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Valor prognóstico dos critérios de obesidade em pacientes submetidos a intervenção coronária percutânea

Prognostic value of obesity anthropometric indexes in patients undergoing percutaneous coronary interventions

Resumos

INTRODUÇÃO: Não há critérios de obesidade específicos para a população brasileira. Os pontos de corte preconizados para os sexos feminino e masculino (circunferência abdominal [CA] - 80 cm e 90 cm, relação cintura-quadril [RCQ] - 0,80 e 0,90, índice de conicidade - 1,18 e 1,25, e índice de massa corporal [IMC] - 30, respectivamente) necessitam ser validados como fatores prognósticos após intervenção coronária percutânea (ICP). OBJETIVO: O objetivo deste estudo foi verificar os pontos de corte de índices antropométricos da população estudada e compará-los à literatura, quanto à ocorrência de desfechos pós-ICP. MÉTODO: Foram incluídos nesta análise 308 pacientes submetidos a ICP, predominantemente do sexo masculino (60,7%), com idade de 61,9 ± 11,1 anos. Após seis meses, pesquisaram-se os desfechos óbito, infarto agudo do miocárdio, revascularização do vaso-alvo, angina ou prova funcional isquêmica. Os pacientes foram divididos em: Grupo 1 (com desfechos; n = 91) e Grupo 2 (sem desfechos; n = 217). Para obtenção dos pontos de corte, foram construídas curvas receiver operating characteristic (ROC) dos índices antropométricos versus desfechos. RESULTADOS: Nas mulheres, os pontos de corte encontrados foram: CA, 102 cm; RCQ, 0,93; índice de conicidade, 1,18; e IMC, 24,5. Nos homens, os pontos de corte foram: CA, 102 cm; RCQ, 0,94; índice de conicidade, 1,24; e IMC, 24,98. Comparados à literatura, os valores obtidos de CA e RCQ, para ambos os sexos, ganharam em especificidade, mas perderam em sensibilidade, enquanto o contrário foi observado para o IMC. O índice de conicidade coincidiu com os valores da literatura no sexo feminino; no sexo masculino, porém, aumentou a sensibilidade, mas diminuiu a especificidade. O poder discriminatório foi baixo para todos os índices, que não se mostraram preditores de desfechos no médio prazo pós-ICP. CONCLUSÃO: Nesta comparação, os pontos de corte dos índices antropométricos que melhor se correlacionam com desfechos pós-ICP não coincidiram com os da literatura. Esses pontos de corte, por um lado, ganharam sensibilidade (ou especificidade), mas, por outro, perderam especificidade (ou sensibilidade) e não se mostraram preditores de desfechos no médio prazo pós-ICP. Nossos dados sugerem que, para valor prognóstico, limites específicos para cada população e doença necessitam ser estabelecidos.

Obesidade; Antropometria; Angioplastia transluminal percutânea coronária


BACKGROUND: No evidence supports obesity cutoff points recommended by literature for the Brazilian population. Some female/male known cutoff points are: waist circumference (WC) 80/90cm, waist-to-hip ratio (WHR) 0.80/0.90, conicity index (CI) 1.18/1.25, body mass index (BMI) 30. These cutoff points need to be validated for the Brazilian population as prognostic after percutaneous coronary intervention (PCI). OBJECTIVE: To verify cutoff points of obesity anthropometric indexes in this population and to compare them to International Diabetes Federation values for Latin America in determining MACE after PCI. METHODS: 308 patients (mean age 61.92 ± 11.06 years old, 60.7% men) undergoing successful PCI. Six months after, patients were contacted for clinical follow-up. MACE included death, acute myocardial infarction, cardiac surgery, reintervention or evidence of myocardial ischemia in a non-invasive test. Patients were divided into 2 groups: group 1 (with MACE, n = 91), Group 2 (without MACE, n = 217). In order to obtain cutoff points, ROC curves were plotted based on anthropometric indexes and MACE. RESULTS: The cutoff points obtained for women were: WC 102cm, WHR 0.93, CI 1.18 and BMI 24.53. Compared with IDF values, WC and WHR obtained had more specificity (76.83% X 31.71% and 43.9% X 7.32%), BMI had more sensibility (66.67% X 20.51%). For men, the cutoff points were: WC 102 cm, WHR 0.94, CI 1.24 and BMI 24.98. WC and WHR had more specificity (69.63% X 45.19% and 7.41% X 2.94%). BMI and CI had more sensibility (65.38% X 28.85% and 55.77% X 53.85%). CONCLUSION: Cutoff points of anthropometric indexes of this population that better correlate with MACE are different than the literature. Our results suggest that, for prognostic information, we need specific anthropometric cutoff points for each population or disease.

