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O NOVO PLANO DIRETOR DO RECIFE E O DIREITO À MORADIA: UM OLHAR CRÍTICO SOBRE O PROCESSO DE REVISÃO E ALGUNS DOS INSTRUMENTOS URBANÍSTICOS PROPOSTOS

RECIFE’S NEW MASTER PLAN AND THE RIGHT TO HOUSING: A critical look at the reviewing process and some of the proposed urban instruments

RESUMO

No Brasil, país marcado pelas desigualdades, os marcos legais orientam instrumentos de ordenamento territorial como os Planos Diretores Municipais a impulsionar o desenvolvimento urbano segundo princípios de participação democrática e respeito à função social da cidade e da propriedade, visando promover a equidade socioespacial. O objetivo desta pesquisa é verificar se o processo de elaboração e as propostas do novo Plano Diretor do Recife (PDR-2020) atendem a esses princípios, efetivando o direito à moradia, dimensão fundamental do direito à cidade. Numa abordagem fundada no método dialético, acompanharam-se as atividades das instâncias institucionais de planejamento-gestão e identificaram-se conflitos na disputa entre interesses díspares, representativos das visões democrática e mercadológica da cidade. Com base na disputa entre tais interesses e na revisão dos quadros conceitual e normativo, analisa-se o atendimento aos princípios em tela e a natureza (redistributiva e/ou democratizante) dos instrumentos estabelecidos no Projeto de Lei do Executivo nº 28/2018, referente ao PDR-2020 recentemente aprovado. Os resultados alcançados evidenciam conflitos e contradições na condução dos debates e na aplicação dos instrumentos. A pesquisa traz contribuições à compreensão das assimetrias no atendimento a interesses de atores hegemônicos e não-hegemônicos e seu impacto no alcance do direito à moradia e do direito à cidade.

Palavras-chaves:
Direito à moradia; Plano Diretor Municipal; Instrumentos urbanísticos; Gestão democrática, Recife

ABSTRACT

In a country marked by inequality, Brazilian legal frameworks guide territorial planning instruments, especially Municipal Masterplans, to improve cities development respecting a democratic elaboration process and taking heed of the social function of the city and urban property. Thus having the promotion of socio-spatial equity as a main goal. This research aims to understand the elaboration process and the scope of the guidelines of the new Masterplan of Recife (PDR-2020), in terms of the right to housing as a basic dimension of the right to the city. An approach based on the deductive method was employed, in order to follow the activities on institutional planning instances and to identify conflicts in the dispute between representative interests of democratic and market models of urban planning. The review of the conceptual and normative framework guides the investigation of the instruments established in the Executive Bill 28/2018 (PDR-2020), based on their compliance with the principles mentioned above and their nature (redistributive, democratizing). The results show conflicts and contradictions in the debates and in the application of legal instruments. The research contributes to understand asymmetries in the responses to the interests of hegemonic and non-hegemonic actors and their impact on the achievement of the right to housing and the right to the city.

Keywords:
Right to housing; Master plan; urban instruments; Democratic management, Recife

1. INTRODUÇÃO

A Constituição Federal de 1988 (BRASIL, 1988_____. Constituição da República Federativa do Brasil, de 5 de out. de 1988. Brasília: Congresso Nacional, 1988.) é o marco de fundação de um Estado Democrático de Direito no país, após o encerramento de um longo período de regime autoritário. No novo ciclo político então iniciado, estabelece-se como ponto central de inflexão a defesa do preceito de cidadania. Os princípios normativos que orientam as relações entre os poderes, as esferas públicas e a sociedade, e que delimitam os direitos e deveres que todos devem respeitar em suas ações, organizaram-se como uma resposta ao quadro de aprofundamento das tensões sociais e políticas em meio à ampliação das desigualdades sociais e econômicas entre segmentos sociais, regiões e cidades do país .

A opção por essa linha de orientação, de enfrentamento da iniquidade, justifica a inclusão da dignidade da pessoa humana dentre os fundamentos constitucionais básicos (art. 1º, III). A partir deste fundamento, constituem-se objetivos como: construir uma sociedade livre, justa e solidária (art. 3º, I); erradicar a pobreza e a marginalização (art. 3º, III); e promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação (art. 3º, IV).

Do mesmo modo, a propriedade privada, garantida no art. 5°, XXII, tem seu pleno exercício condicionado ao atendimento das suas funções sociais (art. 5°, XXIII). Ao abordar a questão da propriedade tanto no capítulo dos direitos e garantias fundamentais, quanto nos princípios gerais da ordem econômica (art. 170, III) e no capítulo da política urbana (art. 182), a Constituição desdobra a tutela de propriedade em dois eixos: do direito fundamental individual e do direito fundamental social.

No que tange às políticas urbanas voltadas ao planejamento e à gestão do desenvolvimento das cidades, as repercussões desses princípios são evidentes. O caput do art. 182 da Carta Magna define o objetivo central da política de desenvolvimento urbano: ordenar o pleno desenvolvimento das funções sociais da cidade e garantir o bem-estar de seus habitantes. Já o art. 183 institui condições menos restritivas para a aquisição do domínio de imóveis usados para moradia por aqueles que possuírem como sua área urbana de até 250m2 metros quadrados, por cinco anos, ininterruptamente e sem oposição.

O art. 182 define ainda o cumprimento da função social propriedade urbana como o atendimento às exigências de ordenação da cidade (art. 182, § 2º), e os instrumentos coercitivos para tanto: parcelamento ou edificação compulsórios, imposto sobre a propriedade predial e territorial urbana progressivo no tempo, e desapropriação com pagamento com títulos da dívida pública (art. 182, § 2º, I, II e III). Aponta o Poder Público municipal como ente responsável pela política de desenvolvimento urbano (art. 182, caput) e o Plano Diretor Municipal (PDM) como instrumento básico da política de organização do desenvolvimento e da expansão urbana (art. 182, § 1º) (ROCHA; MARQUES, 2016ROCHA, Suyene M.; MARQUES, Vinicius P. Plano diretor, função social da propriedade e gestão democrática: uma análise da lei complementar nº 253/2012 do município de Palmas/TO. Revista de Direito da Cidade , Rio de Janeiro, vol. 08, nº 1, p. 112-134, 2016.).

Na esteira das inovações constitucionais, o marco legal relativo ao ordenamento do desenvolvimento urbano seria progressivamente desenvolvido, regulamentando os instrumentos lançados em 1988 e acrescendo outros, de natureza inclusiva. O direito à moradia, entretanto, só foi incorporado 12 anos depois, por meio da Emenda Constitucional nº 26, de 2000, que modificou a redação do artigo 6º, adequando o marco jurídico brasileiro aos tratados internacionais sobre o tema da moradia.

Na sequência, a Lei nº 10.257 de 2001, denominada Estatuto da Cidade, representaria a culminância de uma luta histórica pela Reforma Urbana, em que a defesa do exercício pleno do direito à cidade ocupa posição de destaque. Nele, estão consolidados os princípios de promoção da equidade territorial e instrumentos de natureza redistributivas e democratizantes para alcançar o objetivo de inclusividade socioespacial das parcelas menos favorecidas da população urbana.

Completados 32 anos da Constituição e 19 anos do Estatuto da Cidade, observa-se que o quadro de desigualdade socioespacial ainda se apresenta como um desafio a ser superado. As questões associadas à produção e ao acesso à moradia digna, problema chave abordado por esta pesquisa, ocupam um lugar central nas preocupações das políticas públicas, dos movimentos sociais de luta pela moradia e das famílias excluídas do acesso a esse direito. No Brasil, o déficit habitacional total é estimado em 6,36 milhões de domicílios (FJP, 2018FJP. Fundação João Pinheiro. Estatística e Informações: demografia e indicadores sociais: déficit habitacional no Brasil - 2015. Belo Horizonte: FJP, Diretoria de Estatística e Informações (DIREI), 2018, 78 p. Disponível em: Disponível em: http://www.bibliotecadigital.mg.gov.br/consulta/consultaDetalheDocumento.php?iCodDocumento=76871 . Acesso em: 18 mai. 2020.
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). Em Pernambuco, esse déficit chega a 285 mil domicílios, sendo cerca de 133 mil domicílios apenas na Região Metropolitana do Recife (RMR) (FJP, op. cit.FJP. Fundação João Pinheiro. Estatística e Informações: demografia e indicadores sociais: déficit habitacional no Brasil - 2015. Belo Horizonte: FJP, Diretoria de Estatística e Informações (DIREI), 2018, 78 p. Disponível em: Disponível em: http://www.bibliotecadigital.mg.gov.br/consulta/consultaDetalheDocumento.php?iCodDocumento=76871 . Acesso em: 18 mai. 2020.
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).

No Recife, capital de Pernambuco e sede da RMR, o quadro de segregação e desigualdade socioespacial é notável. Em 2014, mais de 33% do seu território eram ocupados por assentamentos pobres e 53% da população da cidade habitavam essas áreas (RECIFE, 2014_____. Autarquia de Saneamento do Recife. Atlas das infraestruturas públicas em Comunidades de Interesse Social do Recife. Recife: PCR, 2014. Disponível em: URL http://mundosafari.com.br/projetos/2015/prefeitura-atlas/. Acesso em 20 mai. 2020.
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). Esses dados revelam uma cidade informal e precária, onde o acesso à moradia digna representa o maior desafio na promoção dos preceitos definidos nos marcos normativos que regem a política nacional de ordenamento territorial urbano.

Frente a persistência desse quadro, tendo como fundamento a razão de ser dos instrumentos listados - e todos os demais, constantes nas normativas e diretrizes de desenvolvimento urbano - emerge um questionamento que delineia a questão central aqui investigada: a existência de princípios e instrumentos legais é suficiente para alcançar o pleno desenvolvimento das funções sociais da cidade e garantir o bem-estar dos seus habitantes?

Como análise de um direito humano essencial, associado ao conceito mais vasto do direito à cidade, o estudo do atendimento ao direito à moradia por instrumentos de ordenamento como o plano diretor representa um meio de melhor compreender os limites e as perspectivas da efetivação da equidade territorial urbana. O Recife apresenta-se como caso adequado para o estudo, por suas características quanto à desigualdade socioespacial, pela capacidade político-institucional instalada em termos da condução do planejamento-gestão urbano e pelo fato do Plano Diretor Municipal de 2008, até então vigente, ter passado por um processo de revisão e ter sido aprovado um novo PDR em 20201 1 No momento em que se concluía a redação deste trabalho, na última semana de 2020, a Câmara de Vereadores do Recife aprovou o PLE do PDR-2020, tendo este sido sancionado pelo prefeito da cidade em 29/12/2020, tornando-se a Lei municipal n° 18.770/2020 (RECIFE, 2020-a). .

O objetivo central desta pesquisa é verificar se o processo de elaboração e as propostas trazidas pelo novo Plano Diretor do Recife (PDR-2020) atendem aos princípios de participação democrática e respeito à função social da cidade e da propriedade urbana. Nesta investigação, interessa compreender o alcance das diretrizes do PDR-2020 quanto às condições e restrições ao atendimento do direito à moradia representadas pelas diretrizes e instrumentos definidos no corpo do Projeto de Lei do Executivo municipal (PLE nº 28/2018RECIFE. Prefeitura da Cidade. Projeto de Lei Complementar nº 28, de 14 de dez. de 2018. Promove a revisão do Plano Diretor do Recife. Recife: Prefeitura da Cidade do Recife, 2018.), enviado à análise da Câmara dos Vereadores em dezembro de 2018.

Como objetivos específicos, tem-se, por ordem de abordagem no corpo do artigo:

  1. Delinear os conceitos centrais relacionados às desigualdades socioespaciais, ao direito à cidade e ao direito à moradia, como fundamentos para compreensão do problema central enfrentado pelos instrumentos urbanísticos dos PDM.

  2. Explicitar o desenvolvimento, a natureza (redistributiva e democratizante) e o estado da arte dos instrumentos normativos de ordenamento territorial voltados ao cumprimento de direitos urbanos (especialmente o direito à moradia), no nível nacional e municipal.

  3. Descrever e caracterizar o processo de revisão do PDR-2008, nas disputas em torno do respeito ao preceito da participação social e ao caráter redistributivo dos instrumentos urbanísticos propostos.

  4. Discutir e criticar as características do processo de elaboração e dos instrumentos em tela, presentes no PDR-2020, atentando aos aspectos do atendimento (ou alcance) do princípio do direito à moradia.

Para tanto, adotou-se uma abordagem fundada no método dialético, no qual o acompanhamento das atividades das instâncias institucionais de planejamento-gestão permitiu identificar a natureza dos conflitos na disputa entre interesses díspares. Essa etapa metodológica foi facilitada e enriquecida pelo fato dos autores deste trabalho terem tomado parte, como representantes do segmento acadêmico, dos debates levados a efeito em instâncias de planejamento-gestão participativa, como o Conselho da Cidade do Recife (ConCidade), o Conselho de Desenvolvimento Urbano (CDU), o Fórum do Plano de Regularização de ZEIS (PREZEIS, e suas Comissões de Urbanização e Legalização, COMUL), além de espaços de articulação da sociedade civil em prol do direito à cidade, como o movimento Articulação Recife de Luta (ARL).

A partir dessa abordagem participativa, e desde que são oriundos de visões díspares do ordenamento urbano, representativos dos modelos democrático e mercadológico de desenvolvimento da cidade2 2 Trata-se aqui da distinção entre dois pontos de vista associados a objetivos opostos no trato da gestão do desenvolvimento urbano. Nesse embate, eles se associam, respectivamente: à defesa dos direitos urbanos das camadas mais pobres da população urbana, de sua inclusão socioespacial e de sua participação efetiva na condução das diretrizes de ordenamento territorial; à garantia de preservação dos interesses dos agentes do mercado (sobretudo no campo imobiliário e da construção civil), associados ao lucro e aos ganhos financeiros da iniciativa privada. , busca-se explicitar tais conflitos na oposição entre os interesses defendidos pelos distintos atores envolvidos na revisão do PDR-2008. Importa para a pesquisa cotejar as posições defendidas pelo Estado (no caso, a Prefeitura da Cidade do Recife), pelos agentes do mercado imobiliário e pelos segmentos sociais organizados em torno da luta pelo direito à cidade e à moradia.

O alcance do PDR-2020, posto em questão, é compreendido como a abrangência de suas diretrizes. Ele é analisado por meio de uma abordagem na qual se busca identificar e caracterizar os instrumentos de ordenamento e gestão propostos no novo PDM e avaliar em que medida eles atendem aos princípios mencionados anteriormente, relativamente ao direito à moradia. Tem-se como referencial de análise a investigação sobre os condicionantes do quadro normativo vigente, o teor dos debates nas instâncias participativas de elaboração do PDR-2020 e a natureza dos instrumentos estabelecidos no PLE 28/2018.

Quanto a estes instrumentos, interessa perceber se eles se fundam em preceitos alinhados à promoção da equidade territorial e aportam contribuições garantidoras da redistribuição dos ganhos e benefícios do processo de urbanização e/ou da democratização da tomada de decisões quanto aos rumos do desenvolvimento urbano do Recife. No tocante à política pública de moradia, esses elementos são aspectos chaves na busca por respostas à questão central da pesquisa.

Compreendidos como pressupostos e condicionantes relevantes para a conquista de um patamar mais elevado de exercício do direito à cidade, revela-se como resultado da pesquisa que o conteúdo das normativas em fase final de revisão trazem em si, dentre outras, duas naturezas complementares de instrumentos associados aos princípios constitucionais observados. Primeiramente, os de caráter redistributivo, focados na lógica do cumprimento das funções sociais da cidade e da propriedade urbana. Em seguida, os de caráter democratizante, que delineiam a obrigatoriedade do processo participativo das políticas urbanas.

