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Demasiado humanos, mundanos e situados: universais, em língua portuguesa

Too human, mundane and situated: universal, in portuguese language

RESUMO:

Este artigo aborda três autores de língua portuguesa, procurando situá-los com base em certos questionamentos aportados por teorias do pós-colonial, e afinados com uma provocação lançada por Saramago, em um romance de 1986. Começo considerando essa provocação, no A jangada de pedra, sobre a integração de Portugal à Europa, ao Ocidente. Com base nela, faço alguns apontamentos sobre a função integradora pressuposta no nome canônico de Guimarães Rosa, que emergiu em um momento decisivo na modernização do país, articulando conceitos conflituosos, como o regional e o universal. Estudo possíveis similaridades entre o modelo canônico de Rosa e o de Mia Couto, que, tendo atuado no processo de independência de seu país, foi ativo nessa transição modernizadora. Parece-me que teorias do pós-colonial, assim como a metáfora crítica de Saramago, ajudam a pensar certos contornos desses dois modelos universais, pertencentes a literaturas de ex-colônias de Portugal. Com o fim de esboçá-los, farei algumas observações sobre o projeto editorial do Antes das Primeiras estórias (2011), uma antologia póstuma de contos do jovem Guimarães Rosa, prefaciada por Mia Couto. Considerarei possíveis transferências do modelo do primeiro ao do segundo.

PALAVRAS-CHAVE:
José Saramago; Guimarães Rosa; Mia Couto; Teorias do pós-colonial

ABSTRACT:

This article deals with three authors of Portuguese-language literature, seeking to place them based on certain issues, typical of postcolonial theories, and in tune with a provocation launched by Saramago, in a 1986 novel. I start by considering this provocation, in A Jangada de Pedra, about the integration of Portugal into Europe, into the West. From there I make some notes on the integrating function assumed in the canonical name of Guimarães Rosa, which arises at a decisive moment in the modernization of the country, articulating conflicting things such as the regional and the universal. I study possible similarities between the canonical model of Rosa and that of Mia Couto, who, having acted in the independence process of his country, was active in this modernizing transition. It seems to me that postcolonial theories, as well as Saramago's critical metaphor, help to think certain outlines of these two universal models, belonging to the literature of the former colonies of Portugal. To outline these models, I will make some observations about the publishing project for Antes das primeiras estórias (2011), a posthumous anthology of short stories by the young Guimarães Rosa, with a prologue by Mia Couto. I will consider possible transfers from Rosa's model to Mia Couto's.

KEYWORDS:
José Saramago; Guimarães Rosa; Mia Couto; Postcolonialtheories

Este artigo divide-se em duas partes. Na primeira, tratarei de uma crítica de Saramago, elaborada em um romance de 1986, a projetos que, naquele momento, visavam integrar Portugal à Europa, com a finalidade de modernizar o país. A crítica colocada pelo romance de Saramago diz respeito a projetos modernizadores, elaborados nos centros, que propõem uma integração supostamente benéfica às periferias. Como alternativa, Saramago sugere uma articulação entre periferias, que pressupõe uma concepção mais ampla do conceito de universalidade. Curiosamente, esse romance antecede a fase universal de Saramago, na qual alguns críticos encontram a superação da perspectiva nacionalista, em favor de valores pertinentes a todos os seres humanos. A crítica de Saramago ao projeto europeu, integrador e modernizador, tem grande afinidade com aquelas que dão suporte às teorias do pós-colonial. Particularmente, levarei em consideração a recusa pós-colonial de certas oposições modernas entre particular e universal que, bem consideradas, se têm mostrado conceitos particularistas do universal, conceitos formulados à imagem idealizada dos centros europeus.

Questionar o sentido da oposição entre particular e universal também coloca um desafio para estudos de literatura comparada, cujos impasses atuais -como a resistência à teorização e à interdisciplinaridade- advêm de concepções eurocêntricas, desenvolvidas no pós-guerra, com o objetivo de refazer a unidade da Europa, em crise após anos de conflito armado (SPIVAK, 2003SPIVAK, Gayatri Chakravorty. Crossing borders. In: SPIVAK, Gayatri Chakravorty. Death of a discipline. New York: Columbia University Press, 2003. p. 1-24.). Além disso, o questionamento dessa oposição, por parte de teorias pós-coloniais, favorece estudos comparados de literaturas de países periféricos, como as de língua portuguesa. Particularmente, no que diz respeito a literaturas como a brasileira e as africanas, sublinho aquilo que Melo (2016MELO, Alfredo Cesar. Antropófagos devorados e seus desencontros: da “formação” à “inserção” da literatura brasileira. Literatura e Sociedade, v. 21, n. 22, p. 42-54, 2016.) observou sobre um redirecionamento do paradigma da inserção nas literaturas do Ocidente, do modo inusitado como ele tem funcionado, sob miradas periféricas, depois de exaurida sua precondição: o modelo evolutivo da formação da literatura brasileira, endereçado a um projeto eurocêntrico de inserção na literatura universal.

Depois dessa parte inicial, dedicada a Saramago e a algumas das críticas pós-coloniais ao binarismo moderno entre particular e universal, focarei dois modelos literários, Guimarães Rosa e Mia Couto, consagrados por oferecerem aos leitores um tipo de representação voltada para regiões atrasadas, integrando-a a estéticas universais. Partirei da antologia póstuma de contos do jovem Rosa, intitulada Antes das Primeiras estórias (ROSA, 2011ROSA, João Guimarães. Antes das primeiras estórias. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2011. 96 p.) e prefaciada por Mia Couto. Considerando que o jovem Rosa não é o verdadeiro, não é o Rosa canônico, e que Mia Couto foi convidado para prefaciar o livro, procurarei explorar duas similaridades entre os dois autores: o fato de seus nomes consagrados terem emergido em momentos decisivos de modernização, e o fato de ambos escreverem, em variações da língua portuguesa, estórias cujos efeitos evocam os dos mitos. Mesmo assemelhando-se aos mitos que, da perspectiva moderna, são protonarrativas, essas estórias não resultam em exotismo, entre outras razões, pela espessura dessas escritas em variações cuja historicidade, atravessada pela contribuição de muitas línguas, esses autores exploram.

Por fim, procurarei destacar alguns contornos do nome canônico de Guimarães Rosa, considerando a possibilidade desse modelo crítico-teórico também dizer respeito ao processo de consagração de Mia Couto.

Universais provincianos

Nesse artigo, faço algumas considerações a respeito da universalidade, reconhecida pela crítica, em três autores canônicos de literaturas escritas em língua portuguesa. Parto de uma provocação lançada por um romance publicado por Saramago, antes de sua consagração como autor. A jangada de pedra (SARAMAGO, 2003SARAMAGO, José. A jangada de pedra. São Paulo: Schwarcs, 2003. 328 p.) explora um fenômeno fictício de deslocamento literal da Península Ibérica, que desintegra sua posição natural, geográfica, junto à Europa, junto ao Ocidente, e navega rumo ao Atlântico Sul, posicionando-se entre suas ex-colônias, na África e na América. Essa desintegração torna-se o motor de uma ação narrativa alegórica, que ainda sugere a necessidade de uma aproximação entre Portugal e suas ex-colônias, enquanto destaca os conflitos produzidos por esse movimento.

Advertindo sobre a necessidade de articulação, ainda que conflituosa, entre periferias pós-coloniais de língua portuguesa, Saramago passa ao lado de qualquer pressuposto harmonizador do conceito de comunidade global. Tratando-se de literaturas periféricas -como aquelas às quais pertencem Saramago, Rosa e Mia Couto-, a admissão do caráter incontornável do conflito parece-me requerer uma perspectiva pós-colonial da universalidade estética atribuída a esses autores. A propósito das ex-colônias terem como línguas oficiais versões supostamente adulteradas da Língua Portuguesa, gostaria de destacar que a história colonial e pós-colonial, com suas políticas violentas de implementação da língua do Estado, hipertrofiou o caráter babélico, mundano, histórico e conflitivo dessa língua moderna periférica, incluindo-se nela suas versões do hemisfério Sul.¹ 1 No caso do idioma português brasileiro, Faraco (2016) estudou o fundamento colonial da polaridade histórica entre uma vertente culta, civilizada, e outra vertente considerada inferior. “O idioma do colonizador se difundiu graças à integração das diferentes regiões, favorecida pelo modelo produtivo da mineração, no século XVIII, que proporcionou a expansão de uma elite mineira, mineradora, culturalmente identificada à metrópole, e por isso ativa na polarização entre o valor culto de seu padrão de fala e o valor inculto das variedades faladas por escravos aloglotas, cujas contribuições ao idioma foram sendo lentamente nativizadas e tipificadas como adulterações do modelo civilizado” (FARACO, 2016, p. 148). Guimarães Rosa interveio tomando como matéria de invenção essa hipertrofia de uma confusão de línguas, na língua do Estado e da literatura nacional. Parece-me que Guimarães Rosa explorou o caráter babélico de um idioma colonial e pós-colonial, o português brasileiro, mas para desenredar Babel, sua ambição evolutiva e seu pendor à eliminação do outro.