Obesity; Anthropometry; Angioplasty, transluminal, percutaneous coronary


ARTIGO ORIGINAL

Valor prognóstico dos critérios de obesidade em pacientes submetidos a intervenção coronária percutânea

Prognostic value of obesity anthropometric indexes in patients undergoing percutaneous coronary interventions

José Carlos Estival TarastchukI; Ronaldo da Rocha Loures BuenoI; Paulo Maurício Piá de AndradeI; Deborah Christina NercoliniI; Ênio Eduardo GuériosI; João Gustavo Gongora FerrazII

IServiço de Hemodinâmica e Cardiologia Intervencionista do Hospital Universitário Evangélico de Curitiba - Curitiba, PR

IIHospital da Cruz Vermelha de Curitiba - Curitiba, PR

Correspondência Correspondência: José Carlos Estival Tarastchuk Rua Augusto Stelfeld, 1908 - 4º andar - Bigorrilho Curitiba, PR - CEP 80730-150 E-mail: jestival@cardiol.br

RESUMO

INTRODUÇÃO: Não há critérios de obesidade específicos para a população brasileira. Os pontos de corte preconizados para os sexos feminino e masculino (circunferência abdominal [CA] - 80 cm e 90 cm, relação cintura-quadril [RCQ] - 0,80 e 0,90, índice de conicidade - 1,18 e 1,25, e índice de massa corporal [IMC] - 30, respectivamente) necessitam ser validados como fatores prognósticos após intervenção coronária percutânea (ICP).

OBJETIVO: O objetivo deste estudo foi verificar os pontos de corte de índices antropométricos da população estudada e compará-los à literatura, quanto à ocorrência de desfechos pós-ICP.

MÉTODO: Foram incluídos nesta análise 308 pacientes submetidos a ICP, predominantemente do sexo masculino (60,7%), com idade de 61,9 ± 11,1 anos. Após seis meses, pesquisaram-se os desfechos óbito, infarto agudo do miocárdio, revascularização do vaso-alvo, angina ou prova funcional isquêmica. Os pacientes foram divididos em: Grupo 1 (com desfechos; n = 91) e Grupo 2 (sem desfechos; n = 217). Para obtenção dos pontos de corte, foram construídas curvas receiver operating characteristic (ROC) dos índices antropométricos versus desfechos.

RESULTADOS: Nas mulheres, os pontos de corte encontrados foram: CA, 102 cm; RCQ, 0,93; índice de conicidade, 1,18; e IMC, 24,5. Nos homens, os pontos de corte foram: CA, 102 cm; RCQ, 0,94; índice de conicidade, 1,24; e IMC, 24,98. Comparados à literatura, os valores obtidos de CA e RCQ, para ambos os sexos, ganharam em especificidade, mas perderam em sensibilidade, enquanto o contrário foi observado para o IMC. O índice de conicidade coincidiu com os valores da literatura no sexo feminino; no sexo masculino, porém, aumentou a sensibilidade, mas diminuiu a especificidade. O poder discriminatório foi baixo para todos os índices, que não se mostraram preditores de desfechos no médio prazo pós-ICP.

CONCLUSÃO: Nesta comparação, os pontos de corte dos índices antropométricos que melhor se correlacionam com desfechos pós-ICP não coincidiram com os da literatura. Esses pontos de corte, por um lado, ganharam sensibilidade (ou especificidade), mas, por outro, perderam especificidade (ou sensibilidade) e não se mostraram preditores de desfechos no médio prazo pós-ICP. Nossos dados sugerem que, para valor prognóstico, limites específicos para cada população e doença necessitam ser estabelecidos.

Descritores: Obesidade. Antropometria. Angioplastia transluminal percutânea coronária.

SUMMARY

IBACKGROUND: No evidence supports obesity cutoff points recommended by literature for the Brazilian population. Some female/male known cutoff points are: waist circumference (WC) 80/90cm, waist-to-hip ratio (WHR) 0.80/0.90, conicity index (CI) 1.18/1.25, body mass index (BMI) 30. These cutoff points need to be validated for the Brazilian population as prognostic after percutaneous coronary intervention (PCI).

