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Uma proposta de unificação monetária dos países do Mercosul

A proposal of monetary integration among Mercosur countries

RESUMO

Este artigo trata do possível fortalecimento futuro da integração econômica entre os países do Mercosul, semelhante à integração europeia relacionada ao acordo de Maastricht. São apresentados alguns dos problemas associados à coordenação das políticas macroeconômicas e à unificação monetária e defende-se a viabilidade de um acordo semelhante ao de Maastricht entre os membros do Mercosul. Por fim, é feita uma proposta de cronograma - a ser anunciado em 2002 e ocorrer no ano de 2012 - para se conseguir uma integração monetária entre Brasil, Argentina, Uruguai, Paraguai e eventualmente outros países.

PALAVRAS-CHAVE:
União monetária; Mercosul; integração econômica; euro

ABSTRACT

This paper deals with the possible future strengthening of the economic integration among the countries of Mercosur, similar to the European integration related to the Maastricht agreement. Some of the problems associated to the coordination of macroeconomic policies and the monetary unification are presented and the feasibility of an agreement similar to Maastricht by the members of Mercosur is defended. Finally, a proposal of schedule - to be announced in 2002 and to occur in the year 2012 - to achieve a monetary integration among Brazil, Argentina, Uruguay, Paraguay and eventually other countries is made.

KEYWORDS:
Monetary union; Mercosur; economic integration; euro

Uma moeda única é o complemento natural de uma área de livre comércio. O aproveitamento pleno das potencialidades desta não será atingido sem aquela.

(Comissão da Comunidade Europeia, 1990)

1. INTRODUÇÃO

O êxito do Mercado Comum do Sul (Mercosul) derrubou as previsões mais pessimistas feitas acerca do seu destino quando se iniciou seu processo de criação, ainda na segunda metade dos anos 80, inicialmente a partir de iniciativas bilaterais de Brasil e Argentina e, posteriormente, das negociações diplomáticas entre esses dois países e mais o Uruguai e o Paraguai.

O sucesso do empreendimento pode ser medido de três formas. Primeiro, em termos meramente quantitativos, pela intensificação do intercâmbio comercial intra-regional. O comércio entre os quatro países fundadores do Mercosul aumentou 25% a.a., em dólares correntes, no quinquênio 1991/1995, atingindo US$ 13 bilhões em 1995 (Sanguinetti, 1996SANGUINETTI, Julio (1996) “Uma nova superpotência”. Gazeta Mercantil, edição latino-americana sobre o Mercosul, 16 dez. ). Nesse mesmo período, o comércio mundial, apesar de ter se expandido a taxas relativamente satisfatórias, ficou limitado a um crescimento de 8% a.a. No caso do Brasil, especificamente, enquanto, entre 1990 e 1995, as exportações tiveram um crescimento médio, em dólares, de 8% a.a. - mesma taxa que as exportações mundiais -, as exportações para os três outros membros do Mercosul aumentaram a uma média de 36% a.a.1 1 Para uma análise mais detalhada da origem do Mercosul, bem como da composição do seu comércio intra-regional, ver Thorstensen et al. (1994, capítulo 6) e Rego (l995).

Segundo, o Mercosul, apesar dos conflitos naturais no relacionamento entre os países, evoluiu de uma situação na qual o intercâmbio de mercadorias entre os países era taxado para uma área de livre comércio - ainda que inicialmente incompleta - e, posteriormente, para a formação de uma união aduaneira - entre os mesmos quatro países -, com a definição de uma Tarifa Externa Comum (TEC) dos países fundadores em relação ao resto do mundo.2 2 A união aduaneira também não é plena, por enquanto, já que persistem algumas exceções, sujeitas a um cronograma, até que ocorra a convergência das tarifas.

Por último, em terceiro lugar, ainda que fora da TEC - o que é compreensível, dado que, no momento das negociações para o ingresso no Mercosul, os novos países já tinham outras políticas comerciais que dificilmente poderiam ser modificadas -, o Mercosul tem interessado a um número crescente de países. Atualmente, o Chile e a Bolívia já são sócios dos países fundadores e há negociações em curso para que a Venezuela venha, futuramente, a se somar ao grupo, talvez liderando o que poderia vir a ser uma negociação mais ampla com os países que compõem o Pacto Andino.3 3 No caso desses países, o que há são acordos ou negociações envolvendo o conceito chamado, genericamente, de “4 + 1 “, consistente em um esquema no qual uma área geográfica de países com algum acordo em comum é ampliada para outros. Isso significa que os países que se integram posteriormente irão compartilhar algumas características do acordo original, mas não necessariamente todas as características do acordo original. Especificamente, neste caso, nem os novos países fazem parte da união aduaneira, nem têm status de sócios do Mercosul como entidade jurídica. É possível especular, contudo, que futuramente, mesmo não formando parte da união aduaneira, Chile e os demais países venham a fazer parte, formalmente, do Mercosul. No caso específico dos cinco países do Pacto Andino, a rigor, a negociação evoluiu de uma negociação de tipo “4 + 1” para uma negociação “4 + 5”, com a Bolívia acompanhando os entendimentos. Entretanto, como a fórmula vem se revelando complicada, devido à dificuldade de articulação andina, acredita-se que as negociações entre o Mercosul e tais países acabem concluindo em separado, inicialmente com a Venezuela e depois, possivelmente, com a Colômbia.

Ao mesmo tempo, enquanto o Mercosul avançava, um outro acordo regional, na Europa ocidental, dava novos passos no sentido de intensificar a integração entre os seus países-membros e evoluir até o estabelecimento de uma moeda única entre os países da União Europeia (UE) comprometidos com os acordos de Maastricht.

