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Áreas de Preservação Permanente (APP) em topos de morro em dois maciços cristalinos de Florianópolis/SC: aplicação para diferentes modelados de relevo segundo critérios de delimitação do Código Florestal Revogado e da nova Lei de Proteção da Vegetação Nativa

Resumo

As Áreas de Preservação Permanente (APP) em topos de morros sofreram alterações nos seus critérios de aplicação segundo a nova Lei de Proteção da Vegetação Nativa (LPVN), especialmente em relação ao que é preconizado na Resolução Conama 303/2002. Também, a LPVN desconsidera que as elevações brasileiras possuam diferentes modelados de relevo, de acordo com sua estrutura geológica e processos geomorfológicos atuantes. Os objetivos deste artigo são analisar a aplicação desta tipologia de APPs em dois maciços cristalinos com modelado de dissecação em Florianópolis/SC e verificar possíveis mudanças no grau de proteção em relação aos critérios das normativas citadas. Os resultados revelaram que em uma área de geologia relativamente homogênea, os aspectos de relevo são diferentes e condicionam a delimitação das APPs. Também foi observado que com os critérios da LPVN houve redução de 100% das APPs em topo de morro em relação àqueles do Antigo Código e Resolução Conama 303/2002.

Palavras-chave:
Área de Preservação Permanente (APP); topos de morros; maciços cristalinos; legislação ambiental

Abstract

Permanent Preservation Areas (PPA) on hilltops have undergone changes in their application criteria under the new Native Vegetation Protection Law (LPVN, in Portuguese), particularly regarding the recommendations outlined in Conama Resolution 303/2002. Also, LPVN disregards the fact that the hills in Brazil have different relief models, which are determined by their geological structure and active geomorphological processes. The objectives of this article are to analyze the application of this typology of PPAs in two crystalline massifs with a dissection model in Florianópolis, Santa Catarina, and to verify possible changes in the degree of protection in relation to the criteria of the aforementioned regulations. The results revealed that in an area with relatively homogeneous geology, the relief aspects vary and influence the delineation of the PPAs. It was also observed that the LPVN criteria resulted in a 100% reduction in hilltop PPAs compared to those of the previous Forest Code and Conama Resolution 303/2002.

Keywords:
Permanent Preservation Area (PPA); hilltops; crystalline massifs; environmental legislation

Resumen

Los criterios de aplicación para Las Áreas de Preservación Permanente (APP) en las cimas de elevaciones sufrieron cambios en el marco de la nueva Ley de Protección de la Vegetación Nativa (LPVN), especialmente con relación a lo recomendado en la Resolución Conama 303/2002. Además, la LPVN no considera que las elevaciones brasileñas tengan diferentes modelos de relieve, de acuerdo con su estructura geológica y procesos geomorfológicos. Los objetivos de este trabajo son analizar la aplicación de esta tipología de APPs en dos macizos cristalinos con modelo de disección en Florianópolis/SC y verificar posibles cambios en el grado de protección con relación a las normativas mencionadas. Los resultados revelaron que, en un área de geología relativamente homogénea, los aspectos del relieve son diferentes y afectan la delimitación de las APP. También, de acuerdo con los criterios de la LPVN, hubo una reducción del 100% de estas APPs con relación a los del derogado Código y la Resolución Conama 303/2002.

Palabras clave:
Área de Preservación Permanente (APP); las cimas de elevaciones; macizos cristalinos; legislación medioambiental

Introdução

A instituição da Lei de Proteção da Vegetação Nativa (Lei n. 12.651/2012BRASIL. Lei n. 12.651, de 25 de maio de 2012. Dispõe sobre a proteção da vegetação nativa. Diário Oficial da União, Brasília, DF, 25 de maio de 2012.), também conhecida como Novo Código Florestal, provocou muitas mudanças na legislação ambiental brasileira. Em relação às tipologias consideradas como Áreas de Preservação Permanente (APPs) pouca coisa mudou do que já era preconizado na Lei do Código Florestal revogada (Lei n. 4.771/1965BRASIL. Lei n. 4.771, de 15 de setembro de 1965. Institui o novo Código Florestal. Diário Oficial da União, Brasília, DF, 15 de setembro de 1965.); ficou mais clara a proteção dos manguezais na nova lei, por exemplo. Todas as categorias de APPs já existentes permaneceram, porém houve alterações nos critérios para sua identificação. Esse foi o caso das APPs em topos de morros. A alteração nos critérios para a delimitação dessa tipologia de APPs envolveu, entre outras modificações, a exclusão da proteção de linha de cumeadas (contida na Resolução Conama n. 303/2002BRASIL; CONAMA - Conselho Nacional do Meio Ambiente. Resolução n. 303, de 20 de março de 2002. Dispõe sobre parâmetros, definições e limites de Áreas de Preservação Permanente. Diário Oficial da União, Brasília, DF, 13 maio 2002.).

Além disso, a legislação ambiental brasileira estabelece critérios únicos para a delimitação de APPs em topo de morro que não levam em consideração as variações de topos e tipos de elevações encontrados nos relevos controlados por litologias e estruturas geológicas diferentes (relevos estruturais). Por exemplo, existem relevos característicos de estruturas de camadas horizontais e sub-horizontais (de rochas sedimentares e/ou de derrames de lavas), de atividade vulcânica, de áreas falhadas e dobradas e de intrusões cristalinas (PENTEADO, 1983PENTEADO, M. M. Fundamentos da Geomorfologia. 3. ed. Rio de Janeiro: IBGE, 1983.; PISÓN; TELLO, 1986PISÓN, E. M. de; TELLO, B (cord.). Atlas de geomorfología. Madri: Alianza Editorial, 1986. ; PENHA, 1994PENHA, H. M. Processos endógenos na formação do relevo. In: GUERRA, A.J.T.; CUNHA, S.B. (org.). Geomorfologia: Uma atualização de bases e conceitos. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil , 1994. p. 51-92.; CASSETI, 2005CASSETI, Valter. Geomorfologia. Funape, 2005.). Penha (1994PENHA, H. M. Processos endógenos na formação do relevo. In: GUERRA, A.J.T.; CUNHA, S.B. (org.). Geomorfologia: Uma atualização de bases e conceitos. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil , 1994. p. 51-92.) também ressalta a foliação das rochas metamórficas como uma característica que interfere no modelado do relevo, e diversos autores (PENTEADO, 1983PENTEADO, M. M. Fundamentos da Geomorfologia. 3. ed. Rio de Janeiro: IBGE, 1983.; PISÓN; TELLO 1986PISÓN, E. M. de; TELLO, B (cord.). Atlas de geomorfología. Madri: Alianza Editorial, 1986. ; CASSETI, 2005CASSETI, Valter. Geomorfologia. Funape, 2005.; GOUDIE; VILES, 2010GOUDIE, A.; VILES, H. Landscape and geomorphology: a very short introduction. Oxford: Oxford University Press, 2010.) chamam a atenção para as rochas com composição carbonática que desenvolvem relevo específico.

Segundo Penteado (1983PENTEADO, M. M. Fundamentos da Geomorfologia. 3. ed. Rio de Janeiro: IBGE, 1983.) e Casseti (2005CASSETI, Valter. Geomorfologia. Funape, 2005.), os relevos são diferenciados pelas suas relações climático-estruturais e podem ser divididos em relevos tabuliformes, cuestiformes, hog-back, dômicos, esculpidos em dobras (como o jurássico e o apalacheano), elaborados em estrutura falhada, cristalina ou sobre rochas carbonáticas (relevo kárstico). As elevações presentes em cada um desses tipos de relevos possuem formas diferenciadas, que variam de acordo com a estrutura geológica e o padrão de dissecação do clima local. Desta forma, nos relevos tabuliformes, por exemplo, os topos das elevações podem ser planos se uma camada resistente estiver no topo, ou no relevo de falhas pode ocorrer uma elevação com topo em forma de crista que segue uma antiga linha de falha. Elevações contínuas com cristas muito extensas podem ser observadas em relevos do tipo apalacheano, caso a rocha de uma camada resistente (como um quartzito) esteja aflorando.