OBJECTIVE: To verify cutoff points of obesity anthropometric indexes in this population and to compare them to International Diabetes Federation values for Latin America in determining MACE after PCI.

METHODS: 308 patients (mean age 61.92 ± 11.06 years old, 60.7% men) undergoing successful PCI. Six months after, patients were contacted for clinical follow-up. MACE included death, acute myocardial infarction, cardiac surgery, reintervention or evidence of myocardial ischemia in a non-invasive test. Patients were divided into 2 groups: group 1 (with MACE, n = 91), Group 2 (without MACE, n = 217). In order to obtain cutoff points, ROC curves were plotted based on anthropometric indexes and MACE.

RESULTS: The cutoff points obtained for women were: WC 102cm, WHR 0.93, CI 1.18 and BMI 24.53. Compared with IDF values, WC and WHR obtained had more specificity (76.83% X 31.71% and 43.9% X 7.32%), BMI had more sensibility (66.67% X 20.51%). For men, the cutoff points were: WC 102 cm, WHR 0.94, CI 1.24 and BMI 24.98. WC and WHR had more specificity (69.63% X 45.19% and 7.41% X 2.94%). BMI and CI had more sensibility (65.38% X 28.85% and 55.77% X 53.85%).

CONCLUSION: Cutoff points of anthropometric indexes of this population that better correlate with MACE are different than the literature. Our results suggest that, for prognostic information, we need specific anthropometric cutoff points for each population or disease.

Descriptors: Obesity. Anthropometry. Angioplasty, transluminal, percutaneous coronary.

A obesidade, doença que já atinge proporções epidêmicas em todo o mundo1,2, apresenta estreita relação com morbidade e mortalidade por doenças metabólicas ou cardiovasculares3,4. Para o estudo de obesidade, o índice antropométrico mais utilizado atualmente é o índice de massa corporal (IMC), que não define exatamente o local de depósito de gordura. Na verdade, a distribuição de adiposidade parece ter importante significado clínico, uma vez que obesidade central tem sido associada a maior risco cardiometabólico1,5. A relação cintura-quadril (RCQ) e a circunferência abdominal (CA) mostram-se mais freqüentemente associadas a eventos cardiovasculares, como infarto agudo do miocárdio (IAM) e óbito, independentemente do IMC e de outros fatores de risco relacionados6,7.

Apesar da importância dos índices antropométricos de obesidade central no prognóstico das doenças cardiovasculares, não há critérios específicos para nossa população8. Os valores de pontos de corte utilizados para diagnóstico de obesidade central são derivados daqueles utilizados para diagnóstico de síndrome metabólica. Dessa forma, de acordo com o National Cholesterol Education Program, consideram-se alterados valores de CA acima de 102 cm para homens e RCQ acima de 0,88 para mulheres9. Mais recentemente, a International Diabetes Federation preconizou para a população brasileira valores que variam de 0,90 a 0,9410. Esses valores, no entanto, têm sido questionados quanto à acurácia em definir obesidade central em algumas populações11-15. Outros valores de referência para homens e mulheres, como RCQ 0,90 e 0,8010 e índice de conicidade 1,18 e 1,2516, respectivamente, e mesmo IMC de 30 para ambos os sexos, necessitam ser validados como fatores prognósticos após intervenção coronária percutânea (ICP)17. Não há, até o presente momento, publicações que definam o impacto da obesidade central no cenário da Cardiologia Intervencionista.

O objetivo deste trabalho é verificar os pontos de corte dos índices antropométricos da população estudada que melhor se correlacionam com desfechos após ICP e compará-los aos da literatura quanto à ocorrência de desfechos após o procedimento.