O objetivo deste artigo é abordar a viabilidade de definir a unificação monetária como uma das metas da integração entre os países do Mercosul, na linha, justamente, do que se pretendeu atingir com os acordos de Maastricht e a União Monetária Europeia (UME). Uma ideia dessas tende a enfrentar grande ceticismo. Há dois argumentos que seriam lembrados naturalmente contra a proposta: a) a Europa demorou mais de três décadas, antes de definir a meta da unificação monetária, o que, por analogia, exigiria que o Mercosul se consolidasse por muito mais tempo, antes de pensar em avanços mais ousados;4 4 Um exemplo deste tipo de ceticismo é a ideia de que “se a Argentina e o Brasil sequer conseguem se colocar de acordo sobre o regime automobilístico, como vão poder concordar em coisas muito mais ambiciosas?”, dita a este autor por um economista argentino, ao conversar sobre a proposta que é objeto deste trabalho. Entretanto, note-se que algumas das discussões referentes ao contencioso entre Brasil e Argentina, que ocupam por vezes o noticiário dos jornais, envolvem questões comuns aos debates internos dentro de cada país relacionados com disputas federativas, como o conflito Sul vs. Norte no Brasil ou a relação Buenos Aires vs. províncias na Argentina. Tais conflitos, porém, não impedem que nesses países a Federação funcione. Em outras palavras, na medida em que os países formem acordos regionais, a tendência é que surjam nas relações entre eles atritos próprios das controvérsias sobre a alocação espacial de recursos, inerentes a qualquer país grande. e b) apesar dessa longa história de integração, os países europeus vêm enfrentando dificuldades importantes para cumprir o cronograma estabelecido em Maastricht, o que, no caso dos membros do Mercosul, com uma história em comum muito menos longa, faria prever dificuldades ainda maiores.

Contra isso, porém, há dois fortes contra-argumentos: 1) a instabilidade econômica tem sido uma das principais causas inibidoras do investimento na região; um acordo de unificação monetária entre os países do Mercosul seria um poderoso reforço para a estabilidade de cada um dos países-membros do acordo e funcionaria como um fator de estímulo para o investimento nesses países, tanto estrangeiro como privado em geral; e 2) o fato de o Mercosul ser composto por um número ainda pequeno de países; destes serem conscientes da fragilidade individual de cada um; e de os países não terem alguns dos problemas que mais dores de cabeça têm acarretado para as autoridades no caso da discussão em torno da unificação europeia latu sensu - por exemplo, os debates sobre o papel da OTAN, o tratamento dos países da Europa oriental e, em termos especificamente econômicos, as altas relações Dívida/PIB de alguns países - facilita, ao contrário de prejudicar, as possibilidades de uma aproximação maior entre os diversos países.

Além disso, cabe esclarecer que o que será discutido neste trabalho não será uma unificação monetária imediata e sim um cronograma de ações que, em um espaço de tempo da ordem de 15 anos, poderia levar à unificação monetária dos países do Mercosul ou - pelo menos - de alguns deles5 5 A rigor, estamos falando de um processo histórico de mais de duas décadas e meia, já que a origem do Mercosul remonta aos acordos bilaterais entre Brasil e Argentina de 1986, ou seja, 26 anos antes do prazo para a unificação monetária, proposta no artigo para 2012. Portanto, seria um processo não tão longo quanto o do amadurecimento da Comunidade Econômica Europeia, porém, de qualquer forma, bastante extenso. .

O artigo está dividido em seis seções. Depois desta introdução, são descritos os pontos principais do Tratado de Maastricht. Posteriormente, são discutidas as questões principais relacionadas com a coordenação de políticas macroeconômicas e com os pré-requisitos para a existência de uma unificação monetária. Na quarta seção, desenvolve-se o tema da viabilidade do estabelecimento da meta de unificação monetária entre os países do Mercosul. Na quinta, argumenta-se que a perda de soberania não deve ser considerada um obstáculo tão sério à unificação monetária. Por último, sugere-se uma proposta de cronograma da unificação.

2. O TRATADO DE MAASTRICHT E A LÓGICA DA UNIFICAÇÃO MONETÁRIA6 6 Para uma descrição detalhada das características do Tratado de Maastricht, ver Taylor (1995), especialmente os capítulos 2 e 3.

A origem da ideia da unificação monetária entre os países da Europa ocidental remonta a 1970 e foi pioneiramente apresentada pelo então primeiro-ministro de Luxemburgo, Pierre Werner7 7 A proposta foi conhecida como “Relatório Werner” e foi a origem da formação da “serpente” europeia, que estabeleceu paridades relativamente rígidas entre as moedas europeias - com uma pequena margem de flutuação - em 1972. . Entretanto, ela só veio a se transformar em uma proposta concreta mais de vinte anos depois, devido à combinação de dois fatos: 1) o impulso das ideias integracionistas no âmbito europeu, na época em que o representante francês, Jacques Delors, ocupou a presidência da Comissão Europeia; e 2) a queda do Muro de Berlim, em novembro de 1989, com a consequente unificação das duas Alemanhas, anunciada em outubro de 19908 8 Para entender o debate sobre a unificação monetária na Europa no final dos anos 80/início dos anos 90 ver, entre outros, a coletânea de De Cecco e Giovannini (1989) e também Gretschmann (1993), Collignon, Bofinger, Johnson e De Maigret (1994) e Laursen (1995). Naquela coletânea, em particular, ver Cohen (1989) e nele, especialmente, a seção 4, para entender os argumentos em defesa da unificação cambial, alguns anos antes do Tratado de Maastricht. Para uma análise dos aspectos especificamente políticos envolvidos nas decisões de cada país ligadas à unificação, ver Sandholtz (1993). .

O início dos anos 90 na Europa foi caracterizado por uma certa euforia, na medida em que a desintegração do sistema político que vigorara até então nos países do Leste europeu alimentava previsões de um boom do capitalismo nesses países; as taxas de juros da região eram relativamente baixas, lideradas pela postura - na época - do Bundesbank alemão; e existia a perspectiva de uma unificação tranquila das Alemanhas Ocidental e Oriental. Nesse contexto, não se anteviam problemas dramáticos para a unificação monetária europeia, ao mesmo tempo em que alguns atores relevantes do processo, ainda que por motivos nem sempre convergentes, tinham motivações importantes para aderir à unificação monetária europeia. A principal delas era, basicamente, a ideia de ter um contraponto ao domínio dos EUA e à influência do dólar, especialmente no contexto posterior ao fim da Guerra Fria, em que a hegemonia dos EUA ameaçava tornar-se ainda mais forte. Nas palavras de uma proeminente liderança espanhola, na Europa “ ... temos quase o dobro da poupança americana, um PIB mais elevado, provavelmente um sistema bancário mais forte e é o dólar que circula. Por quê? Porque a Europa ainda não tem uma moeda só e um mercado verdadeiramente único”. Com um sistema monetário unificado, a Europa poderia então aspirar a um certo grau de soberania monetária, diante das forças do mercado financeiro, reduzindo, ao mesmo tempo, a hegemonia do dólar no mercado mundial.