Uma outra questão a ser levantada é que na Geomorfologia não é relevante onde o topo da elevação começa; isso não é objeto dos estudos geomorfológicos. Guerra (2008GUERRA, Antônio Teixeira. Novo dicionário geológico-geomorfológico. 6. ed. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2008.) define que o topo ou cume de uma elevação é a sua parte mais elevada. Ou seja, é um termo utilizado apenas de modo descritivo e não delimitativo. Sendo assim, seria importante que fossem desenvolvidos estudos em Geomorfologia que abordassem a delimitação de APPs em topo de morro, levando em consideração os diferentes relevos estruturais e as características das rochas. Isso poderia contribuir para uma melhor aplicação da legislação ou até mesmo para a sua revisão.

Há diversos estudos que tratam de APPs em topo de morro em localidades brasileiras, mas que não utilizam os conhecimentos geomorfológicos ou abordam com detalhe o relevo analisado. Alguns desses estudos se preocuparam, ainda dentro dos critérios estabelecidos pelo Código Florestal Revogado e Resolução Conama n. 303/2002BRASIL; CONAMA - Conselho Nacional do Meio Ambiente. Resolução n. 303, de 20 de março de 2002. Dispõe sobre parâmetros, definições e limites de Áreas de Preservação Permanente. Diário Oficial da União, Brasília, DF, 13 maio 2002., com o desenvolvimento de metodologias automatizadas em ambiente dos Sistemas de Informações Geográficas (SIG) para a determinação das APPs em topos de morros, tais como os de Peluzio, Santos e Fiedler (2010PELUZIO, T. M. de O; SANTOS, A. R. dos; FIEDLER, N. C. (org.). Mapeamento de áreas de preservação permanente no ArcGIS 9.3. 1. ed. Espírito Santo: CAUFES, 2010.), Oliveira (2002OLIVEIRA, M. J. de. Proposta metodológica para delimitação automática de APPs em topos de morros e em linhas de cumeada. 2002. 53 f. Dissertação (Mestrado em Ciência Florestal) - Programa de Pós-Graduação em Ciência Florestal, Universidade Federal de Viçosa, Viçosa, 2002.), Hott, Guimarães e Miranda (2005HOTT, M. C.; GUIMARÃES, M.; MIRANDA, E. E. de. Um método para a determinação automática de áreas de preservação permanente em topos de morros para o Estado de São Paulo. In: SIMPÓSIO BRASILEIRO DE SENSORIAMENTO REMOTO (SBSR), 12, 2005, Goiânia. Anais [...]. São José dos Campos: INPE, 2005. p. 3061-3068.), entre outros. Peluzio, Santos e Fiedler (2010PELUZIO, T. M. de O; SANTOS, A. R. dos; FIEDLER, N. C. (org.). Mapeamento de áreas de preservação permanente no ArcGIS 9.3. 1. ed. Espírito Santo: CAUFES, 2010.) encontraram 3,886km² de área de APP em topos de morro e em linhas de cumeada na bacia do rio Alegre, ES. Oliveira (2002OLIVEIRA, M. J. de. Proposta metodológica para delimitação automática de APPs em topos de morros e em linhas de cumeada. 2002. 53 f. Dissertação (Mestrado em Ciência Florestal) - Programa de Pós-Graduação em Ciência Florestal, Universidade Federal de Viçosa, Viçosa, 2002.) discutiu a aplicação de forma automatizada dos critérios para definição de APP em topo de morro na bacia do córrego do Paraíso em Viçosa/MG. Hott, Guimarães e Miranda (2005HOTT, M. C.; GUIMARÃES, M.; MIRANDA, E. E. de. Um método para a determinação automática de áreas de preservação permanente em topos de morros para o Estado de São Paulo. In: SIMPÓSIO BRASILEIRO DE SENSORIAMENTO REMOTO (SBSR), 12, 2005, Goiânia. Anais [...]. São José dos Campos: INPE, 2005. p. 3061-3068.) usaram uma metodologia automatizada em ambiente SIG para mapeamento desta tipologia de APP para todo o estado de São Paulo, identificando 19.236 km² de áreas protegidas. Observa-se em relação a esses estudos uma diversidade de tamanho das áreas analisadas e, por consequência, das escalas espaciais empregadas.

A acurácia e a resolução espacial do produto planialtimétrico empregado para delimitar as APPs em topos de morro interferem nos resultados obtidos. Os trabalhos de Victoria (2010VICTORIA, D. de C. Influência da escala em uma metodologia de delimitação automática de áreas de preservação permanente em topo de morro e montanha e adaptação do método para escalas detalhadas. Revista Brasileira de Cartografia, Uberlândia. v. 62, n. 3, p. 479-488, 2010.), Oliveira (2015OLIVEIRA, G. de C. Precisão de modelos digitais de terreno, mapeamento automático de APPS em topos de morros e a eficácia do Novo Código Florestal. 2015. Dissertação (Mestrado) - Programa de Pós-Graduação em Solos e Nutrição de Plantas, Universidade Federal de Viçosa, Viçosa, 2015.), Almeida e Berger (2017ALMEIDA, A. Q. de; BERGER, B. Comparação de áreas de preservação permanente demarcadas a partir de diferentes escalas topográficas. In: MORAES, A. de C.; SANTOS, A. R. dos. A & environmental analysis. Vitória: Edufes, 2017. p. 19 - 39.) e Oliveira, Cessa e Oliveira (2020OLIVEIRA, C. M. M. de; CESSA, R. M. A.; OLIVEIRA, J. Â. M. de. Delimitação de Áreas de Preservação Permanente em Diferentes Resoluções Espaciais. Anuário do Instituto de Geociências, Rio de Janeiro, v. 43, n. 1, p. 171-180, 2020.) discutem essa questão. Victoria (2010VICTORIA, D. de C. Influência da escala em uma metodologia de delimitação automática de áreas de preservação permanente em topo de morro e montanha e adaptação do método para escalas detalhadas. Revista Brasileira de Cartografia, Uberlândia. v. 62, n. 3, p. 479-488, 2010.) utilizou diferentes produtos para o cálculo de APPs de topos de morros de um mesmo recorte espacial em Campinas/SP, resultando que a extensão das áreas protegidas usando o MDT (Modelo Digital de Terreno) do SRTM (Shuttle Radar Topography Mission), com resolução espacial de 90 m, foi menor do que daquelas obtidas partir de um levantamento topográfico com escala 1:50.000 (25km² e 213,1km² respectivamente). Portanto, quanto melhor a resolução espacial do produto usado para determinação das APPs em topos de morro, maior será a área protegida.