MÉTODO

No período de maio de 2005 a setembro de 2006, foram estudados 308 pacientes, 60,7% do sexo masculino, com média de idade de 61,9 ± 11,1 anos (34 a 88 anos), submetidos a ICP com sucesso e tratados com stents não-farmacológicos. Em todos os participantes da pesquisa realizou-se anamnese habitual, com coleta de informações a respeito dos fatores de risco para doença coronária. Seguiu-se exame físico, com obtenção de peso e altura. O IMC foi calculado pela razão entre o peso e o quadrado da altura (kg/m2). Foi considerado obesidade valor > 30 kg/m2. A CA foi obtida medindo-se a circunferência na altura da distância média entre a última costela flutuante e a crista ilíaca. O quadril foi medido na altura dos trocânteres femorais. A RCQ foi determinada pela razão entre a CA (cm) e a circunferência do quadril (cm). O índice de conicidade foi determinado utilizando-se a equação16:

índice de conicidade =

As intervenções coronárias foram realizadas pela via femoral com a técnica padrão18. Os pacientes foram pré-tratados com a associação de antiagregantes plaquetários, tendo recebido ácido acetilsalicílico 100 mg e ticlopidina 500 mg/dia, 48 horas antes do procedimento, ou clopidogrel 75 mg/dia, iniciado 24 horas antes do procedimento ou em dose de ataque de 300 mg, seis horas antes do procedimento. Essa medicação foi mantida por 30 dias após a intervenção. O sucesso do procedimento foi definido como obtenção de estenose residual inferior a 30%, sem ocorrência de eventos clínicos maiores (óbito, IAM ou necessidade de cirurgia de emergência), durante a fase hospitalar. Seis meses após a intervenção, os pacientes foram contatados, na busca dos seguintes desfechos: óbito, IAM, revascularização do vaso-alvo percutânea ou cirúrgica, recorrência de angina ou prova funcional isquêmica. IAM foi diagnosticado na presença de alteração enzimática acompanhada de, pelo menos, um dos seguintes critérios: sintomas compatíveis com isquemia miocárdica, desenvolvimento de onda Q patológica ao eletrocardiograma ou alteração eletrocardiográfica indicativa de sofrimento miocárdico (elevação ou depressão do segmento ST)18. Os pacientes foram divididos em Grupo 1 (com desfechos) e Grupo 2 (sem desfechos). Para obtenção dos pontos de corte dos índices antropométricos dos pacientes deste trabalho (em cada sexo) foram construídas curvas ROC (receiver operating characteristic curve) dos índices antropométricos versus ocorrência de desfechos. Os valores de pontos de corte obtidos neste estudo foram comparados quanto à sensibilidade e à especificidade com os valores preconizados na literatura. Para tanto, os índices antropométricos utilizados para essa comparação, para os sexos feminino e masculino, foram, respectivamente: CA > 80 cm e 90 cm10, RCQ > 0,80 e 0,9010, índice de conicidade > 1,18 e 1,2518, e IMC > 3017 para ambos os sexos. Para análise de variáveis dicotômicas, foi utilizado teste exato de Fisher. Para variáveis contínuas, foi utilizado teste t de Student para amostras independentes, com exceção das variáveis lesão pré e pós, que foram analisadas com o teste não-paramétrico de Mann-Whitney.

RESULTADOS

Foram avaliados 308 pacientes que receberam implante de stent não-farmacológico, com sucesso, entre maio de 2005 e setembro de 2006. De acordo com a ocorrência de desfechos, os pacientes foram divididos em: Grupo 1 (com desfechos; n = 91; 29,5%) e Grupo 2 (sem desfechos; n = 217; 70,45%). A Figura 1 demonstra a incidência dos desfechos encontrados.


As características da população estudada estão listadas na Tabela 1.

As características clínicas e angiográficas, a taxa de sucesso imediato, a lesão residual e o índice de complicações foram similares entre os grupos.

Identificação dos pontos de corte dos índices antropométricos

Nas mulheres, a área sob a curva ROC da CA para identificar desfechos foi de 0,510 (intervalo de confiança [IC] de 95% = 0,418-0,602). O valor obtido (102 cm) obteve o melhor equilíbrio entre sensibilidade (12,8%) e especificidade (76,8%). O valor utilizado pela literatura, de 80 cm, apresentou sensibilidade de 74,4% e especificidade de 31,7% (Tabela 2; Figura 2). Para RCQ, a área sob a curva ROC foi de 0,525 (IC 95% = 0,4320,616). Obteve-se o ponto de corte de 0,93, com sensibilidade de 43,6% e especificidade de 43,9%. O valor da literatura, de 0,80, apresentou 100% de sensibilidade e 7,3% de especificidade (Tabela 2; Figura 3). Quanto ao índice de conicidade, a área sob a curva ROC obtida foi de 0,518 (IC 95% = 0,425-0,610). O valor obtido de 1,18 coincidiu com o preconizado pela literatura e teve sensibilidade de 82% e especificidade de 32,9% (Tabela 2; Figura 4). Para IMC, a área sob a curva ROC foi de 0,520 (IC 95% = 0,427-0,612). Para um valor obtido de 24,5, a sensibilidade obtida foi de 66,7% e a especificidade, de 24,4%. O IMC de 30 preconizado pela literatura teve sensibilidade de 20,5% e especificidade de 76,8% (Tabela 2; Figura 5).