Depois, na prática, os problemas ocorridos com a unificação alemã - com os déficits fiscais elevados decorrentes do esforço de modernização da antiga Alemanha Oriental -, que levaram a uma alta generalizada das taxas de juros na Alemanha e nos demais países da região, com a consequente piora na evolução do ritmo de atividade e o aumento do desemprego, provocaram uma reavaliação daquele otimismo e o acirramento das disputas entre os países da UE acerca dos termos precisos da unificação monetária. É possível especular até que ponto esta unificação teria sido assinada nesse novo contexto, mas quando as dificuldades afloraram, o processo já fora iniciado e a moeda única já se tinha tornado, naquela altura, praticamente inexorável.

Independentemente dos fatores políticos envolvidos, o fato é que a unificação monetária já estava colocada na agenda europeia no final dos anos 80, em função de duas considerações. A primeira é que era vista por muitos como o desdobramento natural do processo de integração comercial dos países da Europa ocidental. E a segunda, que o sistema de paridades cambiais até então adotado dava sinais de esgotamento e a alternativa de adotar uma paridade unificada no interior daquele conjunto de países revelava-se uma proposta sedutora. Segundo Padoa-Schioppa (1988PADOA-SCHIOPPA, Tomasso (1988) “The EMS -A Long-Term View”. In Giavazzi, F., Micossi, S. & Miller, M. (ed.) The European Monetary System. Cambridge, Cambridge University Press. ), a situação até então existente constituía um “quarteto inconsistente”, representado por quatro pilares, quais sejam o livre comércio intra-regional, a liberalização financeira, o regime de taxas de câmbio fixas e a autonomia monetária de cada país. Tais pilares não poderiam coexistir, pela contradição, principalmente, entre os três primeiros e o último. Na medida em que aqueles três implicavam ganhos sistêmicos de eficiência, a candidata natural a ser abandonada seria a soberania monetária de cada país.

Giavazzi e Giovannini complementam essa abordagem com o seguinte comentário:” ... the survival of the current system of fixed but adjustable parities must be ascribed to the operation of capital controls. However, capital controls prevent financial integration. Thus, financial integration requires that European countries give up realignments altogether, moving toward a system of credible, and thus irrevocably fixed, exchange rates. That is a monetary union” (Giavazzi e Giovannini, 1991GIAVAZZI, Francesco & GIOVANNINI, Alberto (1991) Limiting Exchange Rate Flexibility - The European Monetary System. Massachusetts, The MIT Press. Terceira edição. , p. 203, grifos nossos).

Foi nesse contexto que o tratado de Maastricht foi assinado na cidade de mesmo nome, na Holanda, em fevereiro de 1992, por representantes de 12 países europeus e estabeleceu as bases para o ingresso no sistema de moeda única. Nesse tratado, foram definidas algumas datas-chave do cronograma da integração, bem como os chamados “critérios de convergência” para a “elegibilidade” dos países, isto é, para o direito destes de ganharem o “passaporte” para a moeda única. Basicamente, os dois parâmetros mais importantes foram os tetos de dívida pública - de no máximo 60 % do PIB - e de déficit público - de até 3 % do PIB. Posteriormente, outros encontros entre os representantes dos países, em sucessivas reuniões técnicas e diplomáticas, definiram novos parâmetros e avançaram na precisão dos pré-requisitos para o ingresso no sistema de moeda única - o chamado “euro”.

O conjunto de regras e definições para o acesso à UME, além dos dois critérios de convergência acima explicitados, pode ser resumido da seguinte maneira:

  • Inflação: taxa anual de no máximo 1,5% acima da média dos três países-membros de inflação mais baixa9 9 Em 1996, a média simples de inflação dos 15 países da UE foi de 2,6%. A média dos três países de inflação mais baixa foi de 1, %. .

  • Taxas de juros: taxas de juros dos bônus de longo prazo do governo de no máximo 2% superiores à média dos três países-membros de inflação mais baixa10 10 Em 1996, a média simples da taxa de juros de longo prazo entre os 15 países da UE foi de 8,2%. A média dessa mesma taxa nos três países de inflação mais baixa foi de 6,7%. .

  • Taxa de câmbio: cumprimento da banda cambial do sistema monetário europeu por um período de pelo menos dois anos, antes do acesso à moeda única11 11 No futuro, deverá ser definido um mecanismo cambial que regule a relação entre o euro e as moedas dos países que não tiverem aderido à unificação monetária, mas que continuem fazendo parte do mercado comum europeu. .

Os passos principais do cronograma para o acesso à unificação monetária são os seguintes12 12 Este cronograma é o que está atualmente vigente. O cronograma original previsto em 1992, entretanto, era mais ambicioso e previa a conclusão do processo em 1999, ao invés de 2002. :

  • Em março de 1998, a Comissão Europeia e o Instituto Monetário Europeu (IME), embrião do Banco Central Europeu, terão de indicar quais os países que cumprem as condições para entrar no sistema de moeda única, com base na avaliação dos dados referentes ao desempenho econômico destes em 199713 13 Em 1996, só 3 países entre os 15 da UE tiveram dívidas inferiores ao limite de 60% do PIB e também apenas 3 países apresentaram déficits públicos de até 3% do PIB. Deles, apenas Luxemburgo respeitou os dois limites simultaneamente. .

  • Em maio de 1998, os chefes de governo europeus tomarão a decisão, com base nas indicações recebidas, acerca de quais países serão considerados aptos a ter uma moeda única.

  • Nos países que assim o desejarem e que tiverem respeitado os critérios de acesso, em janeiro de 1999, o euro será introduzido como moeda escritural, em substituição às atuais moedas nacionais, na escrituração e nos balanços bancários.

