n. 2, p.235-246, 2012. parece ter uma visão interativa acerca do emprego de categorias oriundas do Círculo de Bakhtin pela análise de discursos. Dito de outro modo, a teoria bakhtiniana forneceria algumas categorias prévias (tanto conceitos quanto categorias enunciativas e discursivas, conforme mostraremos mais adiante), e o analista, em contato com o seu corpus, determinaria quais seriam as mais pertinentes a serem empregadas numa determinada análise. Já Brait (2018)BRAIT, B. Análise e teoria do discurso. In: BRAIT, B. (Org.). Bakhtin: outros conceitos-chave. São Paulo: Contexto, 2018. p.9-31. [1.ed. 2006] ressalta que não existe, na perspectiva da análise dialógica de discursos, categorias a priori. Ela explica que o conceito de polifonia, por exemplo, é muito mais “uma marca de identidade do discurso de Dostoiévski, reconhecida a partir da análise bakhtiniana” (p.14) do que “um conceito abstrato, criado para ser aplicado a qualquer discurso” (p.14). Em Brait (2006)BRAIT, B. Uma perspectiva dialógica de teoria, método e análise. Gragoatá, Niterói, n. 20, p.47-62, 2006. https://periodicos.uff.br/gragoata/article/view/33238 Acesso em 28/03/2021.
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encontramos também críticas a uma aplicação indiscriminada de conceitos do Círculo (cf. p.48).

A questão, aqui, parece envolver o emprego de conceitos operatórios enquanto categorias enunciativas empregadas na descrição de um corpus. Os conceitos do Círculo foram, muitas vezes, aplicados indiscriminadamente por pesquisadores de diversas áreas das ciências humanas, o que justifica essa prudência por parte de pesquisadores da corrente dialógica de análise de discurso. Paveau (2010)PAVEAU, M.-A. La norme dialogique: propositions critiques en philosophie du discours. Semen - Revue de sémio-linguistique des textes et discours, Besançon, n. 29, p.127-146, 2010. https://journals.openedition.org/semen/8793 Acesso 28/03/2021.
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menciona como uma “Bakhtin industry”, que aplicou a noção de dialogismo a diversas áreas do saber, foi severamente criticada nos EUA. Para Tylkowski (2011, p.52)TYLKOWSKI, I. “La conception du dialogue” de Mikhail Bakhtine et ses sources sociologiques (l’exemple des Problèmes de l’œuvre de Dostoïevski [1929]). Cahiers de praxématique, n. 57, p.50-68, 2011. https://journals.openedition.org/praxematique/1755 Acesso em 28/03/2021.
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, ainda, “no mundo francófono, a aplicação das ideias de Bakhtin tem mais sucesso do que a análise da concepção bakhtiniana”28 28 No original: “dans le monde francophone, l’application des idées de Bakhtine a plus de succès que l’analyse de la conception bakhtinienne”. [grifo nosso]; o que de resto justifica a prudência com que Moirand (2018)MOIRAND, S. Le discontinu des catégories linguistiques confronté aux catégories et concepts des analyses du discours et au continu du déroulement de la parole “située”. Semiotica, n. 223, p.49-70, 2018. https://www.degruyter.com/document/doi/10.1515/sem-2017-0034/html Acesso em 28/03/2021.
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se serve do conceito de dialogismo. Já num artigo de 2004, Moirand explicita que o problema, na França, reside no fato de o dialogismo ser empregado enquanto categoria enunciativa (e, para ela, é uma categoria teórica, um conceito operatório):

O dialogismo, noção tomada de empréstimo do Círculo de Bakhtin, é uma categoria atualmente convocada em numerosos trabalhos em ciências da linguagem, em particular em análise do discurso [...]. Mas ora o dialogismo é integrado, e mesmo “fagocitado”, por uma das duas problemáticas enunciativas dominantes em linguística [:] [...] o quadro indicial e o quadro pragmático [...]; ora pode-se “pensá-lo” enquanto problemática enunciativa à parte, e autônoma, o que eu chamarei aqui de quadro dialógico [...] Nesse caso, o dialogismo é para mim indissociável da teoria do enunciado, da elaboração de uma translinguística e da reflexão sobre os gêneros do discurso, tais quais se os encontra ao longo dos textos de Bakhtin e de Volochinov. O que o faz pender para o lado das teorias do discurso e não o confina a um papel de categoria enunciativa, que se contentará de articular com aquelas já repertoriadas nos quadros indicial e pragmático (MOIRAND, 2004, n.p.; grifo nossoMOIRAND, S. Le dialogisme, entre problématiques énonciatives et théories discursives. Cahiers de Praxématique, n. 43, 2004. https://journals.openedition.org/praxematique/1853 Acesso 28/03/2021.
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)29 29 No original: “Le dialogisme, notion empruntée au Cercle de Bakhtine, est une categorie actuellement convoquée dans de nombreux travaux en sciences du langage, en particulier en analyse du discours [...]. Mais soit le dialogisme est intégré, voire “phagocyté”, par l’une des deux problématiques énonciatives dominantes en linguistique [:] [...] le cadre indiciel et le cadre pragmatique [...]; soit on peut le “penser” en tant que problématique énonciative à part entière, et autonome, ce que j’appellerai ici le cadre dialogique [...]. Dans ce cas, le dialogisme est pour moi indissociable de la théorie de l’énoncé, de l’élaboration d’une translinguistique et de la réflexion sur les genres du discours, telles qu’on les rencontre au fil des textes de Bakhtine et de Volochinov. Ce qui le fait basculer du côté des théories du discours et ne le confine pas à un rôle de catégorie énonciative, que l’on se contenterai d’articuler à celles déjà répertoriées dans les cadres indiciel et pragmatique”. .

Vemos, portanto, que o foco da obra bakhtiniana parece ser os conceitos operatórios, mas Bakhtin e os pensadores do Círculo também propuseram categorias enunciativas e discursivas, conforme veremos a seguir. Todavia, isso nem sempre esteve evidente, pois antes da explicitação, por parte dos analistas de discurso no Brasil, da existência de um programa de pesquisa em ciências da linguagem na obra de Bakhtin e do Círculo, era comum que se incorporassem nas análises de discurso “categorias descritivas” oriundas de outras abordagens, conforme nos esclarece Grillo (2006)GRILLO, S. V. de C. A metalinguística: por uma ciência dialógica da linguagem. Horizontes, v. 24, n. 2, p.121-128, jul./dez. 2006. http://lyceumonline.usf.edu.br/webp/portalUSF/edusf/publicacoes/RevistaHorizontes/Volume_08/uploadAddress/Art1[6565].pdf Acesso em 28/03/2021.
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:

As noções desenvolvidas por Bakhtin e seu círculo têm sido incorporadas, de forma subsidiária, por diversas tendências de estudo do discurso, do texto e do enunciado, sobretudo sob a forma de um conjunto de conceitos operatórios, às quais se articulam categorias descritivas produzidas em outras disciplinas (p.121).