As pesquisas que abordam as áreas protegidas como topo de morro aumentaram quando a Lei n. 12.651/2012BRASIL. Lei n. 12.651, de 25 de maio de 2012. Dispõe sobre a proteção da vegetação nativa. Diário Oficial da União, Brasília, DF, 25 de maio de 2012. estabeleceu mudanças nos critérios para identificação dessas APPs, tais como os trabalhos de Gasparini et al. (2013GASPARINI, K. A. C.; LYRA, G. B.; DELGADO, R. C.; FACCO, A. G.; FRANCELINO, M. R; OLIVEIRA, J. F. de. Técnicas de Geoprocessamento e Sensoriamento Remoto Aplicadas na Identificação de Conflitos do Uso da Terra em Seropédica-RJ. Floresta e Ambiente, Rio de Janeiro, v. 20, n. 3, p. 296-306, 2013.) e de Luppi et al. (2015LUPPI, A. S. L.; SANTOS, A. R dos; EUGENIO, F. C. FEITOSA, S. A. Utilização de Geotecnologia para o Mapeamento de Áreas de Preservação Permanente no Município de João Neiva, ES. Floresta e Ambiente, Rio de Janeiro, v. 22, n. 1, p. 13-22, 2015.). Alguns estudos comparam o grau de proteção a partir dos critérios presentes no Código Revogado e no Novo Código, como ocorre nos trabalhos de Francelino e Silva (2014FRANCELINO, M. R; SILVA, J. de A. Impacto da inclinação média na delimitação de área de preservação permanente. Floresta e Ambiente, Rio de Janeiro, v. 21, n. 4, p. 441-448, 2014.) e de Guimarães e Moreira (2018GUIMARÃES, F. G; MOREIRA, A. A. M. As Áreas de Preservação Permanente de topo de morro e a lei federal 12.651/2012: um estudo de caso da região da zona da Mata - MG. Caminhos de Geografia, Uberlândia, v. 19, n. 67, p. 175-187, 2018.).

Tendo em vista que a atual Lei de Proteção da Vegetação Nativa restringe as APPs em topo de morro a critérios únicos, sem considerar que no território brasileiro há relevos diferentes, este artigo discute a delimitação de APPs em topos de morros para dois maciços cristalinos com modelado de dissecação em morrarias e montanhas localizados em Florianópolis/SC, cuja geologia é pouco complexa, constituída em sua maioria por rochas intrusivas graníticas. Também são comparados os resultados da aplicação dos critérios diferenciados do Código Florestal Revogado e da Resolução Conama n. 303 de 2002 com aqueles presentes na Lei de Proteção da Vegetação Nativa para os dois maciços estudados, a fim de se verificar possíveis mudanças na proteção das áreas consideradas como APPs em topo de morro.

Área de estudo

A área de estudo compreende dois maciços localizados na ilha de Santa Catarina, município de Florianópolis (SC): o maciço de Jurerê, ao noroeste da ilha, e o maciço do Morro da Cruz, na parte central (Figuras 1 e 2). Segundo Herrmann e Rosa (1991HERRMANN, M. L. P.; ROSA, R. O. Geomorfologia. In: IBGE. DIGEO. Mapeamento Temático do município de Florianópolis. Florianópolis: IPUF, 1991.), o relevo da ilha de Santa Catarina apresenta modelado de dissecação em colinas, em morrarias e em montanhas a partir de rochas graníticas do Pré-Cambriano (CARUSO JÚNIOR, 1993CARUSO JÚNIOR, F. Mapa Geológico da Ilha de Santa Catarina. Notas Técnicas. CECO-UFRGS. Texto Explicativo e Mapa (escala 1:100.000). Porto Alegre: CECO-UFRGS, 1993.).

Figura 1 -
Localização do Maciço de Jurerê.

Figura 2 -
Localização do Maciço do Morro da Cruz.

A estrutura geológica aparentemente simples de intrusões cristalinas de diferentes tipos de granitos é modificada pela existência de diversos lineamentos estruturais de direção predominante nordeste-sudoeste, criando alinhamentos de divisores de água e de vales fluviais. Alguns desses lineamentos são preenchidos com diques básicos (diabásio) e, em menor proporção, ácidos e intermediários (riolitos, dacitos, andesitos) (TOMAZOLLI; PELLERIN, 2014TOMAZOLLI, E. R.; PELLERIN, J. R. M. Mapa geológico da ilha de Santa Catarina. Escala 1:50.000. Projeto Atlas geológico-geomorfológico da Ilha de Santa Catarina. Departamento de Geociências-Universidade Federal de Santa Catarina, 2014.). Deve-se chamar a atenção que a presença de diques pode causar metamorfismo de contato nas rochas encaixantes, modificando sua resistência ao intemperismo.

De acordo com o mapeamento realizado por Tomazolli e Pellerin (2014TOMAZOLLI, E. R.; PELLERIN, J. R. M. Mapa geológico da ilha de Santa Catarina. Escala 1:50.000. Projeto Atlas geológico-geomorfológico da Ilha de Santa Catarina. Departamento de Geociências-Universidade Federal de Santa Catarina, 2014.), o maciço de Jurerê é constituído pelo Granito Ilha e apresenta muitos lineamentos estruturais de diferentes direções. Um destes lineamentos está localizado no seu divisor principal e apresenta direção nordeste-sudoeste, constituindo um dique de rochas básicas (Figura 3). Um outro lineamento mostra direção noroeste-sudeste e possui preenchimento por rochas ácidas, situado em um divisor secundário. Esse maciço apresenta altitude máxima de 148,50m e modelado de dissecação em morraria, encontrando-se rodeado por terrenos das planícies marinha e lacustre, de acordo com Herrmann e Rosa (1991HERRMANN, M. L. P.; ROSA, R. O. Geomorfologia. In: IBGE. DIGEO. Mapeamento Temático do município de Florianópolis. Florianópolis: IPUF, 1991.).

Figura 3 -
Aspectos geológicos dos maciços do Morro da Cruz (A) e de Jurerê (B).

O maciço do Morro da Cruz apresenta uma geologia mais complexa, apesar de ser constituído pelos Granitos Ilha e Itacorubi, pois esses foram muito modificados por eventos de deformação (zonas de cisalhamento e falhas), além de intrusões tardias de rochas ácidas e básicas (TOMAZOLLI; PELLERIN, 2014TOMAZOLLI, E. R.; PELLERIN, J. R. M. Mapa geológico da ilha de Santa Catarina. Escala 1:50.000. Projeto Atlas geológico-geomorfológico da Ilha de Santa Catarina. Departamento de Geociências-Universidade Federal de Santa Catarina, 2014.). Em uma parte do maciço, o Granito Ilha foi transformado em um Granito Cataclástico, o qual apresenta uma tonalidade escura, devido a maiores concentrações de ferro (TOMAZOLLI; PELLERIN, 2014TOMAZOLLI, E. R.; PELLERIN, J. R. M. Mapa geológico da ilha de Santa Catarina. Escala 1:50.000. Projeto Atlas geológico-geomorfológico da Ilha de Santa Catarina. Departamento de Geociências-Universidade Federal de Santa Catarina, 2014.).

O Granito Cataclástico se encontra alinhado na direção nordeste-sudoeste e ele mantém cristas alongadas nos divisores da parte sul do maciço. Em sequência ao alinhamento do Granito Cataclásico em direção norte, há um dique de diabásio. Esse dique se torna mais espesso ao norte e sobre ele foi modelado um vale, na localidade Morro do Horácio. Diques de riolito também são encontrados nesse maciço e apresentam direção aproximada norte-sul, sendo que um desses diques forma um outro segmento de crista no maciço na sua parte norte (em pequeno ângulo com o dique de diabásio onde se desenvolveu o vale). Além disso, essas rochas são cortadas por veios de aplito de espessuras e direções variadas (TOMAZOLLI; PELLERIN; ESTEVES, 2003TOMAZZOLI, E. R.; PELLERIN, J. R. M.; ESTEVES, M. B. Geologia e unidades morfotectônicas da área Central da cidade de Florianópolis - SC. In: II Congresso sobre Planejamento e Gestão das Zonas Costeiras dos Países de Expressão Portuguesa; IX Congresso da Associação Brasileira de Estudos do Quaternário; II Congresso do Quaternário dos Países de Língua Ibérica. Anais [...]. Recife: ABEQUA, 2003. p. 1 - 5.).