  • Em janeiro de 2002, o euro entrará em circulação, passando gradualmente a ser o único meio de troca, no lugar das antigas moedas dos países que aderirem ao sistema.

  • Em julho de 2002, esse processo se completará e as atuais moedas locais deverão desaparecer de circulação.

Cabe destacar que os critérios definidos e acima explicitados não chegam a ser completamente rigorosos. Há pelo menos três aspectos em que se optou por ter uma margem de flexibilidade, como forma de facilitar a adesão dos países à unificação:

  • Critérios de convergência no campo fiscal. O tratado permite uma interpretação mais branda dos limites de déficit e endividamento. De fato, o déficit deve ser contido em no máximo 3% do PIB, “a menos que o déficit como proporção do PIB tenha declinado substancial e continuadamente, chegando perto de 3%” ou “que o déficit excedente seja excepcional e temporário e que a taxa permaneça próxima de 3%”. Da mesma forma, o limite de 60% do PIB para a dívida pública é válido, “a menos que a relação Dívida/PIB esteja suficientemente reduzida a um ritmo satisfatório”.

  • Convergência fiscal após a unificação. O tratado prevê sanções no caso de países inicialmente considerados aptos para ingressar no sistema de moeda única desrespeitarem os tetos de déficit e endividamento públicos, uma vez atingida a unificação monetária. Entretanto, na medida em que a diminuição do nível de atividade, dada uma certa rigidez do gasto, pode reduzir a receita e gerar um aumento do déficit fiscal, tais sanções só serão automáticas se o PIB do país tiver crescimento positivo, nulo ou negativo em até 0,75%. Ultrapassado este limite, há duas faixas: 1) se o PIB do país cair entre 0,75 % e 2,0% - a chamada “zona cinzenta” -, ele ficará sujeito a uma sanção, que, porém, não será automática, podendo ser adotada ou não, dependendo da decisão dos ministros da Fazenda da UE, em função das circunstâncias que expliquem o desempenho dessa economia no ano; e 2) se um país enfrentar uma situação de calamidade pública ou se o seu PIB cair mais de 2,0%, ele ficará isento das sanções.

  • Taxa de câmbio. Não ficou definido se a referência ao cumprimento dos limites da banda cambial do sistema monetário europeu por um período de até dois anos antes da unificação monetária deve levar em consideração a banda original, estreita, com margens de 2,25 % para cima ou para baixo, ou a banda larga, de 15 %, introduzida em agosto de 1993.

Em consequência da referida flexibilidade, espera-se que a adesão ao euro interesse a um número significativo de países, quando chegar o momento da definição da entrada no sistema de moeda única, no próximo ano14 14 Na avaliação de Sir Nicholas Henderson, ex-Embaixador britânico nos EUA, França e Alemanha, “pelo menos dez países estão inclinados a aderir à moeda única quando ela entrar em vigor. Eles não podem ter certeza de que ela vá funcionar. Mas estão convencidos de que precisa funcionar, e estão preparados para enfrentar os riscos e problemas que deverão surgir” (Henderson, 1996). . Da mesma forma, tal flexibilidade tende a reduzir o número de alegações de desrespeito às regras de austeridade, uma vez que a unificação tiver sido atingida, diminuindo o espaço para reclamações após o início da vigência do euro.

3. COORDENAÇÃO DE POLÍTICAS E MOEDA ÚNICA: OS PONTOS CRÍTICOS

Na discussão sobre a UME, há seis pontos especialmente delicados que têm recorrentemente aflorado e provocado atritos, entre países em alguns casos e entre defensores e críticos da unificação, no interior de um mesmo país, em outros. Tais pontos são os seguintes:

  1. A questão da soberania. Argumenta-se que a combinação de moeda única com o respeito aos critérios macroeconômicos de convergência diminui a capacidade de ação dos governos, afetando, desse modo, a soberania nacional. Isto porque, de um lado, os governos perdem a possibilidade de usar a política cambial como instrumento de ajuste e, de outro, a necessidade de respeitar certos parâmetros macroeconômicos limita a possibilidade de incorrer em políticas expansionistas, geradoras de déficits e/ou inflação15 15 O tema da soberania voltará a ser tratado com mais detalhes na seção 6 do trabalho. .

  2. A definição da taxa de câmbio no momento da unificação monetária. O debate sobre a questão cambial na Europa e o grau de independência efetiva das políticas nacionais vem se intensificando nos últimos anos, especialmente a partir da crise das moedas europeias de 1993 e da substituição da banda estreita vigente até então por uma banda larga, com amplo espaço de manobra para modificar a paridade cambial no âmbito da UE16 16 Ver, por exemplo, Svensson (1994). .

  3. As dificuldades de coordenação entre um grupo numeroso de países. Trata-se de um problema que, de antemão, se sabia que iria se verificar no decorrer das negociações e que, de fato, tem existido.

  4. Os sacrifícios sociais associados às metas macroeconômicas. Estes podem ser de duas ordens. Em primeiro lugar, estão os problemas associados à política cambial, no caso daqueles países onde, no debate interno, se julga que haja uma apreciação que prejudique a competitividade das exportações e que limite a capacidade de crescimento, pelo impacto da taxa de câmbio sobre a demanda de importações. E, em segundo lugar, estão os custos relacionados com a necessidade de fazer ajustes fiscais, seja pelo ônus que isso pode implicar em termos de aumento da carga tributária sobre a população, como pela incidência de cortes orçamentários, quando o ajuste se faz predominantemente sobre a despesa.

  5. As dúvidas acerca da flexibilização da legislação trabalhista. Na medida em que o instrumento cambial terá desaparecido, a tarefa de promover os ajustes requeridos pela necessidade de aumentar a competitividade e os preços relativos de um país é transferida para o mercado de trabalho, o que exige adaptar a legislação trabalhista - no sentido de torná-la mais parecida com a dos EUA, reconhecidamente mais flexível -, sob pena de que o ajuste se dê através da inflação - que reduz o salário real pelo aumento dos preços - ou da perda de produção - que geraria o mesmo efeito, deflacionando os salários nominais.