Ou seja: por um lado, pesquisadores de diversas correntes das ciências da linguagem e das ciências humanas empregavam conceitos operatórios oriundos do Círculo, sem levar em conta a especificidade da teoria bakhtiniana, conforme nos esclarece Brait (2006)BRAIT, B. Uma perspectiva dialógica de teoria, método e análise. Gragoatá, Niterói, n. 20, p.47-62, 2006. https://periodicos.uff.br/gragoata/article/view/33238 Acesso em 28/03/2021.
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; e, por outro lado, dentro da própria análise de discurso praticada no Brasil, numa tendência bakhtiniana, utilizavam-se conceitos operatórios do Círculo, mas recorria-se a categorias descritivas oriundas de outras correntes da linguística (como se o trabalho do Círculo não oferecesse, também, categorias descritivas de análise). Colocado o problema, o nosso objetivo, a partir de agora, é mostrar o percurso que vai do reconhecimento da metalinguística na obra de Bakhtin, focando sobretudo na questão das categorias e mostrando que toda a reflexão bakhtiniana sobre a metalinguística remonta e uma reflexão que parte da noção de categoria linguística.

A análise dialógica de discurso (doravante ADD) surgiu da observação de que havia, em Bakhtin e no Círculo, o esboço de um programa de pesquisa: esse programa é “designado com o nome de metalinguística e [...] tem por objeto de estudo as relações dialógicas e a palavra bivocal” (GRILLO & FERRAZ, 2009, p.135GRILLO, S. V. de C.; FERRAZ, F. S. M. A divulgação científica: uma abordagem dialógica do enunciado. In: GIL, B. D.; CARDOSO, E. de A.; CONDÉ, V. G. (Org.). Modelos de análise linguística. São Paulo: Contexto: 2009. p.135-152.). Nas palavras de Brait (2018, p.9 [1.ed. 2006])BRAIT, B. Análise e teoria do discurso. In: BRAIT, B. (Org.). Bakhtin: outros conceitos-chave. São Paulo: Contexto, 2018. p.9-31. [1.ed. 2006], “[n]inguém, em sã consciência, poderia dizer que Bakhtin tenha proposto formalmente uma teoria e/ou análise do discurso, no sentido em que usamos a expressão para fazer referência, por exemplo, à Análise do Discurso Francesa”. Todavia, o que temos é que “Bakhtin formulou, nos textos de sua última fase, uma disciplina de estudo da linguagem com objeto próprio, método de análise e o esboço de um conjunto de fenômenos a pesquisar” (GRILLO, 2006, p.121; grifo nossoGRILLO, S. V. de C. A metalinguística: por uma ciência dialógica da linguagem. Horizontes, v. 24, n. 2, p.121-128, jul./dez. 2006. http://lyceumonline.usf.edu.br/webp/portalUSF/edusf/publicacoes/RevistaHorizontes/Volume_08/uploadAddress/Art1[6565].pdf Acesso em 28/03/2021.
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).

É importante, portanto, investigarmos melhor como a metalinguística bakhtiniana se constitui como metodologia de análise. Pois a pergunta que fazemos é a seguinte: se para a análise de discursos comparativa oriunda da França a grande questão era definir categorias comparáveis, como essa questão seria formulada numa análise de discursos comparativa de inspiração bakhtiniana?

Por meio da investigação de Problemas da poética de Dostoiévski (2018 [1963]) e de sua primeira versão, publicada em 1929 (Problemas da obra de Dostoiévski (1997 [1929])), de autoria de Mikhail Bakhtin, bem como da obra Marxismo e filosofia da linguagem. Problemas fundamentais do método sociológico na ciência da linguagem, de Valentin Volóchinov (2018 [1929])VOLÓCHINOV, V. (Círculo de Bakhtin). Marxismo e filosofia da linguagem. Problemas fundamentais do método sociológico na ciência da linguagem. 2. ed. Tradução de Sheila Grillo e Ekaterina Vólkova Américo. São Paulo: Editora 34, 2018 [1929]., traçamos um caminho interpretativo acerca do papel das categorias linguísticas para a criação da metalinguística bakhtiniana. Escolhemos essas obras porque tanto Marxismo e filosofia da linguagem (doravante MFL), de Volóchinov, quanto Problemas da poética de Doistoiévski (doravante PPD), de Bakhtin, “constroem um lugar muito parecido ao apresentar questões de teoria e método” (BRAIT, 2006, p.49BRAIT, B. Uma perspectiva dialógica de teoria, método e análise. Gragoatá, Niterói, n. 20, p.47-62, 2006. https://periodicos.uff.br/gragoata/article/view/33238 Acesso em 28/03/2021.
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). Essas obras também compõem o corpus principal da tese de Souza (2002)SOUZA, G. T. de. A construção da metalinguística (Fragmentos de uma ciência da linguagem na obra de Bakhtin e seu Círculo). 2002. 175 f. Tese (Doutorado em Linguística) Universidade de São Paulo, São Paulo., que investigou a construção da metalinguística na obra de Bakhtin e do Círculo.

A página 124 de MFL é frequentemente citada como exemplo da existência de uma metodologia concreta de análise de enunciados na obra do Círculo (cf. BRAIT, 2006BRAIT, B. Uma perspectiva dialógica de teoria, método e análise. Gragoatá, Niterói, n. 20, p.47-62, 2006. https://periodicos.uff.br/gragoata/article/view/33238 Acesso em 28/03/2021.
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). Vejamos esse excerto já na tradução mais recente da obra para o português, feita diretamente do russo:

Disso decorre que a ordem metodologicamente fundamentada para o estudo da língua deve ser a seguinte: 1) formas e tipos de interação discursiva em sua relação com as condições concretas; 2) formas dos enunciados ou discursos verbais singulares em relação estreita com a interação da qual são parte, isto é, os gêneros dos discursos verbais determinados pela interação discursiva na vida e na criação ideológica; 3) partindo disso, revisão das formas da língua em sua concepção linguística habitual (VOLÓCHINOV, 2018 [1929], p.220; grifo nossoVOLÓCHINOV, V. (Círculo de Bakhtin). Marxismo e filosofia da linguagem. Problemas fundamentais do método sociológico na ciência da linguagem. 2. ed. Tradução de Sheila Grillo e Ekaterina Vólkova Américo. São Paulo: Editora 34, 2018 [1929].)30 30 É notável que, na tradução anterior, publicada pela editora Hucitec, o termo categoria esteja presente para designar os “atos de fala”, provavelmente por influência da versão francesa da qual ele foi traduzido: “Disso decorre que a ordem metodológica para o estudo da língua deve ser: 1. As formas e os tipos de interação verbal em ligação com as condições concretas em que se realiza. 2. As formas das distintas enunciações, dos atos de fala isolados, em ligação estreita com a interação de que constituem os elementos, isto é, as categorias de atos de fala na vida e na criação ideológica que se prestam a uma determinação pela interação verbal. 3. A partir daí, exame das formas da língua na sua interpretação linguística habitual” (BAKHTIN, 1997, p.124 [grifo nosso]). Conforme mostramos na seção 1, “ato de fala” tornou-se uma categoria descritiva no contexto francês, frequentemente aplicada a priori (conforme a crítica de Brait (2006)). .