As altitudes no maciço do Morro da Cruz alcançam 286 m, sendo que este valor é também a maior amplitude altimétrica de suas encostas, uma vez que sua base tem altitudes próximas do nível do mar. Herrmann e Rosa (1991HERRMANN, M. L. P.; ROSA, R. O. Geomorfologia. In: IBGE. DIGEO. Mapeamento Temático do município de Florianópolis. Florianópolis: IPUF, 1991.) atribuem para esse maciço um modelado de dissecação em montanhas, com presença de interflúvios principais angulosos. Ele é delimitado a oeste por um modelado de dissecação em colinas, pelas águas das baías ao norte e ao sul e pelo manguezal do Itacorubi a leste. Ao sul, ainda, o maciço do Morro da Cruz se liga a outro maciço, o maciço da Costeira.

Procedimentos metodológicos

Para o mapeamento das APPs em topo de morro, foi utilizada a metodologia baseada em Souza (2021SOUZA, K. I. S. de. Definição de áreas de preservação permanente com função de proteção aos recursos hídricos naturais. 2021. 332 f. Tese (Doutorado em Engenharia Ambiental) - Programa de Pós-Graduação em Engenharia Ambiental, Universidade Federal de Santa Catarina, Florianópolis, 2021.), com uso do software livre QGIS 3.10. A fonte dos dados topográficos foi o modelo digital de terreno (MDT) com precisão altimétrica de 1 metro e grid com resolução espacial de 1 metro, disponibilizado pela Secretaria de Estado do Desenvolvimento Sustentável de Santa Catarina (SDS).

Inicialmente, foram removidas as depressões espúrias do MDT, utilizando a ferramenta “Fill Sinks xxl”, criando assim um modelo hidrologicamente consistente (MDTHC) (SILVA et al., 2016SILVA, J. L. G.; WEGNER, N.; OSMAN, Y; ALVES, A. R. Delimitação de Áreas de Preservação Permanente em topo de morro utilizando o Qgis. In: XVII Simposio Internacional SELPER, 2016, Puerto Iguazú. Libro de Resúmenes. Puerto Iguazú: SELPER, 2016. v. 1. p. 141-141. ). O plano horizontal ou base dos maciços estudados foi definido pelo limite entre as declividades maiores e menores que 10% (5,71) (SOUZA, 2021SOUZA, K. I. S. de. Definição de áreas de preservação permanente com função de proteção aos recursos hídricos naturais. 2021. 332 f. Tese (Doutorado em Engenharia Ambiental) - Programa de Pós-Graduação em Engenharia Ambiental, Universidade Federal de Santa Catarina, Florianópolis, 2021.), a partir da elaboração de um mapa de declividade na ferramenta Slope, aspect, curvature.

Como as elevações a serem mapeadas são na verdade maciços que possuem diversos cumes (topos), foi necessário setorizar esses maciços, tentando encontrar as elevações a que pertencem cada um dos cumes. Para localizar os cumes e as elevações no maciço, utilizou-se a metodologia de inversão do relevo, de geração da direção de fluxo e de bacias hidrográficas, discutida em estudos como os de Hott, Guimarães e Miranda (2005HOTT, M. C.; GUIMARÃES, M.; MIRANDA, E. E. de. Um método para a determinação automática de áreas de preservação permanente em topos de morros para o Estado de São Paulo. In: SIMPÓSIO BRASILEIRO DE SENSORIAMENTO REMOTO (SBSR), 12, 2005, Goiânia. Anais [...]. São José dos Campos: INPE, 2005. p. 3061-3068.), Victoria (2010VICTORIA, D. de C. Influência da escala em uma metodologia de delimitação automática de áreas de preservação permanente em topo de morro e montanha e adaptação do método para escalas detalhadas. Revista Brasileira de Cartografia, Uberlândia. v. 62, n. 3, p. 479-488, 2010.), Oliveira e Fernandes Filho (2013OLIVEIRA, G. de C.; FERNANDES FILHO, E. I. Metodologia para delimitação de APPs em topos de morros segundo o novo Código Florestal brasileiro utilizando sistemas de informação geográfica. In: SIMPÓSIO BRASILEIRO DE SENSORIAMENTO REMOTO, 16, 2013, Foz do Iguaçu. Anais [...]. Foz do Iguaçu: INPE, 2013. p. 4443-4450.) e Souza (2021SOUZA, K. I. S. de. Definição de áreas de preservação permanente com função de proteção aos recursos hídricos naturais. 2021. 332 f. Tese (Doutorado em Engenharia Ambiental) - Programa de Pós-Graduação em Engenharia Ambiental, Universidade Federal de Santa Catarina, Florianópolis, 2021.). O modelo invertido proporciona que os topos sejam convertidos em depressões e que a direção de fluxo e a divisão das bacias identifiquem a área de contribuição (elevação) desses cumes invertidos.

Para criar o relevo invertido, utilizou-se o MDTHC, processado pela ferramenta “calculadora raster” a partir da expressão “MDTHC*(-1)”. No MDTHC invertido, foi processada a direção de fluxo com a ferramenta “terraflow”. Para a geração dos segmentos de fluxo e a divisão das bacias hidrográficas invertidas, foi usado o complemento “watershed”, realizando testes quanto aos tamanhos mínimos das bacias a serem utilizadas. Para a identificação dos cumes, foram utilizados quatro critérios: 1) a intersecção dos deflúvios das bacias determinadas pelo relevo invertido; 2) a direção de fluxo invertido; 3) o segmento de fluxo; e 4) as curvas de nível com equidistância de 10 m que se fecham em si junto dos cumes. A direção de fluxo invertido foi usada por Oliveira (2015OLIVEIRA, G. de C. Precisão de modelos digitais de terreno, mapeamento automático de APPS em topos de morros e a eficácia do Novo Código Florestal. 2015. Dissertação (Mestrado) - Programa de Pós-Graduação em Solos e Nutrição de Plantas, Universidade Federal de Viçosa, Viçosa, 2015.), Oliveira e Fernandes Filho (2013OLIVEIRA, G. de C.; FERNANDES FILHO, E. I. Metodologia para delimitação de APPs em topos de morros segundo o novo Código Florestal brasileiro utilizando sistemas de informação geográfica. In: SIMPÓSIO BRASILEIRO DE SENSORIAMENTO REMOTO, 16, 2013, Foz do Iguaçu. Anais [...]. Foz do Iguaçu: INPE, 2013. p. 4443-4450.), Peluzio, Santos e Fiedler (2010PELUZIO, T. M. de O; SANTOS, A. R. dos; FIEDLER, N. C. (org.). Mapeamento de áreas de preservação permanente no ArcGIS 9.3. 1. ed. Espírito Santo: CAUFES, 2010.) e Victoria (2010VICTORIA, D. de C. Influência da escala em uma metodologia de delimitação automática de áreas de preservação permanente em topo de morro e montanha e adaptação do método para escalas detalhadas. Revista Brasileira de Cartografia, Uberlândia. v. 62, n. 3, p. 479-488, 2010.), enquanto os outros três critérios foram empregados por Souza (2021SOUZA, K. I. S. de. Definição de áreas de preservação permanente com função de proteção aos recursos hídricos naturais. 2021. 332 f. Tese (Doutorado em Engenharia Ambiental) - Programa de Pós-Graduação em Engenharia Ambiental, Universidade Federal de Santa Catarina, Florianópolis, 2021.).