Na discussão acerca dos resultados, identificam-se conflitos e contradições na condução dos debates e na aplicação dos instrumentos no processo de revisão do PDR-2008 e de construção do PDR-2020. Evidenciam-se assimetrias no atendimento a interesses de atores hegemônicos e de segmentos sociais defensores da moradia de interesse social. Por um lado, revelam-se indícios das coalizões entre os interesses do Estado e dos agentes do mercado imobiliário, analisadas por Carvalho (2013CARVALHO, Inaiá M. M. de. Capital imobiliário e desenvolvimento urbano. Caderno CRH. Salvador, vol. 26, n 69, set./dez. 2013. Disponível em: Disponível em: https://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0103-49792013000300009&lng=pt&tlng=pt . Acesso em: 10 mai. 2020.
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) no seio da nova ordem social e espacial. Por outro, vê-se a resistência de segmentos populares, que em boa medida têm o direito à cidade e à moradia restringido ou negado. Tendo sido limitada sua capacidade de decisão no processo de participação aplicado, sua luta se volta não só a conquistas de difícil alcance, mas sobretudo à garantia de manutenção de direitos adquiridos, hoje sob risco de serem minorados.

2. A DISPUTA PELA CIDADE NA ESTEIRA DO DESENVOLVIMENTO URBANO: VALOR DE USO OU VALOR DE TROCA?

A real dimensão dos problemas habitacionais no país pode ser melhor compreendida sob a perspectiva conceitual construída pela Fundação João Pinheiro (FJP, 2018FJP. Fundação João Pinheiro. Estatística e Informações: demografia e indicadores sociais: déficit habitacional no Brasil - 2015. Belo Horizonte: FJP, Diretoria de Estatística e Informações (DIREI), 2018, 78 p. Disponível em: Disponível em: http://www.bibliotecadigital.mg.gov.br/consulta/consultaDetalheDocumento.php?iCodDocumento=76871 . Acesso em: 18 mai. 2020.
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). Nela, associa-se o déficit habitacional às condições da edificação em si, ao ônus excessivo com o aluguel e à inadequação habitacional. Esta ótica respalda a compreensão do direito à moradia como o direito de se ter acesso a um conjunto de elementos que condicionam o ato de habitar na cidade de modo digno e seguro. Dentre outros, estes referem-se à edificação em si (durabilidade das construções, número de dormitórios/cômodos em relação à quantidade de habitantes, presença de banheiro/sanitário próprio, tipo de material de cobertura) e a aspectos que lhe garantem as condições de conforto e segurança próprias da urbanização (acesso a infraestruturas e serviços, como energia elétrica e saneamento básico) e de permanência no local em que se habita (capacidade de pagamento de aluguel, legalização da posse e ocupação da terra).

Pode-se afirmar que as ações de redução do déficit habitacional estão intrinsecamente ligadas ao plano do atendimento ao direito à moradia e como parte do direito à cidade, conceitos detalhados mais adiante. Assim, seu desenvolvimento é um pressuposto para alcançar aquele que Merlin (2007MERLIN, Pierre. L’aménagement du territoire en France. Paris: la Documentation Française, 2007, 174p., p. 26-27) julga ser o objetivo maior das atividades no campo disciplinar do ordenamento territorial: a promoção de um certo grau de equidade territorial na distribuição das benesses do processo de urbanização. O equilíbrio por ele propugnado abrange distintas dimensões: arquitetônicas, dominiais, urbanísticas, ambientais e administrativas. Quanto a esta última, os marcos legais brasileiros estabelecem os parâmetros do desenvolvimento das políticas públicas territoriais e de suas ações, em prol da função social da cidade e da garantia do bem-estar dos citadinos.

Nesse aspecto, é válida a lógica de inclusão social (e territorial) delimitada no Caderno nº 3 do Ministério das Cidades, como aquela que envolve “não apenas a melhoria imediata das condições urbanas de vida dos mais pobres, como também a construção de um modelo mais includente e democrático de cidade para o futuro” (BRASIL, 2004_____. Ministério das Cidades. Cadernos MCidades 3 - Programas Urbanos, Planejamento Territorial Urbano e Política Fundiária. Brasília: Ministério das Cidades, 2004, 88 p., p. 8). Entretanto a esta equidade contrapõe-se a evidente assimetria que caracteriza as cidades brasileiras: no provimento de moradia, na distribuição de infraestruturas e serviços urbanos, na participação dos distintos segmentos sociais no processo de planejamento e gestão da cidade, na realização e distribuição de ganhos materiais etc.

O acesso à moradia representa um grande desafio cotidiano para a população de mais baixa renda em sua luta por sobrevivência na cidade. Isso torna a moradia popular objeto da intervenção pública no setor habitacional. A atribuição de promovê-la pressiona o Estado a agir, como provedor social e mediador de conflitos entre distintos agentes produtores do espaço urbano. Na relação de forças entre estes, a população pobre é alijada dos recursos financeiros e técnicos para acesso a moradias, infraestruturas e serviços. Tal questão tem causas profundas: a concentração de terra e renda, fatores intrínsecos da produção do espaço urbano capitalista, expressa nas cidades pela desigualdade socioespacial.

É fato que no Brasil tal desigualdade tem uma raiz patrimonialista. Na década de 1970, Faoro (1977) já ressaltava o impacto da captura da esfera pública pelo capital privado sobre as condições do desenvolvimento urbano. Para ele, orientado por interesses privados das elites, como as que conduzem os negócios do desenvolvimento urbano, que dominam o Estado e seus investimentos, o processo de urbanização nacional resultou não apenas desequilibrado, mas também insustentável.

O Brasil viu sua taxa de urbanização aumentar de 36,1%, em 1950, para 84,4%, em 2010 (IBGE,2012IBGE. Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. Censo Brasileiro de 2010. Rio de Janeiro: IBGE, 2012.), o que denota a celeridade desse processo. Como pano de fundo desta dinâmica, havia um quadro de crescimento econômico pautado na concentração de ganhos e renda em estratos sociais mais altos, e nos baixos salários percebidos pela maioria da população, oriunda da classe trabalhadora. Esta assimetria de base se reproduziria na exclusão dos grupos sociais mais pobres do acesso às áreas urbanas de maior valor. Restou-lhes ocupar zonas periféricas, desprovidas de infraestruturas e serviços, multiplicando as formas de moradia precária em favelas, assentamentos, loteamentos clandestinos etc.

Como delineiam Rocha e Diniz (2015ROCHA, Danielle de M.; DINIZ, Fabiano R. Arenas de decisão, arranjos institucionais e reconfiguração socioespacial ao sul da metrópole do Recife: o polo Suape no cerne das políticas de desenvolvimento de Pernambuco. In BITOUN J, SOUZA, M.A [org.]. Recife: transformações na ordem urbana. Rio de Janeiro: Letra Capital, 2015, p. 459-501.), entre 2007 e 2014 a dinâmica econômica e imobiliária do Recife foi marcada pela realização de grandes projetos urbanos. Nesse período, vê-se acirrar-se a busca por novos espaços para realização do capital imobiliário. A abordagem empregada, de cunho neoliberal, tem por característica a elaboração/revisão de instrumentos como Planos Diretores (metropolitanos e municipais) com foco em projetos estratégicos voltados à atração de investimentos. Como consequência, processos de gentrificação ameaçam até as populações residentes nas Zonas Especiais de Interesse Social (ZEIS)3 3 Segundo a Lei do PREZEIS, n° 16.113/1995, as ZEIS “são áreas de assentamentos habitacionais de população de baixa renda, surgidos espontaneamente, existentes, consolidados ou propostos pelo Poder Público, onde haja possibilidade de urbanização e regularização fundiária”. , hipoteticamente protegidas contra eles.

À realização de ganhos imobiliários se conjugam grandes investimentos públicos, com o Estado assumindo a maior parte dos custos necessários à implantação de obras de urbanização, que repercutem sobre os valores das terras urbanas, (re)valorizando espaços intraurbanos antes sem atrativos e favorecendo a reprodução, em escala e velocidade ainda maiores, dos impactos sobre a população de menor renda, cada vez mais excluída dos ganhos do processo de urbanização.

Observam-se, no Recife como nas cidades contemporâneas em geral, dois movimentos contraditórios mas complementares: o da cidade mercadoria, que emerge no bojo da globalização e do neoliberalismo respaldado no paradigma conceitual do planejamento estratégico; e o de resistência ao mesmo, reivindicador da cidade democrática, na qual o valor do uso social prevaleceria sobre o valor de troca, ancorado no conceito do direito à cidade. Os conflitos urbanos no Recife, em suas dimensões geopolítica, jurídica e urbanística, revelam que tais modelos de cidade se sobrepõem nas brechas existentes entre a realidade social e a legislação em vigor (ROCHA, 2017ROCHA, Danielle de M. Revisitando o PREZEIS: um instrumento de luta e resistência no embate entre o planejamento estratégico e O direito à cidade . In Anais do Encontro Nacional da Rede do INCT Observatório das Metrópoles, Regimes Urbanos e Governança Metropolitana. Natal: UFRN/INCT Observatório das Metrópoles, 2017, 17 p.).

Para este artigo, importa perceber que, nessas esferas, os processos de institucionalização do direito à moradia - no bojo do embate pelo direito à cidade - são marcos reveladores das disputas políticas pela definição de um outro modelo de cidade. Na maioria das vezes, prevalecem soluções apresentadas pelos segmentos hegemônicos, intermediadas pelo discurso de sua capacidade técnica de propor as melhores alternativas. Observa-se, tanto na atuação dos atores implicados nas arenas de participação e decisão, como nas decisões estratégicas unilaterais do poder público - tomadas à margem dos ambientes de gestão democrática -, um distanciamento dos ideais de promoção do direito à moradia.

2.1 Da Reforma Urbana ao Direito à Cidade: a apropriação dos conceitos na luta por direitos

O conceito de direito à cidade, no Brasil, tem estreita relação, quanto à natureza das reivindicações, com o de reforma urbana, difundido por meio do Movimento Nacional pela Reforma Urbana, nas décadas de 1970 e 1980, como uma referência direta à da luta pela reforma agrária. Com a promulgação do Estatuto da Cidade - Lei Federal nº 10.257 (BRASIL, 2001_____. Estatuto da Cidade, Lei Federal nº 10.257, de 10 de jul. de 2001. Regulamenta os arts. 182 e 182 da Constituição Federal, estabelece diretrizes gerais da política urbana e dá outras providências. Brasília: Congresso Nacional, 2001.) -, o direito à cidade ganha impulso.

Para Lefebvre (1991LEFEBVRE, Henry. O direito à cidade . Tradução de Rubens Frias (Original: Le droit à la ville, 1967). São Paulo: Editora Moraes, 1991, 143p.), o direito à cidade implica na fruição de uma vida urbana em processo de transformação. O autor defende que apenas os reais interessados, os proletários - trabalhadores e moradores das cidades -, são os protagonistas da conquista desse direito, pois a atuação do Estado ou do mercado na produção urbana, mesmo quando busca intervir em políticas inclusivas dos espaços sociais excluídos, não logra alcançar um processo efetivo de democracia urbana.

Partindo do pressuposto de que a cidade é o território das lutas políticas entre o capital e as classes trabalhadoras, Harvey (2013HARVEY, David. O direito à cidade. Revista Piauí, edição nº 82. São Paulo: Folha de São Paulo, 2013. Disponível em: Disponível em: https://piaui.folha.uol.com.br/materia/o-direito-a-cidade/ . Acesso em: 09 mai. 2020.
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) amplia o sentido lefebvriano do direito à cidade, argumentando que se trata de um direito coletivo. O autor corrobora a ideia de Lefebvre que, para exercer plenamente tal direito, mais do que terem acesso aos recursos e às oportunidades que a cidade pode oferecer, os citadinos devem ter o poder de transformá-la, enquanto simultaneamente se transformam a si mesmos. Ademais, o direito à cidade deve satisfazer às necessidades humanas além daquelas relacionadas ao consumo, posto que o aumento do consumo no espaço urbano encarece a vida na cidade, distanciando a população de baixa renda do processo produtivo (HARVEY, 1992HARVEY, David. A condição pós-moderna. São Paulo: Loyola, 1992.).

Se os movimentos sociais urbanos percursores na luta coletiva pela terra e pela moradia digna na cidade apropriaram-se do conceito da Reforma Urbana, nas últimas décadas novos movimentos somaram-se aos de jornada histórica. Estes apropriam-se do conceito de direito à cidade dado por Lefebvre e Harvey, enfatizando a dimensão mobilizadora e o potencial de convergência nas suas lutas. Entretanto o caráter revolucionário do conceito é ameaçado pelas tentativas de sua institucionalização por parte de organizações internacionais ou das políticas públicas (GAILLART; DE LA MORA, 2016GAILLART, Romain; DE LA MORA, Luís. A institucionalização do “direito à cidade”: um conceito ainda mobilizador de moradores de bairros populares? Segregação, desigualdades, políticas. In Anais do Seminário Diálogos França - Brasil , 4ª edição. Salvador: UFBA, 2016.).

Nesta contradição dialética, o direito à cidade serve como argumento de luta social, mas também pode ser incorporado às políticas públicas progressistas que valorizam e legitimam os processos participativos na concepção e construção da cidade democrática. O conceito também pode ser desvirtuado da sua acepção original, cunhada por Lefebvre, sendo reduzido à mera condição de discurso vazio para justificar megaprojetos excludentes, apropriados pelos agentes promotores imobiliários, proprietários fundiários e investidores com o apoio do Estado na consolidação da cidade mercadoria.

Instrumentos como as Zonas Especiais de Interesse Social (ZEIS) e outros, regulamentados pelo Estatuto da Cidade, pretendem servir ao propósito de promover a igualdade das condições de participação na concepção e na fruição das benesses da urbanização por todos os citadinos incorporando o conceito de direito à cidade nesta Lei.

Vale ressaltar que o Plano de Regularização das Zonas Especiais de Interesse Social (PREZEIS) - Lei nº 14.947/1987 (RECIFE, 1987_____. Lei Municipal nº 14.947, de 30 de mar. de 1987. Cria o Plano de Regularização das Zonas Especiais de Interesse Social - PREZEIS. Recife: Câmara Municipal do Recife, 1987.) - já representava um programa precursor batizado pelos princípios do direito à cidade. Não apenas por ser de iniciativa popular, mas, sobretudo, por apresentar uma visão global dos problemas urbanos, legitimando o papel do citadino na produção da cidade. Ainda que as instâncias participativas instituídas pelo modelo de gestão do PREZEIS sejam conduzidas por representantes eleitos pelos moradores, há que ponderar acerca de seus limites. Tais instâncias, como instrumentos institucionais de participação social na elaboração e execução de políticas urbanas de defesa do direito à cidade, são limitadas por sua real capacidade de envolver os principais interessados na efetivação desses direitos: os moradores das ZEIS.

Vale destacar a importância do PREZEIS em seus 33 anos de trajetória. A descentralização da gestão urbana e das políticas sociais ocorreu no bojo da redemocratização, que possibilitou avanços nos instrumentos de planejamento participativo, de acesso à terra urbana e à moradia. Paralelamente às conquistas da Constituição Federal de 1988, que incorporou princípios defendidos na luta pela Reforma Urbana, no Recife, as organizações da sociedade civil contribuíram efetivamente para a Lei do PREZEIS.

Nesta, estabeleceu-se um sistema de gestão compartilhada para efetivar a regularização urbanística e fundiária das ZEIS, tendo as Comissões de Urbanização e Legalização (COMUL) e o Fórum do PREZEIS como suas instâncias centrais. Em 1993, criou-se o Fundo Municipal do PREZEIS (Lei nº 15.790. RECIFE, 1993_____. Lei Municipal nº 15.790, de 10 de set. de 1993. Institui e regulamenta o Fundo Municipal do PREZEIS e dá outras providências. Recife: Câmara Municipal do Recife, 1993.), para captar 1% da arrecadação municipal. Em 1995, reformulou-se a Lei do PREZEIS (Lei nº 16.113. RECIFE, 1995_____. Lei Municipal nº 16.113, de 1995. Dispõe sobre o Plano de Regularização das Zonas Especiais de Interesse Social - PREZEIS. Recife: Câmara Municipal do Recife, 1995.), com o respaldo da Lei de Uso e Ocupação do Solo (LUOS, Lei nº 16.176. RECIFE, 1996_____. Lei Municipal nº 16.176, de 9 de abr. de 1996. Estabelece a Lei de Uso e Ocupação do Solo da Cidade do Recife. Recife: Câmara Municipal do Recife, 1996.) e do PDR-2008 (Lei nº 17.511. RECIFE, 2008_____. Lei Municipal nº 17.511, de 29 de dez. de 2008. Promove a Revisão do Plano Diretor do Município do Recife. Recife: Câmara Municipal do Recife, 2008.). Como a legislação urbanística vigente em processo de revisão, não se sabe ao certo o impacto do novo quadro legal sobre a Lei do PREZEIS, nem seu impacto em ações de cunho inclusivo previstas nesta lei como meio de acesso à moradia (ROCHA, 2017ROCHA, Danielle de M. Revisitando o PREZEIS: um instrumento de luta e resistência no embate entre o planejamento estratégico e O direito à cidade . In Anais do Encontro Nacional da Rede do INCT Observatório das Metrópoles, Regimes Urbanos e Governança Metropolitana. Natal: UFRN/INCT Observatório das Metrópoles, 2017, 17 p.).