Nos homens, a área sob a curva ROC da CA para identificar desfechos foi de 0,509 (IC 95% = 0,4350,583). O valor de 102 cm obteve o melhor equilíbrio entre sensibilidade (21,15%) e especificidade (69,63%) para predizer desfechos. Para a mesma população, foram obtidas a sensibilidade e a especificidade para a predição de desfechos, com base no valor preconizado pela literatura (90 cm): 57,7% e 45,2%, respectivamente (Tabela 3; Figura 6). Para RCQ, a área sob a curva ROC foi de 0,609 (IC 95% = 0,535-0,679). O valor obtido de 0,94 obteve 67,3% de sensibilidade e 7,4% de especificidade. O valor da literatura para esse índice antropométrico de 0,90 apresentou sensibilidade e especificidade de 86,5% e 2,9%, respectivamente (Tabela 3; Figura 7). Para o índice de conicidade, a área sob a curva ROC foi de 0,514 (IC 95% = 0,4400,588). O valor obtido de 1,24 obteve sensibilidade de 55,8% e especificidade de 37%. O valor da literatura, de 1,25, apresentou sensibilidade e especificidade para predizer desfechos nesse grupo estudado de 53,8% e 38,5%, respectivamente (Tabela 3; Figura 8). No que diz respeito ao IMC, a área sob a curva ROC encontrada foi de 0,503 (IC 95% = 0,429-0,577). O valor obtido de 24,98 esteve associado a sensibilidade de 65,4% e especificidade de 26,7%. O IMC de 30 preconizado pela literatura teve sensibilidade de 28,8% e especificidade de 71,1% (Tabela 3; Figura 9).





DISCUSSÃO

Neste estudo, os pontos de corte de índices antropométricos que, de acordo com a curva ROC, melhor se relacionaram com a ocorrência de desfechos após ICP foram, para mulheres e homens, respectivamente: CA, 102 cm e 102 cm; RCQ, 0,93 e 0,94; índice de conicidade, 1,18 e 1,24; IMC, 24,53 e 24,98. Ao comparar os pontos de corte dos índices antropométricos obtidos no sexo feminino aos preconizados pela literatura, no que diz respeito à ocorrência de desfechos, CA e RCQ ganharam em especificidade (76,8% vs. 31,7% e 43,9% vs. 7,3%), mas perderam em sensibilidade (12,8% vs. 74,4% e 43,6% vs. 100%). Já o valor obtido para o IMC aumentou a sensibilidade (66,7% vs. 20,5%) e diminuiu a especificidade (24,4% vs. 76,8%). Apenas o índice de conicidade nas mulheres coincidiu com o valor apresentado na literatura. Para o sexo masculino, CA e RCQ ganharam em especificidade (69,6% vs. 45,2% e 7,4% vs. 2,9%), mas perderam em sensibilidade (21,1% vs. 57,7% e 67,3% vs. 86,5%), enquanto o IMC e o índice de conicidade ganharam em sensibilidade (65,4% vs. 28,8% e 55,8% vs. 53,8%), mas perderam em especificidade (26,7% vs. 71,1% e 37% vs. 38,5%).

Para todos os índices, tanto para homens como para mulheres, o poder discriminatório foi baixo, o que é evidenciado pelas áreas sob as curvas ROC próximas a 0,5 ou, de forma equivalente, pela proximidade das curvas com a linha da identidade (linha tracejada). Isso significa que, na amostra deste estudo, nenhum índice antropométrico se mostrou preditor de desfechos a médio prazo pós-ICP.

