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Construção e adaptação de materiais alternativos em titulação ácido-base

Resumos

Neste artigo, são descritas a construção e a adaptação de materiais alternativos de baixo custo em titulações ácido-base, em substituição aos materiais usuais como bureta, balão volumétrico, erlenmeyer, entre outros. A viabilidade do emprego desse material alternativo foi demonstrada na padronização de uma solução de soda cáustica utilizando ácido acetilsalicílico como "padrão primário".

materiais alternativos; titulação ácido-base; padronização de soluções


In this article the construction and adaptation of inexpensive and easily available materials in acid-base titration in the place of usual materials such as burette, volumetric flask, erlenmeyer and others were described. The viability of the use of those materials was demonstrated in the standardization of caustic soda solution using acetylsalicylic acid as primary standard.

alternative materials; acid-base titration; solutions standardization


ARTIGO

Construção e adaptação de materiais alternativos em titulação ácido-base

Mônica Helena M. T. Assumpção; Kellen Heloizy G. Freitas; Fernanda S. Souza ; Orlando Fatibello-Filho*

Departamento de Química, Centro de Ciências Exatas e de Tecnologia, Universidade Federal de São Carlos, CP 676, 13560-970, São Carlos - SP

RESUMO

Neste artigo, são descritas a construção e a adaptação de materiais alternativos de baixo custo em titulações ácido-base, em substituição aos materiais usuais como bureta, balão volumétrico, erlenmeyer, entre outros. A viabilidade do emprego desse material alternativo foi demonstrada na padronização de uma solução de soda cáustica utilizando ácido acetilsalicílico como "padrão primário".

Palavras-chave: materiais alternativos, titulação ácido-base, padronização de soluções

ABSTRACT

In this article the construction and adaptation of inexpensive and easily available materials in acid-base titration in the place of usual materials such as burette, volumetric flask, erlenmeyer and others were described. The viability of the use of those materials was demonstrated in the standardization of caustic soda solution using acetylsalicylic acid as primary standard.

Keywords: alternative materials, acid-base titration, solutions standardization.

Introdução

Apesar das recentes reformas nos materiais didáticos de química para o ensino médio, esta disciplina ainda é, para a grande maioria, basicamente teórica devido à ausência de laboratórios nas escolas de ensino médio. A falta de experimentos para melhor elucidação de questões teóricas contribui para um senso comum distorcido sobre a disciplina, associando-a com questões negativas como poluição, produtos danosos à saúde, efeitos corrosivos entre outros.

Diante deste quadro, cria-se a necessidade de utilizar formas alternativas de ensino sempre tentando despertar o interesse, o raciocínio e o entendimento dos conceitos químicos. Desta forma, os alunos entenderiam que a química está entrelaçada com outras ciências e está mais presente em seu cotidiano do que imaginam.

Uma forma de viabilizar os experimentos nas escolas de ensino médio é a construção de equipamentos alternativos, de baixo custo e fácil acesso, empregando materiais presentes no cotidiano, sem prejudicar os objetivos e metas da aprendizagem. A aula experimental é um instrumento de ensino muito eficaz, pois facilita a visualização e compreensão de fenômenos, além de despertar o interesse por disciplinas de exatas e desenvolver o senso crítico dos alunos com a socialização do trabalho em grupo.

Uma prática muito comum nos laboratórios de química, tanto nos de ensino como nos de pesquisa, é a titulação. Esta é uma técnica baseada em um procedimento em que se mede o volume de um reagente (titulante) usado para reagir completamente com a substância que está sendo analisada (analito). Em uma titulação, pequenos volumes da solução do titulante são adicionados lentamente à solução do analito (titulado) até que se atinja o ponto de final da titulação, sinalizado, por exemplo, pela mudança de coloração de um indicador ácido-base ou a formação de um precipitado [1-3].

Para a adição precisa de pequenos volumes de titulante utiliza-se geralmente uma bureta, instrumento de vidro cilíndrico, graduado e calibrado contendo um controlador de vazão que, com o auxílio de um suporte, é colocada na posição vertical de forma a deixar em sua extremidade inferior o regulador de vazão de saída do titulante.