Considerando alguns questionamentos epistemológicos que têm-se dado, no quadro teórico amplo de teorias do pós-colonial, proponho um foco situado do estético que não oponha o universal ao particular/regional/rural, nem pressuponha um universal particular/europeu. Quando também emergiam as teorias pós-coloniais, com suas perspectivas periféricas da crise dos paradigmas modernos, a ficção de Saramago sugeriu à Península Ibérica uma aproximação estratégica das ex-colônias. Considerando a sugestão do autor português sobre a necessidade de um deslocamento de Portugal rumo às ex-colônias, replico-a no que diz respeito a uma articulação entre suas literaturas de língua portuguesa do hemisfério Sul. Como pensá-la em uma chave não provinciana do universal, evitando a aplicação automática de pressupostos do moderno europeu e da perspectiva europeia de sua crise?

Já presentes no pós-guerra e experimentadas por Guimarães Rosa, a crise do humanismo e a do racionalismo moderno tornaram-se pautas fundamentais em polêmicas estruturalistas e pós-estruturalistas sediadas na Europa e, principalmente, na França no final dos anos de 1960. Nesse período, também repercutiam alguns processos de descolonização, tais como revoltas latino-americanas resultantes da consolidação de políticas pan-americanistas que supostamente modernizaram o mundo rural, ao inseri-lo na economia de mercado mundial. Essa conjuntura de crise, teórica e política, teve um impacto decisivo na experiência de intelectuais ligados a países de histórico colonial, o que se fez notar em uma variedade de tendências teóricas interessadas nessa história, de modo a recusar uma adesão automática à crítica aos universais modernos feita pelos pós-estruturalistas (DUSSEL, 2000DUSSEL, Enrique. La Filosofía de la Liberación ante el debate de la posmodernidad en los estudios latinoamericanos. Devenires, Revista de Filosofía y Filosofía de la Cultura, v. 1, n.1, p. 36-54, jan. 2000.). Algumas publicações relativas a essas tendências começaram a eclodir no mundo anglo-saxônico dos anos de 1970 e, na década seguinte, foram agrupando-se no quadro geral das teorias do pós-colonial. Intelectuais ligados à América Latina e ao Caribe, entre os quais alguns atuam em universidades dos Estados Unidos, também têm elaborado algumas teorias, desde os anos de 1990, e as desenvolvido a partir dos anos de 2000, como as decoloniais e a filosofia da libertação. Esses estudiosos e tendências teóricas não formam um conjunto homogêneo, mas têm compartilhado a necessidade de desenvolver, da perspectiva de países periféricos, suas próprias críticas à concepção europeia do moderno, de sua história e de seus modelos estéticos.

Alguns deles declaram a insuficiência da crítica às concepções modernas, feita por teorias europeias, e consideram que a aplicação direta dessa crítica prolonga um regime teórico colonial. O fato de tais publicações terem emergido em instituições na Europa e na América anglo-saxônica suscita o questionamento de sua pretensão a um foco periférico já chancelado por centros que, tradicionalmente, têm sido os difusores de teorias em todo o mundo. Com atitudes diversas ante um quadro geral de dependência, esses pesquisadores concordam em não o subestimar, em chamarem a atenção para ele, enquanto consideram particularidades regionais de seu interesse e dinâmicas institucionais das quais participam. Estudos pós-coloniais - como os dos subalternistas, depois dos decoloniais, da filosofia da libertação, entre outros - começaram pelo confronto do constrangimento tradicionalmente experimentado por pesquisadores de países periféricos, que se percebem na órbita de teorias focadas na história dos centros europeus e anglo-americanos. O alto grau de diferença relativa a centros colonialistas, neocolonialistas e imperialistas certamente produz desafios para intelectuais interessados em teorizações focadas em particularidades de regiões periféricas.

Os estudos pós-coloniais contornam a costumeira oposição entre particular e universal, quando examinam esse último, descobrindo nele perspectivas e interesses bem situados nos centros da Europa e da América anglo-saxônica. A propósito das atividades de alguns intelectuais de proveniência indiana, ou de outros países periféricos, Chakrabarty (2000CHAKRABARTY, Dispesh. Provincializing Europe: postcolonial thought and historical difference. Princeton: Princeton University Press, 2000. 336 p.) destacou o fato de atribuírem a uma figura hiper-real da Europa o papel de prover teorias e conceitos, cujo universalismo puramente abstrato aplicam, com alguma dificuldade ou constrangimento, a objetos relativos a seus países de origem por considerá-los pré-modernos. Esses estudiosos percebem, em seus países periféricos, processos históricos atrofiados, aquém do tempo moderno, que não chegam a corresponder plenamente aos universais teorizados na Europa e, por isso, consideram-se presos a mimeses imperfeitas dessas concepções europeias. De igual modo historicista, também separam suas sociedades periféricas em segmentos opostos, como o lado das elites modernizadoras, mais vinculadas ao Estado, e o lado das populações rurais/provincianas, em cujas articulações políticas essas elites temem uma natureza danosa, uma essência irracionalista. Como já indica o título de seu livro, Chakrabarty (2000CHAKRABARTY, Dispesh. Provincializing Europe: postcolonial thought and historical difference. Princeton: Princeton University Press, 2000. 336 p.) propõe provincializar a Europa e afirma a insuficiência das teorias europeias, cujas referências locais estão necessariamente pressupostas em como concebem o moderno, ou a crítica a ele, por mais transcendência e orientação universalista que tenham. Considerando sua participação nas ciências sociais, não propõe negar uma perspectiva da modernidade europeia (a ciência, conceitos liberais como a democracia e os direitos civis), já globalizada, mas pondera sua insuficiência ao avaliar diferentes processos históricos e políticos nas diversas partes do mundo. Além disso, sugere um manejo de teorias e de modelos universalistas, atento às situações históricas das quais partem, e nas quais aportam; não para emular noções elitistas de cidadania e de Estado-nação, cultivando-as à imagem idealizada da Europa, o que resulta provinciano e ineficaz, mas para sublinhar seus limites, confrontando diferentes operacionalidades dessas teorizações universalistas (CHAKRABARTY, 2000CHAKRABARTY, Dispesh. Provincializing Europe: postcolonial thought and historical difference. Princeton: Princeton University Press, 2000. 336 p.).

Uma provocação de Saramago

Parece-me que teorias pós-coloniais favorecem a confrontação de modelos periféricos em estudos comparados de literaturas de língua portuguesa. A própria identificação dessa língua, e de Portugal, aos centros europeus modernos, esteve em pauta nas últimas décadas do século XX, quando os referidos centros discutiram um projeto de modernização de suas regiões periféricas. Do período mencionado para cá, a própria soberania dos centros europeus tem experimentado uma crise expressiva. Quanto a Portugal, o país foi perdendo sua potência de nação colonizadora no decorrer da modernidade. Com o romance A jangada de pedra (SARAMAGO, 2003SARAMAGO, José. A jangada de pedra. São Paulo: Schwarcs, 2003. 328 p.), José Saramago propôs uma metáfora crítica ao projeto de integração da Península Ibérica a Europa que, quando já entrava em crise, oferecia a países periféricos europeus um projeto de desenvolvimento compartilhado. Penso sobre uma provocação de José Saramago, neste romance, quanto ao modelo de integração política admitido em Portugal, no seu momento modernizador.

Em A jangada de pedra, especialmente no postulado iberista dessa ficção, alguns têm apontado uma metáfora crítica ao processo de integração de Portugal à Europa, formalizado em 1986, o ano de publicação do romance. Naquele mesmo ano, Portugal entrava para a Comunidade Econômica Europeia (CEE), iniciando uma relação política com o continente, que veio a resultar na União Europeia (UE). Quando, no romance, narra-se o episódio de uma cisão da península ibérica, que passa a navegar à deriva pelos mares até parar no Atlântico, em um ponto equidistante à África e à América do Sul, parece-me sugerir, como alternativa ao eurocentrismo, uma outra perspectiva voltada para possíveis articulações com as ex-colônias ibéricas (ABDALA JÚNIOR, 2003ABDALA JUNIOR, Benjamin. Literatura, história e política: literaturas de língua portuguesa no século XX. São Paulo: Ática, 1989. 199 p.). Já Martins (2005MARTINS, Lourdes Câncio (org.). Reler Saramago: paradigmas ficcionais. Lisboa: Cosmos, 2005. 204 p., p. 18) considera a imagem da jangada de pedra em sentido mais geral, como a utopia de “uma nova comunidade humana e política”, considerando no plano ideal o alargamento universalista do senso comunitário global. Assim considerado, o romance do Saramago nacionalista estaria ainda aquém da universalidade celebrada nos romances dos anos de 1990.

O então recente estatuto do pertencimento de Portugal ao continente europeu foi colocado em xeque em A jangada de pedra, que inventou um bloco alternativo igualmente conflituoso, de união ibérica, rumo às ex-colônias, no que Eduardo Lourenço (1994LOURENÇO, Eduardo. Nós e a Europa ou as duas razões. Lisboa: Imprensa Nacional/Casa da Moeda, 1994. ) assinalou uma provocação ao ressentimento lusitano quanto ao país vizinho, a Espanha, e quanto ao desejo ilusório de saltá-lo, como se fosse um obstáculo às relações com a Europa. Com muito humor, o narrador descreve a reação dos cidadãos da península quando são informados sobre a separação definitiva do bloco de pedra ibérico, rumo aos mares, longe da Europa.