Volóchinov já sugere, aqui, uma revisão das formas da língua, ou seja, que se ultrapassem os limites da linguística da língua. Notamos que, em MFL, a questão da ultrapassagem das categorias linguísticas é essencial. Em apenas duas páginas da terceira parte dessa obra, o termo “categoria” aparece onze vezes:

O linguista se sente mais seguro no meio da frase. Na medida em que ele avança na direção dos limites do discurso, rumo ao todo do enunciado, a sua posição torna-se cada vez mais insegura. Ele não tem nenhuma abordagem do todo, pois nenhuma das categorias linguísticas serve para defini-lo. Como se sabe, todas as categorias linguísticas são aplicáveis apenas no território interior do enunciado. Por exemplo, todas as categorias morfológicas só são importantes dentro do enunciado e se recusam a servir para definir o todo. O mesmo acontece com as categorias sintáticas; por exemplo, a categoria da “frase” se refere apenas à frase dentro do enunciado, como seu elemento, e de modo algum como um todo.

Para certificar-se dessa “elementariedade” fundamental de todas as categorias linguísticas, basta tomar um enunciado acabado (é claro que ele é relativo, pois qualquer enunciado é uma parte do processo discursivo) composto por uma palavra. Ao analisarmos essa palavra em todas as categorias linguísticas, veremos claramente que elas definem a palavra apenas como um elemento possível do discurso e não dão conta do todo do enunciado. Aquele aspecto adicional que transforma essa palavra em um enunciado íntegro permanece fora de absolutamente todas as categorias e definições linguísticas. Ao desenvolver essa palavra em uma frase acabada com todos os seus membros (seguindo a lógica do “subentendido”), teremos um período simples, mas de modo algum um enunciado. Seja qual for a categoria linguística que utilizemos para analisar esse período, nunca encontraremos nele justamente aquilo que o transforma em um enunciado íntegro. Desse modo, no âmbito das categorias gramaticais presentes na linguística moderna, o todo discursivo inapreensível nunca será compreendido. As categorias linguísticas nos arrastam de modo persistente do enunciado e da sua estrutura concreta rumo ao sistema abstrato da língua (VOLÓCHINOV, 2018 [1929], p.243-244; grifo nossoVOLÓCHINOV, V. (Círculo de Bakhtin). Marxismo e filosofia da linguagem. Problemas fundamentais do método sociológico na ciência da linguagem. 2. ed. Tradução de Sheila Grillo e Ekaterina Vólkova Américo. São Paulo: Editora 34, 2018 [1929].).

O que temos, em MFL, é a expressão da necessidade de se construir uma teoria enunciativa. Flores & Teixeira (2009)FLORES, V. do N.; TEIXEIRA, M. Enunciação, dialogismo, intersubjetividade: um estudo sobre Bakhtin e Benveniste. Bakhtiniana, São Paulo, v. 1, n. 2, p.143-164, 2º sem. 2009. https://revistas.pucsp.br/index.php/bakhtiniana/article/view/3015 Acesso em 28/03/2021.
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“fundamentar[ão] a inclusão de Bakhtin no campo da Linguística da Enunciação, por considerar[em] que a existência de uma teoria da enunciação se impõe não só em MFL, mas no conjunto de sua obra, seja sob a assinatura de Bakhtin, Bakhtin/Volóchinov ou Medvedev” (p.146). Nas palavras desses linguistas, o “princípio que sustenta a teoria da enunciação de Bakhtin [é] a concepção dialógica da linguagem” (p.146). Dahlet (2005/2020)DAHLET, P. Dialogização enunciativa e paisagens do sujeito. In: BRAIT, B. (Org.). Bakhtin, dialogismo e construção do sentido. 2. ed. revista/6. reimp. Campinas/SP: Editora da Unicamp, 2020 p.25-36. [1.ed. 1997]. também sustenta que a observação do dialogismo31 31 Segundo Costa (2017), o dialogismo é “um dos postulados fundamentais do Círculo que, presente principalmente nas formulações de Volóchinov, foi incorporado às análises de Bakhtin e transformado em um dos elementos principais da sua própria teorização” (p.138). leva Bakhtin e os pensadores do Círculo a reivindicarem uma teoria da enunciação:

Questionando o quadro transcendental clássico da linguística, a explicitação de um dialogismo constitutivo tem um efeito teórico decisivo, na medida em que leva Bakhtin [Volóchinov, neste caso]32 32 Os autores mencionam, nesses excertos, o nome de Bakhtin, mas na verdade referem-se a Volóchinov (o que se deve à oscilação em relação a autoria dessa obra). a reivindicar a “elaboração de uma teoria da enunciação”, que assumiria por si própria uma “revisão escrupulosa de todas as categorias linguísticas fundamentais” (1977, p.159) (DAHLET, 2005/2020, p.55-56DAHLET, P. Dialogização enunciativa e paisagens do sujeito. In: BRAIT, B. (Org.). Bakhtin, dialogismo e construção do sentido. 2. ed. revista/6. reimp. Campinas/SP: Editora da Unicamp, 2020 p.25-36. [1.ed. 1997].).

Tanto Dahlet (2005) quanto Flores & Teixeira (2009)FLORES, V. do N.; TEIXEIRA, M. Enunciação, dialogismo, intersubjetividade: um estudo sobre Bakhtin e Benveniste. Bakhtiniana, São Paulo, v. 1, n. 2, p.143-164, 2º sem. 2009. https://revistas.pucsp.br/index.php/bakhtiniana/article/view/3015 Acesso em 28/03/2021.
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comparam Bakhtin com Benveniste (e com outros teóricos da enunciação). Nessa comparação, encontramos indagações sobre o papel das categorias linguísticas na teoria bakhtiniana. Para Dahlet (2020)DAHLET, P. Dialogização enunciativa e paisagens do sujeito. In: BRAIT, B. (Org.). Bakhtin, dialogismo e construção do sentido. 2. ed. revista/6. reimp. Campinas/SP: Editora da Unicamp, 2020 p.25-36. [1.ed. 1997]., a própria reflexão de Bakhtin sobre o sujeito e o dialogismo implica um campo cujas categorias não são dadas. Assim, Volóchinov, em MFL, solicitaria uma futura teoria da enunciação, mas “ele [próprio] não organiza[ria], por assim dizer, uma matriz descritiva” (p.66). Em outra passagem do mesmo texto, Dahlet (2020)DAHLET, P. Dialogização enunciativa e paisagens do sujeito. In: BRAIT, B. (Org.). Bakhtin, dialogismo e construção do sentido. 2. ed. revista/6. reimp. Campinas/SP: Editora da Unicamp, 2020 p.25-36. [1.ed. 1997]. reforçará essa ideia:

O dialogismo bakhtiniano abala, sem dúvida, a concepção clássica do sujeito. [...] O problema é que essa mudança conceitual se choca com os limites do quadro descritivo de Bakhtin [Volóchinov]. Assim, conceber o discurso em termos dialógicos é incontestavelmente formular uma questão tópica: se houver exterior, então esse exterior é necessariamente construído no interior. Ora, as referências descritivas de Bakhtin, de orientação filosófica e sociológica, pesam muito em favor de uma explicitação última das novas ressonâncias heterogêneas do sujeito por fatores exteriores à materialidade do discurso [...] Sem absolutamente negar a pertinência desses fatores [...], é preciso reconhecer que eles minorizam o papel da própria elaboração linguística (DAHLET, 2020, p.81-82; grifo nossoDAHLET, P. Dialogização enunciativa e paisagens do sujeito. In: BRAIT, B. (Org.). Bakhtin, dialogismo e construção do sentido. 2. ed. revista/6. reimp. Campinas/SP: Editora da Unicamp, 2020 p.25-36. [1.ed. 1997].).