Os instrumentos normalmente utilizados, tais como balança, bureta, proveta possuem uma margem de erro em suas medidas. Por exemplo, uma bureta de 50 mL, tem uma escala graduada com volumes de 0,1 mL. Isto significa que é possível medir a partir do 0,0 mL, valor localizado na parte superior da bureta, volumes de 0,1 em 0,1 mL, com um erro estimado como sendo a metade dessa menor divisão, ou seja, 0,05 mL. Sendo assim, é possível empregar esse instrumento para medir volumes variando de 0,0 a 50,0 mL com erro estimado em 0,05 mL. Por exemplo, se o volume do titulante gasto em uma titulação lido na bureta for 23,00 mL, o volume exato dessa medida é de 23,00+0,05 mL. Desta maneira, o volume utilizado na titulação está no intervalo de 22,95 mL a 23,05 mL. A leitura de um volume qualquer na bureta deve ser realizada com o nível do olho na altura do menisco (superfície curva do líquido contido em um tubo de vidro estreito) [1,4].

A precisão descreve a repetibilidade dos resultados, ou seja, é a concordância entre valores numéricos para duas ou mais repetições das medidas, ou medidas que tenham sido feitas exatamente do mesmo modo. Em geral, a precisão de um método pode ser obtida pela repetição da medida [5].

A exatidão é o maior número de resultados próximo ao valor teórico. Esta pode ser comprovada por um material de referência (literatura), por um método comparativo ou pelo teste de adição e recuperação [5].

Recentemente Tubino et al .[6] propuseram a construção de uma bureta com materiais simples, no entanto a bureta proposta neste artigo apresenta alguns avanços adicionais como um equipo de soro tipo cirúrgico para regular a vazão da bureta e proposta de calibração de materiais alternativos para serem empregados em volumetria ácido-base, além de emprego de solução de ácido acetilsalicílico (AAS) como titulante [7].

Parte Experimental

Material e reagentes

Todo o material utilizado no experimento foi adquirido no comércio local (farmácia, supermercado e loja de equipamentos médicos), com exceção da balança comercial (marca Plenna, modelo Apollo) que foi adquirida via internet. A seguir é listado o material empregado em substituição ao material utilizado comumente em laboratório de química para realizar uma titulação ácido-base.

• Cabo de vassoura

• Tábua de carne de madeira

• Garrafas PET (politereftalato de etila) de 250 mL.

• Copos plásticos de 200 mL

• Mangueira de jardim transparente flexível (tubo de polietileno de baixa densidade)

• Régua de 30 cm

• Equipo cirúrgico

• Balança comercial, marca Plenna, mod. Apollo (precisão 1 g)

• Seringa de injeção de 10 mL (marca Luer Lak, modelo 22G1)

• Colher de sobremesa

• Pisceta farmacêutica

• Hidróxido de sódio comercial (soda cáustica)

• Solução de ácido acetilsalicílico comercial (AAS)

• Fenolftaleína (A fenolftaleína pode ser encontrada nos seguintes medicamentos: Complexo homeopático almeida prado nº 46; obesifran®, Obesifrom; Obesidex; Esbelt ou Agarol [7].

Procedimento

a) Adaptação de vidraria, reagentes e utensílios alternativos

Para adaptação da vidraria, reagentes e utensílios, realizou-se primeiramente, um estudo para selecionar quais seriam os materiais mais adequados para substituir erlenmeyers, balões volumétricos, béqueres, espátulas e reagentes como hidróxido de sódio e ácido acetilsalicílico. Este estudo considerou: o volume indicado no frasco, visualização de um menisco, resistência física e química do material, erro encontrado na sua calibração e semelhança entre os materiais alternativos e tradicionais utilizados em titulações.

Para a escolha do erlenmeyer alternativo a primeira exigência era a possibilidade de visualização do ponto final das titulações, para isso era necessário que o material usado fosse transparente assim como o vidro. O material escolhido foi o copo plástico monopack com intervalo de resistência térmica de 5 a 80 °C, massa e volume médio informado na embalagem de 2,75 g e 250 mL, respectivamente, seguindo a norma NBR 14865 [8].

Para a escolha do balão volumétrico alternativo considerou-se, além do volume, a possibilidade de visualização do menisco, sendo o material selecionado uma garrafa PET (politereftalato de etila) transparente de 270 mL. Os demais aparatos como espátula, pisceta e béquer foram escolhidos apenas pela semelhança com o material convencional. Assim, uma colher de sobremesa substituiu a espátula, uma pisceta farmacêutica e um copo plástico substituíram a pisceta e o béquer, respectivamente.

A Figura 1 mostra uma foto do balão e do erlenmeyer alternativos, bem como os tradicionalmente utilizados.


b) Construção do suporte universal e bureta alternativos

1) Com o auxílio de uma micro retífica caseira, um orifício de mesmo diâmetro de um cabo de vassoura foi feito em uma tábua de carne de madeira, neste orifício o cabo de vassoura 70 cm foi fixado por simples encaixe.