Nos aeroportos, os balcões das companhias aéreas eram investidos pela multidão excitada, uma babel furiosa de gestos e de gritos, tentavam-se e praticavam-se subornos nunca vistos para conseguir uma passagem, vendia-se tudo, comprava-se tudo [...] até que se deu o bloqueamento total. Já não se vendiam bilhetes, os aviões eram assaltados, uma ferocidade [...]. De repente, tendo havido quem se lembrasse de que também pelos portos de mar se podia fugir, principiou outra corrida para a salvação. (SARAMAGO, 2003SARAMAGO, José. A jangada de pedra. São Paulo: Schwarcs, 2003. 328 p., p. 38-39).

O sentido político provocador dessa espécie de nova navegação ibérica pressupõe uma concepção crítica da modernidade, assinalando o fato de ter sido constituída com a riqueza dos insumos fornecidos pela colonização da América, viabilizada pelos navegantes ibéricos, com primazia portuguesa. Dessa perspectiva, Portugal desempenhou uma função fundadora no processo de modernização, e o romance de Saramago destacou o quanto parecia-lhe no mínimo curiosa, ou já naquele momento ingênua, a intenção de desenvolver a península a reboque de nações do norte, principais pontos de chegada do escoamento das riquezas extraídas pelos colonizadores portugueses. Portanto, o romance de Saramago parece-me questionar o sentido político do consentimento português quanto a assumir a mesma perspectiva histórica protagonizada pelos centros europeus, em uma história que, ao final, justifica certas desvantagens dos vizinhos periféricos do extremo sul, frequentemente acusados de retardar sua modernização, com a recente democratização tardia.² 2 Refiro-me às longas ditaduras ibéricas, a Salazarista [1926-1974] e a Franquista [1936-1975]. O projeto moderno de universalização de valores civilizatórios, como a democracia, guarda contradições em si mesmo quanto à própria Europa.

A função universalizadora, atribuída ao nome canônico de Saramago, na história da literatura portuguesa, de acordo com Ferreira (2004FERREIRA, Sandra Aparecida. Da Estátua à Pedra (A fase universal de José Saramago). São Paulo: Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas (FFLCH), 2004.), constituiu-se nos romances saramaguianos dos anos de 1990. Na década anterior, particularmente em A jangada de pedra, de 1986, Saramago tinha lançado uma metáfora crítica ao projeto europeu de integração modernizadora, que sugeriu outra articulação global, dessa vez com as ex-colônias do hemisfério sul, destacando os conflitos implicados nessa aproximação. A figura desse novo bloco tem suas partes cercadas e integradas por um elemento complexo, que significa o reconhecimento da soberania dos Estados nacionais e o meio de transcendê-la em articulações estratégicas: as águas internacionais do hemisfério Sul. Essa ação narrativa desintegradora, ao mesmo tempo sugestiva de outra possibilidade de integração, desenha outro mapa global, alegoria de uma estratégia de articulação política, situada na história colonial e pós-colonial. Tornando as geografias humanas e físicas assunto de ficção, o romance intervém no mapa global e assinala o caráter estratégico, provisório e conflituoso de qualquer articulação, tendo em vista que sugere uma comunidade de orientação internacional, cujos limites internos incluem distâncias/diferenças irredutíveis, como os mares do Sul.

Quando Saramago recebeu da Academia Sueca o Nobel de Literatura em 1998, a crítica admirava nele a combinação de realismo mágico com crônica política, louvando-o por usar a imaginação com uma ironia piedosa quanto às ilusões que atravessam a realidade (FERREIRA, 2004FERREIRA, Sandra Aparecida. Da Estátua à Pedra (A fase universal de José Saramago). São Paulo: Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas (FFLCH), 2004.). Vários anos antes, publicou esse romance, que alguns atribuem à fase nacional do autor, ainda aquém da universalidade que a crítica reconheceu nele nos anos de 1990 (FERREIRA, 2004FERREIRA, Sandra Aparecida. Da Estátua à Pedra (A fase universal de José Saramago). São Paulo: Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas (FFLCH), 2004.). Parece-me que as questões em pauta naquele momento, a propósito da integração de Portugal à comunidade europeia, receberam nesse romance uma abordagem articulada a uma metáfora crítica da história de Portugal, de suas relações com a Espanha e uma contraproposta de associação com as ex-colônias. Além disso, ao usar sua ficção para transformar a península Ibérica em uma nau, Saramago remontou à fundação histórica do domínio europeu moderno, via navegações portuguesas, o que Eduardo Lourenço (2001LOURENÇO, Eduardo. A nau de Ícaro e imagem e miragem da lusofonia. São Paulo: Companhia das Letras, 2001. 224 p.) considerou ser o ponto definidor da identidade dessa nação. Por seu pioneirismo nas navegações para a América, Portugal teve a função de ampliar as fronteiras do velho mundo do século XVI, tendo desempenhado papel decisivo no avanço inédito do conhecimento universal que Camões cantou em Os Lusíadas, unindo-o à afirmação da herança direta da tradição greco-romana pelos lusos. Entendido como território passível de deslocamento de suas fronteiras, na geopolítica do poder, o espaço nacional português sofreu modificações significativas durante sua história, e Boaventura de Sousa Santos (1993SANTOS, Boaventura de Sousa. Modernidade, identidade e a cultura de fronteira. Tempo social, Revista de Sociologia USP, São Paulo, v. 5, n. 1-2, p. 31-52, 1993.) observou o fato de seu encolhimento, especialmente depois da perda das colônias africanas, ter afetado a identidade dessa nação. Tendo isso em vista, gostaria de sugerir não uma oposição do regional/nacional ao universal, mas a constatação de que o primeiro é uma variável permanentemente rearticulada em relação ao segundo, de acordo com as sucessivas articulações globais.

Não com o romance daquele ano, mas com outros, da década seguinte, Saramago passou a integrar o cânone europeu, depois da entrada de Portugal para a CEE, em 1986, que abriu um período inicial de certa prosperidade no país. Nos seus romances dos anos de 1990, a crítica reconheceu valores universais. Parece-me interessante que antes de tornar-se um autor canônico da literatura portuguesa, Saramago tenha publicado esse romance alegórico, voltado para o lugar conflituoso de sua nação, entre mundos em crise, ambos fundados por ela: o colonial e o moderno. Em um ensaio polêmico dos anos de 1980, Jameson (1986JAMESON, Frederic. Third world literature in the era of multinational capitalism. Social Text, n. 15, p. 65-88, 1986.) afirmou que a literatura do dito terceiro mundo, aquele submetido à experiência da colonização e dos imperialismos, é necessariamente alegórica, anacrônica em seu realismo e, mais especificamente, interessada em alegorias da nacionalidade. Pouco depois, Ahmad (1987AHMAD, Aijaz. Jameson's Rhetoric of Otherness and the “National Allegory”. Social Text, n. 17, p. 3-25, 1987.) contestou essa afirmação, assinalando nela uma generalidade inapta a diferenciar estilos diversos, tanto no dito “primeiro mundo”, supostamente mais afim ao modernismo, como no dito “terceiro mundo”, categoria que pressupõe seu atraso e o pendor de suas literaturas a um realismo supostamente anacrônico, embora continue vigente em todo o mundo.

Na provocação lançada pelo romance de Saramago, destaco que ela contorna a posição secundária da literatura portuguesa, ou terciária da literatura brasileira e da moçambicana, no cânone literário europeu, quando sugere outra articulação global, com outro tipo de orientação universalista. Pergunto-me de que modos a sugestão de um posicionamento da nau ibérica, entre a África e a América do Sul, pode contribuir para pensar-se as relações entre essas literaturas e para reconsiderar-se os termos de consagração de seus cânones? Recoloco a questão do modo como a formulou Carlos Reis: “Faz sentido falar de cânones literários em universos culturais de conformação pós-colonial?” (REIS, 2017REIS, Carlos. Diversidade e cânone literário: cinco teses. In: FERREIRA, Antonio Manuel et al (ed.). Pelos mares da Língua Portuguesa. Aveiro: UA Editora, 2017. p. 29-43., p. 29). Ou ainda: como falar de estéticas universalistas em literaturas pós-coloniais, considerando a historicidade delas e procurando não as identificar automaticamente a modelos eurocêntricos de canonização?

O jovem Rosa e Mia Couto, entre mundos diversos

Ao estudar alguns aspectos do modelo de canonização de Rosa e sugerir uma possível semelhança dele com o modelo de consagração de Mia Couto, tenho em vista uma publicação, estranha a esse modelo, de contos de um Rosa dos anos de 1930, que nem parecia o Rosa. A edição de Antes das Primeiras estórias parece-me muito interessante, porque divulga contos ainda pouco conhecidos do jovem Guimarães Rosa, que venceram concursos, cujas premiações incluíram publicá-los: três deles na famosa revista O Cruzeiro, e o quarto no influente O Jornal, entre os anos de 1929 e 1930. Embora a novidade em si mesma já pudesse oferecer um atrativo, o próprio projeto editorial do livro pode induzir o leitor de Guimarães Rosa a certa decepção, ou estranheza, e inclusive parece ter sido preparado para isso, o que se confirma também no modo como a organizadora do livro o divulgou. A responsável pela edição de Antes das Primeiras estórias, Janaína Senna (apudGIRON, 2011GIRON, Luís Antônio. Antes de Rosa ser Rosa. Revista Época, n. 693, p. 141-145, ago. 2011., p. 144), declarou em entrevista que os contos do livro não têm nada a ver com “Rosa no ápice”, mais semelhantes aos de Edgar Allan Poe. Ela ainda afirma ter convidado Mia Couto para escrever a introdução, porque um especialista em Rosa não teria nada a dizer sobre o estilo do autor jovem, que imitava o contista estadunidense, faltando-lhe a indispensável originalidade. A julgar pela declaração da organizadora do volume, seria inevitável a decepção do leitor com a pouca originalidade do jovem Rosa, cuja semelhança com Poe já havia sido notada pelo africanólogo Alberto da Costa e Silva (1992COSTA E SILVA, Alberto da. Guimarães Rosa, poeta. Bogotá: Centro Colombo Americano, 1992.), quando também sentenciou que esse Rosa não é o Rosa. Além disso, segundo ela, a crítica não teria nada a dizer a respeito da antologia, pois o dizível a respeito do estilo de Rosa já está dito e circunscrito a seus melhores textos, cabendo à crítica glosá-lo.