No quadro indicial e no quadro operatório, essa elaboração linguística seria mais marcada: “[c]onsiderando que tudo o que de outro se possa dizer está condicionado a uma exigência dêitica incontornável, já que inscrita na língua, os trabalhos de Benveniste e de Culioli (im)põem um sujeito estritamente linguístico [...]” (DAHLET, 2005/2020, p.82DAHLET, P. Dialogização enunciativa e paisagens do sujeito. In: BRAIT, B. (Org.). Bakhtin, dialogismo e construção do sentido. 2. ed. revista/6. reimp. Campinas/SP: Editora da Unicamp, 2020 p.25-36. [1.ed. 1997].). Ora, sabe-se que, na obra do Círculo, o linguístico e o extralinguístico estão imbricados. Tanto é assim que Volóchinov critica a definição de parágrafo como uma “ideia completa” justamente por essa definição ser puramente ideológica e nada linguística:

[...] não apenas o enunciado como um todo, mas também todas as partes mais ou menos acabadas do enunciado monológico carecem de definições linguísticas. Isso acontece com os parágrafos, que são separados uns dos outros por alíneas. A composição sintática desses parágrafos é extremamente diversificada: eles podem consistir tanto de uma palavra, quanto de uma grande quantidade de períodos compostos. Afirmar que um parágrafo deve conter uma ideia acabada é o mesmo que não dizer absolutamente nada. Uma vez que são necessárias definições do ponto de vista da própria língua, a noção de parágrafo como uma ideia acabada não é, de modo algum, uma definição linguística. Se, como supomos, é inaceitável separar as definições linguísticas das ideológicas, tampouco se devem substituir umas pelas outras (VOLÓCHINOV, 2018 [1929], p.244; grifo nossoVOLÓCHINOV, V. (Círculo de Bakhtin). Marxismo e filosofia da linguagem. Problemas fundamentais do método sociológico na ciência da linguagem. 2. ed. Tradução de Sheila Grillo e Ekaterina Vólkova Américo. São Paulo: Editora 34, 2018 [1929].).

Flores & Teixeira (2009)FLORES, V. do N.; TEIXEIRA, M. Enunciação, dialogismo, intersubjetividade: um estudo sobre Bakhtin e Benveniste. Bakhtiniana, São Paulo, v. 1, n. 2, p.143-164, 2º sem. 2009. https://revistas.pucsp.br/index.php/bakhtiniana/article/view/3015 Acesso em 28/03/2021.
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evidenciam a presença de uma descrição linguística na obra do Círculo. Assim,

[n]a terceira parte de MFL, encontra-se uma espécie de demonstração de como se operacionaliza sua análise enunciativa: a partir da aplicação do que ele [Volóchinov] chama de “método sociológico” a mecanismos sintáticos [...]. Ao propor um estudo do discurso citado (discurso direto, discurso indireto, discurso indireto livre) – tradicionalmente descrito como um problema de sintaxe – sob uma perspectiva enunciativa e não pelo viés de abordagens gramaticais ou estilísticas, o autor evidencia que a análise dos fatos de língua não se faz por uma divisão de trabalho entre duas ciências – linguística e metalinguística –, pois a forma só tem sentido na enunciação (FLORES & TEIXEIRA, 2009, p.152FLORES, V. do N.; TEIXEIRA, M. Enunciação, dialogismo, intersubjetividade: um estudo sobre Bakhtin e Benveniste. Bakhtiniana, São Paulo, v. 1, n. 2, p.143-164, 2º sem. 2009. https://revistas.pucsp.br/index.php/bakhtiniana/article/view/3015 Acesso em 28/03/2021.
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).

Ou seja: desde a década de 1920 que a reflexão linguística dos pensadores do Círculo esbarrava na necessidade de se considerar também o social, mas sem perder de vista a questão da língua. Aliás, Bakhtin conhecia muito bem a linguística de seu tempo e, justamente por conhecê-la, percebeu que uma série de novos fenômenos linguísticos não eram “abordáveis” por ela. Brait (2012BRAIT, B. Peytard, dialogisme et analyse du discours. In: Actes du Colloque Miroir, 2012 p.17-27.; 2013BRAIT, B. Peytard, dialogisme et analyse du discours. Synergies Monde, Sylvains-les-Moulins, n. 10, p.17-27, 2013.) apresenta uma distinção, feita por Jean Peytard, sobre a diferença entre ser “anti” ou “contra” uma determinada teoria e/ou autor. Para Peytard, a posição de Bakhtin em relação a Saussure é uma posição “contra” saussureana, mas não “anti” saussureana. Pois o prefixo “anti” pressupõe a negação, uma visão destruidora, e o que Bakhtin nos propõe é uma visão que não nega a linguística da língua, mas que a ultrapassa.

Em Problemi tvortchestva Dostoievski [Problema da obra de Dostoiévsky (doravante POD)], Bakhtin mostra que as categorias linguísticas abstratas dão conta apenas dos “fenômenos de uma só voz”:

Todos esses relances verbais, reservas, derivativos insinuações, impulsos não escapam à nossa audição, e não são alheios ao nosso próprio uso. E isso ainda torna mais surpreendente o fato de que, até agora, toda esta situação não tenha encontrado um conhecimento teórico bem determinado, uma avaliação devida. Em teoria, analisamos apenas a relação estilística de elementos dentro de uma mensagem fechada, de encontro a um fundo de categorias linguísticas abstratas. Apenas estes fenômenos de uma só voz estão ao alcance daquela estilística linguística superficial que até agora, a despeito de todo o seu valor linguístico, foi capaz de registrar na criação literária apenas os traços e os depósitos deixados na periferia verbal das obras por objetivos literários que ela ignora (BAKHTIN, 2002 [1929] p.508 [grifo nosso]BAKHTIN, M. M. A tipologia do discurso na prosa. In: LIMA, L. C. Teoria da literatura em suas fontes. 3. ed. Tradução Luiza Lobo. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2002 [1929], v. 1. p.487-510.)33 33 Esse excerto é uma tradução para o português de uma parte de POD, realizada por Luiza Lobo para o livro Teoria da literatura em suas fontes (BAKHTIN, 2002). Embora a tradutora mencione ter feito a tradução a partir de uma obra de 1925, constatamos, por meio do cotejamento com a tradução italiana da obra, que se trata de um trecho da obra de 1929: Em italiano: “Nessun accenno, nessuna riserva o scappatoia, nessuna allusione, nessuna uscita verbale sfugge al nostro orecchio, né è estranea alle nostre stesse labbra. Tanto più sorprendente è che ciò non abbia finora trovato un chiaro riconoscimento teorico e la dovuta valutazione! Teoreticamente noi riusciamo a muoverci solo nelle interrelazioni stilistiche tra gli elementi nei confini di un’enunciazione chiusa sullo sfondo di categorie astrattamente linguistiche. Solo simili fenomeni a una voce sono accessibili a quella stilistica linguistica superficiale che a tutt’oggi con tutto il suo valore linguistico è capace soltanto di registrare nella creazione artistica le tracce e i sedimenti di compiti artistici ad essa ignoti alla periferia linguistica delle opere” (BACHTIN, 1997 [1929], p.209). .