Após a definição dos cumes, passa-se a individualizar as elevações das quais eles fazem parte no maciço. A elevação, nesse caso, é idealizada como uma determinada área que recebe o escoamento superficial proveniente do cume. A delimitação dessa área é feita a partir da direção de fluxo e do limite das bacias hidrográficas anteriormente elaborados com o MDTHC invertido, além do uso do “relevo normal” em 3D, criado pela ferramenta “Qgis2threejs”. Com base nessas informações, manualmente se delimita as áreas que pertencem a cada cume. Ao longo da linha de cumeada onde estão os cumes, a delimitação das áreas de elevação de cada um é realizada a partir do ponto de sela entre eles, utilizando curvas de nível com equidistância de um metro. Os outros limites das elevações ao longo do maciço são feitos manualmente, aglutinando as bacias que contribuem para o cume no relevo invertido, utilizando o “mesclar feições” do QGis, até que exista uma elevação para cada cume.

Tendo as elevações e seus cumes definidos em cada maciço estudado, passou-se a utilizar os critérios estabelecidos pelo Código Florestal Revogado (mais Resolução Conama n. 303/2002BRASIL; CONAMA - Conselho Nacional do Meio Ambiente. Resolução n. 303, de 20 de março de 2002. Dispõe sobre parâmetros, definições e limites de Áreas de Preservação Permanente. Diário Oficial da União, Brasília, DF, 13 maio 2002.) e pela Lei de Proteção da Vegetação Nativa, atualmente em vigor, para a definição da APP em topo de morro:

a) Código Florestal Revogado e Resolução Conama n. 303/2002BRASIL. Lei n. 12.651, de 25 de maio de 2012. Dispõe sobre a proteção da vegetação nativa. Diário Oficial da União, Brasília, DF, 25 de maio de 2012.: “Consideram-se de preservação permanente, pelo só efeito desta Lei, as florestas e demais formas de vegetação natural situadas em [...] no topo de morros, montes, montanhas e serras” (BRASIL. Lei 4771 de 1965, Art. 2º, alínea dBRASIL. Lei n. 4.771, de 15 de setembro de 1965. Institui o novo Código Florestal. Diário Oficial da União, Brasília, DF, 15 de setembro de 1965.).

Detalhamento dado pela Resolução Conama n. 303/2002BRASIL; CONAMA - Conselho Nacional do Meio Ambiente. Resolução n. 303, de 20 de março de 2002. Dispõe sobre parâmetros, definições e limites de Áreas de Preservação Permanente. Diário Oficial da União, Brasília, DF, 13 maio 2002.: APPs em topos de morros são identificadas a partir do terço superior da elevação do tipo morro (com altura entre 50 e 300 metros e encostas com declividade superior a 17º na linha de maior declive) e do tipo montanha (com altura acima de 300 metros); na ocorrência de dois ou mais topos de morros ou montanhas que estejam separados entre si por distâncias inferiores a 500 metros na linha de cumeada, deve-se identificar o menor morro ou montanha e a APP será determina pela linha da curva de nível correspondente ao terço superior desse; em relação as linhas de cumeada, a APP deve ser delimitada a partir da curva de nível correspondente a dois terços da altura, em relação à base, do pico mais baixo da cumeada, fixando-se a curva de nível para cada segmento da linha de cumeada equivalente a mil metros (BRASIL. Resolução Conama n. 303 de 2002BRASIL; CONAMA - Conselho Nacional do Meio Ambiente. Resolução n. 303, de 20 de março de 2002. Dispõe sobre parâmetros, definições e limites de Áreas de Preservação Permanente. Diário Oficial da União, Brasília, DF, 13 maio 2002., Art. 3º, incisos V, VI e parágrafo único, incisos I, II, III e IV).

Para calcular a declividade e a altura de cada elevação, foi empregada a ferramenta “Estatística zonal”, como realizado no trabalho de Silva et al. (2016SILVA, J. L. G.; WEGNER, N.; OSMAN, Y; ALVES, A. R. Delimitação de Áreas de Preservação Permanente em topo de morro utilizando o Qgis. In: XVII Simposio Internacional SELPER, 2016, Puerto Iguazú. Libro de Resúmenes. Puerto Iguazú: SELPER, 2016. v. 1. p. 141-141. ). Para a altura das elevações, foi calculada a altitude da superfície que possui declividade igual ou inferior a 10% (17º), considerada a base dos maciços, e as altitudes de seus cumes. As elevações que respeitavam ambos os critérios: “declividade superior a 17º e altura maior que 50 metros” (Resolução Conama n. 303/2002BRASIL; CONAMA - Conselho Nacional do Meio Ambiente. Resolução n. 303, de 20 de março de 2002. Dispõe sobre parâmetros, definições e limites de Áreas de Preservação Permanente. Diário Oficial da União, Brasília, DF, 13 maio 2002.) foram selecionadas para determinar as APPs em topos de morro.

A resolução Conama n. 303/2002 chama a atenção para cumes que estejam em linha de cumeada. Esses cumes são caracterizados por não estarem distantes 500 metros uns dos outros. Caso estejam mais afastados do que isso, configuram-se como cumes isolados ou novas linhas de cumeadas. Para saber se os cumes identificados fazem parte de uma linha cumeada, foi medida a distância entre eles com a ferramenta “linhas”, do QGis. Como a referida resolução determina que se deve identificar a menor elevação que faz parte da linha de cumeada para ser a base da delimitação das áreas protegidas como topo de morro para toda a linha de cumeada, essa foi identificada por sua altura. Depois disso, o seu terço superior foi determinado na “calculadora de campo” pela expressão: “"altura_max’ - ("amplitude_altura'/3)” do QGis. Esse terço superior foi depois expandido para toda a linha de cumeada, desde que não ultrapassasse 1.000 metros de extensão de linha de cumeada (BRASIL, Resolução CONAMA n. 303/2002BRASIL; CONAMA - Conselho Nacional do Meio Ambiente. Resolução n. 303, de 20 de março de 2002. Dispõe sobre parâmetros, definições e limites de Áreas de Preservação Permanente. Diário Oficial da União, Brasília, DF, 13 maio 2002., Art. 3º, inciso VI). Ramificações de cumeadas nos maciços estudados foram observadas quando da identificação e delimitação das elevações.

Uma vez que se estava trabalhando com um MDT com boa resolução espacial, utilizou-se as curvas de nível com equidistância de um metro para delimitar a APP pelo valor do terço de sua elevação, respeitando o limite de cada elevação, e posteriormente adquiriu-se as áreas de APP pela ferramenta “linhas para polígonos” do QGis.

Para definir as APPs em topos de morro de elevações isoladas ou de segmentos de linha de cumeadas com cumes afastados mais do que 500 metros, o processo se deu da mesma forma. Com a altura e declividade já calculadas, restou apenas computar o terço da elevação pela “calculadora de campo” segundo a expressão utilizada anteriormente. Para delimitar os polígonos de APPs também foram utilizadas as curvas de nível com equidistância de 1 m na ferramenta “linhas para polígonos”.

b) Lei de Proteção da Vegetação Nativa: são APPs os “topos de morros, montes, montanhas e serras, com altura mínima de 100 (cem) metros e inclinação média maior que 25º, as áreas delimitadas a partir da curva de nível correspondente a 2/3 (dois terços) da altura mínima da elevação sempre em relação à base, sendo esta definida pelo plano horizontal determinado por planície ou espelho d’água adjacente ou, nos relevos ondulados, pela cota do ponto de sela mais próximo da elevação” (BRASIL, Lei n. 12.651/2012BRASIL. Lei n. 12.651, de 25 de maio de 2012. Dispõe sobre a proteção da vegetação nativa. Diário Oficial da União, Brasília, DF, 25 de maio de 2012., Art. 4º, inciso IX).