A princípio, julgo o livro (ou o projeto de Senna) pela capa de Priscila Cardoso, que exibe o desenho de um vaqueiro a cavalo em um fundo branco, e pela introdução de Mia Couto. Mas, caso o leitor insista em tentar estabelecer uma relação entre os contos desse jovem Rosa, festejado em jornais populares (com sucesso de público, mas não baratos/popularescos), e o projeto editorial do livro, poderá acabar perguntando-se qual a relação dessas narrativas com aquilo que já conhece de Rosa, com essa “escrita que se deixa apropriar pela oralidade”, conforme a define a introdução do contista moçambicano (COUTO, 2011COUTO, Mia. Um caminho feito para não haver chão. In: ROSA, João Guimarães. Antes das primeiras estórias. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2011. p. 7-11., p. 8-9). Nessa introdução ao Antes das Primeiras estórias, Mia Couto (2011COUTO, Mia. Um caminho feito para não haver chão. In: ROSA, João Guimarães. Antes das primeiras estórias. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2011. p. 7-11., p. 10) destaca a dimensão estético-política dessa escrita, que inventa um universo ficcional, o sertão, contra um processo de modernização imposto “à custa da anulação do espaço mítico”, da diluição dos afetos em favor da uniformidade de uma aldeia global, onde se admite a vigência do lugar comum, enquanto se expurgam as individualidades.

Refiro-me a essa escrita, precursora de Mia Couto, tomando emprestada uma definição que Rosa usou quando entrevistado por Lorenz (1983LORENZ, Gunter. Diálogo com Guimarães Rosa. In: COUTINHO, Afrânio de Faria (org.). Guimarães Rosa. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira , 1983. p. 62-97. ), ao referir-se ao próprio estilo inventado por ele à semelhança de uma língua falada pela humanidade antes de Babel, ou seja, um estilo que busca uma articulação mítica de diferenças constitutivas da língua na qual escreve. Menciono diferenças como as aportadas ao idioma do Estado-nação, pelas línguas de índios, negros, portugueses diversos, mestiços, migrantes, imigrantes, que deixaram marcas no idioma português brasileiro, imposto por sucessivas medidas de proibição das línguas das demais comunidades de falantes. Rosa inventa essa língua mítica dentro de uma Babel periférica, dentro do idioma português brasileiro - uma confusão de línguas maternas que vão sofrendo sucessivos apagamentos dentro dessa língua do Estado-nação -, dentro da literatura da maior nação colonizada por Portugal, que singularmente chegou a experimentar uma situação de Reino Independente, já no século XIX, com um gigantismo territorial ímpar na América Latina e influência cultural expressiva nos países africanos de língua portuguesa. A invenção ao estilo de Babel refunda essa língua (e as redes de mitos, provérbios e demais formas que veiculam valores em cada língua), mesclando matérias dos falares mais diversos do português brasileiro, principalmente, conforme o estudo de Mary Lou Daniel (1968DANIEL, Mary Lou. Post scriptum: Tutaméia. In: DANIEL, Mary Lou. Guimarães Rosa: travessia literária. Rio de Janeiro: José Olympio, 1968. p. 178-183.). Mescla também matérias dessa língua extraídas dos demais territórios de colonização portuguesa, como inclusive elementos do português moçambicano. No pronunciamento proferido na ABL, que a meu ver repete com mais pormenores o argumento da introdução ao Antes das Primeiras estórias, Mia Couto informa sobre compartilhamentos de matérias das línguas bantu entre as variantes moçambicana e brasileira do idioma português.

Os povos moçambicano e brasileiro não apenas partilhavam uma mesma língua mas partilhavam aquilo que nessa língua surgia como elemento distintivo do português de Portugal. A realização da língua nos dois casos era marcada pela influência das línguas de matriz bantu que introduziam afinidades entre a nossa variante e a brasileira.

[...] Embora existam diferenças claras entre esta África Oriental e a África Ocidental (onde o Brasil foi buscar mais influência) a verdade é que, mais do que língua e cultura, partilhamos deuses e uma mesma lógica do sagrado. (COUTO, 2005COUTO, Mia. O sertão brasileiro na savana moçambicana. In: COUTO, Mia. Pensatempos: textos de opinião. Lisboa: Editorial Caminho, 2005. p. 103-112., p. 105-106).

Respeitando a vocação histórica dos habitantes desses territórios a movimentos migratórios e imigratórios intensos, Rosa também aportuguesa vocábulos extraídos das mais diversas línguas faladas pelos grupos que aportaram no Brasil e o escolheram como um novo começo. O resultado é a experiência de uma língua inventada como alegoria de todas as outras contidas nela, que não se radica no passado rural, nem serve para caracterizar seu exotismo. A língua inventada por Rosa também não é, integralmente, a que se falou no Brasil moderno do século XX.

Para além das similaridades estéticas, Guimarães Rosa e Mia Couto também compartilham a função de terem protagonizado processos de fortalecimento da literatura nacional nos seus países em períodos decisivos de modernização. Na década de 1930, Rosa viveu o impacto da modernização do Estado nacional brasileiro e, de 1934 até sua morte em 1967, acompanhou os bastidores das políticas de Estado, enquanto atuava como diplomata; já Mia Couto tem um papel protagonista na institucionalização da literatura, nos anos de 1980, de um Estado-nação cuja independência ajudou a deflagrar. De modos semelhantes, os nomes de ambos os autores vinculam-se, na história da literatura, a processos de modernização.

Esses ficcionistas se valem das coabitações da escrita com a oralidade, mesclando-as e avaliando-as de modos às vezes difíceis de abordar, da perspectiva romântica e evolucionista predominante, tanto na história da literatura como em certos pressupostos da crítica. Parece-me que esses pressupostos românticos e evolucionistas, cujas aplicações Moraes (2007MORAES, Anita Martins Rodrigues de. O inconsciente teórico: investigando estratégias interpretativas de “Terra Sonambula”, de Mia Couto. 2007. 110 f. Tese (Doutorado em Teoria e História Literária) -Instituto de Estudos da Linguagem, Universidade Estadual de Campinas, Campinas, 2007.) demonstrou em estudos da literatura de Mia Couto, tiveram participação também no processo de canonização de Guimarães Rosa como autor original/autêntico de um realismo superior em que o regional alcança o universal, graças à habilidade de superar a tradicional distância entre a narração culta e as falas dos personagens rudes (CANDIDO, 2002aCANDIDO, Antonio. A literatura e a formação do homem. In: CANDIDO, Antonio. Textos de intervenção. São Paulo: Duas Cidades; Ed. 34, 2002a. p. 77-92. , 2003CANDIDO, Antonio. Literatura e subdesenvolvimento. In: CANDIDO, Antonio. A educação pela noite e outros ensaios. São Paulo: Ática , 2003. p. 140-162.). Rosa canonizou-se por ter superado as principais limitações enfrentadas na história da formação da literatura brasileira e na da instituição de seu sistema literário - a busca de autenticidade em uma nação colonizada e a invenção romântico-modernista da língua nacional. A consagração de Rosa, nesses termos, tornou-o um modelo estético, tanto na literatura brasileira, como nos processos de institucionalização das literaturas africanas de língua portuguesa.

Acrescento ainda que a defesa dessa suspeita ajuda a entender algumas constantes nos estudos da crítica que comparam Mia Couto e Guimarães Rosa, no tocante ao modo como ponderam a tradição oral remanescente a um lento e conflituoso processo de substituição, graças às dificuldades de se implementar a modernização, por uma nova tradição escrita capaz de transfigurar elementos de uma oralidade residual (CHAGAS, 2006CHAGAS, Silvania Núbia. Nas fronteiras da memória: Guimarães Rosa e Mia Couto, olhares que se cruzam. 2006. 161 f. Tese (Doutorado em Estudos Comparados de Literaturas de Língua Portuguesa) - Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas, Universidade de São Paulo, São Paulo, 2006.). Na crítica dedicada a Mia Couto, encontro a noção de que a tradição oral vem sendo lentamente substituída por uma nova tradição escrita, moderna, urbana, literária, e o ficcionista trabalha para modernizar/transformar os fragmentos de uma oralidade regional, geralmente de base rural, em formas universais. Nessa chave crítica, trata-se da defesa de uma autenticidade estética que, tendo sua fonte em uma oralidade enraizada em modos de vida tradicionais/estagnados, compensa-os ao erigir uma literatura escrita transfiguradora. Chagas (2006CHAGAS, Silvania Núbia. Nas fronteiras da memória: Guimarães Rosa e Mia Couto, olhares que se cruzam. 2006. 161 f. Tese (Doutorado em Estudos Comparados de Literaturas de Língua Portuguesa) - Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas, Universidade de São Paulo, São Paulo, 2006.) caracteriza o processo de modernização e a substituição da oralidade pela literatura moderna como um remédio amargo, tão inevitável quanto salutar por trazer transformações necessárias e impedir a estagnação no passado. Pondera ainda que, no Brasil, essas transformações trazidas pelo processo de modernização ocorreram antes, já na década de 1930, sem guerra, mas implementando uma revolução política e estética.