Não há, até o presente momento, critérios de obesidade específicos para a população brasileira8, nem estudos populacionais associando pontos de corte de obesidade central e desfechos após ICP. Na literatura, encontramos apenas valores para diagnóstico de síndrome metabólica e para predição de risco cardiovascular (Tabela 4). Dentre as publicações que estabelecem pontos de corte para diagnóstico de síndrome metabólica, aqueles estabelecidos pelo National Cholesterol Education Program e pelo National Heart, Lung, and Blood Institute para a CA de 88 cm para mulheres e de 102 cm para homens têm sido questionados por não se adequarem a populações de diferentes etnias8,15,19,22. Ainda para diagnóstico dessa doença, a Diretriz Brasileira de Diagnóstico e Tratamento da Síndrome Metabólica preconiza valores de CA entre 80 cm e 88 cm para mulheres e entre 94 cm e 102 cm para homens22. Em 2004, Hu et al.20 (população européia) e Oh et al.21 (população coreana) definiram para CA valores normais de até 80 cm para mulheres e de até 94 cm para homens. Estudando populações asiáticas, Tan et al.11 concluíram que valores mais corretos para diagnóstico de síndrome metabólica seriam de 80 cm para mulheres e de 90 cm para homens, o que coincide com as medidas atualmente indicadas pela International Diabetes Federation para algumas regiões do Brasil10. Mais recentemente, Barbosa et al.8, estudando a síndrome metabólica na população brasileira, citam medidas de CA de 84 cm para mulheres e de 88 cm para homens.

Associando risco cardiovascular e medidas antropométricas de obesidade, Rexrode et al.23, em 1998, estipularam, para mulheres, valores para CA de 96,5 cm e para RCQ de 0,88. Ainda no cenário de índices antropométricos e risco cardiovascular, para a população tailandesa, verificaram-se como valores de corte 71,5 cm, 0,76 e 22,1, respectivamente, para CA, RCQ e IMC, no sexo feminino. Para homens, os valores encontrados foram de 80,5 cm, 0,85 e 23,6, respectivamente25. Chineses estudados por Bei-Fan24, em 2002, apresentaram maior risco de desenvolvimento de doenças cardiovasculares quando a CA era maior que 80 cm e o IMC era superior a 24 no sexo feminino, e quando a CA era maior que 85 cm e o IMC era superior a 24 no sexo masculino. Ainda para asiáticos (Japão), o risco cardíaco, segundo Ito et al.27, seria maior para mulheres com CA, RCQ e IMC acima de 72 cm, 0,80 e 22,5, respectivamente. Já nos homens, os valores seriam de 84 cm, 0,90 e 23,5, respectivamente. Encontramos, na literatura, valores para população indiana que estariam sob maior risco cardiovascular. Esses valores seriam, para mulheres, maiores que 80 cm para CA e 0,81 para RCQ e nos homens, 85 cm para CA e 0,88 para RCQ26. Pitanga & Lessa16 obtiveram pontos de corte para amostra de população brasileira. Segundo esses autores, valores de CA maior que 83 cm para mulheres e de CA maior que 88 cm para homens estariam relacionados com maior risco cardíaco.

Limitações do estudo

Por se tratar de uma amostra populacional composta de pacientes consecutivos submetidos a ICP, a maioria apresentou obesidade central, o que pode explicar a pouco expressiva área sob a curva ROC e o conseqüente menor poder discriminatório dos indicadores de obesidade para desfechos. O número de indivíduos da amostra deve ser levado em conta na interpretação dos resultados, devendo o leitor aguardar estudos maiores para confirmação das hipóteses levantadas.

CONCLUSÃO

Os pontos de corte dos índices antropométricos da população estudada que melhor se correlacionam com desfechos após ICP não coincidem com os encontrados na literatura. Nesta comparação, os pontos de corte obtidos pelas curvas ROC, por um lado, aumentam a sensibilidade (ou a especificidade), mas, por outro, diminuem a especificidade (ou a sensibilidade) e não se mostraram preditores de desfechos a médio prazo pós-ICP. Nossos dados sugerem que, para valor prognóstico, devem ser estabelecidos pontos de corte de índices antropométricos para cada população e doença.

Recebido em: 10/1/2008

Aceito em: 25/2/2008

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  • Correspondência:

    José Carlos Estival Tarastchuk
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  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      15 Ago 2012
    • Data do Fascículo
      2008

    Histórico

    • Recebido
      10 Jan 2008
    • Aceito
      25 Fev 2008
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