2) Um tubo plástico marca Cristal (tipo mangueira de jardim) de 9 mm de diâmetro interno e 40 cm de comprimento foi fixado ao cabo de vassoura com auxilio de arames.

3) Para a leitura do volume da bureta foi adaptada uma régua comum de 30 cm de comprimento fixada ao cabo de vassoura com parafusos, conforme ilustra Figura 2.


4) Como regulador de vazão utilizou-se um equipo de soro tipo cirúrgico.

Calibração e padronização dos materiais alternativos

Para calibração dos balões volumétricos e para o cálculo do erro da balança comercial foi utilizado método padrão de calibração (pesagem de massas de água) usando a densidade da água na temperatura de trabalho e, para bureta, a calibração por seringa ou mesmo por pesagem da água drenada em cada volume desejado.

As massas de água contidas em balões volumétricos alternativos foram pesadas em triplicata em balança semi analítica (marca Mettler H-5 TYPT) e balança comercial (marca Plenna, modelo Apollo) para comparação dos resultados e cálculo do erro percentual para posterior estudo da viabilidade do uso da balança comercial.

O volume de cada balão alternativo proposto foi determinado relacionando as massas de água pesada com a densidade da água tabelada na temperatura de trabalho no momento da pesagem conforme a Equação 1.

onde d é a densidade, m é a massa em gramas e V o volume em litros

O desvio padrão das medidas foram calculados utilizando a Equação 2. O desvio padrão é a maneira mais comum de medir a variação em um conjunto de amostras, quanto menor o desvio padrão, mais homogêneo é o grupo de amostras e menor é o erro entre elas.

onde, n é o número de amostras; V é o volume obtido e Vm é a média dos volumes.

Assim, o menisco do balão utilizado foi determinado em 270 mL onde todas as garrafas possuíam marca aparente.

A calibração da bureta alternativa foi realizada em triplicata pelo método padrão de calibragem e/ou utilizando uma seringa de injeção de 10 mL, pela adição do volume total da seringa (10 mL) na bureta.

A escala volumétrica da bureta foi determinada por cálculo matemático simplificado (regra de três simples) relacionando o volume medido por mL com as unidade de comprimento de uma régua escolar comum. O resultado obtido neste experimento foi de 1,5 cm equivalem a 1,0 mL. O cálculo também pode ser feito a partir do diâmetro interno da mangueira utilizada. Neste caso o diâmetro era de 9,2 mm (0,92 cm). Calculando-se o volume de uma coluna de água tem-se que πR2h = 3,1415x(0,46 cm)2(1,5 cm) = 1,0 mL

Os erlenmeyers alternativos não precisam ser calibrados, deve-se apenas verificar o volume médio dos mesmos em torno de 200 mL em consonância com o informado no rótulo do produto.

Padronização da solução de soda cáustica utilizando a bureta alternativa

Com o objetivo de demonstrar a viabilidade do aparato proposto em titulações, realizou-se experimento de padronização da soda cáustica (NaOH impuro) empregando como titulante uma solução de ácido acetilsalicílico (AAS), empregada como solução titulante como descrito por Suarez et al [7]. A solução se soda cáustica corresponde a uma solução de hidróxido de sódio impuro, enquanto o AAS corresponde ao ácido acetilsalicílico presente nos medicamentos com teores rigorosamente conhecidos e indicados pelo fabricante [7].

Resultados e Discussões

Calibração dos balões volumétricos alternativos

Substituindo os valores obtidos na Equação 2, obteve-se um valor de desvio padrão igual a 1, significando assim que o volume de água no menisco é de 270 + 1 mL. O desvio padrão encontrado foi de 0,4% sendo, portanto, um desvio padrão aceitável para a utilização destes frascos como balões volumétricos para fins educacionais.

Determinação do erro entre a balança comercial e a balança semi analítica

Os resultados obtidos para massa de água pesada em balança comercial (BC) e a balança semi analítica (BSA) foram comparados (Tabela 1), o erro percentual foi calculado de acordo com a Equação 3 sendo que o maior erro relativo encontrado foi de 0,58%, para cinco massas de água diferentes realizado em triplicata. Como os erros relativos calculados foram muito pequenos o uso da balança comercial em substituição a balança semi analítica para fins de ensino de química experimental foi justificado.

Calibração alternativa da bureta

Com os resultados obtidos de volume (calculados empregando-se a Equação 2), fez-se uma média dos volumes encontrados e calculou-se o desvio padrão. O valor obtido foi de 0,44. Este valor indica um erro de 2,2 %, número dentro de valores aceitáveis, justificando assim o uso do equipamento alternativo.