Já aqui no Brasil, apesar de não se processar da mesma maneira, também não tem sido muito tranquila [a ruptura com a tradição pertencente ao mundo rural], veja-se, por exemplo, as revoluções que foram deflagradas não somente no campo da política, mas também nas artes. No entanto, talvez por ter se tornado independente há mais tempo, nos parece um processo mais dinâmico, pois a transformação dos meios de produção, o progresso da ciência e os avanços da tecnologia fazem com que os costumes sejam revistos e postos em xeque, pois, apesar da tradição querer ser ‘perene e eterna [...] a ausência de movimento termina condenando-a a estagnação da morte. A necessidade da ruptura se torna, em consequência imperiosa, para restituir a dinamicidade ao que parecia sem vida’. (BORNHEIM, 1987, p. 15 apudCHAGAS, 2006CHAGAS, Silvania Núbia. Nas fronteiras da memória: Guimarães Rosa e Mia Couto, olhares que se cruzam. 2006. 161 f. Tese (Doutorado em Estudos Comparados de Literaturas de Língua Portuguesa) - Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas, Universidade de São Paulo, São Paulo, 2006., p. 9, chaves minhas).

A meu ver, em vez de lamentar essa substituição inevitável e louvar o que há de revolucionário/transformador/evolutivo nas operações estéticas da nova tradição modernista, podemos considerar o modo como a modernização predatória tornou o mundo rural anacrônico e submeteu as oralidades, as línguas, predominantemente as línguas bantu, às políticas de monolinguismo do Estado nacional.

Alguns críticos têm procurado similaridades entre Rosa e Mia Couto, dando atenção ao fato de o próprio escritor moçambicano citá-lo como precursor em entrevistas, textos e conferências. Estudos críticos também têm associado Mia Couto a gêneros prolíferos na América Hispânica, como o fantástico (do qual Poe foi mestre), o maravilhoso, o insólito, o surrealismo. Referindo-se a personagens do Estórias abensonhadas, Ngomane afirma o seguinte: “esses personagens temperam as estórias de Mia Couto de um realismo fantástico e, não poucas vezes, maravilhoso, alternativa, quanto a nós, salutar a uma realidade insana e caótica” (NGOMANE, 1999NGOMANE, Nataniel. Entre a mágoa e o sonho nas “Estórias abensonhadas”, de Mia Couto. Via Atlântica, São Paulo, n. 3, p. 284-278, dez. 1999., p. 287). Já a crítica de Saramago apreciou encontrar nele o realismo mágico combinado à crônica política, enquanto considerou menos interessante o foco do A jangada de pedra em uma questão particularista, nacionalista.

Parece-me importante observar que a oposição entre universal e regional/particular por vezes acaba desfocando aspectos importantes de autores como Saramago, Rosa, e Mia Couto. A meu ver, o fato de terem sido canonizados como autores de foco universalista não reduz a significação das particularidades, regionais e nacionais, a que dão transcendência global, mas todo o contrário. Quero sugerir que a celebrada transcendência desses autores universais tem sua potência estético-política ativada, quando consideramos os modos como suas ficções teorizam os materiais de que dispõem, a começar pela dimensão histórica da língua portuguesa, com suas variantes.

A variante brasileira e a moçambicana

Passo a algumas considerações sobre esses autores canônicos que escreveram em variantes, como o português brasileiro e o moçambicano. Essas variantes têm um histórico de contato com outras línguas, que se interpenetram: as de nações sem Estado, as dos indígenas, as dos povos escravizados, as de comunidades de falantes de línguas não oficiais e as de levas de imigrantes. Tais variantes constituíram-se por essas outras línguas, de povos que modelos modernos de racionalidade por vezes excluíram, ou incluíram em uma posição exótica.

Mesmo quando narra um fenômeno mágico, combinando-o à crônica política, como ao sugerir o deslocamento da Península Ibérica rumo ao hemisfério Sul, Saramago pode supostamente falhar por adotar um foco nacionalista, mas ainda assim escapa mais facilmente da expectativa de exotismo por leitores à procura de catálogos de imaginários estranhos aos domínios ocidentais. No caso da crítica de autores canônicos de países já colonizados, o apontamento de traços exóticos torna-se mais provável. O nome canônico de Saramago inscreve-o mais diretamente no modelo eurocêntrico de excelência estética, o que favorece a apreciação de sua prosódia inventiva em língua portuguesa. Já a escrita de Guimarães Rosa se fez e a de Mia Couto se faz em variações do idioma, e a consagração de ambos deveu-se ao fato de darem transcendência estética à mimese de matérias brutas como as de oralidades periféricas, cujas manifestações mais rudes são tipificadas pelas sociedades da escrita, supostamente racionais e suprarracionais/sistematicamente inventivas. Parece-me que escritas como a do autor brasileiro e a do moçambicano confrontam a constrição a uma mimese primária quanto à inventividade, por vezes aplicada a literaturas de países colonizados. A escrita de Guimarães Rosa e a de Mia Couto exploram suas variantes, brasileira e moçambicana, em estórias que têm efeitos parecidos com os de fábulas e mitos, sem tradução exata possível, e irredutíveis a registros de costumes exóticos.

O discurso do pertencimento do Brasil a uma tradição moderna, de linhagem mestiça, com dominância portuguesa e branca, tem sido revisto quando se consideram as políticas de implementação do monolinguismo do Estado e os projetos de branqueamento populacional do século XIX e do XX. Na América Latina, as elites crioulas fundaram os Estados-nação e implantaram políticas de imposição do monolinguismo que pressupõem a valoração ideológica da língua do colonizador oficializada pelo Estado como coisa existente, verdadeira e correta, por exclusão das demais, desde então constituídas como variantes da norma e classificadas como erros. A implementação do monolinguismo começou por políticas de coibição de outras línguas, autóctones e estrangeiras, e por estímulos às literaturas nacionais que, escritas na língua oficial do Estado, serviram ao projeto de construção de unidade cultural para uma “comunidade imaginada” (ANDERSON, 2008ANDERSON, Benedict. Comunidades imaginadas: reflexões sobre a origem e a difusão do nacionalismo. Tradução de Denise Bottman. São Paulo: Companhia das Letras, 2008. 350 p.). Já em Moçambique, uma ocupação portuguesa mais expressiva, e de caráter militar, veio a acontecer mais recentemente, no período neocolonial, durante a partilha da África entre os centros europeus, o que preparou caminho para consolidar os privilégios da administração colonial no século XX por colonos portugueses, mas passou longe de instalar o monolinguismo no país e de promover uma política de branqueamento massivo. De fato, a língua portuguesa levada pelos colonos tem ampliado sua penetração a partir do processo de independência [1964-1974], que a tornou oficial, em Moçambique.

A canonização de Rosa, assim como a consagração de Mia Couto, passa por retóricas integrativas, românticas e evolucionistas, constitutivas de processos de modernização, como aquele a que A jangada de pedra (SARAMAGO, 2003SARAMAGO, José. A jangada de pedra. São Paulo: Schwarcs, 2003. 328 p.) respondeu. Em contrapartida, seus usos estético-políticos, de versões coloniais do idioma português, destacam e exploram processos de apagamento nas línguas do hemisfério sul, próprios à história da expansão colonial (FARACO, 2016FARACO, Carlos Alberto. História sociopolítica da língua portuguesa. São Paulo: Parábola Editorial, 2016. 400 p.). Comparo as intervenções estético-políticas desses autores, celebrados por sua universalidade, observando o modo como se posicionaram quanto a retóricas integrativas, empregadas em seus processos de canonização. Refiro-me a seus usos inventivos da escrita em português, cuja materialidade algumas vezes acaba sendo desfocada, pela crítica de Rosa e de Mia Couto, por uma ênfase na mimese de aspectos arcaicos da oralidade. Tal ênfase não se nota tanto na crítica dedicada a José Saramago, mesmo quando avalia traços prosódicos de sua escrita imaginativa e moderna, como se a oralidade estivesse mais identificada às versões da língua portuguesa, e a invenção escrita mais associada à língua portuguesa autêntica. Vejo-me diante de dois tipos de abordagens de autores inventivos, cujo surgimento coincidiu com pontos decisivos, na história de modernização de seus países: uns (Rosa e Mia Couto) estão frequentemente associados a uma qualidade estética que está para além do suposto atraso de suas nações; e o outro (Saramago) não necessariamente tem seu nome associado a esse papel. Isso evidencia que as estratégias de canonização desses autores pressupõem um mapa estético-político, que situa Saramago em uma posição mais integrada à história moderna e à contemporânea, mais diretamente universal. Isso parece pressupor que Saramago foi um autor contemporâneo a si mesmo, enquanto Rosa e Mia Couto têm seus nomes associados à função romântica do registro de particularidades, ou de aspectos pitorescos.