Para o mapeamento das APPs em topo de morro seguindo esses critérios, foram identificadas as elevações que apresentavam altura mínima de 100 metros e declividade média maior que 25º. Esses procedimentos foram aplicados para as elevações setorizadas anteriormente em cada maciço estudado. Quando as elevações cumpriam esses quesitos, eram consideradas aptas para a delimitação das APPs. Em seguida, seriam aplicados os critérios de definição da APP em topos de morros para relevos ondulados e para elevações isoladas.

Resultados e discussões

Aqui serão apresentados e discutidos a importância da definição do tamanho mínimo das bacias hidrográficas no relevo invertido para o processo de definição das APPs em topos de morros; os aspectos do relevo influenciando na aplicação dos parâmetros de delimitação destas APPs; e as diferenças na quantidade e tamanho das áreas consideradas como estas APPs de acordo com os critérios estabelecidos no Código Florestal Revogado (e Resolução Conama 303/2002BRASIL; CONAMA - Conselho Nacional do Meio Ambiente. Resolução n. 303, de 20 de março de 2002. Dispõe sobre parâmetros, definições e limites de Áreas de Preservação Permanente. Diário Oficial da União, Brasília, DF, 13 maio 2002.) e na Lei de Proteção da Vegetação Nativa. Os dois primeiros itens dos resultados são fundamentais para o processo de aplicação dos critérios definidos tanto pela Lei de Proteção da Vegetação Nativa quando pelo Código Florestal Revogado.

1. Definição do tamanho mínimo das bacias hidrográficas

Como descrito nos procedimentos metodológicos, quando se trabalha com relevos de maciços (ondulados), é preciso individualizar os cumes nas linhas de cumeada e as partes desses maciços que compõem as elevações associadas a cada um destes cumes. Para isso é preciso compartimentalizar as áreas de contribuição (bacias hidrográficas) no relevo invertido. Desta forma, deve-se definir o tamanho mínimo das bacias para ser processado, ou seja, o número mínimo de pixels do MDT a ser considerado. Assim, para este estudo, inicialmente foi utilizado o tamanho mínimo de 0,1% da quantidade total de pixels que compõe a área de cada maciço.

Como afirma Souza (2021SOUZA, K. I. S. de. Definição de áreas de preservação permanente com função de proteção aos recursos hídricos naturais. 2021. 332 f. Tese (Doutorado em Engenharia Ambiental) - Programa de Pós-Graduação em Engenharia Ambiental, Universidade Federal de Santa Catarina, Florianópolis, 2021.), esse é um método muito sensível ao tamanho mínimo atribuído as bacias hidrográficas e à resolução do MDT. No maciço de Jurerê foi utilizado o tamanho mínimo de 10.000 pixels, ou seja 0,1% de quantidade total de pixels, porém as bacias geradas não preencheram completamente o maciço, como pode ser visualizado na Figura 4. Assim, por meio de testes, esse número foi sendo diminuído até abarcar toda a extensão do maciço, resultando em bacias de tamanho mínimo de 500 pixels.

Figura 4 -
Tamanho mínimo de bacia para os maciços do Morro da Cruz e de Jurerê. Maciço de Jurerê:10.000 pixels (A) e 500 pixels (B); Maciço Morro da Cruz: 15.000 pixels (C) e 500 pixels (D).

Para o Maciço do Morro da Cruz, o uso do tamanho mínimo de 0,1% da quantidade total de pixels (no caso 15.000 pixels) permitiu que toda a sua extensão fosse preenchida por bacias hidrográficas, possibilitando dar continuidade ao mapeamento das APPs em topo de morro. Contudo, observou-se que nem todos os possíveis cumes ali presentes foram delimitados por esse tamanho mínimo de bacia. Por isso, foi realizada uma nova geração de bacias com tamanho mínimo de 500 pixels, mesmo tamanho usado no maciço de Jurerê. Esse tamanho mínimo de bacia mostrou mais cumes (e elevações associadas a eles) no maciço do Morro da Cruz.

2. Feições de relevo dos maciços de Jurerê e do Morro da Cruz envolvidas na delimitação de APPs em topos de morros

No |Maciço de Jurerê, utilizando o tamanho mínimo das bacias de 500 pixels, foram encontrados 11 cumes, sendo seis deles ao longo de uma linha de cumeada principal de direção nordeste-sudoeste (cumeada I), dois cumes em elevações menores, mas paralelas a linha de cumeada principal, dois cumes em uma linha de cumeada secundária com direção noroeste-sudeste (cumeada II) e um cume em uma elevação já quase isolada do maciço em função do desgaste erosivo ao longo do tempo (Figura 5).

Figura 5 -
Feições de relevo no Maciço de Jurerê no tamanho mínimo de bacias de 500 pixels.

As linhas de cumeadas seguem o dique de rocha básica (cumeada I) e dique de rocha ácida (cumeada II). Os diques de rocha básica tendem a ser mais intemperizados e erodidos em climas úmidos, como o da área estudo, e a formarem relevo mais rebaixados, o que não é o caso. Contudo, é possível que as intrusões tenham criado rochas localmente mais resistentes na atual linha de cumeada por metamorfismo de contato nas paredes do granito pré-existente. No caso do dique de rocha ácida, essas rochas são por natureza mais resistentes ao intemperismo e erosão. A existência de tantos cumes nesse maciço e bem individualizados, ou seja, com segmentos de sela bem marcados entre eles, mostra que as rochas que mantém as elevações são resistentes, mas já estão desgastadas pela erosão.

No maciço do Morro da Cruz, utilizando o tamanho mínimo das bacias de 15.000 pixels, foram encontrados 11 cumes, contudo, com o uso de tamanho mínimo de bacia com 500 pixels, o número de cumes sobe para 17 (Figura 6).

Figura 6 -
Feições de relevo no maciço do Morro da Cruz com tamanhos mínimos de bacias de 15.000 pixels (A) e 500 pixels (B).

Mesmo com a mudança do tamanho mínimo de bacias, o maciço do Morro da Cruz tem quantidade de cumes relativamente menor do que o maciço de Jurerê, pois a área do maciço do Morro da Cruz é duas vezes maior do que o maciço de Jurerê (respectivamente 7,64 km² e 3,38 km²). Isso é explicado pela maior resistência ao intemperismo e erosão das rochas nesse maciço, no caso o Granito Cataclástico, as rochas com metamorfismo de contato e as rochas ácidas em forma de diques (Figura 3). Essas rochas mantêm topos em forma de crista contínuas, sendo que apenas em alguns lugares estas cristas foram desgastadas, criando selas e cumes. Isso também fez com que os pontos de sela ao longo dessas cristas sejam muito alongados e pouco aprofundados.

A crista mantida pelo Granito Cataclástico (cumeada I) ao sul no Maciço do Morro da Cruz forma uma linha de cumeada mais longa, com presença de quatro cumes quando se usa o tamanho mínimo de bacias de 15.000 pixels e de cinco cumes quando o tamanho mínimo de bacias é 500 pixels. A porção norte desta linha de cumeada I é modelada em outro material, as rochas do Granito Itacorubi que sofreram metamorfismo de contato pela intrusão de dique básico. É nesse trecho que ocorre a maior altitude do maciço, 286 m, e ele é uma crista mais contínua, pois possui apenas um cume quando se usa 15.000 pixels ou dois cumes quando se utiliza o tamanho mínimo de bacias de 500 pixels. Isso mostra que as rochas com metamorfismo de contato são as mais resistentes do maciço do Morro da Cruz. A crista com maiores altitudes pode também agregar a influência da deformação anterior ao dique que criou o Granito Cataclástico, pois está no mesmo alinhamento dele.