Diante dos limites do conceito de direito à cidade, na acepção defendida por Lefebvre e por Harvey, questiona-se a efetividade de sua operacionalização, ainda que se reconheça a potencialidade de promoção de justiça socioespacial como decorrência da utilização dos instrumentos urbanísticos e institucionais do arcabouço normativo progressista como o Estatuto da Cidade. Como um argumento de luta e conquista dos próprios citadinos excluídos, o acesso ao solo e às oportunidades dos serviços urbanos resta limitado em meio à disputa entre os interessados no valor de uso da cidade democrática e aqueles interessados na majoração do valor de troca do solo urbano na cidade mercadoria. Frente a isto, a conquista plena do direito à cidade e o direito à moradia seria relegada a uma utopia?

2.1. Direito à cidade e direito à moradia: ambiguidades na ação do Estado

Partindo-se do pressuposto que o direito à cidade abrange a acepção do direito à moradia, como meio de promover a justiça, a inclusão e o bem estar social, analisam-se os avanços institucionais para a promoção da moradia digna como uma articulação indispensável à conquista do direito à cidade. A dita moradia digna pode ser alcançada sem a conquista do direito à cidade?

Na Constituição de 1988, a habitação assume o caráter de direito básico da população - Emenda Constitucional nº 26 (BRASIL, 2000_____. Emenda Constitucional nº 26/2000, de 14 de fev. de 2000. Altera a redação do art. 6º da Constituição Federal. Brasília: Congresso Nacional, 2000.). O texto legal do Estatuto da Cidade (EC) esclarece que ele “estabelece normas de ordem pública e interesse social que regulam o uso da propriedade urbana em prol do bem coletivo, da segurança e do bem-estar dos cidadãos, bem como do equilíbrio ambiental” (Art. 1º, parágrafo único. BRASIL, 2001_____. Estatuto da Cidade, Lei Federal nº 10.257, de 10 de jul. de 2001. Regulamenta os arts. 182 e 182 da Constituição Federal, estabelece diretrizes gerais da política urbana e dá outras providências. Brasília: Congresso Nacional, 2001.). No corpo desta lei, orienta-se a política urbana a atender esse interesse social e lista-se uma série de responsabilidades, instrumentos e requisitos a serem postos em práticas pelos governos púbicos federal e municipais. Esses ditames, de certo modo induzem as ações da Política de Habitação de Interesse Social (PHIS) nessas esferas de governo.

Mas somente após a criação do Ministério das Cidades (MCidades), pela Lei nº 10.683 (BRASIL, 2003_____. Lei Federal nº 10.683, de 28 de mai. de 2003. Dispõe sobre a organização da Presidência da República e dos Ministérios, e dá outras providências. Brasília: Congresso Nacional, 2003.), tem-se o arcabouço institucional para a operacionalização dos instrumentos jurídico-urbanísticos regulamentados pelo Estatuto da Cidade, visando garantir o preceito constitucional do cumprimento das funções sociais da cidade e da propriedade. Isso consolida o fim do período iniciado com a ditadura militar caracterizado pela luta pela Reforma Urbana, inaugurando várias políticas inclusivas (MARICATO, 2011MARICATO, Ermínia. O impasse da política urbana no Brasil. Petrópolis: Vozes, 2011, 219 p.). Um dos fatores limitantes a essas iniciativas era a parca capacidade de financiamento para a produção e regularização de moradias à disposição da política habitacional, após a extinção do Banco Nacional de Habitação (BNH), em 1986.

Para fazer face a isso, nos governos do presidente Lula da Silva (2003-2011) foi concebida uma nova Política Nacional de Habitação (PNH) e implementada a estrutura para sua execução: o Sistema Nacional de Habitação (SNH), o Subsistema de Habitação de Interesse Social (SNHIS) e o Fundo Nacional de Habitação de Interesse Social (FNHIS), instituídos pela Lei federal nº 11.124 (BRASIL, 2005_____. Lei Federal nº 11.124, de 16 de jul. de 2005. Dispõe sobre o Sistema Nacional de Habitação de Interesse Social - SNHIS, cria o Fundo Nacional de Habitação de Interesse Social - FNHIS e institui o Conselho Gestor do FNHIS. Brasília: Congresso Nacional, 2005.). Estas instâncias foram postas em operação com o intento de organizar o Plano Nacional de Habitação (PlanHab. BRASIL, 2009_____. Ministério das Cidades. Plano nacional de habitação. Brasília: Ministério das Cidades, Secretaria Nacional de Habitação, 2009, 212 p.) no tocante à promoção de melhores condições de moradia e habitabilidade à porção da população brasileira excluída do acesso a elas. No campo da promoção da moradia popular, o papel do SNHIS assume um lugar central, ao estruturar a PHIS como um sistema a ser alimentado pelo FNHIS e gerenciado pelo Conselho Nacional de Habitação de Interesse Social (CNHIS).

Alguns dos esforços dessa política visavam a solucionar a ausência de linhas de financiamento à habitação de interesse social e a reduzir as desigualdades do acesso entre os segmentos sociais de maior e menor renda. Apesar disso, a disparidade da distribuição do financiamento para o desenvolvimento urbano, em termos da produção e provisão de moradia, da implantação de sistemas de infraestruturas e da prestação de serviços urbanos essenciais (saneamento básico, mobilidade, educação, saúde, segurança, lazer) ainda é uma razão estrutural dos desequilíbrios que as cidades brasileiras enfrentam.

Ademais, a Lei federal nº 11.124/2005 condicionava o acesso de municípios a recursos do FNHIS à elaboração dos Planos Locais de Habitação de Interesse Social (PLHIS), articulados aos PDM. Os PLHIS deveriam traçar as estratégias para equacionar o problema do déficit habitacional e definir programas habitacionais compatíveis com as necessidades locais, além de criar os Fundos Locais de Habitação de Interesse Social (FLHIS) e os Conselhos Gestores dos mesmos. Sabendo-se da pouca capacidade de planejamento e gestão das municipalidades no país, esta exigência acabaria por, hipoteticamente, limitar o acesso desse nível federativo aos recursos de promoção de moradia.

Malgrado haja no país (e no Recife) todo um quadro normativo capaz de se lhe opor, a tendência de iniquidade persiste e recrudesce, a despeito das tentativas institucionais para minimizá-lo, como a institucionalização das ZEIS no EC e nos PDM, e a promulgação da Lei federal nº 11.124/2005. A eles se somaria a institucionalização do Programa Minha Casa Minha Vida (PMCMV), estruturada no bojo do Plano de Aceleração do Crescimento 2 (PAC 2. BRASIL, 2010BRASIL. Presidência da República. PAC: Programa de Aceleração do Crescimento. Brasília: Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão, 2010. Disponível em: Disponível em: https://www.pac.gov.br/ . Acesso em: 15 mai. 2020.
https://www.pac.gov.br/...
)4 4 Concebido como indutor do crescimento e desenvolvimento econômico e social, o PAC centrou-se na promoção da infraestrutura nacional e das atividades produtivas, avançando inclusive sobre a produção de moradia, através do eixo ocupado pelo PMCMV, conhecido como PAC da Habitação. Porém, autores como Salvador e Rodrigues (2011) relativizam suas repercussões sobre as políticas sociais .

Analisando as mudanças institucionais na recente política habitacional brasileira, por meio do processo de elaboração da Lei nº 11.977/2009 (BRASIL, 2009_____. Lei Federal nº 11.977, de 7 de jul. de 2009. Dispõe sobre o Programa Minha Casa, Minha Vida (PMCMV) e a regularização fundiária de assentamentos localizados em áreas urbanas. Brasília: Congresso Nacional, 2009.) que criou o PMCMV - em caráter de urgência, substituindo a Lei de nº 11.124/2005, que esteve treze anos em processo de tramitação -, Ferreira et al. (2018) concluem que nesses processos legislativos os interesses do mercado se sobrepõem aos objetivos de desenvolvimento urbano integrado. Mais uma vez, a questão do direito à moradia como componente fundamental do direito à cidade é posto em xeque. As intervenções do PMCMV repetem situações já alvo de críticas em programas anteriores implantados no período do regime militar.

Destacam-se dentre elas a periferização promovida pela construção de grandes conjuntos habitacionais às margens dos centros urbanos, que oportunizam remoções e deslocamentos compulsórios de famílias e comunidades para implantação de grandes projetos urbanos. Esse movimento produz uma perda de raízes identitárias e sentimento de comunidade, o distanciamento dos locais de trabalho e o aumento de custos com a mobilidade dos moradores desses conjuntos. Os padrões de habitação, homogêneos, e os materiais construtivos, por vezes precários, também são alvo das críticas (CARDOSO, 2013CARDOSO, Adauto L. (org.). O Programa Minha Casa Minha Vida e seus Efeitos Territoriais. Rio de Janeiro : Letra Capital , 2013. 322 p. ).

Por esta razão, entende-se que, para que o direito à moradia seja alcançado como parte fundamental do direito à cidade, deve-se reconhecer o direito da população de permanecer no local que ocupou e fixou sua moradia, onde possui suas relações identitárias e sociais. Sobretudo quando se tratam de áreas centrais da cidade, dotadas de infraestruturas e serviços urbanos, e onde os seus habitantes podem ter acesso mais amplo e fácil às oportunidades de trabalho.

Em casos de necessidade de deslocamentos, por situações de risco ambiental, por exemplo, o respeito a esses preceitos obriga que as novas moradias sejam localizadas nas proximidades do local antes ocupado, para não se quebrar os vínculos sociais e culturais de seus moradores. Também é desejável que as novas unidades residenciais possuam condições de abrigar os habitantes respeitando as especificidade do tamanho das famílias, faixa etária, necessidades especiais etc. Mais ainda, implica em poder participar do processo de urbanização e de regularização fundiária de sua ZEIS, comunidade ou assentamento precário, com poder de decisão desde a concepção até a implantação das intervenções.

Tendo em vista que as políticas e programas estatais são indispensáveis para estruturar o sistema de promoção da moradia, os meios de financiamento da produção de unidades habitacionais e todas as infraestruturas e os serviços urbanos necessários para criar as condições de habitabilidade dos grupos sociais excluídos do mercado mobiliário formal, o panorama traçado até aqui traz respostas preliminares às questões levantadas. É fato que atender ao direito à moradia pressupõe implantar as bases para o exercício do direito mais amplo à cidade. Entretanto, ainda que sejam respaldados pela legislação em vigor, a fruição plena desses direitos segue no plano dos ideais, não da realidade.

Levanta-se, assim, um questionamento complementar: em que medida os instrumentos de promoção do desenvolvimento urbano, notadamente aqueles elencados pelo Estatuto da Cidade, poderiam vir a contribuir com a conquista desses diretos?

2.2. Os instrumentos do Estatuto da Cidade como alternativa de acesso aos direitos

Nesse ponto da trajetória de renovação do quadro normativo do direito urbano brasileiro, registra-se outra contribuição do Estatuto da Cidade no domínio dos instrumentos de caráter redistributivo, potencialmente utilizáveis com vistas à captura das mais valias fundiárias urbanas5 5 A mais-valia fundiária urbana diz respeito aos ganhos por aumento dos valores da terra gerados por meio de iniciativas do setor público e não de seus proprietários, como os investimentos (melhorias das infraestruturas, equipamentos e serviços), os instrumentos urbanísticos (alterações dos parâmetros urbanísticos) e/ou os instrumentos administrativos (flexibilização de procedimentos e reduções de taxas de licenciamento). Sua captura, através da conversão dessa valorização em receita pública (p. ex. via taxas de contribuição de melhoria e cobrança por coeficientes de aproveitamento superiores ao básico/unitário), pode representar um retorno desse incremento à sociedade, através de investimentos públicos beneficiem a todos os citadinos e não somente aos proprietários de terras urbanas. como meio de financiar ações públicas inclusivas. Dentre outros aspectos, o Estatuto possibilitou incorporar nos PDM os instrumentos cabíveis à realidade de cada município, visando ao cumprimento das funções sociais da propriedade. Um leque de opções foi consolidado, restando ser regulamentado em nível local: a Operação Urbana Consorciada (OUC); a Outorga Onerosa do Direito de Construir (OODC); e a Transferência do Direito de Construir (TDC).

Além destes, os PDM devem prever outros instrumentos urbanísticos que podem contribuir para redistribuir os ganhos com o processo de urbanização e financiar os investimentos necessários à redução das desigualdades socioespaciais, como o Parcelamento, Edificação ou Utilização Compulsória (PEUC) e o Imposto Predial Territorial Urbano Progressivo no Tempo (IPTU-P). No Recife, o poder executivo local instituiu esses instrumentos redistributivos a partir do PDR-2008, mas eles não foram aplicados, por não terem sido regulamentados em lei específica nos dez anos de sua vigência.

Tal lacuna talvez revele a omissão do poder público e sua falta de interesse em relação ao tema, vista sobretudo a não aplicação das ferramentas à disposição. Em torno da reflexão proposta neste artigo, observa-se, nesse caso, uma evidência parcial de que não basta haver instrumentos hábeis para aplicar preceitos de inclusão socioespacial e melhoria da qualidade de vida urbana, pela repartição de ganhos da urbanização. Essa situação agrava-se devido a que a efetividade de instrumentos como a OUC, a OODC e a TDC exige a definição de um Coeficiente de Aproveitamento (CA) básico unitário para toda a cidade6 6 O Coeficiente de Aproveitamento é um índice urbanístico que se refere ao total de área construída permitida para um determinado imóvel territorial (lote ou parcela), em relação à superfície ou área deste último. O Coeficiente de Aproveitamento Único limita a área permitida de construção à área do imóvel. Já o Coeficiente de Aproveitamento Básico seria aquele que, multiplicado pela área do terreno, resultaria na área de construção não onerosa permitida para os imóveis. , baseado no qual se pode estipular a cobrança pelo direito de construir em imóveis urbanos.

Este é um aspecto que, apesar de respaldado por análises sensíveis aos apelos pela inclusividade e redistributivismo, segue gerando controvérsias e embates que opõem dois segmentos: aquele que apoia a luta pelo direito à cidade e o direito à moradia (movimentos sociais, ONGs, Academia); e aquele ligado ao mercado imobiliário e à construção civil, com interesses na valorização do solo urbano, muitas vezes com o apoio do Estado.

Compreendida essa relação de forças no embate por instrumentos inclusivos/redistributivos, cabe situar o papel complementar desses instrumentos de democratização da gestão urbana. Pressuposto ao exercício do direito à cidade e também do direito à moradia em sua acepção ampla, a participação ampla da sociedade e cidadãos na concepção, construção e controle social do desenvolvimento urbano foi alvo da atenção na mudança que consolidou as políticas urbanas e a PNHIS no período pós-Estatuto da Cidade. As Conferências das Cidades, em âmbito nacional, estadual e municipal, constituíram-se em mecanismos de pactuação, entre o Estado e a sociedade civil organizada, para elaboração compartilhada e avaliação das políticas públicas urbanas, por meio dos Conselhos da Cidade, instituídos nessas esferas de poder. A construção das demandas prioritárias, definidas coletivamente nessas Conferências, que abrangem diversas temáticas oriundas da luta pela Reforma Urbana, deveriam ser incorporadas pelos poderes públicos.