A meu ver, com sua ficção de um bloco ibérico flutuante e navegante, Saramago ofereceu uma metáfora crítica capaz de contornar várias implicações históricas, estéticas e políticas de um pressuposto recorrente, ao se tratar dos cânones literários nacionais de língua portuguesa: o da universalidade dos valores canônicos modernos, europeus, aplicada a literaturas de países com história colonial. Por isso, comparo a metáfora crítica constituída no referido romance de Saramago, A jangada de pedra, a outros dois modelos canônicos celebrados por sua universalidade, pertencentes a literaturas de língua portuguesa, com história colonial: João Guimarães Rosa e Mia Couto.

O nome canônico de Rosa: um modelo para o de Mia Couto

O nome canônico de Rosa serve de modelo para outros escritores na literatura brasileira e fora dela, especialmente em outras ex-colônias de Portugal, dadas as similaridades entre as variantes linguísticas. Rosa alcançou, em vida, grande sucesso de crítica e de público, principalmente pelo imenso êxito de seu único romance, ao qual se somam mais quatro livros de contos publicados em vida, que o autor preferia chamar de “contos críticos” ou de “estórias”. Sem contar as antologias póstumas, como Antes das Primeiras estórias. Foi traduzido, em vida, nas línguas dos principais centros europeus: o inglês, o francês, o espanhol, o italiano e o alemão. Também já existem traduções em chinês e em várias outras línguas. Nos anos de 1960 e de 1970, com o boom editorial da literatura latino-americana, cuja repercussão mundial superou a de Rosa (que tampouco foi pequena), pois o escritor brasileiro tornou-se um modelo de exportação, ao lado de outros escritores latino-americanos.

Mesmo tendo sido tão traduzido ainda em vida, Guimarães Rosa morreu em 1967 sem Nobel. Alguns anos depois, Antonio Candido (2003CANDIDO, Antonio. Literatura e subdesenvolvimento. In: CANDIDO, Antonio. A educação pela noite e outros ensaios. São Paulo: Ática , 2003. p. 140-162.) publicou o ensaio “Literatura e subdesenvolvimento”, que teve grande repercussão internacional, no qual resumiu suas teses sobre a evolução da história da literatura brasileira, desenvolvidas desde os anos de 1940. Nesse ensaio, o crítico traçou um esquema de evolução dialética que inclui autores latino-americanos universais admirados nos centros europeus, como Borges e García Márquez. Posicionando o nome de Rosa na linha de chegada dessa história evolutiva, Candido o constituiu, nesse ensaio, como a síntese das principais tendências de toda a história da literatura brasileira, por ter superado seus maiores desafios: a assimilação inautêntica de modas estrangeiras e a tentação do exotismo, que não consegue humanizar personagens rudes, como conferia em exemplos do regionalismo. Já em resenhas dos anos de 1940 - como “Notas de crítica literária - Sagarana” e como “Sagarana” -, Candido (1983bCANDIDO, Antonio. Sagarana. In: COUTINHO, Eduardo (org.). Guimarães Rosa. Brasília: Instituto Nacional do Livro, 1983b. p. 243-247. 6 v., 2002bCANDIDO, Antonio. Notas de crítica literária - Sagarana. In: CANDIDO, Antonio. Textos de Intervenção. São Paulo: Duas Cidades , 2002b. p. 183-189. ) tinha começado a celebrar o fato de Rosa aproveitar os melhores resultados do regionalismo, mostrando-se capaz de transfigurá-los em uma fatura, social e estética, universal. Como argumenta em outro ensaio, “O homem dos avessos”, a propósito da qualidade dessa fatura, Candido (1983aCANDIDO, Antonio. O homem dos avessos. In: COUTINHO, Eduardo (org.). Guimarães Rosa. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1983a. p. 294-309. 6 v.) considerou Rosa capaz de um realismo superior àquele ao qual tinha tendido a documentação do exótico pelo regionalismo. Destaco, por parte de Candido, a noção evolutiva de que a literatura de Rosa oferece representações humanizadoras dos seres primitivos do sertão, capazes de integrarem o homem rude (o personagem) ao culto (o narrador, o autor, o leitor).

Ao longo deste artigo, mencionei alguns críticos que opõem o particular ao universal, atribuindo este último a uma experiência pertinente a todos os seres humanos. Ao invés de uma relação de oposição, parece-me que cada perspectiva do particular interfere em dada concepção universalista dele. No caso de Candido, o particular é transfigurado no universal, cujo reconhecimento é mediado pelo crítico a quem a obra orgânica se revela (MORAES, 2015MORAES, Anita Martins Rodrigues de. Para além das palavras: representação e realidade em Antonio Candido. São Paulo: UNESP, 2015. 200 p.). Não há uma relação simples de oposição entre universal e particular, para o crítico que desenvolveu uma perspectiva bastante perspicaz dos universais literários, embora os considerasse sob o domínio de uma elite culta, cujos conflitos e ameaças advinham de fora, das massas populares, rurais e urbanas, reféns de manipulação ideológica e política. A propósito de Formação da literatura brasileira, Moraes (2015MORAES, Anita Martins Rodrigues de. Para além das palavras: representação e realidade em Antonio Candido. São Paulo: UNESP, 2015. 200 p.) demonstra que o conceito de universal corresponde a algo supostamente comum ao europeu/ocidental, aquele que compartilha um sistema simbólico em permanente mutação e expansão, graças a contribuições de novas obras. Cito:

O conteúdo humano não parece se confundir com um substrato comum a todos os homens (nesse sentido, poderíamos pensar, universal), ao contrário. O que, no limite, as obras expressam são aspectos da sociedade em que se produzem. [...] Talvez, também, possamos entender que ‘universal’ não seria um ponto de partida, mas de chegada. Ou seja: uma obra se tornaria universal não por expressar algo de comum a todos os homens, mas porque, ao propor uma nova ordem, incorporando aspectos do real (particular, local, específico) a essa ordem, amplia o espaço da consciência humana, ou seja, do inteligível e comunicável. (MORAES, 2015MORAES, Anita Martins Rodrigues de. Para além das palavras: representação e realidade em Antonio Candido. São Paulo: UNESP, 2015. 200 p., p. 46).

Um universal posicionado na chegada é aquele que se revela, que se mostra inteligível e comunicável, a certa comunidade de compartilhamento do sistema simbólico. As comunidades civilizadas comungam esse acervo, ou esse arsenal, que a obra expande ao exibir uma nova ordem. Para os iniciados, os civilizados, aqueles que compartilham esse sistema simbólico, cada obra funciona como um instrumento de expansão da consciência, cada obra nova pode incorporar quaisquer particulares, sucessivamente, rumo a todos os particulares, rumo ao conhecimento universal. Seguindo esse raciocínio, mostraram-se danosos: o fechamento no regional do nacionalismo patrioteiro de ideologia oligárquica; a cópia irrefletida de modas estrangeiras; a expansão da força absorvente do exotismo/folclore rural e urbano (cultura de massas) (MORAES, 2015MORAES, Anita Martins Rodrigues de. Para além das palavras: representação e realidade em Antonio Candido. São Paulo: UNESP, 2015. 200 p.).

Ao juntar-me à civilização, expando minha consciência, minha humanidade, no contato com obras universais. Mas minha humanidade não se expande, talvez nem exista ou retroceda, se, por algum motivo, não me junto: se não sei ler, se não falo o idioma do Estado nação, se vivo isolada na zona rural ou nas cidades, se não tenho acesso ou interesse por obras universais, se faltam traduções etc. Considerando que essa expansão da minha humanidade significa a acumulação de um arsenal que, em última instância, defende meu direito a existir com a dignidade do humano, por que preferirei comungar esse tipo de sistema simbólico especialmente com comunidades apartadas de mim por diversas barreiras (linguísticas, geopolíticas, culturais etc.)? A meu ver, Candido compreendeu bem a lógica de extermínio do outro cultural, constituído como alvo ou ameaça por situar-se em um aquém do humano, mas sua contrapartida tendeu a limitar-se à defesa da necessidade estratégica de uma elite cultural mestiça, de uma comunidade do sistema simbólico humano, imaginada à imagem de elites europeias aclimatadas nos trópicos.

No modelo teórico-crítico de Candido, um breve e importante gesto de articulação com comunidades ligadas pelo subdesenvolvimento se deu no famoso ensaio “Literatura e subdesenvolvimento” [1972], de expressiva difusão internacional. Nele, Candido (2003CANDIDO, Antonio. Literatura e subdesenvolvimento. In: CANDIDO, Antonio. A educação pela noite e outros ensaios. São Paulo: Ática , 2003. p. 140-162.) referiu-se a Rosa como um dos escritores da floração latino-americana do super-regionalismo, ao lado de Clarice Lispector, Rulfo, Carpentier, Carlos Fuentes. Por super-regionalismo, Candido definiu uma espécie de realismo/regionalismo superior, transfigurador, não particularista, capaz de representar uma concepção substantiva das coisas, dotado de um alcance maior que o da representação de ordens pré-lógicas, mágicas, de crenças assentadas na cultura popular. Nos anos de 1970, ao colocar o nome de Rosa ao lado desses nomes hispano-americanos, Candido distinguia os super-regionalistas dos escritores do boom, do realismo mágico, que naquele momento obtinham grande repercussão, graças a uma tendência do público mundial a consumi-los como atrações exóticas. O nome canônico do Rosa super-regionalista oferece como modelo um realismo superior ao estigma do exotismo, que rondou o boom.