É interessante observar que há uma crista paralela ao trecho norte da linha de cumeada I e que se encontra na outra lateral do dique básico; é a cumeada IV. Assim, ela também é modelada em rochas com metamorfismo de contato. Além disso, essa cumeada também pode sofrer influência de um fino dique de riolito alinhado a ela, como pode ser observado na Figura 3. Em relação aos seus cumes, a cumeada IV se mostrou muito sensível ao tamanho mínimo de bacias utilizado, pois para o tamanho de 15.000 pixels, a quantidade de cumes dessa cumeada foi dois, enquanto com tamanho mínimo das bacias de 500 pixels, o número de pixels salta para cinco. A explicação para esses resultados é a de que nesse trecho de crista que compõe a cumeada IV as rochas são mais resistentes.

A cumeada II está localizada na parte sul do maciço, acompanhando lateralmente a cumeada I. Ela é modelada em rochas do Granito Itacorubi e um trecho seu segue um lineamento estrutural (Figura 3). Também dois diques de riolito cortam essa cumeada. Em relação aos cumes contidos na cumeada II, de acordo com o tamanho mínimo de bacias de 15.000 pixels, há dois deles, enquanto que, quando se considera o tamanho mínimo de 500 pixels, são três cumes.

A cumeada III não muda seu número de cumes em relação ao tamanho mínimo das bacias e também é modelada em rochas do Granito Itacorubi. A parte dessa cumeada com maiores altitudes é a que faz ligação com a cumeada I e ela segue um lineamento estrutural (Figura 3). Em uma de suas elevações aflora um dique básico.

Uma elevação foi considerada isolada neste maciço, a elevação 12, mas ela só existe quando se utiliza o tamanho mínimo de bacias de 500 pixels. Desta forma, acompanhando os cumes, foram individualizadas 11 elevações no maciço do Morro da Cruz para o tamanho mínimo de bacias de 15.000 pixels e 17 elevações para o tamanho mínimo de bacias de 500 pixels, cujas alturas variaram de 57m a 283m. A altura máxima encontrada para uma das elevações de 283m mostra que essa começa próximo do nível do mar, uma vez que a maior altitude do maciço do Morro da Cruz é de 286m, como apresentado anteriormente. As declividades podem ser muito significativas, em torno de 41º a 66º.

Depreende-se do que foi descrito que os modelados de relevo dos dois maciços são condicionados por seus aspectos geológicos de litologia e lineamentos estruturais, apesar do arcabouço regional de rochas cristalinas intrusivas que permitiria pensar em maior homogeneidade geológica.

3. Delimitação das APPs em topos de morros nos maciços de Jurerê e do Morro da Cruz de acordo com os critérios do Código Florestal Revogado e da Resolução Conama n. 303/2002

Para o maciço de Jurerê, em referência ao mapeamento das APPs realizado segundo os critérios estabelecidos pelo Código Florestal Revogado e Resolução Conama n. 303/2002, todas as 11 elevações identificadas receberam proteção de seus terços superiores (Figura 7). Foi aplicado o critério de linha de cumeada da resolução para a delimitação de APP em topo de morro, com exceção da elevação mais isolada a sudoeste.

Quatro trechos de linhas de cumeada no maciço de Jurerê tiveram seus cumes (picos) com proteção de APP. As APPs foram mapeadas de forma independente em cada um destes trechos, o que provocou diferenças da largura da faixa de APP ao longo das linhas de cumeadas. Três trechos seguiram a cumeada principal (cumeada I): o primeiro trecho é formado pelas elevações 1, 2 e 3, iniciando a APP na curva de nível de 74 metros; as elevações 4, 5 e 6 formam outro trecho, com proteção a partir da linha de 37 metros; o terceiro trecho compreende as elevações 7 e 8, com APP definida pela curva de nível de 53 metros. O último segmento de cumeada equivale a cumeada II do maciço de Jurerê, que possui direção noroeste-sudeste e que contém as elevações de número nove e 10, com APP definida pela curva de nível de 67 metros. A elevação número 11 foi mapeada seguindo a metodologia de morros isolados e sua APP foi definida pela curva de nível de 66 metros.

Figura 7 -
APPs em topo de morro no maçico de Jurerê, utilizando o tamanho mínimo de bacias de 500 pixels, segundo os critérios do Código Florestal Revogado e Resolução Conama n. 303/2002.

Desta forma, a área protegida como APP em topo de morro no maciço de Jurerê segundo o Código Florestal Revogado e Resolução Conama n. 305/2002 é de 1,14Km², compreendendo 34,13% da área total do maciço em questão.

Segundo os parâmetros da Lei de Proteção da Vegetação Nativa (atualmente vigente), nenhuma das 11 elevações foram indicadas como aptas à proteção de seus terços superiores. As elevações 5, 8, 9 e 11 não apresentaram altura mínima de 100 m, possuindo, respectivamente, 51,60 m, 76,46m, 99,33m e 97,74m. E todas as elevações encontradas nesse maciço não possuem inclinação média maior que 25º, sendo que as maiores declividades médias foram da elevação seis (20,11º) e da elevação 11 (21,38º).

Para o Maciço do Morro da Cruz, seguindo os critérios definidos pelo Código Florestal Revogado e Resolução Conama n. 303/2002, há áreas protegidas como APPs em topo de morro em todas as suas 11 elevações, quando utilizado um tamanho mínimo de bacia de 15.000 pixels (Figura 8).

Figura 8 -
APPs em topo de morro no Maciço do Morro da Cruz, utilizando o tamanho mínimo de bacias de 15.000 pixels, segundo os critérios do Código Florestal Revogado e Resolução Conama 03/2002.

Foi utilizada a metodologia de linha de cumeada apenas para um trecho da cumeada principal (cumeada I), enquanto no restante das elevações presentes nesse maciço, suas APPs foram calculadas pela metodologia de morros isolados, uma vez que possuem cumes com distâncias maiores do que 500 metros entre si. Isso é consequência da presença das cristas contínuas sustentadas por rochas mais resistentes em função de metamorfismo de contato e de atrito e dos diques de rochas ácidas, como discutido anteriormente.

O trecho da cumeada principal (cumeada I) em que foi aplicado o critério de delimitação da APP por linha de cumeada incluiu as elevações 2, 3 e 4. Foi utilizado o terço superior da elevação de menor altura presente nesse trecho para o estabelecimento da APP, o qual ficou estabelecido a partir da curva de nível de 74m. As APPs das elevações restantes na linha de cumeada I seguiram os critérios de morro isolado: deste modo, as APPs das elevações consideradas isoladas foram estabelecidas a partir das seguintes curvas de nível: elevação 1 - curva 192m -, elevação 5 - curva 74m -, elevação 6 - curva 70m -, elevação 7 - curva 87m -, elevação 8 - curva 56m - e a elevação 9 - curva 119m. Na cumeada IV, a elevação 10 foi delimitada a partir da curva de nível 41 m e a elevação 11 teve sua APP mapeada pela área superior a curva de nível de 138m.

Desta forma, utilizando um tamanho mínimo de bacia de 15.000 pixels, o maciço do Morro da Cruz possui todas as suas elevações com APPs segundo os critérios estabelecidos pelo Código Florestal Revogado e pela Resolução Conama n. 303/2002. A área protegida como APP em topo de morro por essas legislações é de 1,2 Km², equivalente a 16,28% do total do maciço.