Em O problema do texto (2011 [1959-1961], pouco antes da publicação da reedição de PPD Bakhtin “faz referência ao discurso indireto livre, afirmando que admitir sua existência implica admitir a bivocalidade do verbo (1992, p.349)” (FLORES & TEIXEIRA, 2009, p.153FLORES, V. do N.; TEIXEIRA, M. Enunciação, dialogismo, intersubjetividade: um estudo sobre Bakhtin e Benveniste. Bakhtiniana, São Paulo, v. 1, n. 2, p.143-164, 2º sem. 2009. https://revistas.pucsp.br/index.php/bakhtiniana/article/view/3015 Acesso em 28/03/2021.
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). Trata-se, segundo Souza (2002)SOUZA, G. T. de. A construção da metalinguística (Fragmentos de uma ciência da linguagem na obra de Bakhtin e seu Círculo). 2002. 175 f. Tese (Doutorado em Linguística) Universidade de São Paulo, São Paulo., do primeiro texto em que Bakhtin fará menção à metalinguística. Parece-nos, aqui, que ao tratar especificamente do discurso indireto livre e de todos os fenômenos bivocais, um desafio ainda maior se coloca a Bakhtin. Não basta somente ultrapassar as categorias linguísticas, tratando-as enunciativamente, mas é preciso criar um lugar para o seu estudo. Tanto é assim que em O problema do texto, Bakhtin diz que a sua análise é filosófica justamente por se situar num campo limítrofe entre várias disciplinas: não ser nem linguística, nem filológica, nem crítico-literária34 34 Aliás, “Bakhtin nunca se declarou ‘filólogo’, Bocharov lembra o leitor. Ele se orgulhava de ser um filósofo. Na verdade, Bakhtin estremecia com a própria expressão ‘estudos literários’, que ele considerava uma ‘profissão parasitária’. Bakhtin não ‘escreveu livros sobre Dostoiévski e Rabelais’, Bocharov insistiu, mas livros ‘baseados no material fornecido por Dostoiévski e Rabelais’, isto é, livros ‘sobre sua própria proposta bakhtiniana, fazendo uso desses escritores como seu material’” (EMERSON, 2016, p.51). (BAKHTIN, 2011 [1959-1961], p.307).

Toda a tipologia dos discursos realizada já em POD surge, em O problema do texto (2011 [1959-1961], como uma maneira de evidenciar a cientificidade dessa disciplina que Bakhtin está propondo criar – a metalinguística:

Surge a questão de saber se a ciência opera com tais individualidades absolutamente singulares como os enunciados, se eles não iriam além dos limites do conhecimento científico generalizador. É claro que pode. Em primeiro lugar, o ponto de partida de toda ciência são as unicidades ímpares, e em todas as etapas da sua trajetória ela permanece ligada a estas. Em segundo, a ciência, e acima de tudo a filosofia, pode e deve estudar a forma específica e a função dessa individualidade. A necessidade de uma precisa conscientização do corretivo permanente das pretensões de análise abstrata (linguística, por exemplo) ao pleno esgotamento de um enunciado concreto. O estudo dos tipos e formas de relação dialógicas entre os enunciados e das suas formas tipológicas (fatores de enunciados) (BAKHTIN, 2011 [1959-1961], p.313; grifo nosso).

Segundo Grillo (2006)GRILLO, S. V. de C. A metalinguística: por uma ciência dialógica da linguagem. Horizontes, v. 24, n. 2, p.121-128, jul./dez. 2006. http://lyceumonline.usf.edu.br/webp/portalUSF/edusf/publicacoes/RevistaHorizontes/Volume_08/uploadAddress/Art1[6565].pdf Acesso em 28/03/2021.
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, a “explicitação do projeto da metalinguística aparece somente nos textos das décadas de 50, 60 e 70, porém [...] ele representa a síntese de um conjunto de trabalhos iniciados nos anos 20” (p.124). Ao focar na questão das categorias, fica claro que é na tipologia dos discursos proposta por Bakhtin já em POD, somado ao trabalho de Volóchinov (2018 [1929])VOLÓCHINOV, V. (Círculo de Bakhtin). Marxismo e filosofia da linguagem. Problemas fundamentais do método sociológico na ciência da linguagem. 2. ed. Tradução de Sheila Grillo e Ekaterina Vólkova Américo. São Paulo: Editora 34, 2018 [1929]. na terceira parte de MFL e ressistematizado em PPD que se encontram as categorias enunciativas e discursivas (ou descritivas) importantes para uma análise de discurso de inspiração bakhtiniana (seja ela comparativa ou não).

Embora os franceses tenham se servido dos conceitos operatórios bakhtinianos como categorias de análise de corpora, de forma descontextualizada, no campo da enunciação muitos deles deram continuidade ao programa enunciativo iniciado pelo Círculo de Bakhtin. Isto é, a teoria bakhtiniana não só fornece categorias descritivas para a análise de corpora, como, por ser científica (conforme anunciado pelo autor em O problema do texto), permite que outros linguistas deem continuidade a esse programa enunciativo. Assim, segundo Barros (2005/2020)BARROS, D. L. P. de. Contribuições de Bakhtin às teorias do discurso. In: BRAIT, B. (Org.). Bakhtin, dialogismo e construção do sentido. 2. ed. revista/6. reimp. Campinas/SP: Editora da Unicamp, 2020 p.25-36. [1.ed. 1997]., vários autores “explícita ou implicitamente deram seguimento às reflexões de Bakhtin, tais como J. Authier-Revuz (1982) e D. Maingueneau, no quadro teórico da análise do discurso francesa, ou O. Ducrot, na perspectiva da semântica da enunciação ou da linguística interacional”. Sustentamos, com Barros (2005/2020)BARROS, D. L. P. de. Contribuições de Bakhtin às teorias do discurso. In: BRAIT, B. (Org.). Bakhtin, dialogismo e construção do sentido. 2. ed. revista/6. reimp. Campinas/SP: Editora da Unicamp, 2020 p.25-36. [1.ed. 1997]., que

[e]ssa deve ser hoje uma das tarefas do estudioso do texto e do discurso, pois há muito ainda a ser feito, muitas possibilidades de polifonia discursiva a serem examinadas, inúmeros e diversificados procedimentos e estratégias de produção de efeitos de polifonia e de monofonia discursiva a serem descritos e explicados (p.34-35).

Chegamos, com isso, a uma resposta acerca de outra questão que nos colocamos quando pensamos na construção de uma análise de discursos comparativa de inspiração bakhtiniana: a de saber se essas categorias de análise devem, em sua totalidade, ser oriundas da obra de Bakhtin e do Círculo, ou se outras teorias podem ser mobilizadas para esse fim.