  6. A questão da reputação do acordo, relacionada com o grau de flexibilidade das metas de convergência a serem atingidas e mantidas a partir da vigência da unificação. Trata-se, neste caso, de ponderar adequadamente os termos do trade off entre credibilidade e viabilidade do acordo: termos de adesão muito rígidos podem tornar o acordo de unificação mais sólido, no sentido de se aproximar mais do que seria ideal, do ponto de vista do respeito aos fundamentals macroeconômicos que garantiriam um crescimento econômico mais estável, eventualmente maior e com menor inflação. Em compensação, podem afugentar os membros da UE e gerar uma unificação monetária com poucos aderentes. Alternativamente, termos mais flexíveis podem implicar a existência de um espaço para a geração de déficits fiscais e, consequentemente, de dívidas indesejáveis. A contrapartida disso, porém, pode ser a ampliação do sucesso da unificação, medido pelo número de países que aderirem à moeda única17 17 Há uma questão subjacente a estas questões e que diz respeito à reputação e que consiste em até que ponto compromissos formais implicarão uma austeridade efetiva a médio e longo prazos, especialmente no caso dos países com um histórico de déficits maiores. Isso significa, nas palavras cruas de um dos correspondentes do Financial Times na Europa, que” ... even if the ambitious targets are met, it may be tricky for the Mediterranean countries to persuade northern colleagues that the improvement will last” (Flanders, 1996). . O equilíbrio entre as duas alternativas é difícil de definir ex-ante e dele depende o próprio êxito, político e econômico, da unificação. Os parâmetros não podem ser nem tão rígidos que gerem uma unificação com poucos membros, nem tão flexíveis a ponto de gerar políticas econômicas inconsistentes com a estabilidade.

A discussão em torno da soberania tornou-se especialmente intensa na Inglaterra, em parte devido à influência de fatores geográficos e culturais. O peso da idiossincrasia nacional, herdada das épocas do Império, e o caráter insular do país tendem a fazer com que as resistências à integração sejam maiores do que na média dos demais países. Ao mesmo tempo, países com maiores dificuldades econômicas tendem naturalmente a ver na unificação uma ameaça à adoção de soluções autônomas.

O debate em torno do assunto tem de partir do reconhecimento de que há um antagonismo intrínseco entre soberania e integração18 18 Nas palavras de Peter Sutherland, um dos maiores defensores da unificação monetária e último secretário-geral do GATT, “para a maioria dos países-membros da União Europeia, o fundamento lógico da união monetária consiste em sua contribuição à estratégia política mais ampla da integração europeia .... Já é hora de aceitar a natureza essencial do processo de integração europeia; não se trata de perder a nacionalidade, mas de sacrificar algum grau de soberania” (Sutherland, 1997). . Conforme frisado na frase mencionada de Henderson, a unificação envolve benefícios e problemas que devem ser enfrentados. Um deles, sem dúvida, é a perda de graus de liberdade dos governos, o que é, per se, um custo político para estes. A questão básica para cada país é avaliar se os benefícios superam esse custo e, se superarem, aceitar a perda de graus de liberdade como um fato inerente ao processo. Por outro lado, os países que relutam em aderir à integração participam, de certa forma, de um problema de teoria dos jogos, no sentido de que a solução ótima do ponto de vista individual depende das ações dos demais participantes do jogo. No caso da unificação monetária europeia, um país que, pelo predomínio do tema da soberania no contexto do debate local, não aderir à unificação, poderá extrair benefícios dessa estratégia se, não se amarrando aos compromissos da unificação não tiver modificado o seu status quo, no caso, por exemplo, daquela ser um fracasso, pelo fato de contar com poucos aderentes. Se, entretanto, um país não aderir e a maioria dos membros da UE ingressar no sistema de moeda única, muito provavelmente ele terá de aumentar as taxas de juros vis-à-vis os países-membros do sistema de moeda única, já que, provavelmente, para iguais taxas de juros, os capitais tenderão a preferir a aplicação nos países que aderiram à unificação, pela maior estabilidade, pelo commitment com a austeridade macroeconômica à qual isso tenderia a ser associado e pelo desaparecimento da incerteza cambial intra-regional19 19 A informação recente de que a Toyota poderia descartar a implantação de uma nova fábrica na Inglaterra, se esta não aderir à unificação monetária europeia, é um exemplo claro disso. . Nesse caso, o custo de uma atitude individual e isolacionista pode ser alto. O que se quer frisar é que, na prática, não há como fugir de alguma relação de dependência em relação às decisões de terceiros, no mínimo pelo impacto que isso tem sobre as taxas de juros - e, portanto, sobre o nível de atividade20 20 No caso específico do debate sobre a soberania monetário/cambial dos países europeus, conforme corretamente lembrado por um dos leitores da primeira versão do presente trabalho, há uma certa dose de irrealismo na suposição de que, com exceção da Alemanha, exista algum outro Estado em condições de dispor plenamente de tal faculdade. A rigor, nos últimos anos, até mesmo a França tem atrelado a sua política em matéria de taxas de juros às decisões do Bundesbank, que funcionaria, de certa forma, como uma espécie de “garante” (fender of credibility) europeu. Segundo essa interpretação, com a união monetária acompanhada de um Banco Central europeu, é como se a Alemanha cedesse postos no board do Bundesbank a representantes de países que sofrem até agora passivamente os efeitos das decisões emanadas de Frankfurt, em troca de uma maior consolidação política da UE. Para uma análise que contesta a tese da dominância da política monetária alemã no contexto europeu, ainda que referente ao final dos anos 80, ver Fratianni e Von Hagen (1990). . Em resumo, a unificação monetária envolve de fato alguma perda parcial de soberania para a gestão de certas políticas públicas, mas além de não implicar uma renúncia à soberania política, aquela perda ocorre em troca dos grandes benefícios propiciados pela união monetária.