Em 2014, sob a vigência do Estatuto da Cidade, a Lei nº 18.013 cria o Conselho da Cidade do Recife (ConCidade)7 7 Pela Lei nº 18.013 /2014, art. 1º, este conselho é “um órgão colegiado que visa debater e acompanhar as políticas públicas relacionadas ao espaço urbano com foco na melhoria da qualidade de vida na capital pernambucana”. Tem 45 membros distribuídos por segmentos: 18 do Poder Público Municipal (2 vereadores); 12 de entidades sindicais, movimentos sociais, populares e sociedade civil; 6 do empresariado; 9 de entidades profissionais, acadêmicas, de pesquisa, conselhos profissionais e ONG. . A proporcionalidade das categorias de representação que o compõem, incluindo suas Câmaras Técnicas, não oferece uma correlação de forças favorável às reivindicações populares. Desde sua instituição, evidencia-se em momentos de deliberação a polarização entre dois blocos: de um lado, 53% dos votantes, os representantes do poder público e empresários; do outro, com 47%, as entidades sindicais e categorias profissionais, movimentos sociais e populares e entidades profissionais, acadêmicas, de pesquisa, dos conselhos profissionais e das ONG (ROCHA, 2017ROCHA, Danielle de M. Revisitando o PREZEIS: um instrumento de luta e resistência no embate entre o planejamento estratégico e O direito à cidade . In Anais do Encontro Nacional da Rede do INCT Observatório das Metrópoles, Regimes Urbanos e Governança Metropolitana. Natal: UFRN/INCT Observatório das Metrópoles, 2017, 17 p.).

No ConCidade, este embate dá-se pautado na desconfiança entre esses entes e atores sociais, ilustrando um comportamento típico dos conflitos de interesses historicamente polarizados entre Estado e sociedade civil. Da mesma forma, muitas das deliberações da 6a Conferência da Cidade do Recife (2016) não foram construídas de forma consensual, mas por meio de muito debate e confronto em votação polarizada. Tais conflitos encontram eco no posicionamento do poder público, frequentemente a favor da implementação de grandes projetos urbanos que privilegiam os interesses do mercado imobiliário, reforçando a lógica da cidade-mercadoria do planejamento estratégico, em detrimento da cidade democrática das oportunidades urbanas para uma maioria excluída que busca acessar o direito à cidade.

Desde 2018, o ConCidade foca sua atenção na atualização da legislação urbanística vigente, o PDR-2008. A mobilização em torno desta questão reforçou conflitos e preocupações, por parte dos segmentos populares e seus apoiadores, com possíveis retrocessos dos processos democráticos e de outras conquistas que viabilizaram avanços rumo à priorização das funções sociais da cidade e acesso à moradia. Tal temor, na esfera local, segue a sucessão de perdas de direitos que se consolida com as regulamentações de alterações nas garantias constitucionais realizadas pelo Governo Federal após o impeachment da presidente Dilma Rousseff (PT), em agosto de 2016.

Nas gestões dos presidentes Temer (2016-2018) e Bolsonaro (a partir de 2019), com o relativo respaldo dos poderes legislativo e judiciário, essas alterações são postas em prática de forma radical e à revelia da participação social. O retrocesso dos processos democráticos de gestão e a restrição dos direitos sociais firmam-se, junto ao avanço de uma agenda neoliberal e uma onda conservadora na sociedade brasileira, respaldados pelas narrativas hegemônicas com apoio da mídia corporativa e das redes sociais.

Frente a esse quadro, a apropriação do real significado do direito à cidade e do direito à moradia pelo conjunto de atores envolvidos nas instâncias de planejamento e gestão da Política Municipal de Habitação de Interesse Social (PMHIS), conflita com o seu sentido mais amplo, vinculado às lutas urbanas abraçadas diretamente pelas populações das áreas pobres. Isso pressiona instâncias como o ConCidade e o PREZEIS a se reinventarem. Os atores sociais envolvidos nesses espaços institucionais percebem a fragilidade dessas instâncias no tocante à conscientização política mais ampla a respeito dessas lutas pelas bases que os movimentos sociais representam (GAILLART; DE LA MORA, 2016GAILLART, Romain; DE LA MORA, Luís. A institucionalização do “direito à cidade”: um conceito ainda mobilizador de moradores de bairros populares? Segregação, desigualdades, políticas. In Anais do Seminário Diálogos França - Brasil , 4ª edição. Salvador: UFBA, 2016.).

A análise do processo de revisão do PDR-2008 lança luz sobre o alcance das propostas de medidas de natureza redistributiva e democrática fomentadoras do direito à moradia. Deflagrado em dezembro de 2017, com a apresentação da “Estratégia de Construção Coletiva para o Processo de Elaboração do Plano de Ordenamento Territorial” (RECIFE, 2017_____. Prefeitura da Cidade. Estratégia de Construção Coletiva para o Processo de Elaboração do Plano de Ordenamento Territorial. Recife: PCR, Instituto da Cidade Pelópidas da Silveira, 2017, 21 p. Disponível em : http://conselhodacidade.recife.pe.gov.br/sites/default/files/biblioteca/GT%20POT%20-%20Estrutura%20Preliminar%20da%20Estrat%C3%A9gia%20de%20Constru%C3%A7%C3%A3o%20Coletiva.pdf. Acesso em: 10 mai. 2020.
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), este processo deu-se em meio a um intenso e conflituoso debate até dezembro de 2018, quando o Projeto de Lei do Executivo municipal nº 28/2018 (PLE 28/2018RECIFE. Prefeitura da Cidade. Projeto de Lei Complementar nº 28, de 14 de dez. de 2018. Promove a revisão do Plano Diretor do Recife. Recife: Prefeitura da Cidade do Recife, 2018.) foi enviado à Câmara dos Vereadores, cumprindo o prazo máximo de sua vigência (10 anos) estipulado no Estatuto da Cidade.

3. NOVO PLANO DIRETOR DO RECIFE: DESAFIOS PARA O DIREITO À MORADIA

O cumprimento das funções sociais da propriedade urbana, estabelecida no art. 5º da Constituição Federal como uma das garantias fundamentais do cidadão, submete sua aplicabilidade ao Plano Diretor Municipal. O art. 40 do EC reitera o PDM como instrumento básico da política de desenvolvimento e expansão urbana, determinando que, no processo de elaboração e fiscalização de sua implementação, os poderes legislativo e executivo garantam a participação popular, a transparência e o amplo acesso às informações produzidas. Os PDM visam a garantir o direito à moradia por meio da ampliação do acesso à terra urbanizada e aos serviços urbanos, e de uma gestão democrática e participativa (SANTOS JÚNIOR; MONTADIN, 2011SANTOS JÚNIOR, Orlando A.; MONTADIN, Daniel T. Síntese, desafios e recomendações. In SANTOS JÚNIOR, Orlando A.; MONTADIN, Daniel T. (org.). Os planos diretores municipais pós-Estatuto da Cidade: balanço crítico e perspectivas. Rio de Janeiro : Letra Capital, Observatório das Cidades, IPPUR/UFRJ, 2011, pp. 27-56.).

O art. 171, do Capítulo V do PLE 28/2008, que trata da política municipal de habitação (PMH), política urbana de habitação delimita que esta “compreende as ações e investimentos, sejam eles públicos ou privados, voltados para o exercício do direito à moradia digna dotada de infraestrutura urbana, redução do déficit habitacional e inclusão socioterritorial” (RECIFE, 2008_____. Lei Municipal nº 17.511, de 29 de dez. de 2008. Promove a Revisão do Plano Diretor do Município do Recife. Recife: Câmara Municipal do Recife, 2008.). Dentre os objetivos desta política, o art. 172 lista: a “universalização do acesso à moradia digna”; a “promoção de ações de regularização urbanística e fundiária em áreas de ocupação consolidada por população de baixa renda”; o “acesso à terra urbanizada para Habitação de Interesse Social (HIS)” (RECIFE, 2008_____. Lei Municipal nº 17.511, de 29 de dez. de 2008. Promove a Revisão do Plano Diretor do Município do Recife. Recife: Câmara Municipal do Recife, 2008.., op. cit.).

Dentre suas diretrizes, a PMH incorpora diretrizes alinhadas com os preceitos de promoção da equidade territorial aos quais o PDM como instrumento central de condução da política de desenvolvimento urbano deve atender. No tocante à natureza redistributiva desse instrumento, destacam-se as diretrizes de promoção da “justa distribuição de ônus e benefícios do desenvolvimento urbano”, o investimento de “recursos da OODC prioritariamente em habitação e regularização fundiária e urbanística”; a “utilização de imóveis ociosos com habitação e equipamentos”; e a ampliação de “ZEIS como reconhecimento do direito à cidade e garantia de habitabilidade” (RECIFE, 2008_____. Lei Municipal nº 17.511, de 29 de dez. de 2008. Promove a Revisão do Plano Diretor do Município do Recife. Recife: Câmara Municipal do Recife, 2008.., op. cit.). Quanto à natureza democratizante do PDM, sublinha-se no texto do PLE 28/2008 a proposição de um “adequado acompanhamento técnico, jurídico e social por meio de gestão democrática, participação e controle social em articulação com o Sistema Nacional de Habitação de Interesse Social -SNHIS” (idem).

No quadro recifense, apesar dos casos de falta de complementaridade de ações de integração organizada e sustentável à cidade (REMÍGIO; ANDRADE, 2018REMÍGIO, Rodrigo; ANDRADE, Mariana. A organização política de zoneamento especial urbano pelo município de Recife. Revista de Direito da Cidade , vol. 10, nº 02. Rio de Janeiro, UERJ , 2018, pp. 728-754.), as Zonas Especiais de Interesse Social configuram-se instrumento importante para perseguir os objetivos vinculados à regularização da posse da terra e das condições urbanísticas. Elas também representam um freio à pressão do mercado e à gentrificação. Já o Plano de Regularização das ZEIS (PREZEIS) é um exemplo prático de modelo participativo de gestão dos espaços de moradia popular, envolvendo um ambiente que acolhe instâncias de atuação voltadas à regularização urbanístico-fundiária.

Entretanto, como já mencionado, há limites na aplicação plena das capacidades de iniciativas como essas. A restrita capacidade do Fundo Municipal de Habitação de Interesse Social (RECIFE, 2007_____. Lei Municipal nº 17.394/2007, de 26 de dez. de 2007. Cria o Fundo Municipal de Habitação de Interesse Social - FMHIS e institui seu Conselho Gestor. Recife: Câmara Municipal do Recife, 2007.) de apoiá-las é um desses fatores. No entanto importa compreender que os avanços em termos da inclusão socioespacial, por meio do atendimento do direito à moradia, esbarram na ausência de normativas que orientem e regulem a aplicação de instrumentos redistributivos e que criem e organizem os espaços de planejamento e gestão democrática da cidade. Compreender como esses limites foram abordados na revisão do PDR-2008 é um meio de antever o potencial de efetividade dos instrumentos propostos para o novo PDM. Isso é analisado tanto sob a perspectiva da natureza redistributiva de tais instrumentos, quanto do grau de participação da sociedade nas instâncias formais de gestão democrática.

3.1. Instrumentos redistributivos: o direito de ter acesso às oportunidades da cidade

O Estatuto da Cidade, guiado pelo ideal de promover políticas públicas redistributivas, regulamentou instrumentos promotores da distribuição equânime dos ganhos e benefícios da urbanização. Esses instrumentos favorecem a aplicação de recursos ou a execução direta de obras em espaços urbanos com infraestruturas precárias ou desprovidos destas. Os valores para isso são arrecadados em terrenos situados em áreas dotadas de infraestrutura pública e funcionam como compensação financeira à possibilidade de maior adensamento construtivo nesses terrenos, dentro do limite da capacidade de suporte das infraestruturas existentes frente ao impacto do adensamento do conjunto urbano.

O PDR-2008, em seu art. 140, já estabelecia os Coeficientes de Utilização (CUT) mínimo, permanente, básico, de exportação e de importação e máximo para efeito de sua aplicação. Porém, o único bairro que poderia receber o potencial construtivo por meio do coeficiente de importação, mediante o pagamento da outorga onerosa, era o de Boa Viagem. A lógica de então visava a desestimular a verticalização já acentuada neste bairro, e não a buscar a captação de mais-valias urbanas de aplicação dos valores arrecadados em outras áreas da cidade com maior demanda de infraestrutura.

Apenas por ocasião da Copa do Mundo de 2014 foi regulamentada a OODC (Lei ordinária nº 17.710. RECIFE, 2011_____. Lei Municipal nº 17.710, de 27 de mai. De 2011. Dispõe sobre parâmetros urbanísticos e normas de uso e ocupação do solo para edificações de uso coletivo que prestam serviço de hospedagem e institui a outorga onerosa nas hipóteses definidas nesta lei objetivando a ampliação da capacidade de hospedagem na cidade do Recife para o evento da Copa do Mundo de 2014. Recife: Câmara Municipal do Recife, 2011.), destinada ao incremento da atividade hoteleira com a ampliação da oferta de leitos, cujos valores, depositados no Fundo de Desenvolvimento Urbano (FDU), não tinham destinação específica para fins redistributivos. O coeficiente de utilização (CUT) ou coeficiente de aproveitamento (CA) básico único, mínimo e máximo são parâmetros urbanísticos importantes para operacionalizar as funções sociais da propriedade. Por exemplo, o coeficiente de aproveitamento mínimo estabelece o menor parâmetro de utilização do terreno urbano para garantir que não sejam aplicados o PEUC, o IPTU-P e a Desapropriação com Pagamento em Títulos da Dívida Pública.

O art. 182 da Constituição recomenda ao poder público municipal exigir do proprietário do solo urbano não edificado, subutilizado ou não utilizado que promova seu adequado aproveitamento e aplicar, mediante a regulamentação por lei específica incluída no PDM. As sanções pelo não cumprimento das funções sociais da propriedade se dariam via aplicação do PEUC e seus sucedâneos. Conforme o EC, tais instrumentos visavam a combater a especulação imobiliária, desestimulando a permanência de imóveis subutilizados ou vazios na área urbana dotada de infraestrutura, e permitindo ampliar a oferta de terrenos e imóveis para implantação de programas habitacionais ou de equipamentos sociais indispensáveis à melhoria da qualidade de vida urbana.

Quase 20 anos após a criação do Estatuto da Cidade, ainda são poucas as experiências de aplicação desses instrumentos redistributivos para captação de mais-valias urbanas nas grandes cidades brasileiras. Embora eles constem em muitos PDM, sua regulamentação e a gestão de sua aplicação ainda representam uma grande lacuna. As resistências a eles partem de representantes dos grandes proprietários fundiários e promotores imobiliários, que atuam fortemente na elaboração dos PDM, desde o debate participativo - sob a responsabilidade do poder executivo - até a fase subsequente, de elaboração e aprovação de emendas - dirigida pelo poder legislativo.

Na cidade de São Paulo, cujas legislações urbanísticas têm sido referência para outras capitais brasileiras, o coeficiente de aproveitamento básico unitário foi incorporado no Plano Diretor Estratégico (PDE-SP) de 2014, após duas décadas de tentativas e resistências (ALVIM; CASTRO, 2010ALVIM, Angélica T. B.; CASTRO, Luiz G. R. Avaliação de políticas urbanas: contexto e perspectivas. São Paulo: Editora Mackenzie, 2010, 143 p.). O PDE-SP prevê destinar as receitas oriundas da aplicação dos instrumentos, depositadas em um fundo específico, para contribuir com o financiamento da habitação de interesse social.