Num editorial recente publicado na revista Linha D’Água, Grillo, Machado & Campos (2018)GRILLO, S. V. de C.; MACHADO, F. S.; CAMPOS, Editorial: Análise comparativa de discursos: quais são seus precursores? Linha D’Água, São Paulo, v. 31, n. 3, p.1-17. set./dez. 2018. definem da seguinte maneira a análise comparativa realizada pelo grupo Diálogo (CNPq/USP): “O traço característico desse grupo é desenvolver uma análise comparativa com base em conceitos e procedimentos metodológicos de Bakhtin e seu Círculo, articulando-os aos resultados do CLESTHIA – axe sens et discours” (p.2-3). O que notamos sobre o CLESTHIA é que as noções empregadas na maior parte dos trabalhos comparativos eram noções que diziam respeito especificamente à comparação, como a noção de tertium comparationis (isto é, a invariante que permite a comparação de discursos). No que tange às categorias de análise do corpora em duas ou mais línguas-culturas distintas, os trabalhos comparativos do grupo Diálogo priorizam, também, categorias descritivas oriundas do Círculo, como as formas de transmissão do discurso alheio (GRILLO; GLUSHKOVA, 2016GRILLO, S. V. de C.; GLUSHKOVA, M. Scientific Popularization in Brazil and in Russia: An Essay to a Comparative Analysis of Discourses. Bakhtiniana, v. 11, n. 2, São Paulo, p.69-92, May/Aug. 2016. https://www.scielo.br/scielo.php?pid=S2176-45732016000200069&script=sci_arttext&tlng=en Acesso em 28/03/2021.
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; AZEVEDO E SILVA; GRILLO, 2019AZEVEDO E SILVA, B. A. de; GRILLO, S. V. de C. New Paths for Science: A Contrastive Discourse Analysis of Modifications in Popularizing Science through Digital Media. Bakhtiniana, v. 14, n. 1, p.51-73, Jan./March 2019. https://www.scielo.br/scielo.php?pid=S2176-45732019000100051&script=sci_arttext&tlng=en Acesso em 28/03/2021.
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) e a inscrição do destinatário nos enunciados (HIGASHI, 2019HIGASHI, A. M. F. O destinatário inscrito nas exposições de divulgação científica do Catavento Cultural e Educacional. 2019. 339 f. Tese (Doutorado em linguística) Universidade de São Paulo, São Paulo.), para citar dois exemplos.

Conforme vimos neste artigo, a obra do Círculo ofereça um panorama variado não só de categorias teóricas ou conceitos operatórios, mas também de categorias descritivas (enunciativas e discursivas). Aliás, lembramos que, desde os seus primórdios, a AD francesa tomou de empréstimo a categoria discurso reportado da obra do Círculo, dentre outros conceitos presentes em MFL, conforme nos aponta Narzetti (2012)NARZETTI, C. N. P. O percurso das ideias do círculo de Bakhtin na análise do discurso francesa. 2012. 262 f. Tese (Doutorado em linguística) Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho”, Araraquara.. Todavia, sustentamos que a análise de discursos comparativa de inspiração bakhtiniana pode, ainda, evocar categorias descritivas oriundas de outras vertentes (é a mistura de conceitos operatórios que nos parece mais problemática, conforme visto neste artigo), sem esquecer, conforme nos adverte Paula (2013)PAULA, L. de. Círculo de Bakhtin: uma Análise Dialógica de Discurso, Revista de Estudos da Linguagem, Belo Horizonte, v. 21, n. 1, p.239-258, jan./jun. 2013. http://periodicos.letras.ufmg.br/index.php/relin/article/view/5099 Acesso em 28/03/2021.
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, que “por mais que o diálogo entre abordagens seja enriquecedor, ele pede que sejamos cuidadosos e respeitemos as peculiaridades de cada perspectiva [...]” (p.242).

Conclusão

Nas palavras de Volóchinov (2018 [1929])VOLÓCHINOV, V. (Círculo de Bakhtin). Marxismo e filosofia da linguagem. Problemas fundamentais do método sociológico na ciência da linguagem. 2. ed. Tradução de Sheila Grillo e Ekaterina Vólkova Américo. São Paulo: Editora 34, 2018 [1929]., “[à]s vezes é de extrema importância lançar uma nova luz sobre um fenômeno já conhecido e, aparentemente, bem estudado, por meio da sua problematização renovada, elucidando nele novos aspectos com a ajuda de perguntas orientadas para uma direção específica.” (p.246). De forma bastante modesta e nos limites da reflexão suscitada na redação de um artigo científico, tentamos “lançar uma nova luz” sobre os trabalhos em análise de discursos comparativa, com o objetivo de compreender 1º) quais eram as metodologias de comparação adotadas na França, país onde esse tipo de análise surgiu; 2º) como, no Brasil, no quadro de uma análise de discursos de inspiração bakhtiniana, essa análise comparativa pode (e poderá) ser empreendida. Partindo da noção de categoria de análise, investigamos como, na França, a análise de discursos comparativa partiu da busca de categorias comparáveis (sendo, portanto, um aspecto essencial para a consolidação da análise comparativa nesse país), enquanto que, no Brasil, numa perspectiva bakhtiniana, a investigação acerca de uma metalinguística na obra de Bakhtin e do Círculo nos permitiu observar o quanto essa ciência também partiu de uma investigação sobre as categorias linguísticas.

Dessa forma, concluímos que, embora diferentes, a perspectiva comparativa adotada pelo CEDISCOR/CLESTHIA – axe sens et discours e a perspectiva adotada no Brasil, fundada numa análise dialógica de discursos, podem ser complementares, desde que se atente para um não-deslizamento de conceitos operatórios da teoria bakhtiniana enquanto categorias de análise.

A questão de saber se estamos passando de uma análise dialógica de discursos para uma análise dialógica comparativa de discursos, terá uma resposta condizente aos próximos passos que a própria análise de discursos comparativa dará no Brasil. Enfatizamos o aspecto científico dessa questão; como toda ciência, sua evolução dependerá da maior ou menor adesão dos pesquisadores brasileiros a ela, a qual promete avançar nos próximos anos.

AGRADECIMENTOS

A pesquisa apresentada neste artigo é parte das reflexões realizadas durante o meu pós-doutorado na Universidade de São Paulo. Pesquisa que só foi possível graças ao voto de confiança que me foi dado pela professora Sheila Grillo e pela FAPESP. Expresso, aqui, todo o meu agradecimento.