Quando se usa o tamanho mínima de bacia de 500 pixels, o maciço do Morro da Cruz apresenta 17 cumes, ou seja, seis a mais do que no primeiro mapeamento. Desta forma, há mais cumes para serem considerados em termos de proteção. Nesse tamanho mínimo de bacias receberam proteção dois trechos da linha de cumeada I, de acordo com os critérios do Código Florestal Revogado e da Resolução CONAMA n. 303/2002. No trecho que contém as elevações 3 e 4, o terço superior que define a APP foi delimitado pela curva de nível de 122m. No outro trecho, em que estão as elevações 5, 6 e 7, a APP foi estabelecida a partir da curva de nível de 73m.

A linha de cumeada IV recebeu mais faixa de proteção ao longo de sua extensão com tamanho de bacia de 500 pixels. Essa linha de cumeada apresenta um trecho menor que 1.000 metros, onde se encontram as elevações 14, 15, 16 e 17, cujos cumes têm uma distância menor que 500 metros entre si. Por isso, utilizou-se também o critério de APP em linhas de cumeadas. Nesse caso, a APP é determinada pelo terço superior da elevação de menor altura, o que determinou a curva de nível de 103 m como o limite inferior de onde começa esta faixa de APP. Também, há outro trecho de linha de cumeada contendo as elevações 8 e 9 que recebeu proteção a partir da curva de 64 m. As demais elevações do maciço foram consideradas como elevações isoladas por apresentarem distância maior que 500 metros entre seus cumes, tendo seus terços superiores estabelecidos a partir da divisão em três partes iguais do total de sua altura, sendo: elevação 1 - curva 46m -, elevação 10 - curva 87m -, elevação 11 - curva 56m -, e elevação 13 - curva 41m (Figura 9).

Figura 9 -
APPs em topo de morro no maciço do Morro da Cruz, utilizando o tamanho mínimo de bacias de 500 pixels, segundo os critérios do Código Florestal Revogado e Resolução Conama 303/2002.

A partir do uso do tamanho mínimo da bacia de 15.000 pixels, o maciço do Morro da Cruz tem uma área total de proteção como APPs em topo de morro de 1,45 m², ou seja 19,54% da sua área total. Observa-se que o tamanho de área protegida é maior (19,54%) quando se usa um tamanho mínimo de bacia mais detalhado (500 pixels) contra os 15,70% quando se utiliza tamanho mínimo das bacias menos detalhado (15.000 pixels). Souza (2021SOUZA, K. I. S. de. Definição de áreas de preservação permanente com função de proteção aos recursos hídricos naturais. 2021. 332 f. Tese (Doutorado em Engenharia Ambiental) - Programa de Pós-Graduação em Engenharia Ambiental, Universidade Federal de Santa Catarina, Florianópolis, 2021.) discute esta situação de aumento da área protegida como APP em topo de morro quando se emprega valores menores para o tamanho mínimo de bacias hidrográficas nos procedimentos metodológicos.

Para aplicar os critérios da Lei de Proteção da Vegetação Nativa no maciço do Morro da Cruz, foram analisados os dados a partir do estabelecimento do tamanho mínimo das bacias de 15.000 pixels e 500 pixels. Para os dados de tamanho mínimo de bacias de 15.000 pixels, os critérios estabelecidos pela referida lei não estabelecem APP em topo de morro em nenhuma das 11 elevações do maciço do Morro da Cruz. Isso ocorre porque em relação ao critério da altura mínima de 100m, três elevações não completam esse requisito, sendo elas: a elevação 6 , com 76,84m; a elevação 8 , com 90,01m; e a elevação 10, com 56,92m. Em função da declividade média, nenhuma das elevações do maciço do Morro da Cruz alcançou os 25º necessários, sendo as maiores declividades médias computadas nas elevações 2 (21,77º), 4 (21,24º) e 5 (22,03º).

Utilizando os dados do tamanho mínimo da bacia de 500 pixels para a delimitação das APPs no Maciço da Cruz seguindo os critérios da atual Lei em vigor, também não foram encontradas APP em topo de morro. Das 17 elevações, seis obtiveram altitude inferior a 100 metros: a elevação 1 (62,63m), elevação 6 (76,84m), elevação, 8 (90,01m), elevação 9 (80,22m), elevação 11 (76,58m) e elevação 13 (57,29m). A declividade média foi novamente um fator restritivo às APPs em topo de morro, nenhuma elevação chegou aos 25º que a lei impõe, as maiores declividades médias calculadas na elevação foram na elevação 3 (21,77º) e na elevação 15 (22,03º).

Mesmo diminuindo o tamanho mínimo da bacia para o maciço do Morro da Cruz, os critérios estabelecidos pela lei vigente (Lei da Proteção da Vegetação Nativa) não permitem nenhum grau de proteção dos seus topos. Apesar das alturas das elevações neste maciço serem significativas (cerca de 280 m) e das inclinações acentuadas de muitos setores de suas encostas, nenhuma área dos topos foi protegida por essa lei, pois ela exige que ao mesmo tempo, a elevação tenha altura maior do que 100 metros e declividade média acima de 25º.

Conclusões

O uso dos maciços de Jurerê e do Morro da Cruz como estudos de caso mostra que, em uma pequena porção territorial, com uma geologia considerada pouco complexa, dois relevos possuem morfologias diferentes, compreendendo, assim, linhas de cumeadas, elevações isoladas e topos com características muito distintas. É necessário que existam mais estudos que abordem os mapeamentos de APPs em topo de morro para diferentes relevos estruturais presentes no Brasil, a fim de se contribuir para a determinação de critérios mais adaptados às realidades geológica-geomorfológicas regionais. Também pouco se discute a questão de que não é muito comum a existência de uma única elevação isolada em forma de morro, mas sim é frequente a presença de terrenos ondulados (com modelado de dissecação) na forma de maciços, serras ou planaltos, onde são observados vários topos (cumes).

Foi evidenciado também que o tamanho mínimo de bacia selecionado na metodologia de definição de cumes e elevações em compartimentos de relevo de maciços interfere no tamanho das APPs em topo de morro pelos parâmetros da Resolução Conama n. 303/2002. Com o menor tamanho mínimo de bacia, aumenta-se o número de elevações e de cumes identificados nos maciços, fazendo com que haja uma maior proximidade entre esses cumes e, por isso, seja adotado o critério de linhas de cumeadas para encontrar as APPs. Quando se utiliza esse critério de linhas de cumeada, a APP será definida pelo terço superior daquela elevação que possuir menor altura do conjunto de elevações que compõem a linha de cumeada, o que confere maior proteção aos topos dos maciços, serras ou planaltos com modelados de dissecação.

Segundo os resultados desse trabalho, pode-se perceber o desaparecimento das áreas protegida como APPs em topo de morro nos maciços estudados a partir do uso dos critérios estabelecidos na Lei de Proteção da Vegetação Nativa em relação àqueles encontrados no Código Florestal Revogado e na Resolução Conama n. 303/2002. Esse fato pode facilitar a expansão urbana em sentido aos topos dos maciços cristalinos de Florianópolis. Essa expansão pode resultar na redução da proteção da vegetação nativa, na maior impermeabilização do solo e na diminuição da água de recarga dos aquíferos, o que implica no comprometimento de nascentes e cursos d’água, dentre outros problemas ambientais. A ocupação do terço superior dos maciços também pode acarretar na criação de áreas de risco em função da ocorrência de enxurradas e movimentos de massa.

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  • Contribuições de autoria:

    Marina Pinho Bernardes: Pesquisa do tema, execução dos procedimentos metodológicos, análise dos dados e discussão dos resultados. Edna Lindaura Luiz: Pesquisa do tema, análise dos dados e discussão dos resultados; elaboração da versão final do manuscrito.

Editado por

Editor do artigo:

Fernando Villela

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    23 Out 2023
  • Data do Fascículo
    2023

Histórico

  • Recebido
    05 Jan 2022
  • Aceito
    28 Abr 2023
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