Universais periféricos: uma articulação de mundos

Depois de fazer algumas observações sobre o modelo de canonização do Guimarães Rosa regional-universal e super-regionalista, pergunto-me sobre uma possível transferência de seus pressupostos aos discursos de consagração de Mia Couto. Tenho em vista que ambos os autores têm sido considerados por boa parte da crítica como frutos expressivos de estágios de reconhecimento universal das literaturas a que pertencem, e como índices dos processos de modernização vivenciados por eles, decisivos no amadurecimento de literaturas organicamente articuladas a projetos de construção da nacionalidade, em seus países. A ficção de Guimarães Rosa e a de Mia Couto respondem, de modos diferentes, a demandas persistentes na crítica e na História dessas Literaturas; demandas como a de um vínculo defensável entre as lutas por justiça social, urgentes em países com história colonial, e a literatura entendida como fenômeno de civilização, associada aos processos de independência e aos de modernização (ABDALA JUNIOR, 1989ABDALA JUNIOR, Benjamin. Literatura, história e política: literaturas de língua portuguesa no século XX. São Paulo: Ática, 1989. 199 p.). As intervenções desses autores formulam-se na literatura escrita em variações da língua do colonizador, hipertrofiando essa língua com contribuições de outras que a atravessam. Guimarães Rosa contava com um país de leitores que falam o português brasileiro, mas Mia Couto (COUTO, Mia. Temos apenas um nome diferente. [Entrevista cedida a] Leonencio Nossa. O Estado de S. Paulo, São Paulo, 16 nov. 2008, Caderno 2, p. 6-7.2008) tem sua literatura difundida em Moçambique, muitas vezes depois de passar por traduções para línguas africanas e por adaptações para o teatro. Como considerar essa diferença, no modo como circula em seus países, a literatura de um e a do outro?

Em 2004, Mia Couto fez um pronunciamento na Academia Brasileira de Letras que, pouco depois, foi publicado sob o título “O sertão brasileiro na savana moçambicana”.

O meu país tem diversos dentro, profundamente dividido entre universos culturais e sociais variados. Sou moçambicano, filho de portugueses, vivi o sistema colonial, combati pela Independência, vivi mudanças radicais do socialismo ao capitalismo, da revolução à guerra civil. Nasci num tempo de charneira, entre um mundo que nascia e outro que morria. Entre uma pátria que nunca houve e outra que ainda está nascendo. Essa condição de um ser de fronteira marcou-me para sempre. As duas partes de mim exigiam um médium, um tradutor. A poesia veio em meu socorro para criar essa ponte entre dois mundos distantes. [...]

E foi poesia que me deu o prosador João Guimarães Rosa. Quando o li pela primeira vez experimentei uma sensação que já tinha sentido quando escutava os contadores de histórias da infância.

[...] Aquela era uma linguagem em estado de transe, que entrava em transe como os médiuns das cerimônias mágicas e religiosas. (COUTO, 2005COUTO, Mia. O sertão brasileiro na savana moçambicana. In: COUTO, Mia. Pensatempos: textos de opinião. Lisboa: Editorial Caminho, 2005. p. 103-112., p. 106-107).

Esse pronunciamento na ABL é apenas um dos momentos em que Mia Couto vincula estreitamente sua ficção à de Guimarães Rosa, a quem destaca como seu precursor na tarefa de traduzir um mundo que morria a um mundo que nascia. A inscrição de Mia Couto junto a seu precursor, nessa articulação de mundos diversos, incluídos na língua portuguesa, com todas as suas variantes, lança luz sobre algumas questões importantes. A julgar por um passeio inicial pela crítica de Mia Couto e prestando atenção a algumas de suas recorrências já estudadas por Moraes (2007MORAES, Anita Martins Rodrigues de. O inconsciente teórico: investigando estratégias interpretativas de “Terra Sonambula”, de Mia Couto. 2007. 110 f. Tese (Doutorado em Teoria e História Literária) -Instituto de Estudos da Linguagem, Universidade Estadual de Campinas, Campinas, 2007.), esses mundos diversos incluem uma tradição oral, cuja situação passada foi interrompida pelo deslanchar da história de uma sociedade da escrita, em desenvolvimento, após a independência ter lançado os fundamentos do lento processo de modernização possível, numa nação predominantemente rural como Moçambique.

Pergunto-me: o que a literatura de Mia Couto faz é traduzir um passado de cultura oral perdida, o mundo pleno embora estagnado da sociedade colonial, para um presente em que a literatura, fenômeno moderno e civilizatório, purga essa perda, esse luto, para abrir caminho do melhor modo possível a transformações inevitáveis, mesmo desejáveis? Essa questão, colocada ou pressuposta por boa parte da crítica de Terra sonâmbula, estudada por Moraes (2007MORAES, Anita Martins Rodrigues de. O inconsciente teórico: investigando estratégias interpretativas de “Terra Sonambula”, de Mia Couto. 2007. 110 f. Tese (Doutorado em Teoria e História Literária) -Instituto de Estudos da Linguagem, Universidade Estadual de Campinas, Campinas, 2007.), também esteve no horizonte da crítica responsável pela canonização de Guimarães Rosa após a estreia de sua “verdadeira” obra, nos anos de 1940, depois do contista já ter estreado na imprensa com sucesso nos anos de 1930, embora naquele momento tivesse adotado um estilo pouco original e meio constrangedor. Por isso, observo dois modelos de canonização, ambos românticos e evolucionistas: um deles tendo emergido nos anos de 1930-1940, no Brasil; e o outro, nos anos de 1980, em Moçambique, sucessivos aos conflitos independentistas de 1960-1970. Na fortuna crítica que os tem comparado, alguns encontram neles semelhanças e diferenças (SILVA, 2010SILVA, Avani Souza. Guimarães Rosa e Mia Couto: breves diálogos. Cadernos Cespuc, Belo Horizonte, n. 19, p. 20-29, 2010.). O modelo de canonização do nome de Rosa contrasta com o projeto de edição em livro de seus contos de juventude, tornando-os meio constrangedores para a organizadora do volume, porque lembram contos de Edgar Allan Poe. Já os contos de Mia Couto criam impasses para os críticos, por vezes focados em construir o pertencimento de suas representações dos velhos/da tradição a uma escrita literária nacional, funcional a um processo de substituição do mundo da oralidade, herdado da colônia, quando na verdade a difusão de seus livros mantém-se, predominantemente, depois de serem traduzidos a línguas africanas, “fora”/nas fronteiras do idioma português moçambicano.

A comparação dos dois ficcionistas, Rosa e Mia Couto, tem sido feita de muitos modos, e cada vez mais. Destaco certa reincidência, nessas comparações, de padrões valorativos remanescentes ao processo de canonização de Guimarães Rosa que, tal como Mia Couto, foi canonizado em um período conhecido como o do estabelecimento do Estado moderno e das políticas culturais a ele convenientes, destacadamente o fomento do mundo da escrita - a imprensa, as instituições educativas e de pesquisa, as políticas editoriais e a literatura. Considero alguns indícios dessa proximidade, entre os dois modelos de consagração, quando observo o projeto editorial de Antes das Primeiras estórias (2011ROSA, João Guimarães. Antes das primeiras estórias. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2011. 96 p.), antologia póstuma de quatro contos, publicados em jornais pelo jovem Guimarães Rosa. Destaco que Mia Couto ter sido convidado para escrever a introdução dessa antologia reforça o paralelo entre os momentos de surgimento desses autores e os pontos decisivos, nos processos de modernização de seus países. Parece-me chamativa certa ressonância do modelo de consagração de Rosa, também no modo como a crítica tem considerado a literatura de Mia Couto, quando compara os dois, e mesmo quando foca apenas o escritor moçambicano. Entre as semelhanças recorrentes, nos apontamentos da crítica, está o apreço pela invenção de palavras e, de modo geral, pela valorização poética da oralidade no tratamento de realidades socioculturais áridas, próprias ao mundo rural e a suas cercanias. Saliento que os aproxima também o fato de ambos, Rosa e Mia Couto, terem se destacado primeiro como contistas, que publicavam em jornais, para depois alcançarem uma consagração maior no gênero romance. No caso dos contistas moçambicanos, com destaque para Mia Couto, essa ascendência da fama dos contos à consagração plena dos romances reforça a associação, por parte de alguns críticos, como Ana Mafalda Leite (2012LEITE, Ana Mafalda. Oralidades & escritas pós-coloniais: estudos sobre literaturas africanas. Rio de Janeiro: EdUERJ, 2012. 320 p.), do gênero conto a heranças de um passado de rica cultura oral; a seu ver, um gênero adequado a uma cultura editorial incipiente e amparada pelos jornais.