Notes

  • 1
    Optamos por intitular a corrente de “análise de discursos comparativa” (tal como ela é chamada na França), e não mais de “análise comparativa de discursos”, termo outrora empregado em artigos já publicados. Trata-se de uma decisão tomada após termos apresentado nosso trabalho em eventos que reuniram analistas do discurso de diversas abordagens, os quais nos indagaram acerca dos discursos subjacentes (quais são eles?) ao termo “análise comparativa de discursos”. Moirand (1992)MOIRAND, S. Des choix méthodologiques pour une linguistique de discours comparative. Langages, n. 105, p.28-41, 1992. que, num primeiro momento, intitulou a corrente de “linguística de discurso comparativa” e, posteriormente, de “análise do discurso comparativa”, defende que esta seja distinguida da concepção clássica da análise do discurso francesa, dado o interesse que tal corrente manifesta pelos discursos mais diversos possíveis, indo do literário ao científico, passando pelo midiático (cf. p.31). Ora, esse também é o caso da análise dialógica de discursos, razão pela qual pensamos que o termo “análise de discursos comparativa” é mais adequado ao trabalho que está sendo realizado pelo grupo Diálogo. Quando o corpus já está explicitado, pensamos que o termo “análise comparativa de discursos” não coloca problema (por exemplo: “análise comparativa de discursos de revistas científicas”).
  • 2
    O termo entrada de análise aparece muitas vezes como sinônimo de categoria de análise, o que mostra que a própria análise começa a partir do estabelecimento dessas categorias, que servem de entrada para a análise de um corpus.
  • 3
    No original: “réfléchir sur les ‘problèmes méthodologiques que pose la mise en regard de plusieurs langues et cultures: congruence du modèle théorique retenu, pertinence des catégories d’analyse et mode de sélection du tertium comparationis, notamment à l’échelle des discours’ (extrait de la page du groupe sur le site http://syled.univ-paris3.fr/cediscor-projets.html)”. Salvo indicação contrária, as traduções, neste artigo, são de nossa autoria e responsabilidade.
  • 4
    No original: “d’outils permettant de déterminer des catégories comparables”.
  • 5
    No original: “unités diverses et hétérogènes qui peuvent parfois coïncider avec des catégories héritées de la tradition, mais qui, souvent relèvent de la création métalinguistique, répondant ainsi à l’appel déjà formulé par Benveniste (1966–1974: 45) lorsqu’il faisait référence à la nécessité d’un ‘appareil nouveau de concepts et de définitions’”.
  • 6
    O Dicionário de termos linguísticos, no Portal da Língua Portuguesa, apresenta a seguinte definição de categoria: “Termo usado em linguística em diferentes níveis de abstração. A categorização estabelece um conjunto de unidades classificatórias ou propriedades utilizadas para a descrição da língua. Estas unidades têm uma distribuição básica constante e ocorrem como unidades estruturais na língua. Em algumas abordagens, o termo categoria refere as próprias classes, como nome, verbo, sujeito, sintagma nominal. Mais especificamente, este termo refere as propriedades definidoras destas unidades gerais, como número, gênero e caso para a categoria nome, tempo, aspecto, voz, etc. para a categoria verbo” (XAVIER & MATEUS, 1992, n.pXAVIER, M. F.; MATEUS, M. H. (Orgs.). Dicionário de termos linguísticos, Volume II. Lisboa: Edições Cosmos, 1992. Disponível em: http://www.portaldalinguaportuguesa.org/index.php?action=dtlinginfo . Acesso em: 04 jun. 2019.
    http://www.portaldalinguaportuguesa.org/...
    ).
  • 7
    No original: “tout particulièrement en ce qui concerne les catégories discursives”.
  • 8
    No original: “Même sous la plume d’un seul linguiste, l’hétérogénéité s’impose avec force, puisqu’une catégorie peut être un ‘agencement réglé et régulier de formes’, une ‘catégorie linguistique’ ou encore un ‘objet métadiscursif’”.
  • 9
    No caso da linguística textual, as categorias textuais.
  • 10
    No original: “Ces unités ne sont pas une donnée déjà là, elles le deviennent a posteriori par le travail analytique”.
  • 11
    No original: “chacune de ces catégories est une construction contextualisée et fonctionnelle ou finalisée de l’analyste qui exige le dépassement des habituelles catégories logico-grammaticales”.
  • 12
    No original: “Une catégorie, c’était ‘ce qui contribue de façon positive à la détermination des objets’, pour Ali Bouacha qui proposait déjà de ‘chercher une base minimale de ce qui pourrait être une théorie et une méthodologie des observables’”.
  • 13
    No original: “L’activité discursive est à la fois dans le champ et hors du champ de la linguistique”; “en matière d’analyse de discours, les unités sur lesquelles on a l’habitude de travailler en linguistique deviennent inopérantes”.
  • 14
    No original: “une conception de l’énonciation et une réflexion sur les catégories qui l’actualisent dans l’énoncé”.
  • 15
    No original: “l’impact du sujet parlant dans son énoncé”.
  • 16
    No original: “conceptions différentes du discours”.
  • 17
    No original: “catégories discursives différentes”.
  • 18
    No original: “Outre qu’on se trouve face à un mélange de concepts opératoires et de notions descriptives, on assiste aux glissements de concepts vers de catégories de description”.
  • 19
    No original: “[...] devient, chez Roulet comme chez Kerbrat-Orecchioni, ‘la plus petite unité de communication’ qu’on met au jour, et dont on décrit les combinaisons dans des catégories plus larges”.
  • 20
    No original: “[…] l’énonciation devient un moyen de décrire les énoncés au travers de traces, d’indices, d’observables, mais au risque de ‘rater’ la discursivité et le sens du discours lorsqu’on se focalise sur une ou plusieurs catégories sans étudier leur distribution et leur combinaison à d’autres catégories dans l’ordre du texte […], et même si l’on fait appel, dans un second temps, à des catégories ‘extérieures’ empruntées à la psychologie sociale, à l’histoire, à la philosophie, à la sociologie, etc., on ne ‘re-pense’ pas, généralement, l’articulation entre les catégories langagières et les catégories non langagières”.
  • 21
    No original: “proposer une théorie unifiée qui articule des propositions théoriques à des catégories de description”.
  • 22
    No original: “Ainsi, l’articulation de catégories descriptives (qui rendent compte des opérations de référenciation, de prédication, d’énonciation...) à des concepts prenant en compte les conditions de construction et de production du discours (coréférenciation, hétérogéneité énonciative, interdiscursivité…) s’est-elle imposée en analyse du discours”.
  • 23
    No original: “encore plus si elle n’est fondée que sur l’analyse de l’organisation textuelle. Une approche aussi interprétative nécessiterait d’être fondée sur une combinaison de plusieurs entrées d’analyse. Sinon il est effectivement vraisemblable que la recherche interculturelle de discours ne fera que renforcer des préjugés et des stéréotypes”.
  • 24
    No original: “deux grandes entrées d’analyse, ce qui permet de cibler et de relativiser les conclusions”.
  • 25
    No original: “catégories globales, concepts et/ou notions associées, qu’il s’agit d’articuler à des catégories locales (mot, construction syntaxique, embrayeurs, modalisateurs, etc.)”.