O tema da política cambial, especificamente, tem sido objeto de intensa con­trovérsia na França, controvérsia essa cuja importância reside justamente no peso desse país nas discussões associadas à UME. Basicamente, a política do “franco forte” tem atrelado a economia francesa à evolução da economia alemã. Como a taxa de juros alemã tem sido seguida pela taxa de juros da França e como aquela ainda é alta, o desempenho da produção tem gerado insatisfações importantes na França. Os críticos dessa política defendem uma desvalorização do franco, o que, estimulando a melhora da balança comercial francesa, permitiria reduzir a taxa de juros e aumentar a produção, com isso, entre outras coisas, diminuindo o desemprego21 21 Esta postura ganhou a adesão pública, inclusive, do ex-presidente Valery Giscard D’Estaing. .

O custo de uma medida dessas seria de dois tipos. Por um lado, haveria algum impacto inflacionário. Por outro, isso poderia afetar a credibilidade das posições francesas nas negociações em torno da unificação. Novamente, como no caso anterior, a decisão nacional depende da avaliação específica dos prós e contras que a medida pode ter, no caso de cada país22 22 Haveria também uma outra consequência negativa da desvalorização, representada pela perda real de valor - medido em moeda estrangeira - da riqueza nacional. A importância relativa disto, porém, dependeria de cada país e do grau de integração do mercado de ativos do mesmo em relação ao resto do mundo. .

As dificuldades de coordenação entre um grupo numeroso de países são inevitáveis. De qualquer forma, porém, trata-se de um problema que, na prática, na base das soluções negociadas, não tem impedido a ocorrência de avanços e a realização de acordos no decorrer do processo de integração e unificação.

A questão dos sacrifícios envolvidos na unificação está intrinsecamente ligada à aos aspectos comentados ao tratar da soberania. De qualquer forma, como lembrou recentemente Jacques Delors, um dos maiores defensores da unificação, os governos deveriam deixar de culpar Maastricht pela atual austeridade econômica dos seus respectivos países e explicar às suas populações que o rigor dos orçamentos é necessário para prevenir que no futuro os jovens sejam obrigados a pagar as dívidas do presente23 23 Gazeta Mercantil, 28 out. 1996. . De certa forma, esse tipo de debates se assemelha às críticas feitas na década passada na América Latina ao plano de ajustamento “impostos” pelo Fundo Monetário Internacional (FMI), quando na realidade o ajuste do balanço de pagamentos diante da crise da dívida externa e a superação do desequilíbrio fiscal eram necessários, diante do desaparecimento do crédito externo, independentemente de os países afetados terem ou não acordos com o FMI.

No que tange à flexibilização da legislação, embora seja claro que a continuidade do status quo atentaria contra o êxito dos ideais de Maastricht, o fato é que os governos europeus comprometidos com a criação da UME têm se empenhado nas negociações parlamentares e nas ações necessárias para modificar essa situação, através da mudança dos reajustes salariais, das regras de aposentadoria, da privatização de empresas, dos avanços na desregulamentação etc24 24 Talvez o episódio mais emblemático dessa mudança de postura dos países da UE tenha sido a abolição do sistema de aumentos salariais conhecido como scala mobile, na Itália, em 1992. Para uma análise dos custos da desinflação e dos problemas associados à rigidez da legislação trabalhista, ver Grauwe (1990). .

Por último, o debate em torno da reputação e do grau de rigor ou de flexibilidade do acordo de Maastricht está ligado, especificamente, à atitude a ser tomada diante de alguns casos crônicos de déficits fiscais e endividamento público, como é o caso típico da Itália, cuja dívida é de mais de 100% do PIB25 25 Entre os 15 países da UE, atualmente há três deles - Itália, Bélgica e Grécia - cuja dívida pública é superior ao PIB. . Como é virtualmente impossível que, mesmo com um ajustamento drástico do fluxo de déficit, haja uma convergência do estoque de dívida até o nível de 60% do PIB e diante da importância política de contar com a adesão italiana a Maastricht, optou-se pela solução negociada, mais flexível, mencionada na seção 2, que permite que países com dívidas superiores a 60% do PIB participem do sistema de moeda única, desde que a dívida esteja caindo “a um ritmo satisfatório” como proporção do PIB. Conforme salientado anteriormente, essa flexibilidade pode, eventualmente, ter deixado insatisfeitos os “falcões” defensores de regras mais rígidas, à Bundesbank, para Maastricht, mas certamente foi vital para evitar que as resistências políticas ao acordo contaminassem um maior número de pessoas em um maior número de países.

4. É VIÁVEL UM MAASTRICHT DO SUL?26 26 Várias das questões tratadas a seguir foram discutidas pioneiramente em Araújo (1992). O contexto atual, porém, após o Plano Real e com a economia argentina tendo um retrospecto de vários anos de inflação baixa, é muito mais propício para a viabilização das propostas ali discutidas.

O tema da coordenação de políticas macroeconômicas entre os países do Cone Sul tem estado presente nas reuniões dos negociadores dos respectivos países desde a origem do processo de integração - na época, apenas entre Brasil e Argentina - e foi até objeto de um dos primeiros protocolos assinados pelos presidentes Sarney e Alfonsín. Entretanto, além dos problemas associados à alta inflação que então experimentavam os dois maiores países do que posteriormente viria a ser o Mercosul, as iniciativas em favor dessa coordenação não prosperaram devido à ausência de incentivos de cada país para um entendimento em torno de uma agenda bastante vaga. Uma unificação monetária, contudo, envolveria outro tipo de compromissos e estaria intrinsecamente ligada a uma intensificação dos esforços pró-coordenação. Como dizem Miller et al., a propósito do caso europeu, mas de um modo que também se aplica ao caso do Cone Sul da América Latina,” ... an agreement to cooperate will not be credible in the absence of an enforcement mechanism. Negotiating exchange-rate rules or a formal exchange-rate arrangement can be understood as an investment in credibility. Nations invest political and economic capital when they join an exchange-rate arrangement like the European Monetary System ... Hence establishing an exchange-rate arrangement can be understood as a precommitment to policy coordination” (Miller at al., 1989MILLER, M. et ai. (1989) Blueprints for Exchange Rate Management. London, Academic Press. , p. 2, apud Araújo, 1994ARAÚJO, José Tavares Jr. (1994) “The Latin America monetary system after the end of inflation”. Revista de Economia Política, vol. 14, nº 4, pp. 118-128. , p. 123, grifos nossos).