Quanto às Operações Urbanas Consorciadas (OUC), sua aplicação apresentou resultados diferentes dos pretendidos no Estatuto da Cidade. A avaliação das experiências de execução em 14 OUC de São Paulo levou Alvim e Castro (2010ALVIM, Angélica T. B.; CASTRO, Luiz G. R. Avaliação de políticas urbanas: contexto e perspectivas. São Paulo: Editora Mackenzie, 2010, 143 p., op. cit.) a constatar que a influência do mercado imobiliário sobrevalorizava as áreas de intervenção e que mesmo concentrando investimentos de alto padrão resultaram em ambientes urbanos pouco equilibrados. Esse instrumento deveria ampliar as possibilidades de financiamento de urbanização de assentamentos precários e de provisão de moradia popular em áreas urbanas valorizadas, com recursos oriundos da aplicação da OODC. Mas ele foi apropriado pelo mercado imobiliário, que usou os recursos angariados com sua aplicação em processos de renovação urbana para maximizar a exploração do solo urbano, aprofundando desigualdades socioespaciais e processos de gentrificação (BERNARDINO, 2015BERNARDINO, Raquel L. Recife-mercadoria e direito à cidade: a Operação Urbana Consorciada Joana Bezerra. Dissertação de Mestrado do Programa de Pós-Graduação em Desenvolvimento Urbano, Universidade Federal de Pernambuco, Recife, 2015.).

No Recife, a preocupação com a efetividade de instrumentos com esse fim, que se espera ver regulamentados e aplicados após promulgado o PDR-2020, reflete a visão de um novo PDM como oportunidade de ampliação dos instrumentos redistributivos definidos pelo Estatuto da Cidade, de modo a garantir o respeito às funções sociais da propriedade e da cidade. Para tanto, a Prefeitura da Cidade do Recife contratou serviços de consultoria especializada para apoiar a elaboração do Plano de Ordenamento Territorial (POT), incluindo a revisão e atualização das seguintes legislações: o PDR-2008, a Lei de Parcelamento do Solo de 1997 e a LUOS de 1996; além da elaboração das Leis de Regulamentação dos instrumentos: PEUC e IPTU- P; OODC e TDC.

Ainda que não se possa vincular os avanços identificados no PLE 28/2018 à atuação da consultoria, mas sobretudo à atuação e pressão dos segmentos pelo direito à cidade e à moradia, o projeto de lei enviado à Câmara Municipal orientava o emprego do CA Básico 1 conjugado à OODC, como meio de distribuir ônus e benefícios da urbanização. Nele, prioriza-se a aplicação de recursos da OODC na promoção de habitação e da regularização fundiária e urbanística. Do mesmo modo, obriga-se que as operações urbanas e os projetos especiais devam, sempre, beneficiar as ZEIS próximas.

Deve-se ater ao fato de que tais instrumentos, indicados no PLE, não são autoaplicáveis, pois dependem de legislações complementares e “demandam uma ação intencional e prospectiva para este fim” (PORTO, 2012PORTO, Jane Ferreira. Plano Diretor e Gestão Democrática: instrumentos jurídicos potencializadores d O direito à cidade . Revista de Direito da Cidade , vol. 04, nº 02. Rio de Janeiro, UERJ , 2012, pp. 129-165.). O debate sobre o seu emprego repercutiu em decisões tomadas sob fortes questionamentos. Uma das mais polêmicas diz respeito ao pagamento da OODC. O PLE 28/2018 (art. 216) estabelece um período de transição que chega a 8 anos. Nos 5 primeiros anos de vigência do PDM não será exigida a contrapartida financeira correspondendo a uma vez a área do terreno além do CA básico e, nos 3 anos seguintes, correspondente a 0,5 vezes a área do terreno além do CA básico.

Outro questionamento recai sobre as instâncias de gestão dos recursos a serem arrecadados recursos - com função redistributiva - que foram divididos em dois Fundos distintos, geridos por dois Conselhos diferentes. A gestão do Fundo de Licenciamento e Controle Urbano (FLC), alimentado pelos recursos advindos das receitas de multas, concessão de licenças e compensações financeiras ou urbanas relativas a empreendimentos de impacto será assumida pelo Conselho de Desenvolvimento Urbano (art. 194).

Já o FDU, constituído por receitas provenientes da aplicação dos instrumentos urbanísticos, tributários e financeiros, será gerido pelo órgão responsável pelo planejamento urbano com acompanhamento do ConCidade (art. 193). No art. 120 do Capítulo dos Instrumentos Urbanísticos, o PLE 28/2018 estabelece que os recursos provenientes de contrapartidas financeiras advindos da OODC, referentes ao potencial construtivo adicional, serão destinados ao FDU. Já o art. 125, § 6º, prefixa a destinação de um mínimo de 70% dos recursos auferidos por meio da contrapartida financeira da OODC para promoção de Habitação de Interesse Social, regularização fundiária e urbanística nas ZEIS.

Cabe elucidar a natureza do Conselho de Desenvolvimento Urbano (CDU). Criado pela Lei Orgânica Municipal de 1990 e regulamentado pela Lei nº 15.735/1992, ele é definido como um órgão de participação paritária, com a representação do poder público municipal e da sociedade civil. O CDU se dedica à análise de grandes projetos urbanos que podem gerar impactos sobre as dinâmicas urbanas locais, em termos de pressão sobre as infraestruturas e serviços urbanos. Seu foco são os aspectos de ordem físico-operacional e os parâmetros urbanísticos, em casos especiais. No entanto as análises dessa instância se distanciam de questões socioespaciais, como os impactos sobre o território e os riscos de gentrificação decorrentes da implantação desses grandes projetos.

Esse desenho de partilha, fragmentando a gestão de recursos para o desenvolvimento urbano em instâncias distintas, advém do conflito oriundo da sobreposição e do descompasso entre o ConCidade e o CDU. Tal conflito representa um risco para a otimização de investimentos necessários à melhoria de condições de vida urbana, logo, à redução das desigualdades na cidade. Assim, nesse tema também repercute a resistência à divisão de atribuições entre tais instâncias e os fundos a elas vinculados, e se fortalece a proposta de sua unificação em torno de um único conselho municipal, o ConCidade.

Outro instrumento redistributivo que merece destaque é a Arrecadação de Bem Vago Abandonado (ABVA) que, apesar do alicerce no direito patrimonial (Código Civil) que protege o direito à propriedade privada, serve como perspectiva da garantia das funções sociais da cidade e da propriedade urbana, indispensável ao direito à cidade. Para tanto precisa atuar em conjunto com outras ferramentas jurídico-urbanísticas e de acordo com a regulamentação em dois níveis. O federal, com a Lei nº 13.465 (BRASIL, 2017), que dispõe a regularização fundiária rural e urbana, e com o Decreto nº 9.310 (BRASIL, 2018_____. Decreto Federal nº 9.310, de 15 de mar. de 2018. Institui as normas gerais e os procedimentos aplicáveis à Regularização Fundiária Urbana e estabelece os procedimentos para a avaliação e a alienação dos imóveis da União. Brasília: Congresso Nacional, 2018.), que institui as normas e os procedimentos para a regularização fundiária urbana. O local, no qual no caso do Recife os procedimentos e os prazos específicos para fim de ABVA são definidos pelo Decreto nº 31.671 (RECIFE, 2018_____. Decreto Municipal nº 31.671, de 10 de agosto de 2018. Estabelece, no âmbito do Poder Executivo Municipal, o procedimento administrativo destinado à arrecadação de imóveis urbanos por abandono. Recife: Prefeitura da Cidade do Recife, 2018.. JARDIM et al., 2020JARDIM, Felipe; ROCHA, Danielle de M.; SOUZA, Maria Ângela de A. Arrecadação de bem vago abandonado: estudo procedimental e panorama de efeitos. Revista de Direito da Cidade, vol. 12, nº 2. Rio de Janeiro, UERJ, 2020, p. 1-26. DOI: https://doi.org/10.12957/rdc.2020.47669.
https://doi.org/https://doi.org/10.12957...
).

Desta norma local específica, em relação ao comitê que instruirá o processo administrativo (art. 5º), um destaque negativo é não haver a previsão de participação popular, posto que a composição ficou restrita a integrantes do poder público local, ou seja, funciona exclusivamente conforme os interesses da Prefeitura da Cidade do Recife (PCR). Entretanto consta do novo PDR o uso da ABVA, associado à organização de um cadastro de imóveis vagos e/ou subutilizados públicos e privados, prevendo possíveis parcerias com a União e com o governo estadual.

Sobre a necessidade de judicializar o processo administrativo arrecadatório, o Decreto recifense seguiu a lógica de que não é necessária autorização do poder judiciário para iniciá-lo, tampouco para emissão administrativa da declaração de vacância feita pela Prefeitura. Contudo, exige-se sentença judicial declaratória para imissão na posse nos casos de contestação administrativa do proprietário (art. 13), de transferência de propriedade para o poder público (após os 3 anos da declaração administrativa de vacância) e da autorização da modificação do registro do bem, de modo a evitar abuso de direito ou insegurança jurídica para a PCR e para o proprietário, nos termos da Lei de Registros Públicos.

De modo geral, o Decreto seguiu todas as normas federais precedentes, mas acrescentou no art. 15, em relação ao art. 65 da Lei n° 13.465/2017 e do art. 74 do Decreto 9.310/2018, uma opção que merece atenção: a destinação dos imóveis passou a considerar, também, “entidades civis de fomento ao desenvolvimento ou empreendedorismo”. Isso levanta a hipótese de que os imóveis arrecadados em áreas específicas de grande interesse imobiliário (como no Bairro do Recife e áreas vizinhas) podem fomentar a destinação tendenciosa de expansão de determinadas organizações civis (no caso citado, o Porto Digital, parque tecnológico de negócios variados que atua nessa região).

Consequentemente, no tabuleiro da disputa por terras servidas por redes de infraestrutura (água, eletricidade, iluminação pública, esgotamento sanitário etc.), haveria a perda de espaço da necessária promoção da habitação social, por exemplo. Isso já é reforçado juridicamente pelas leis de fomento ao empreendedorismo nas áreas centrais: a Lei municipal nº 16.290 (RECIFE, 1997_____. Lei Municipal nº 16.290, de 29 de jan. de 1997. Aprova o plano específico de revitalização da zona especial de preservação do patrimônio histórico-cultural 09 - sítio histórico do Bairro do Recife, estabelece condições especiais de uso e ocupação do solo, cria mecanismos de planejamento e gestão, e dá outras providências. Recife: Câmara Municipal do Recife, 1997.), que aprova o plano específico de revitalização da zona especial de preservação do patrimônio histórico-cultural do Bairro do Recife; o Decreto federal nº 4.213 (BRASIL, 2002_____. Decreto Federal nº 4.213, de 26 de abril de 2002. Define os setores da economia prioritários para o desenvolvimento regional, nas áreas de atuação da extinta SUDENE, e dá outras providências. Brasília: Presidência da República, 2002.), que define os setores da economia prioritários para o desenvolvimento regional; e a Lei municipal nº 17.244 (RECIFE, 2006_____. Lei Municipal nº Lei nº 17.244, de 2006. Institui o programa de incentivo ao Porto Digital mediante a concessão de benefícios fiscais condicionados. Recife: Câmara Municipal do Recife, 2006.), que institui o programa de incentivo ao Porto Digital mediante a concessão de benefícios fiscais.

Outra inovação do Decreto nº 31.671, no art. 15, parágrafo único prevê que, “caso não haja interesse da administração pública no imóvel arrecadado, poderá ser determinada, ainda, sua alienação, respeitados os procedimentos previstos em lei”. Ou seja, abre-se a possibilidade de o poder público gerar recursos para o FDU ou para fomentar programas habitacionais, caso haja vontade política e pressão popular - ou alteração do Decreto, para a criação de uma reserva de destinação de forma taxativa.

Observa-se, ainda, que no acervo jurídico federal não existe a obrigação de vínculo da ABVA ao Plano Diretor, o que não impede que exista tal relação - que, julga-se, deve ocorrer -, posto que, dada a importância do PDM na condução do desenvolvimento da cidade, o mesmo poderia prever a supracitada vinculação de um mínimo de direcionamento de uso dos imóveis arrecadados para HIS ou para gerar capital para um fundo habitacional, no caso de alienação. Em outras palavras, como assinalam Jardim et al. (2020JARDIM, Felipe; ROCHA, Danielle de M.; SOUZA, Maria Ângela de A. Arrecadação de bem vago abandonado: estudo procedimental e panorama de efeitos. Revista de Direito da Cidade, vol. 12, nº 2. Rio de Janeiro, UERJ, 2020, p. 1-26. DOI: https://doi.org/10.12957/rdc.2020.47669.
https://doi.org/https://doi.org/10.12957...
, op. cit.), resta a ser debatido se a normativa federal que trata da destinação do bem incorporado é taxativa ou exemplificativa.

De toda forma, apesar de nos Planos Diretores do Recife de 1991 e de 2008 a ABVA não constar como instrumento urbanístico, o PLE 28/2008 previa a incidência deste instrumento em todo território municipal. Entretanto ressaltava a “prioridade na Zona Centro, Zona Especial de Centralidades, Zona de Reestruturação Urbana e na Zona de Desenvolvimento Sustentável Centro”, áreas centrais da cidade com grande ocorrência de imóveis ociosos. Esta era uma reivindicação dos movimentos sociais, conforme consta no item 8 das 30 propostas inegociáveis da Articulação Recife de Luta (ARL, 2018ARL. Articulação Recife de Luta. 30 Propostas Inegociáveis. Recife: Articulação Recife de Luta, 2018. Disponível em: Disponível em: https://recifedeluta.org/30-propostas-inegociaveis . Acesso em: 10 jul. 2020.
https://recifedeluta.org/30-propostas-in...
). Assim, a arrecadação poderia ter efeitos ampliados em áreas já dotadas de infraestrutura urbana e maior segurança jurídica pela previsão também no PDR.

A oportunidade de revisão do PDR-2008 deveria ser aproveitada para sanar a falta de reserva de destinação da ABVA para habitação social8 8 Resta conferir se, no texto aprovado pela Câmara, tal recomendação foi seguida. . Sobre a aplicabilidade da ABVA após o Decreto de 2018, a única informação pública disponibilizada pela PCR, em dezembro de 20199 9 Disponível em: <http://www2.recife.pe.gov.br/node/290131>. , é de que nove imóveis foram notificados e quatro estavam em processo de notificação. Entretanto, em razão da pandemia de Covid-19, os processos administrativos estão suspensos.

3.2. Instrumentos de democratização da gestão urbana: o direito de conceber a cidade

Dentre as diretrizes alinhadas no art. 40 do Estatuto da Cidade, referentes à democratização no acesso e na gestão da cidade, obriga-se a promoção de debates com a participação da população e de associações representativas dos vários segmentos da sociedade, no processo de elaboração dos PDM. Essa postura coaduna-se com os princípios constitucionais e ilustra o espírito das legislações e políticas públicas advindas no período pós-transição democrática, caso do PDR-2008. De fato, o EC trouxe expectativas de que o processo participativo pudesse ser um instrumento capaz de definir pactos e inverter prioridades (FERREIRA, 2019FERREIRA, Geniana G.; CALMON, Paulo; FERNANDES, Antônio S. A.; ARAÚJO, Suely M. V. G. de. Política habitacional no Brasil: uma análise das coalizões de defesa do Sistema Nacional de Habitação de Interesse Social versus o Programa Minha Casa, Minha Vida. Revista Brasileira de Gestão Urbana, vol.11, n 21, Curitiba, 2019, pp. 1-15. Disponível em: Disponível em: http://dx.doi.org/10.1590/2175-3369.011.001.ao04 . Acesso em: 10 mai. 2020.
http://dx.doi.org/10.1590/2175-3369.011....
, op. cit.), sobretudo se respeitada a clara separação entre o direito de propriedade e o direito de construir por ele imposta.

Porém, há que considerar que o quadro legal em questão, apesar de seus objetivos serem social e politicamente coerentes com os preceitos constitucionais, não é capaz de fazer face à complexidade das disputas travadas no processo de produção da cidade, expressa nos embates da revisão do PDR-2008. Um dos fatos limitadores é que cabe ao poder público local mediar os conflitos entre o direito privado e o interesse público (TAVARES, 2019TAVARES, Cesar. A publicização da produção do espaço urbano no direito urbanístico brasileiro. Revista de Direito da Cidade , vol. 11, nº 1, 2019. DOI: 10.12957/rdc.2019.32812.
https://doi.org/10.12957/rdc.2019.32812....
). Frente à natureza desigual do desenvolvimento urbano no Recife, em que se percebem os efeitos da mencionada captura da esfera pública pelo capital privado, não se estranha que o poder de definição das estratégias fosse favorável ao segmento do mercado imobiliário e da construção civil.