  • 26
    Notamos que Bakhtin e os pensadores do Círculo empregam raramente o termo “dialogismo” (o termo “diálogo” é bem mais usual). Tylkowski (2011, p.58)TYLKOWSKI, I. “La conception du dialogue” de Mikhail Bakhtine et ses sources sociologiques (l’exemple des Problèmes de l’œuvre de Dostoïevski [1929]). Cahiers de praxématique, n. 57, p.50-68, 2011. https://journals.openedition.org/praxematique/1755 Acesso em 28/03/2021.
    https://journals.openedition.org/praxema...
    assinala que o termo aparece já em 1929 em Problemas da obra de Dostoiévski, “na passagem em que Bakhtin caracteriza a maneira dostoievskiana de filosofar referindo-se a Leonid Grossman”. [No original: “dans le passage où Bakhtine caractérise la façon dostoïevskienne de philosopher en se référant à Leonid Grossman”].
  • 27
    No original: “Le dialogisme, à condition de ne pas le réduire à une catégorie locale (pour décrire par exemple certaines formes de négation ou de thématisation), et à condition de lui associer les notions proposées par Volochinov et/ou Bakhtine (la situation, l’évaluation, la théorie de l’énoncé, le surdestinateur), permet d’aller pêcher et de regrouper, au fil des données étudiées et des corpus, différentes traces de catégories locales : des mots avec leur épaisseur dialogique ; diverses constructions syntaxiques qui inscrivent de l’interdiscours (proches du pré-construit) ; différentes formes de discours représentés (y compris l’oral par des traces particulières d’intonation, de pauses, etc.) et de marques d’hétérogénéités énonciatives (Authier), mais replacées dans leur encadrement textuel et leur environnement discursif, au sein des discours transverses et donc des mémoires qu’ils transportent”.
  • 28
    No original: “dans le monde francophone, l’application des idées de Bakhtine a plus de succès que l’analyse de la conception bakhtinienne”.
  • 29
    No original: “Le dialogisme, notion empruntée au Cercle de Bakhtine, est une categorie actuellement convoquée dans de nombreux travaux en sciences du langage, en particulier en analyse du discours [...]. Mais soit le dialogisme est intégré, voire “phagocyté”, par l’une des deux problématiques énonciatives dominantes en linguistique [:] [...] le cadre indiciel et le cadre pragmatique [...]; soit on peut le “penser” en tant que problématique énonciative à part entière, et autonome, ce que j’appellerai ici le cadre dialogique [...]. Dans ce cas, le dialogisme est pour moi indissociable de la théorie de l’énoncé, de l’élaboration d’une translinguistique et de la réflexion sur les genres du discours, telles qu’on les rencontre au fil des textes de Bakhtine et de Volochinov. Ce qui le fait basculer du côté des théories du discours et ne le confine pas à un rôle de catégorie énonciative, que l’on se contenterai d’articuler à celles déjà répertoriées dans les cadres indiciel et pragmatique”.
  • 30
    É notável que, na tradução anterior, publicada pela editora Hucitec, o termo categoria esteja presente para designar os “atos de fala”, provavelmente por influência da versão francesa da qual ele foi traduzido: “Disso decorre que a ordem metodológica para o estudo da língua deve ser: 1. As formas e os tipos de interação verbal em ligação com as condições concretas em que se realiza. 2. As formas das distintas enunciações, dos atos de fala isolados, em ligação estreita com a interação de que constituem os elementos, isto é, as categorias de atos de fala na vida e na criação ideológica que se prestam a uma determinação pela interação verbal. 3. A partir daí, exame das formas da língua na sua interpretação linguística habitual” (BAKHTIN, 1997, p.124 [grifo nosso]). Conforme mostramos na seção 1, “ato de fala” tornou-se uma categoria descritiva no contexto francês, frequentemente aplicada a priori (conforme a crítica de Brait (2006)BRAIT, B. Uma perspectiva dialógica de teoria, método e análise. Gragoatá, Niterói, n. 20, p.47-62, 2006. https://periodicos.uff.br/gragoata/article/view/33238 Acesso em 28/03/2021.
    https://periodicos.uff.br/gragoata/artic...
    ).
  • 31
    Segundo Costa (2017)COSTA, L. R. A questão da ideologia no Círculo de Bakhtin: E os embates no discurso de divulgação científica da revista Ciência Hoje. Cotia, SP: Ateliê Editorial, 2017., o dialogismo é “um dos postulados fundamentais do Círculo que, presente principalmente nas formulações de Volóchinov, foi incorporado às análises de Bakhtin e transformado em um dos elementos principais da sua própria teorização” (p.138).
  • 32
    Os autores mencionam, nesses excertos, o nome de Bakhtin, mas na verdade referem-se a Volóchinov (o que se deve à oscilação em relação a autoria dessa obra).
  • 33
    Esse excerto é uma tradução para o português de uma parte de POD, realizada por Luiza Lobo para o livro Teoria da literatura em suas fontes (BAKHTIN, 2002BAKHTIN, M. M. A tipologia do discurso na prosa. In: LIMA, L. C. Teoria da literatura em suas fontes. 3. ed. Tradução Luiza Lobo. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2002 [1929], v. 1. p.487-510.). Embora a tradutora mencione ter feito a tradução a partir de uma obra de 1925, constatamos, por meio do cotejamento com a tradução italiana da obra, que se trata de um trecho da obra de 1929: Em italiano: “Nessun accenno, nessuna riserva o scappatoia, nessuna allusione, nessuna uscita verbale sfugge al nostro orecchio, né è estranea alle nostre stesse labbra. Tanto più sorprendente è che ciò non abbia finora trovato un chiaro riconoscimento teorico e la dovuta valutazione! Teoreticamente noi riusciamo a muoverci solo nelle interrelazioni stilistiche tra gli elementi nei confini di un’enunciazione chiusa sullo sfondo di categorie astrattamente linguistiche. Solo simili fenomeni a una voce sono accessibili a quella stilistica linguistica superficiale che a tutt’oggi con tutto il suo valore linguistico è capace soltanto di registrare nella creazione artistica le tracce e i sedimenti di compiti artistici ad essa ignoti alla periferia linguistica delle opere” (BACHTIN, 1997 [1929], p.209BACHTIN, M. M. Problemi dell’opera di Dostoevskij. Translated by M. de Michiel e A. Ponzio. Bari: Edizioni dal Sud, 1997 [1929].).
  • 34
    Aliás, “Bakhtin nunca se declarou ‘filólogo’, Bocharov lembra o leitor. Ele se orgulhava de ser um filósofo. Na verdade, Bakhtin estremecia com a própria expressão ‘estudos literários’, que ele considerava uma ‘profissão parasitária’. Bakhtin não ‘escreveu livros sobre Dostoiévski e Rabelais’, Bocharov insistiu, mas livros ‘baseados no material fornecido por Dostoiévski e Rabelais’, isto é, livros ‘sobre sua própria proposta bakhtiniana, fazendo uso desses escritores como seu material’” (EMERSON, 2016, p.51EMERSON, C. Creative Ways of Not Liking Bakhtin: Lydia Ginzburg and Mikhail Gasparov. Bakhtiniana, São Paulo, v. 11, n. 1, p.42-76, Jan./April. 2016. https://www.scielo.br/scielo.php?pid=S2176-45732016000100042&script=sci_arttext&tlng=en Acesso em 28/03/2021.
    https://www.scielo.br/scielo.php?pid=S21...
    ).

REFERÊNCIAS

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    18 Jun 2021
  • Data do Fascículo
    Apr-Jun 2021

Histórico

  • Recebido
    06 Abr 2020
  • Aceito
    04 Dez 2020
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