Quais as principais vantagens que os países-membros do Mercosul poderiam ter com a adesão a uma possível unificação monetária entre eles? A primeira e mais importante dentre elas seria o fortalecimento do Mercosul e o seu reconhecimento, por parte dos demais blocos e países do mundo, como uma potência média no nível mundial. Isso corresponde ao tipo de situação em que a soma das partes vale mais do que o todo27 27 A este respeito, é útil citar também as palavras de Almeida (1993) sobre o Mercosul, ao considerar que a “missão histórica” deste” ... é a de permitir ao Brasil realizar um aprendizado de geoeconomia antes de passar a exercer a geoestratégia em que parece ter se convertido a nova ordem econômica mundial” (Almeida, 1993, p. 16, apud Rego, 1995, p. 193). Nesse sentido e, especificamente, no timing a ser proposto no artigo - antes da concretização do acordo da Área de Livre Comércio das Américas-ALCA -, a unificação monetária constituiria, de certa forma, um passo decisivo e marcaria a consolidação desse processo. .

Entre as demais vantagens da unificação proposta, há cinco que se destacam28 28 Para algumas das vantagens teóricas da unificação monetária, ver o artigo precursor de Mundell (1961). Ele foi quem primeiro destacou que o espaço natural de uma moeda pode não ser necessariamente o de uma nação. Ver também Narassiguin (1993), especialmente o capítulo II. Para uma análise mais abrangente sobre prós e contras da unificação monetária, ver o excelente resumo da literatura que aparece em Grauwe (1995). :

  • Os termos da unificação, com os compromissos que isso implicaria, funcionariam como uma maior garantia de estabilidade29 29 Nas palavras de Sandholtz, uma união monetária representa” ... the highest possible level of credibility; monetary union would once and for all ‘tie their hands’ [dos seus países-membros] ... and ... be more credible than unilateral pegging to a strong currency because the latter could be undone at any time .... In fact, monetary union would provide price stability for governments that would be unable, for domestic political reasons, to achieve it on their own” (Sandholtz, 1993, p. 35). As vantagens de “amarrar as próprias mãos” são expostas no artigo de Giavazzi e Pagano (1988) sobre o sistema monetário europeu. . Hoje, os países do Mercosul têm inflação baixa, mas são poucos os investidores - locais ou estrangeiros - que comprariam um título pré-fixado de dez anos dos seus governos, já que ainda pairam dúvidas sobre qual será o comportamento da inflação a longo prazo. Por outro lado, é inconcebível que em um país um Estado tenha sistematicamente inflação alta, enquanto os demais têm inflação baixa. Por analogia, com um sistema monetário unificado, Banco Central único e tetos fiscais adequados, os problemas históricos dos países da região em relação à inflação tenderiam a desaparecer definitivamente e as dúvidas em relação ao futuro da inflação na região a médio prazo seriam minimizadas30 30 Isso seria uma decorrência da maior confiança, do ponto de vista dos investidores, do efeito de ter, como afirma Dornbusch no caso da integração monetária europeia, “autoridades monetárias e fiscais por toda a região gerenciando contas públicas comprimidas” (Dornbusch, 1997). Na frase original de Dornbusch, fala-se em “Europa”, em vez de “região”. .

  • Essa estabilidade operaria como um poderoso fator de estímulo ao investimento, tanto estrangeiro como privado em geral. A estabilidade de preços e o compromisso com metas fiscais apropriadas diminuiriam muito a resistência dos empresários do país e dos investidores do resto do mundo em assumir compromissos de longo prazo, imobilizando capital em projetos de investimento. As economias de escala, além disso, se ampliariam, pelo desaparecimento do risco cambial na região31 31 Hoje, quem instala uma fábrica de automóveis no Rio Grande do Sul, por exemplo, pensando em exportar para a Argentina, assume um risco que, com a unificação monetária, desapareceria. .

  • Da mesma forma, a maior estabilidade tenderia a gerar uma redução das taxas de juros, pela queda do risco-país e do risco-região.

  • Haveria uma redução da incerteza cambial. Isso permitiria um cálculo econômico muito mais preciso para projetos envolvendo intercâmbio de produtos dentro da região e diminuiria a variância da expectativa de flutuação da moeda nacional em relação ao resto do mundo, já que a variabilidade de uma moeda comum em relação ao resto do mundo tende a ser menor do que a da moeda de um país específico32 32 Primeiro, porque as chances de ter uma região inteira com políticas desequilibradas é menor do que a de ter um país individualmente desequilibrado; e segundo, porque a margem de manobra individual de cada país para mudar o câmbio seria nula, já que esse instrumento seria perdido. .

  • Os custos de transação no interior da região desapareceriam, favorecendo, entre outros, o comércio regional e o desenvolvimento do turismo33 33 No caso da Europa, estima-se que a eliminação de custos de transação represente uma economia da ordem de 0,4 % do PIB do conjunto dos países beneficiados, devido ao desaparecimento das comissões de intermediação do sistema financeiro (CCE, 1990, apud Narassiguin, 1993, p. 107). .