Nesse campo, um dos marcos do processo de revisão da legislação urbanística do Recife foi a criação, em maio de 2018, do Grupo de Trabalho do Plano de Ordenamento Territorial (GT-POT). Com tempo de atuação predeterminado de um ano, esse GT visava a acompanhar, monitorar e avaliar o processo participativo de elaboração do POT, sob a responsabilidade técnica da Secretaria de Planejamento Urbano, por intermédio do Instituto da Cidade Pelópidas da Silveira (ICPS). Conforme a Resolução que o criou, o GT-POT seria composto por 16 membros titulares e igual número de suplentes, escolhidos entre os conselheiros titulares e suplentes do ConCidade10 10 Pela Resolução ConCidade nº 1, os representantes do GT-POT atuantes na temática urbano-ambiental do desenvolvimento urbano são: 6 do poder público; 4 de entidades sindicais e categorias profissionais, movimentos sociais e populares e articulações da sociedade civil; 4 de entidades profissionais, acadêmicas, de pesquisa, de conselhos profissionais e de ONG; e 2 do empresariado. .

Já na primeira reunião do GT-POT, a estratégia de construção coletiva foi apresentada pela Consultoria contratada para apoiar a revisão do PDR-2008. O prazo para elaboração do novo Plano foi ponto crucial de conflito. O poder público, pressionado para concluí-lo, pretendia encaminhar o projeto de lei à Câmara dos Vereadores em 2018, antes do recesso parlamentar. Já o segmento popular, ONGs e acadêmicos defendiam um processo mais longo para alcançar maior qualidade da participação. Em paralelo às atividades do GT-POT, desenvolveram-se reuniões públicas de diagnóstico da realidade e de propostas organizadas para se desenvolverem em um período muito curto de tempo: inicialmente proposto para quatro meses, mas, após muita pressão, estendido para somente cinco meses.

O modo como foram convocadas, a metodologia adotada e as condições da participação em si - sem informações prévias, nivelamento e capacitação dos representantes, nem clareza da pauta de debates - limitaram a participação ampla da sociedade a procedimentos pro forma, que legitimavam o processo frente às exigências de participação, mas as restringiam a um nível quase que meramente informativo.

A natureza restritiva assumida pelo processo participativo na revisão do PDR-2008 foi alvo de severas críticas, notadamente por parte dos representantes dos segmentos da sociedade civil, ONGs e movimentos sociais por moradia. O movimento Articulação Recife de Luta (ARL), formado por organizações não-governamentais, movimentos sociais, coletivos de pesquisa e ação e cidadãos, foi constituído em 2017 com o objetivo de intervir na revisão do POT do Recife, considerando as necessidades e demandas colocadas pela sociedade civil. Desde o início a ARL reivindicava e exigia um processo efetivo de ampla participação popular e de respeitos aos seus resultados.

O segmento empresarial, congregando os setores da construção civil (Sindicato da Indústria da Construção, SINDUSCON-PE) e dos agentes imobiliários (Associação das Empresas do Mercado Imobiliário de Pernambuco, ADEMI-PE), também se organizou e constituiu a Rede Empresarial de Articulação da Construção Urbana (Redeprocidade), em 23/11/2016 (SINDUSCON/PE, 2020SINDUSCON/PE. Rede Empresarial de Articulação da Construção Urbana (Redeprocidade). Disponível em: Disponível em: http://www.redeprocidade.com.br/ . Acesso em: 28 abr. 2020.
http://www.redeprocidade.com.br/...
).

Em 19/12/2017, 25 entidades sob o guarda-chuva da ARL assinaram uma carta intitulada “Por uma cidade justa, inclusiva e efetivamente democrática”, endereçada ao ConCidade e lida em sessão do conselho (ARL, 2017_____. Por uma cidade justa, inclusiva e efetivamente democrática. ARL, 19 de dez. de 2017. Disponível em: https://recifedeluta.org/2017/12/19/por-uma-cidade-justa-inclusiva-e-efetivamente-democratica/. Acesso em: 19 mai. 2020.
https://recifedeluta.org/2017/12/19/por-...
, op. cit.). Dentre as críticas, ressaltava-se o papel ao qual foi relegado o ConCidade, sem qualquer poder de interferência direta na condução dos trabalhos de revisão da legislação urbanística, cujo comando foi entregue à consultoria contratada. Outras limitações são sublinhadas no texto: o ConCidade não se envolveu na definição dos termos de referência (TR) para contratação da consultoria; os TR não se atinham ao enfrentamento das desigualdades, nem à ampliação do acesso à cidade pela população excluída; a exigência de participação popular em todas as fases não foi cumprida; a proposta de trabalho limitava-se à atualização do zoneamento e dos parâmetros urbanísticos, sem considerar a perspectiva global de ordenamento do território.

A participação popular posta em prática seria, assim, “apenas uma alegoria” e não contribuiria para se estabelecer os pactos necessários à “tomada de decisões sobre o futuro da cidade” (ARL, 2017_____. Por uma cidade justa, inclusiva e efetivamente democrática. ARL, 19 de dez. de 2017. Disponível em: https://recifedeluta.org/2017/12/19/por-uma-cidade-justa-inclusiva-e-efetivamente-democratica/. Acesso em: 19 mai. 2020.
https://recifedeluta.org/2017/12/19/por-...
, op. cit.). Além de apontar essas incoerências, os signatários da carta defendiam que a PCR retomasse o debate acerca da condução do processo de revisão do PDR e dos instrumentos complementares. Para eles, o ideal de participação deveria ter o ConCidade à frente da coordenação do processo por esse conselho ser a instância legal e legítima para tanto. Para essa correção de rumos, propunha-se interromper quaisquer ações municipais que “antecipam debates sobre conteúdos do PDM para áreas e temas de interesse privado”, além de se sugerir o resgate de “planos setoriais elaborados (...) como base importante de reconhecimento dos limites e possibilidades da nossa cidade” (idem).

Em 28/06/2018, na sede do SINDUSCON/PE, a Redeprocidade apresentou a 30 entidades da sociedade civil ligadas ao setor da construção e ao mercado imobiliário 10 propostas para o novo PDR visando a “democratizar as habitações na cidade”. Entre elas destacam-se: criar Zonas Especiais para implantação de HIS, “contemplando territórios estratégicos, como (...) áreas de influência dos eixos do Metrô - Centro e Sul, do bairro de São José e de bairros periféricos da planície oeste”; incluir a diretriz do “incentivo pleno e prioritário” à construção de HIS, com isenção de todos os impostos e taxas municipais, além da não incidência de medidas mitigatórias e contrapartidas urbanísticas; possibilitar a realização de OUC nas ZEIS; e definir o CA 2 para ZEIS tipo 1 (SINDUSCON/PE, 2020SINDUSCON/PE. Rede Empresarial de Articulação da Construção Urbana (Redeprocidade). Disponível em: Disponível em: http://www.redeprocidade.com.br/ . Acesso em: 28 abr. 2020.
http://www.redeprocidade.com.br/...
, op. cit.).

Certas propostas devem ser acompanhadas com atenção, pelos riscos a elas associados. Uma delas é a não incidência de medidas mitigatórias e contrapartidas que, associadas às OUC em ZEIS, tendem a aumentar a pressão imobiliária sobre os moradores e a potencializar a apropriação de recursos redistributivos pelo mercado. A manutenção dos CA atuais, vistos os impactos do baixo coeficiente sobre a cidade e o risco do surgimento de um processo de exclusão social decorrente da elevação dos custos das unidades habitacionais. Quanto a esse tema, Moraes (2019) argumenta que a proposição da adoção do CA 2 nas ZEIS tipo 1 pela Redeprocidade visava a flexibilizar a legislação urbanística, de forma a possibilitar a verticalização e o adensamento da ocupação nessas zonas, por meio da substituição de seu tecido urbanizado por novos empreendimentos habitacionais. Isso conduziria ao desrespeito do princípio da preservação da tipicidade das ZEIS preconizado na Lei do PREZEIS, além do desvio de finalidade dos recursos públicos já investidos nos processos de urbanização dessas áreas.

Após vários conflitos e críticas ao processo dito participativo, em 14/11/2018 a ARL entregou formalmente à PCR o documento batizado de “30 propostas inegociáveis”, já mencionado anteriormente, com a solicitação de inclusão das mesmas no Caderno de Propostas a ser submetido para votação na Conferência da revisão do PDR-2008 em dezembro (FOLHA DE PERNAMBUCO, 2018FOLHA DE PERNAMBUCO. Revisão do Plano Diretor recebe propostas dos setores de construção e imobiliário. Disponível em: Disponível em: https://www.folhape.com.br/NOTICIAS/2190-REVISAO-PLANO-DIRETOR-RECEBE-PROPOSTAS-DOS-SETORES-CONSTRUCAO-IMOBILIARIO/73314/ . Acesso em: 27 abr. 2020.
https://www.folhape.com.br/NOTICIAS/2190...
). No evento público de lançamento do documento para a imprensa foram apresentadas as denúncias feitas ao Ministério Público de Pernambuco (MPPE), Tribunal de Contas de Pernambuco (TCE) e Banco Mundial sobre o processo de revisão.

No que se refere às ZEIS, destacam-se no documento sete propostas: i) para as ZEIS I, manter os parâmetros atuais previstos na Lei do PREZEIS, com o acréscimo no PDR do parâmetro referente ao gabarito máximo de 4 pavimentos; ii) Para as ZEIS II, estabelecer parâmetros urbanísticos gerais que impossibilitem processos de “expulsão branca” e gentrificação. Os Planos urbanísticos, OUC e Projetos Especiais devem obedecer os limites máximos definidos nesses parâmetros; iii) criar as Zonas Especiais de Ocupação Transitória (ZEOT), como áreas de assentamento habitacional de população de baixa renda hoje sujeitas a reassentamento por ter características físico-ambientais que não permitem sua recuperação urbanística e ambiental; iv) transformar todas as Comunidades de Interesse Social (CIS) em ZEIS ou ZEOT; v) transformar áreas bem localizadas com acesso a infraestruturas e serviços urbanos em ZEIS II e imóveis em áreas centrais não utilizados e subutilizados em Imóveis Especiais de Interesse Social (IEIS) para a promoção de HIS; vi) criar as ZEIS de Amortecimento de Potencial Construtivo (ZEIS APC) no entorno imediato de ZEIS I ou II, para minimizar impactos negativos da especulação e promoção imobiliária sobre as ZEIS; e vii) garantir Assistência Técnica Gratuita para as famílias nas ZEIS I.

As tratativas entre orgãos da PCR, representantes do setor privado e segmentos signatários da ARL sofreram o impacto dessas disputas sobre o processo. A Conferência para Revisão do PDR-2008, realizada entre 3 e 4/12/2018 para definir os termos finais do Projeto de Lei, foi parcialmente esvaziada. Muitos representantes membros da ARL se negaram a tomar parte da mesma. Isso representou uma cisão entre tais atores, pois parte deles decidiu participar do evento, por atribuírem grande importância à presença no embate entre os setores favoráveis à dinamização do mercado imobiliário, representados pela Redeprocidade e aqueles da resistência e luta pelo direito à cidade. Ainda que cientes das incongruências envolvidas no processo de revisão do PDR-2008, os representantes do setor acadêmico e de pesquisa, além do segmento popular do PREZEIS, participaram da Conferência para Revisão do PDR-2008, por julgarem que desta forma poderiam consolidar algumas conquistas presentes na proposta e evitar maiores ameaças, e por compreender que, embora compartilhassem do mesmo compromisso em prol do direito à cidade defendido pelo conjunto do ARL, poderiam assumir estratégias de luta próprias.

O poder público municipal procedeu, formalmente, o que estabelece o EC sobre a natureza dos processos participativos envolvendo os PDM. O Decreto Municipal nº 31.887 (RECIFE, 2018_____. Decreto Municipal nº 31.887, de 24 de outubro de 2018. Dispõe sobre o processo de convocação, organização e participação na Conferência Municipal para Revisão do Plano Diretor do Recife - Lei Municipal nº 17.511. Recife: Prefeitura da Cidade do Recife, 2018.), que dispõe sobre o processo de convocação, organização e participação na Conferência para Revisão do PDR-2008, foi editado em 24/08/2018, cerca de três meses antes do evento. O Edital de Chamada Pública para participação de entidades e movimentos sociais e populares da Conferência para Revisão do PDR-2008 foi lançado em 24/10/2018, e foi elaborado o Regimento Interno que orientou os procedimentos da Conferência. Ao todo, contavam-se 231 delegados regularmente inscritos na Conferência, a maioria deles tendo tomado parte dos trabalhos.

Desses, 45 representantes membros do ConCidade tinham o status de “delegados natos”, sendo: 18 do Poder Público Municipal (16 indicados pelo Prefeito, dois vereadores indicados pela Câmara de Vereadores); 12 de entidades sindicais de categorias profissionais ligadas ao desenvolvimento urbano, movimentos sociais e populares, e demais articulações da sociedade civil; 6 do empresariado ligado ao desenvolvimento urbano; 9 de entidades profissionais, acadêmicas, de pesquisa e conselhos profissionais, e ONGs. Além deles, estavam inscritos: 62 representantes de entidades profissionais, acadêmicas, de pesquisa e conselhos profissionais; 41 do empresariado ligado ao desenvolvimento urbano; 83 de entidades sindicais de categorias profissionais ligadas ao desenvolvimento urbano, movimentos sociais e populares, e demais articulações da sociedade civil.

Os resultados da Conferência foram questionados, mas na avaliação dos representantes do setor acadêmico e de pesquisa no ConCidade e no GT-POT, inscritos como delegados na Conferência, sua participação no evento foi relevante e permitiu tanto barrar propostas contrárias aos movimentos sociais e populares, quanto viabilizar a aprovação de instrumentos de interesse dos citadinos excluídos que lutam pelo direito à moradia. O documento intitulado “Considerações sobre o processo de elaboração do Plano Diretor do Recife de 2018 e seus resultados parciais”, foi lido e incorporado à ata da reunião do ConCidade de 21/12/2018. Nele, os representantes da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE) e da Universidade Católica de Pernambuco (UNICAP) resumem sua postura frente aos embates descritos:

A participação da sociedade na elaboração do Plano Diretor é essencial para se conceber uma cidade mais inclusiva, saudável, segura e próspera, em defesa de (...) maior qualidade de vida para seus habitantes. Os conflitos entre os interesses (...) de vários segmentos da sociedade (...) fez com que grande parte das organizações participantes se retirasse do processo (...) testemunhamos o processo de forma crítica e defendemos posições que julgamos fundamentais para a conquista desse projeto de cidade. (Delegados da UFPE e UNICAP, 2018).

Em meio a tais conflitos, no âmbito das garantias à participação social no processo de gestão da cidade e de promoção da moradia, o art. 173 do Capítulo da Política de Habitação do PLE traz como diretriz “fortalecer o controle social e a gestão democrática da política habitacional com o acompanhamento e coordenação dos processos de revisão do Plano Local de Habitação de Interesse Social - PLHIS, por meio do Conselho da Cidade”.

Quanto ao Sistema de Planejamento Urbano Participativo e Gestão Democrática, o art. 185 define que

será integrado por órgãos do Poder Público Municipal, Conselhos e Fundos Públicos instituídos por lei, tendo por competência a elaboração, implementação, acompanhamento e controle da política de desenvolvimento urbano e sustentável, garantida a participação da sociedade por meio dos instrumentos democráticos da gestão urbana e a paridade de gêneros.

Já no Capítulo do Sistema de Planejamento Urbano Participativo e Gestão Democrática, o art. 190 define a função do ConCidade como “permanente, deliberativa, consultiva e propositiva da política urbana”, sendo este conselho responsável por analisar, participar e deliberar sobre os processos de elaboração e revisão do Plano Diretor do Recife e da legislação urbanística. Ainda, o artigo 193 confere ao ConCidade a responsabilidade acompanhar a aplicação dos recursos do FDU.