Guimarães Rosa e Mia Couto articulam dois mundos, como disse o escritor moçambicano: a pátria que nunca houve, aquela da qual os velhos estiveram aquém, e a que está nascendo, aquela imaginada/produzida nessa literatura como algo além, como uma vaga noção de futuro. Esses dois mundos frequentemente são compreendidos pela crítica como o mundo do passado de dominância rural, cuja memória oral os velhos representam, e o mundo modernizado, onde Mia Couto escreve literatura moçambicana (FONSECA, 2003FONSECA, Maria Nazareth Soares. Velho e velhice nas literaturas africanas de língua portuguesa. In: BARBOSA, Maria José Somerlate. Passo e compasso nos ritmos do envelhecer. Porto Alegre: EDIPUCRS, 2003. p. 63-82.). Moraes (2010MORAES, Anita Martins Rodrigues de. Notas sobre o conceito de “sistema literário” de Antonio Candido nos estudos de literaturas africanas de língua portuguesa. Itinerários, Araraquara, n. 30, p. 65-84, jan./jun. 2010.) destacou o fato de que a divulgação da literatura de Mia Couto, em Moçambique, predominantemente pela via não impressa, oral/teatral, cria impasses para a crítica, que tem usado conceitos candidianos para pensar a história de formação da nacionalidade, em países africanos de língua portuguesa, associando-a à noção de um sistema literário de difusão impressa. Considerar esse fato pode ajudar a confrontar impasses gerados pela percepção de um abismo entre o antigamente, fundador da identidade, encarnado na experiência dos velhos, e a contemporaneidade aberta pelo processo de independência. Da perspectiva de uma integração, via processo de modernização e via literatura universal, esses autores podem ser compreendidos como instrumentos de transição entre uma literatura ainda não plenamente institucionalizada e o começo de sua estabilização nacional/internacional. Mas do meu ponto de vista a escrita de Mia Couto e a de Rosa, quando articulam mundos incompreensíveis entre si, deslocam a perspectiva eurocêntrica, romântica em seu evolucionismo moroso, segundo a qual há um abismo: de um lado, o fantasma do atraso exibe sua face de passado, sempre anacrônica e desfalcada; do outro, o presente ameaça tragar a elite cultural para o fundo de obscuridade inumana, legado pela história colonial. Diante disso, evoco o humor desassombrado de Saramago, e estendo a sugestão de A jangada de pedra a uma necessidade de articulação entre literaturas de língua portuguesa, que procure desenvolver-se da perspectiva do hemisfério Sul, sem desconsiderar as longas distâncias implicadas, as diferentes particularidades, e a necessidade de transpô-las em rotas universalistas.

Quanto ao A jangada de pedra, de Saramago, o estudo da metáfora crítica do deslocamento da península ibérica dá suporte ao desdobramento de aspectos estéticos e políticos dessas propostas de articulação de mundos, que entendo como uma recusa a um tipo provinciano de integração universalista, resultante em sermos assimilados, diluídos, por uma perspectiva europeia e anglo-saxônica do moderno e da modernização. Essa articulação de mundos, atenta às diferenças sem tradução, foi experimentada e produzida por moçambicanos como Mia Couto, que viveram o processo de independência, e contribuíram para o processo de institucionalização do campo literário nacional, no prazo de uma geração envelhecer e ver nascer outra, com os olhos em um vago futuro. Como considerar essa mudança, observando-se as articulações inventadas por esses autores? Por que a crítica às vezes pressupõe a substituição de uma tradição oral por outra escrita, mesmo onde ainda predomina a difusão da literatura pela via oral/teatral? O jovem Rosa representa um processo de substituição gradual de um mundo anacrônico por outro destinado a modernizar-se, no Brasil ainda pré-consciente de seu atraso, nos anos de 1930, mas já em vias de evoluir à consciência nos anos de 1940? Depois dos conflitos de independência, nos anos de 1964-1974, os escritores moçambicanos incumbiram-se da institucionalização e da estabilização de um sistema literário, necessário ao Estado-nação recém-fundado. Supor que um horizonte modernizador, semelhante ao dos anos de 1930 no Brasil, firmou suas bases, com dificuldades maiores, em Moçambique, na década de 1980, é declarar o nascimento de uma elite cultural moçambicana e anunciar o novo estatuto fantasmático, morto-vivo, de mundos primitivos residuais?

***

Parti da metáfora crítica, lançada como provocação por José Saramago, no A jangada de pedra; metáfora essa que afeta várias implicações de certa concepção universalista de cânone literário, aplicada a países com história colonial, como quando se valoriza suas obras canônicas por sua função de integrarem culturas regionais de partida aos valores universais atribuídos à imagem idealizada do letrado urbano, representante das culturas de chegada. Um dos efeitos desse tipo de integração, ou de assimilação de um “outro” menorizado como cultura regional, é que a articulação de mundos resulte em uma operação niveladora de diferenças. Tendo isso em vista, considero os termos em que foram consagrados os três autores elencados neste estudo. No caso de Saramago, essa canonização começou a partir dos anos de 1990, focando suas abordagens de questões humanas, gerais, sem muita relação com as preocupações particularistas, nacionalistas, da década anterior, manifestas no A jangada de pedra, que alguns críticos consideraram aquém das questões universais sobre o ser humano. No caso de Guimarães Rosa e de Mia Couto, cujos contos vêm sendo comparados pela crítica, por vezes ocupada do modo como ambos transformam as questões locais em coisas transcendentes, de alcance universal, no tocante a todos os seres humanos, parecem-me significativos os momentos em que cada um começou a publicar, em períodos tidos como pontos de arranque, nos processos de modernização de seus países, e de estabilização da literatura nacional. Um começou a publicar ficção nas décadas de 1930-1940, e o outro na de 1980. Tenho em vista o impacto desses momentos de ênfase na modernização, na emergência desses dois autores universais, de literaturas de língua portuguesa.

Procurei destacar alguns contornos de modelos canônicos, centrados na identidade linguística e nacional, traçados com base em uma perspectiva romântica e evolucionista. Considero importante compreendê-los como modelos de superação do passado, que emergiram em momentos decisivos de processos de modernização, quando se tornaram rotineiras políticas de eliminação de outros culturais menos ocidentalizados. Ainda, parece-me que considerar modelos canônicos afins, de ex-colônias portuguesas, contrastando-os com outro nome canônico interessado em questionar o próprio estatuto europeu, também significa insistir nas potencialidades dos estudos comparados, confrontando alguns dos impasses produzidos por seus valores eurocêntricos.

Tomei a provocação lançada por Saramago, em seu A jangada de pedra, como metáfora crítica capaz de articular pressupostos do modelo de consagração de Guimarães Rosa ao de Mia Couto. Um desses aspectos é a questão da invenção literária, em língua portuguesa, e nas variantes das ex-colônias. Parti de um breve estudo da metáfora crítica lançada por Saramago, no A jangada de pedra, em um momento-chave na história da modernização de Portugal, quando o autor ainda não tinha sido consagrado por sua universalidade. Considerei a sugestão, feita nesse romance de Saramago, de 1986, acerca da necessidade de um outro tipo de articulação, entre países de língua portuguesa, que tome a perspectiva periférica do hemisfério Sul. Procurei adotar esse foco periférico, também reclamado naqueles anos por intelectuais ligados a teorias do pós-colonial, ao decolonial, à filosofia da libertação. Então, fiz algumas observações sobre a publicação de contos do jovem Guimarães Rosa, reunidos na antologia Antes das Primeiras estórias, prefaciada por Mia Couto. Publicados nos anos de 1930, um momento-chave na modernização do Brasil, os contos dessa antologia antecedem o processo de canonização de Rosa a partir dos anos de 1940, e procurei sugerir uma semelhança no modelo de consagração de Mia Couto, no que diz respeito a sua função de articular o período anterior à independência ao momento posterior. Pelo que pude observar, parece haver alguma semelhança entre o modelo canônico aplicado a Rosa e o aplicado a Mia Couto, implicada na noção de que ambos, em momentos-chave de modernização e de consolidação de suas literaturas, contribuíram para superar ou transcender aspectos supostamente tardios de seus momentos históricos. No entanto sugiro que, de uma perspectiva periférica, a transcendência desses autores corresponda a uma concepção mais ampla, mais conflituosa e mais instável da universalidade.

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Notas

  • 1
    No caso do idioma português brasileiro, Faraco (2016FARACO, Carlos Alberto. História sociopolítica da língua portuguesa. São Paulo: Parábola Editorial, 2016. 400 p.) estudou o fundamento colonial da polaridade histórica entre uma vertente culta, civilizada, e outra vertente considerada inferior. “O idioma do colonizador se difundiu graças à integração das diferentes regiões, favorecida pelo modelo produtivo da mineração, no século XVIII, que proporcionou a expansão de uma elite mineira, mineradora, culturalmente identificada à metrópole, e por isso ativa na polarização entre o valor culto de seu padrão de fala e o valor inculto das variedades faladas por escravos aloglotas, cujas contribuições ao idioma foram sendo lentamente nativizadas e tipificadas como adulterações do modelo civilizado” (FARACO, 2016FARACO, Carlos Alberto. História sociopolítica da língua portuguesa. São Paulo: Parábola Editorial, 2016. 400 p., p. 148).
  • 2
    Refiro-me às longas ditaduras ibéricas, a Salazarista [1926-1974] e a Franquista [1936-1975].

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    12 Dez 2022
  • Data do Fascículo
    2022

Histórico

  • Recebido
    05 Abr 2022
  • Aceito
    05 Jul 2022
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