Padronização da solução de soda cáustica utilizando a bureta alternativa e ácido acetilsalicílico (AAS)

Ao titular uma solução de 15 mL de hidróxido de sódio comercial (soda cáustica), medidos na seringa, com uma solução de ácido acetilsalicílico (AAS) 0,11 mol L-1 tem-se a seguinte reação (Figura 3):


Realizada a titulação em triplicata, obteve-se um volume de equivalência médio de 8,1 mL. Sabendo-se que a reação entre o ácido acetilsalicílico e o hidróxido de sódio é 1:1 (Figura 3), determinou-se à concentração do hidróxido de sódio comercial pela Equação 4:

onde C é a concentração (mol L-1); n a quantidade de matéria e V é o volume (L).

Quantidade de matéria (n) do AAS = Quantidade de matéria (n) NaOH

nAAS = V x C

nAAS = 8,1 x 10-3 L x 0,11 mol L-1

nAAS = 8,9 x 10-4 mol = nNaOH

Calculou-se assim a concentração (C) de hidróxido de sódio utilizando-se novamente a Equação 4:

C = n / V

C = 8,9 x 10-4 mol / 15 x 10-3 L

C = 0,059 mol L-1

O mesmo procedimento foi realizado utilizando-se uma bureta convencional obtendo-se um volume de equivalência médio de 7,8 mL. Este valor obtido, empregando-se vidraria de laboratório e aplicando-se os mesmos cálculos anteriores forneceu uma concentração de hidróxido de sódio igual a 0,057 mol L-1.

Calculou-se então o erro relativo entre os valores obtidos com o aparato construído e o equipamento convencional obtendo-se um erro relativo de -3,1 % o que justifica novamente a utilização da bureta alternativa em experimento de titulação em laboratórios de escolas de nível médio para melhor elucidação da teoria aplicada em aulas de química.

Um estudo envolvendo o custo de uma titulação convencional, baseados no catálogo SIGMA ALDRICH 2007 [9], frente ao uso de equipamentos, vidraria e utensílios alternativos sugeridos no presente manuscrito foi realizado. Este levantamento comprovou que o custo do material alternativo é da ordem de 2% do valor do material convencional utilizado em laboratório de química.

Conclusões

Os equipamentos propostos foram empregados com sucesso em volumetria ácido-base, demonstrando assim ser possível utilizar equipamentos de menores custos em aulas de laboratório no ensino médio, contribuindo assim para a melhora do aprendizado.

Os aparatos sugeridos neste trabalho são de fácil construção, baixo custo e boa precisão, podendo ser utilizados em outros experimentos de química, proporcionando também a socialização do trabalho em equipe.

Agradecimentos

Os autores agradecem à UFSCar, FAPESP, CNPq e CAPES pelos recursos concedidos ao LABBES, ao CNPq pela bolsa de produtividade em pesquisa de OFF e à FAPESP pela bolsa de iniciação científica de MHMTA (processo nº 05/03980-0).

  • [1] R. R Silva, N. Bochi, R. C. Rocha-Filho, Introdução à Química Experimental. McGraw Hill, São Paulo, 1990, p. 81.
  • [2] T. M. Peruzzo, E. L Canto, Química: na abordagem do cotidiano. Volume único. 1Ş Ed. São Paulo: Moderna, 1996, p. 238-240.
  • [3] G. C. Carvalho, C. L. Souza, Química: de olho no mundo do trabalho. São Paulo: Scipione, 2003, p. 206.
  • [4] D. C. Harris, Análise Química Quantitativa. 6a ed. Trad. J. A. P. Bonapace et al Rio de Janeiro: LTC, 2005, p.129.
  • [5] A. D Skoog, F. J. Holler, T. A Nieman, Princípios de Análise Instrumental, Trad. I. Caracelli et al 5º Ed. São Paulo Bookman, 2002, p 749-750.
  • [6] M. Tubino, J. A. Simoni, R. A. Ricchi-Junior, Rev. Bras. Ensino(3) 2008, p. 79-88.
  • [7] W. T. Suarez, L. H Ferreira, O. Fatibello-Filho, Quím. Nova Esc. (25) 2007, p. 36-38.
  • [8] ABNT NBR ISO/IEC 17025 - NBR 14865:2002 (item 6.1)
  • [9] Catálogo SIGMA ALDRICH 2007

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    23 Ago 2011
  • Data do Fascículo
    2010
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