Esse arcabouço, a princípio, fornece os elementos essenciais para uma gestão democrática da política urbana no Recife. Porém, vistas as omissões e os atos em contrário ao longo da revisão do atual PDR, há que se estabelecer garantias com lastro jurídico mais rigoroso. Percebe-se que, para a persecução do direito à cidade e à moradia, não basta a definição de marcos normativos. O alcance da aplicação de instrumentos redistributivos e democráticos é função de um equilíbrio de forças que, no contexto da redução de direitos sociais e da ampliação das desigualdades socioespaciais hoje em curso, torna mais distante a tão desejada ruptura de assimetrias históricas de nossa sociedade e cidades.

4. CONCLUSÃO: QUAIS PERSPECTIVAS DO EXERCÍCIO DO DIREITO À CIDADE E À MORADIA?

O conjunto de propostas consolidado no PLE 28/2018 foi objeto de novos debates e audiências públicas durante o ano de 2019, quando foram apresentados alguns Planos e Projetos especiais, norteadores do novo PDM, desenvolvidos em convênio com universidades e organizações do terceiro setor: o Plano Centro Cidadão (pela Universidade Católica de Pernambuco - UNICAP), de requalificação de espaços públicos centrais; o Projeto Parque Capibaribe (pela Universidade Federal de Pernambuco - UFPE), de requalificação ambiental da bacia deste rio e reestruturação urbanística da cidade; o Projeto Recife 500 Anos (pela Agência Recife para Inovação e Estratégia - ARIES), de diretrizes de desenvolvimento sustentável para a cidade até 2037.

Também foram realizados debates específicos com diferentes setores (universidades, organizações sociais e empresários), entre os quais um com representantes da coordenação do Fórum do PREZEIS, instância que propôs algumas das emendas de cunho pró-moradia popular discutidas no processo. Após esta etapa, foram apresentadas 530 emendas ao texto original, com as proposições de 18 vereadores, as quais passaram por análises técnica e jurídica.

A votação em plenário do Relatório consolidado do PLE 28/2018 estava prevista para o mês de abril de 2020, antes de ser encaminhado para o Executivo municipal. Entretanto o advento da pandemia do Covid-19 trouxe um elemento suplementar de incertezas à conclusão da elaboração do PDR-2020. Diante das restrições ao contato entre as pessoas e o consequente isolamento social - medida de proteção contra a propagação da doença preconizada pela Organização Mundial de Saúde (OMS) -, o trabalho dos vereadores seguiu em modo remoto, com um acompanhamento mais distante e esporádico por parte dos munícipes.

Isso, em certa medida, limitou a capacidade de pressão e controle social sobre os legisladores. Porém, não impediu que houvesse manifestações, remotas e presenciais, contra medidas julgadas nocivas aos preceitos de equidade socioespacial. Em agosto de 2020, os representantes do segmento popular, acadêmico e ONGs no PREZEIS se mobilizaram contra vetos e emendas aditivas, supressivas e modificativas propostas no período. As críticas eram sobretudo afeitas à flexibilização de parâmetros urbanísticos em ZEIS11 11 O novo Plano Diretor incorporou mudanças num ponto que deixa bastante vulnerável a proteção das ZEIS. Além do Coeficiente Máximo 2 na ZEIS tipo 1 e do Coeficiente Máximo 4 na ZEIS tipo 2 que já estavam no PLE 28/2018, o texto da nova lei combina os artigos 58 e 75, podendo resultar na utilização do Coeficiente de aproveitamento Máximo 5, o mais elevado de toda a Lei. e à restrição em transformar Comunidades de Interesse Social (CIS), áreas pobres e precárias do território municipal em situação de vulnerabilidade, em novas ZEIS.

Mas o PDR-2020 traz também algumas diretrizes inovadoras, em especial no capítulo da Política de Habitação. Dentre elas, destacam-se: destinar prioritariamente imóveis não utilizados ou subutilizados, situados em áreas dotadas de infraestrutura, à habitação de interesse social, tendo como beneficiada a população em situação de rua e de vulnerabilidade social; estudar a viabilidade econômico-financeira para desenvolver e implantar de programa de aluguel social.

Chama atenção a preocupação com a destinação de imóveis ociosos para a promoção da HIS, para o que a aplicação da ABVA se apresenta como um potencial aliado. Duas diretrizes se voltam a isso: priorizar a produção de HIS como estratégia para recuperação de imóveis em áreas de preservação histórica e cultural; e regulamentar os Imóveis Especiais de Interesse Social (IEIS), recuperá-los e gerir a fase de pós-ocupação, promovendo a sustentabilidade da ação. Essas, bem como a inclusão da alternativa do aluguel social, incorporam reivindicações dos movimentos sociais e deve-se acompanhar se serão cumpridas.

Afora tais elementos, da análise feita acerca do processo de elaboração do PLE 28/2018 surgem questões que sintetizam os desafios para efetivar o potencial transformador do novo PDM. Os representantes do segmento popular envolvidos na revisão terão condições de se empoderarem e qualificarem sua participação na implantação das diretrizes do PDR-2020? Até que ponto está assegurada a permanência das populações pobres em melhores padrões de habitabilidade? Como garantir a ampliação de lugares de moradia popular digna? Como gerar e gerir recursos que financiem a provisão habitacional, regularização e urbanização de ZEIS e assentamentos precários?

As respostas a elas virão no porvir, mas antevêem-se linhas de desdobramento dessas interrogações. Quanto à primeira questão, as reflexões de Rodrigues et al. (2019RODRIGUES, Bárbara; DE SANTANA, Letícia; PONTUAL, Virgínia. Reflexões acerca da participação do PREZEIS na revisão do Plano Diretor do Recife. XXV Encontro da Rede ULACAV (no prelo). Anais. Recife: CIAPA-UFPE, 2019, 20 p.) podem apoiar iniciativas futuras. Para elas, a revisão em curso revela os limites da participação popular, não apenas por conta do nível de protagonismo concedido à população, mas pela incapacidade desses atores de se apropriarem do debate e exigirem seus direitos. Ainda que se tenham interposto ações legais questionando o desrespeito ao direito de participação democrática na revisão do PDR-2008, estas foram movidas por uma parcela representativa da minoria com formação técnico-científica que realmente domina os meandros normativos e processuais, inscritos em segmentos como a Academia e as ONGs.

A municipalidade não acatou as recomendações do Ministério Público do Estado de Pernambuco (MP-PE): ajustar os procedimentos, cancelar e recomeçar o processo. Prosseguindo sem realinhar o trabalho já iniciado, deslegitimado pela limitada participação popular concedida, a Prefeitura da Cidade do Recife, através do Instituto da Cidade Pelópidas da Silveira (ICPS, organismo que coordenou a revisão) incorreu em duas falhas graves: a perda da legitimidade das propostas, fruto de um processo questionável; e o descolamento da legislação urbanística da realidade das áreas pobres, que perfazem mais de 33% do território da cidade (RECIFE, 2014_____. Autarquia de Saneamento do Recife. Atlas das infraestruturas públicas em Comunidades de Interesse Social do Recife. Recife: PCR, 2014. Disponível em: URL http://mundosafari.com.br/projetos/2015/prefeitura-atlas/. Acesso em 20 mai. 2020.
http://mundosafari.com.br/projetos/2015/...
). Os moradores destas áreas, em desvantagem nos debates e proposições, têm pela frente um desafio: mobilizarem-se politicamente e capacitarem-se para contrapor diretrizes impostas de cima para baixo. As conquistas alcançadas por atores comprometidos com a luta pela moradia não foram capazes de mitigar essas perdas.

Nesse ponto, vislumbra-se uma resposta parcial à segunda questão lançada. Dado o distanciamento das propostas encaminhadas ao legislativo municipal da demanda de inclusão socioespacial das áreas pobres, dentre elas as ZEIS, apenas a resistência ativa contra os movimentos de expansão dos interesses imobiliários pode constituir uma garantia mínima de sua permanência no tecido formal do Recife. Esta não é uma perspectiva alvissareira, pois em outras oportunidades o PREZEIS já enfrentou pressões de empreendedores imobiliários pela redução de perímetros de ZEIS, e perdeu o embate.

Conciliar a consolidação de ocupações populares históricas com a dotação de infraestruturas e serviços urbanos sempre é apresentado pelo poder público local como uma escolha equivocada. Sob a ótica técnico-burocrática, desconsideram-se os fatores identitários dos padrões urbanísticos dessas ocupações, focando-se apenas parâmetros formais e legais. Desse modo, só a remoção parcial ou total das famílias e sua realocação em áreas com tais padrões são vistas como opção plausível. Entretanto essa não é uma posição única. Evidentemente, esse ponto de vista não é generalizado. Entre o quadro técnico, e mesmo político, dos organismos de planejamento e gestão municipal, há discordâncias.

Há que se respeitar os casos em que as realocações são necessárias (situações de risco, óbice a interesses e direitos públicos, como de ir e vir etc.), bem como aqueles em que a fixação de comunidades com melhoria dos padrões de habitabilidade se revela a escolha mais acertada. Os casos das ZEIS Lemos Torres, no Parnamirim, e João de Barros, em Santo Amaro, respectivamente, são prova disso. Eles indicam que no âmbito do PREZEIS e de suas instâncias já se apresenta o ambiente, ferramentas, entes e atores capazes de encaminhar o processo de regularização e urbanização para a inclusão socioespacial de populações pobres e melhoria da sua qualidade de vida.

O debate sobre essa questão, e as anteriores, deu-se de modo enviesado na revisão do PDR-2008. Encampada pelo segmento do mercado imobiliário e da construção civil, alardeou-se a ideia de que a ampliação de áreas para abrigar dignamente a parcela da população excluída do processo de urbanização depende de investimentos e ganhos do setor privado. A supressão - ou erradicação, terminologia representativa desse ideal - das ZEIS do tecido da cidade seria um meio necessário à implantação de empreendimentos privados voltados ao mercado de maior padrão de renda, de cujos ganhos parte seria revertida à produção de HIS - talvez em áreas menos valorizadas, distantes das raízes dos moradores. A falácia desse argumento se revela em experiências passadas: parte considerável do maior aglomerado de ZEIS do Recife, nos morros de Casa Amarela, originou-se devido ao deslocamento de famílias expulsas de áreas centrais da cidade pela Liga Social Contra o Mocambo, na década de 1940.

Nos termos defendidos pelos membros do Redeprocidade, mesmo a possibilidade de se valer de recursos oriundos de OUC para financiar a produção de moradia popular tem pouco lastro de credibilidade. Esse mecanismo, se adotado de forma autodeterminada, por escolha do empreendedor, tende a perverter a lógica de geração de fundos e sua aplicação conforme prioridades e modelos de produção de HIS frutos de decisões estratégicas, com participação de todos os segmentos interessados. Tal tema remete à última questão lançada: os recursos de financiamento de intervenções que incluam comunidades excluídas devem ser angariados por meio dos instrumentos redistributivos propostos. Sua aplicação deve seguir demandas prioritárias, espacial e tematicamente relevantes, e geridas nos ambientes institucionais apropriados. A gestão desses recursos seria melhor executada se unificados os conselhos municipais (ConCidade e CDU) e os fundos a serem por eles administrados.

Nesse quadro, o PREZEIS, instância democrática de promoção do direito à cidade e à moradia, vê-se sob ameaça. Sua relevância original, de instrumento inovador contra o processo de exclusão e fragmentação socioespacial (CARRIÈRE, 2020CARRIÈRE, Jean-Paul. Le “Programme de régularisation des zones spéciales d’intérêt social”. Une innovation paradoxale en réponse à la fragmentation socio-spatiale des metrópoles brésiliennes. Revue d’économie régionale & urbaine, 2020, nº 1. Mallakof: Armand Colin, 2020, pp. 5-21.), perde força na Política Municipal de Habitação de Interesse Social (PMHIS). Ignorado em processos como a elaboração do Mapeamento de Áreas Críticas, voltado a enfrentar a precariedade de infraestruturas urbanas em áreas pobres, o sistema PREZEIS também foi relegado a uma posição de menor destaque nos debates sobre HIS na revisão do PDR-2008.

Mesmo o fundo administrado por ele se viu esvaziado, sendo executado muito pouco da dotação obrigatória a ele destinada. Como então retomar o protagonismo de espaços como o PREZEIS na condução das intervenções públicas de moradia popular. Como tornar essa instância pioneira no pilar da Política Habitacional de Interesse Social do Recife? Essa questão segue em aberto, pois isso dependerá no desenho final a ser dado ao sistema de planejamento e gestão da PMHIS.

Diante das incertezas sobre o conteúdo final do novo PDR e de seu impacto sobre a redução da exclusão socioespacial e o provimento de moradia digna e segura aos recifenses, as respostas à derradeira pergunta podem estar na associação do enfrentamento das questões anteriores: um sinal de esperança, antes que os problemas apresentados sejam legalizados e, possivelmente, só revistos após os 10 anos subsequentes à promulgação do novo Plano Diretor do Recife.

De início, pode-se prever que o protagonismo dos segmentos populares diretamente imbricados na luta pela moradia, em sua ação no campo do ordenamento territorial e da HIS será resultado de um maior empoderamento de suas representações, oriundas do segmento popular. Há que se qualificar sua participação, na defesa pelo direito à moradia (e à cidade), para fortalecer esse segmento nos embates pela condução da cidade que se há de construir.

A compreensão ampla do papel das representações populares, na fixação e melhoria das condições de vida de seus moradores nas áreas por eles ocupadas, é um elemento chave. As conquistas dessas representações nas arenas de disputa pelo direito à cidade - no PREZEIS e em outras instâncias de gestão participativa, como o ConCidade e o CDU - dependem desse processo, além da ampliação e renovação de suas lideranças. O foco há de ser dado sobre os aspectos destacados neste artigo: os instrumentos urbanísticos redistributivos e a gestão democrática da política urbana.

Esse passo inicial será determinante para conquistas em outros campos de atuação: na resistência à gentrificação ou expulsão branca; na cobrança do atendimento a demandas prioritárias para melhoria dos padrões urbanísticos das ZEIS e CIS; na proteção temporária de CIS que não podem ser transformadas em ZEIS; na pressão permanente para a produção, financiada ou subsidiada, de moradia para a população pobre; na gestão dos recursos dos fundos institucionalizados (FLC, FDU e do PREZEIS), segundo decisões tomadas democraticamente; no controle social da captação e na execução orçamentária plena desses recursos.

Nesse sentido, vale mencionar a importância do papel da Articulação Recife de Luta no processo de revisão do PDR-2008. O movimento surgiu e se consolidou como uma estrutura flexível e em rede, agregando representações sociais e acadêmicas e ONG em torno de um ideal comum: a luta pelo direito à cidade e à moradia. A ARL assume, assim, um papel mais amplo do que o de reivindicar um processo mais participativo na revisão da legislação urbanística, de capacitar e apoiar as lideranças comunitárias e, até mesmo, de formular propostas para o novo marco legal. Ocupa o lugar de um ator de peso na arena de decisão para se confrontar com a aliança hegemônica entre Estado e mercado, utilizando-se do próprio arcabouço estatal (Ministério Público), da opinião pública (imprensa e mídias sociais), do saber técnico e acadêmico, da aproximação com vereadores progressistas, para organizar e instrumentalizar os segmentos populares em prol desse ideal comum.

Entretanto, a despeito das ressalvas apresentadas sobre o processo, não se pode negar que o novo Plano Diretor do Recife (PDR-2020) traz em seu bojo avanços para a concretização do direito à cidade e à moradia. Dentre eles, o mais importante é a definição do Coeficiente de Aproveitamento Básico Unitário para toda cidade. Este daria efetividade à captação do poder público das mais-valia urbanas por meio dos instrumentos urbanísticos redistributivos e poderia fazer cumprir as funções sociais da cidade e da propriedade.

Não se pode esquecer que o processo de revisão do PDR-2008 guarda similitudes com outros ocorridos anteriormente no Recife, nos quais o projeto de cidade é alvo de disputa, os conflitos de interesses se exacerbam e prevalecem aqueles de natureza mercadológica, em detrimento dos ideais de uma cidade democrática. A suspensão da análise do PLE 28/2018 por conta da pandemia da COVID-19 e a realização das eleições municipais de 2020 deixaram pairando a incerteza da consolidação de conquistas de caráter redistributivo e democratizante no texto final do novo Plano Diretor do Recife.

Esse receio revelou-se real, por meio de fatos concretos. Na última semana de 2020, o PLE do PDR-2020 foi votado e aprovado em bloco pelos vereadores recifenses, em brevíssimo lapso de tempo. Em meio ao isolamento social e em modo de trabalho remoto, certas emendas legislativas aprovadas não chegaram sequer a serem trazidas ao escrutínio da sociedade. Na mesma edição do Diário Oficial do Recife em que a Lei do novo Plano Diretor do Município do Recife foi apresentada, aprovou-se o acréscimo do art. 15A à Lei municipal nº 16.719/2001, que delimita a Área de Reestruturação Urbana (ARU), flexibilizando os parâmetros urbanístico em dez ZEIS localizadas nessa zona, que abrange alguns dos bairros mais valorizados da zona norte do Recife12 12 Discutido sob a forma do PLE 24/2020, substitutivo do PLE 23/2020, o texto da Lei 18.772/2020 foi enviado à Câmara Municipal do Recife, em 03 de dezembro de 2020, após o encerramento do prazo regimental previsto para a distribuição das proposições às Comissões Técnicas Legislativas. Mesmo se destinando a atender ao parâmetro da Taxa de Solo Natural, esta Lei conflita com o Art. 9º da Lei do PREZEIS, que estabelece que o lote máximo a ser considerado para as ZEIS será de 250m² e que a área do lote que exceder deverá ser desmembrada, podendo resultar em um novo lote, com área mínima de 40m² complementar outro lote, desde que este não exceda 250m²; ou em - área pública ou área verde. . O novo artigo estabelece que

fica permitido o remembramento de terrenos nas Zonas Especiais de Interesse Social - ZEIS localizados na Área de Reestruturação Urbana - ARU, exclusivamente para atender o parâmetro da Taxa de Solo Natural, em situações preexistentes a vigência desta lei, mesmo que o lote resultante seja maior que 250,00 m². (RECIFE, 2020-b_____. Prefeitura da Cidade. Lei Municipal nº 18.772, de 30 de dez. de 2020, acrescenta o Art. 15A à Lei Municipal nº 16.719/2001. Recife: PCR, Diário Oficial do Recife, Edição Extra, nº 28, 2020-b.)

Vale atentar à gravidade de certos conteúdos dessas duas Leis (como os citados) que, juntos, somam retrocessos e abrem precedentes à ação do mercado imobiliário e à gentrificação de grande parcela do espaço urbanizado do Recife, em sua maioria constituído por Assentamentos Precários classificados como Comunidades de Interesse Social. A gestão do executivo e os mandatos legislativos municipais dos envolvidos na revisão do PDR-2008 se encerraram trazendo como derradeiro marco esta mácula. Tratou-se da culminância de um processo, fortemente questionado quanto ao desrespeito à participação social.

Pelo exposto, frente aos embates e percalços descritos e analisados, o novo Plano Diretor do Recife (PDR-2020) traz consigo a expectativa, ainda que mitigada, de que alguns dos instrumentos e parâmetros urbanísticos propostos reiterem e ampliem instrumentos redistributivos do Estatuto da Cidade, atendendo às funções sociais da propriedade e ao papel do ordenamento urbano de salvaguardar o patrimônio ambiental, histórico-cultural e a equidade socioespacial. Pressupõe-se, para isso, uma opção coletiva por uma cidade mais inclusiva, que exige o controle dos ganhos fundiários.

O Plano Diretor, quando efetivamente traduz uma proposta democraticamente construída, pode contribuir com esses ideais. Mas o debate transparente e participativo depende de tempo de maturação e de uma linguagem acessível e apropriada a todas as camadas sociais. Esses aspectos foram questionados ao logo de todo processo de elaboração do novo PDR, no qual o nível de participação limitado impediu a discussão e deliberação coletiva e igualitária. Para que esse debate assuma seu papel no planejamento e gestão de um desenvolvimento urbano sustentável e equitativo, é premente induzir um ordenamento territorial em que o interesse público se sobreponha aos interesses privados.

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  • _____. Prefeitura da Cidade. Lei Municipal nº 18.772, de 30 de dez. de 2020, acrescenta o Art. 15A à Lei Municipal nº 16.719/2001. Recife: PCR, Diário Oficial do Recife, Edição Extra, nº 28, 2020-b.
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Leis/Decretos

  • BRASIL. Congresso Nacional. Decreto Federal nº 31.671, de 10 de ago. de 2018. Estabelece, no âmbito do Poder Executivo Municipal, o procedimento administrativo destinado à arrecadação de imóveis urbanos por abandono. Brasília: Presidência da República, 2018.
  • _____. Decreto Federal nº 9.310, de 15 de mar. de 2018. Institui as normas gerais e os procedimentos aplicáveis à Regularização Fundiária Urbana e estabelece os procedimentos para a avaliação e a alienação dos imóveis da União. Brasília: Congresso Nacional, 2018.
  • _____. Lei Federal nº 11.977, de 11 de jul. de 2017. Dispõe sobre a regularização fundiária rural e urbana, sobre a liquidação de créditos concedidos aos assentados da reforma agrária e sobre a regularização fundiária no âmbito da Amazônia Legal [e outros assuntos]. Brasília: Congresso Nacional, 2018.
  • _____. Lei Federal nº 11.977, de 7 de jul. de 2009. Dispõe sobre o Programa Minha Casa, Minha Vida (PMCMV) e a regularização fundiária de assentamentos localizados em áreas urbanas. Brasília: Congresso Nacional, 2009.
  • _____. Lei Federal nº 11.124, de 16 de jul. de 2005. Dispõe sobre o Sistema Nacional de Habitação de Interesse Social - SNHIS, cria o Fundo Nacional de Habitação de Interesse Social - FNHIS e institui o Conselho Gestor do FNHIS. Brasília: Congresso Nacional, 2005.
  • _____. Lei Federal nº 10.683, de 28 de mai. de 2003. Dispõe sobre a organização da Presidência da República e dos Ministérios, e dá outras providências. Brasília: Congresso Nacional, 2003.
  • _____. Decreto Federal nº 4.213, de 26 de abril de 2002. Define os setores da economia prioritários para o desenvolvimento regional, nas áreas de atuação da extinta SUDENE, e dá outras providências. Brasília: Presidência da República, 2002.
  • _____. Estatuto da Cidade, Lei Federal nº 10.257, de 10 de jul. de 2001. Regulamenta os arts. 182 e 182 da Constituição Federal, estabelece diretrizes gerais da política urbana e dá outras providências. Brasília: Congresso Nacional, 2001.
  • _____. Emenda Constitucional nº 26/2000, de 14 de fev. de 2000. Altera a redação do art. 6º da Constituição Federal. Brasília: Congresso Nacional, 2000.
  • _____. Constituição da República Federativa do Brasil, de 5 de out. de 1988. Brasília: Congresso Nacional, 1988.
  • RECIFE. Prefeitura da Cidade. Projeto de Lei Complementar nº 28, de 14 de dez. de 2018. Promove a revisão do Plano Diretor do Recife. Recife: Prefeitura da Cidade do Recife, 2018.
  • _____. Decreto Municipal nº 31.887, de 24 de outubro de 2018. Dispõe sobre o processo de convocação, organização e participação na Conferência Municipal para Revisão do Plano Diretor do Recife - Lei Municipal nº 17.511. Recife: Prefeitura da Cidade do Recife, 2018.
  • _____. Decreto Municipal nº 31.671, de 10 de agosto de 2018. Estabelece, no âmbito do Poder Executivo Municipal, o procedimento administrativo destinado à arrecadação de imóveis urbanos por abandono. Recife: Prefeitura da Cidade do Recife, 2018.
  • _____. Lei Municipal nº 18.013, de 07 de mai. de 2014. Institui o Conselho da Cidade do Recife. Câmara Municipal do Recife. Recife: Câmara Municipal do Recife, 2014.
  • _____. Lei Municipal nº 17.710, de 27 de mai. De 2011. Dispõe sobre parâmetros urbanísticos e normas de uso e ocupação do solo para edificações de uso coletivo que prestam serviço de hospedagem e institui a outorga onerosa nas hipóteses definidas nesta lei objetivando a ampliação da capacidade de hospedagem na cidade do Recife para o evento da Copa do Mundo de 2014. Recife: Câmara Municipal do Recife, 2011.
  • _____. Lei Municipal nº 17.511, de 29 de dez. de 2008. Promove a Revisão do Plano Diretor do Município do Recife. Recife: Câmara Municipal do Recife, 2008.
  • _____. Lei Municipal nº 17.394/2007, de 26 de dez. de 2007. Cria o Fundo Municipal de Habitação de Interesse Social - FMHIS e institui seu Conselho Gestor. Recife: Câmara Municipal do Recife, 2007.
  • _____. Lei Municipal nº Lei nº 17.244, de 2006. Institui o programa de incentivo ao Porto Digital mediante a concessão de benefícios fiscais condicionados. Recife: Câmara Municipal do Recife, 2006.
  • _____. Lei Municipal nº 16.290, de 29 de jan. de 1997. Aprova o plano específico de revitalização da zona especial de preservação do patrimônio histórico-cultural 09 - sítio histórico do Bairro do Recife, estabelece condições especiais de uso e ocupação do solo, cria mecanismos de planejamento e gestão, e dá outras providências. Recife: Câmara Municipal do Recife, 1997.
  • _____. Lei Municipal nº 16.286, de 22 de janeiro de 1997. Dispões sobre o parcelamento do solo e demais modificações da propriedade urbana. Recife: Câmara Municipal do Recife, 1997.
  • _____. Lei Municipal nº 16.176, de 9 de abr. de 1996. Estabelece a Lei de Uso e Ocupação do Solo da Cidade do Recife. Recife: Câmara Municipal do Recife, 1996.
  • _____. Lei Municipal nº 16.113, de 1995. Dispõe sobre o Plano de Regularização das Zonas Especiais de Interesse Social - PREZEIS. Recife: Câmara Municipal do Recife, 1995.
  • _____. Lei Municipal nº 15.790, de 10 de set. de 1993. Institui e regulamenta o Fundo Municipal do PREZEIS e dá outras providências. Recife: Câmara Municipal do Recife, 1993.
  • _____. Lei Municipal nº 14.947, de 30 de mar. de 1987. Cria o Plano de Regularização das Zonas Especiais de Interesse Social - PREZEIS. Recife: Câmara Municipal do Recife, 1987.

NOTAS

  • 1
    No momento em que se concluía a redação deste trabalho, na última semana de 2020, a Câmara de Vereadores do Recife aprovou o PLE do PDR-2020, tendo este sido sancionado pelo prefeito da cidade em 29/12/2020, tornando-se a Lei municipal n° 18.770/2020 (RECIFE, 2020-aRECIFE, Prefeitura da Cidade. Lei Municipal nº 18.770, de 30 de dez. de 2020, institui o novo Plano Diretor do Município do Recife. Recife: PCR, Diário Oficial do Recife, Edição Extra, nº 28, 2020-a.).
  • 2
    Trata-se aqui da distinção entre dois pontos de vista associados a objetivos opostos no trato da gestão do desenvolvimento urbano. Nesse embate, eles se associam, respectivamente: à defesa dos direitos urbanos das camadas mais pobres da população urbana, de sua inclusão socioespacial e de sua participação efetiva na condução das diretrizes de ordenamento territorial; à garantia de preservação dos interesses dos agentes do mercado (sobretudo no campo imobiliário e da construção civil), associados ao lucro e aos ganhos financeiros da iniciativa privada.
  • 3
    Segundo a Lei do PREZEIS, n° 16.113/1995, as ZEIS “são áreas de assentamentos habitacionais de população de baixa renda, surgidos espontaneamente, existentes, consolidados ou propostos pelo Poder Público, onde haja possibilidade de urbanização e regularização fundiária”.
  • 4
    Concebido como indutor do crescimento e desenvolvimento econômico e social, o PAC centrou-se na promoção da infraestrutura nacional e das atividades produtivas, avançando inclusive sobre a produção de moradia, através do eixo ocupado pelo PMCMV, conhecido como PAC da Habitação. Porém, autores como Salvador e Rodrigues (2011)RODRIGUES, Taíla A.; SALVADOR, Evilasio. As implicações do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) nas Políticas Sociais. SER Social, vol. 13, nº 28, Brasília, pp. 129-156, jan./jun. 2011. relativizam suas repercussões sobre as políticas sociais
  • 5
    A mais-valia fundiária urbana diz respeito aos ganhos por aumento dos valores da terra gerados por meio de iniciativas do setor público e não de seus proprietários, como os investimentos (melhorias das infraestruturas, equipamentos e serviços), os instrumentos urbanísticos (alterações dos parâmetros urbanísticos) e/ou os instrumentos administrativos (flexibilização de procedimentos e reduções de taxas de licenciamento). Sua captura, através da conversão dessa valorização em receita pública (p. ex. via taxas de contribuição de melhoria e cobrança por coeficientes de aproveitamento superiores ao básico/unitário), pode representar um retorno desse incremento à sociedade, através de investimentos públicos beneficiem a todos os citadinos e não somente aos proprietários de terras urbanas.
  • 6
    O Coeficiente de Aproveitamento é um índice urbanístico que se refere ao total de área construída permitida para um determinado imóvel territorial (lote ou parcela), em relação à superfície ou área deste último. O Coeficiente de Aproveitamento Único limita a área permitida de construção à área do imóvel. Já o Coeficiente de Aproveitamento Básico seria aquele que, multiplicado pela área do terreno, resultaria na área de construção não onerosa permitida para os imóveis.
  • 7
    Pela Lei nº 18.013 /2014, art. 1º, este conselho é “um órgão colegiado que visa debater e acompanhar as políticas públicas relacionadas ao espaço urbano com foco na melhoria da qualidade de vida na capital pernambucana”. Tem 45 membros distribuídos por segmentos: 18 do Poder Público Municipal (2 vereadores); 12 de entidades sindicais, movimentos sociais, populares e sociedade civil; 6 do empresariado; 9 de entidades profissionais, acadêmicas, de pesquisa, conselhos profissionais e ONG.
  • 8
    Resta conferir se, no texto aprovado pela Câmara, tal recomendação foi seguida.
  • 9
  • 10
    Pela Resolução ConCidade nº 1, os representantes do GT-POT atuantes na temática urbano-ambiental do desenvolvimento urbano são: 6 do poder público; 4 de entidades sindicais e categorias profissionais, movimentos sociais e populares e articulações da sociedade civil; 4 de entidades profissionais, acadêmicas, de pesquisa, de conselhos profissionais e de ONG; e 2 do empresariado.
  • 11
    O novo Plano Diretor incorporou mudanças num ponto que deixa bastante vulnerável a proteção das ZEIS. Além do Coeficiente Máximo 2 na ZEIS tipo 1 e do Coeficiente Máximo 4 na ZEIS tipo 2 que já estavam no PLE 28/2018, o texto da nova lei combina os artigos 58 e 75, podendo resultar na utilização do Coeficiente de aproveitamento Máximo 5, o mais elevado de toda a Lei.
  • 12
    Discutido sob a forma do PLE 24/2020, substitutivo do PLE 23/2020, o texto da Lei 18.772/2020 foi enviado à Câmara Municipal do Recife, em 03 de dezembro de 2020, após o encerramento do prazo regimental previsto para a distribuição das proposições às Comissões Técnicas Legislativas. Mesmo se destinando a atender ao parâmetro da Taxa de Solo Natural, esta Lei conflita com o Art. 9º da Lei do PREZEIS, que estabelece que o lote máximo a ser considerado para as ZEIS será de 250m² e que a área do lote que exceder deverá ser desmembrada, podendo resultar em um novo lote, com área mínima de 40m² complementar outro lote, desde que este não exceda 250m²; ou em - área pública ou área verde.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    05 Ago 2022
  • Data do Fascículo
    Jan-Mar 2022

Histórico

  • Recebido
    13 Jul 2020
  • Aceito
    11 Jan 2021
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