Quais seriam, em contrapartida, os problemas a enfrentar?34 34 Note-se que a maioria das vantagens e desvantagens de uma unificação monetária são inerentes ao processo, independentemente da sua localização geográfica. Entretanto, o peso de cada um desses pontos pode variar, dependendo das regiões. Tomem-se os que podem ser considerados a principal vantagem e a principal perda, do ponto de vista econômico: o benefício da credibilidade da estabilidade e da política anti-inflacionária, de um lado; e o prejuízo da perda de autonomia, de outro. O primeiro benefício parece-nos inquestionável que seja maior no Mercosul do que na Europa, já que, no momento, os mercados ainda têm algumas dúvidas acerca do futuro da estabilidade na América Latina a longo prazo, enquanto ninguém em sã consciência pode esperar um descontrole da inflação na próxima década na Alemanha ou na França, mesmo se Maastricht fracassar. Quanto ao tema da perda de autonomia, parece-nos também evidente que economias de médio porte, como o Brasil ou a Argentina, são mais vulneráveis do que grandes potências como as que lideram o processo de integração europeia e que, portanto, aqueles dois países já tem um grau de autonomia mais limitado, de modo que a questão da perda de autonomia tem um peso maior na UME do que teria no caso de uma unificação monetária no Mercosul. Naturalmente, estamos tratando do assunto em termos relativos - UME vs. Mercosul - e o que foi dito é perfeitamente compatível com o reconhecimento das limitações da autonomia da política monetária, por exemplo, na França diante da Alemanha. Os pontos de controvérsia discutidos na seção precedente e que têm recorrentemente aparecido no debate sobre a unificação monetária europeia dificilmente teriam a mesma intensidade no caso da discussão acerca de uma eventual adoção de algo similar nos países do Mercosul. Vejamos isso em detalhes. A questão da soberania é algo que, em maior ou menor medida, está presente na idiossincrasia nacional em todos os países35 35 Para uma discussão acerca das vantagens das “soberanias compartidas”, ver o artigo mencionado de Araújo (1992). . De qualquer forma, à luz dos avanços já conseguidos no âmbito do Mercosul - especialmente, no caso das relações entre Brasil e Argentina -, que se refletem em uma postura muito mais aberta da diplomacia, do empresariado, das burocracias locais e da população em geral em relação à ideia da integração - comparativamente à mentalidade predominante até o início dos anos 80 -, é de prever que as dificuldades a serem enfrentadas seriam muito menores do que na Europa. O Brasil pode ter sido tradicionalmente pouco aberto à América Latina ou a Argentina pode ter alguns problemas com o Chile, por exemplo, mas não há nada que se assemelhe aos problemas causados pela herança cultural de séculos de isolacionismo britânico diante da Europa continental ou pelas difíceis relações entre a Alemanha e a França, ainda algo impregnadas pelos resquícios da Segunda Guerra Mundial. Por último, a língua é uma questão importante no esforço de integração e que, evidentemente, unifica muito mais a América Latina do que a Europa. Nesta, um acordo entre Alemanha, França, Inglaterra, Itália, Espanha e Portugal envolve seis povos com seis línguas diferentes, com um candidato a “carro-chefe” - a Alemanha - cuja língua é completamente diferente da dos outros. Já no Mercosul, há apenas duas línguas, que além disso são perfeitamente compreensíveis - para ler e entender - por parte de quem fala apenas uma das duas. Em outras palavras, se a soberania é uma questão cultural, é possível argumentar que os elementos unificadores são mais fortes - e os desagregadores, menos fortes - no Mercosul do que na Europa.

O tema da taxa de câmbio e da suposta limitação que isso impõe ao crescimento, a rigor, já está presente, no debate sobre política econômica, pelo menos na Argentina e no Brasil, mesmo sem unificação monetária. De qualquer forma, há aqui dois elementos a considerar. Primeiro, no momento em que uma eventual unificação monetária for decidida, as discussões atuais desses países provavelmente já terão sido superadas. E segundo, mesmo se isso não ocorrer, enquanto na Europa o debate sobre a taxa de câmbio é um “jogo de soma zero”, pois o que está em jogo é a paridade relativa entre as moedas antes de ingressar no sistema unificado, no Mercosul, pelas menores dimensões relativas da região, isso não seria tão importante.36 36 Esta afirmação, porém, é válida sempre e quando o país que eventualmente adote uma desvalorização autônoma não for o Brasil, já que a participação do comércio com este em relação ao resto do mundo, nos demais países do Mercosul, é bastante alta. Em outras palavras, enquanto uma eventual desvalorização, na UE, antes da unificação, seria fatalmente “contra” os demais parceiros do bloco, no relacionamento entre Brasil e · os demais parceiros do bloco regional ao qual ele pertence, mais relevante do que discutir a taxa de câmbio no interior do bloco, seria a discussão a respeito dá cotação da taxa unificada em relação ao resto do mundo.37 37 Isto porque, no Mercosul, o comércio intra-regional representa 10% do comércio externo total da região, enquanto na UE esse percentual é de 38% (Abreu e Bevilaqua, 1995, Tabela 2.2). Poderiam surgir alguns problemas se, por exemplo, a situação externa específica de um dos países do bloco recomendar uma desvalorização cambial e a dos outros não, em cujo caso haveria um conflito entre os interesses relativos dos países do pacto. Se o problema for conjuntural, contudo, isso poderia ser contemplado mediante a formação de um fundo específico do conjunto dos países, para atender esse tipo de problemas. Já se for estrutural, o país que em condições normais desvalorizaria a sua moeda teria que adotar medidas específicas de reconversão e/ou adotar políticas deflacionistas para mudar os preços relativos sem alterar a paridade cambial38 38 É interessante notar que isto levanta problemas com alguma semelhança com os que se verificam em um país com grande extensão territorial e diversidade econômica, como o Brasil, na presença de um desafio externo que atinge de forma diferente a diferentes regiões. A recente migração de indústrias produtoras de calçados do Sul para o Nordeste é um exemplo disso e decorre do mesmo constraint mencionado no parágrafo, associado à rigidez cambial - embora, no caso atual, seja uma rigidez auto-imposta e não institucional. De qualquer forma, o importante é registrar que os salários dessa indústria no Rio Grande do Sul devem cair para que as empresas que estão migrando possam ser competitivas, da mesma forma que, no caso de unificação monetária, os salários de um país que tivesse um desequilíbrio externo estrutural que não fosse compartilhado pelos seus demais sócios também teriam de diminuir. .

No que tange à coordenação, o número de membros de um grupo de países faz com que tenda a ser mais fácil chegar a um acordo entre quatro países do que entre 15, como é o caso da UE39 39 É verdade que isso depende, entre outras coisas, do grau de heterogeneidade do grupo de países. Referimo-nos aqui, entretanto, especificamente, aos critérios de convergência macroeconômica para a viabilização da unificação monetária. Nesse sentido, é natural esperar que em um grupo de quatro países, a possibilidade de ter algum “caso-problema” para respeitar os parâmetros acordados tenderia a ser menor do que em um universo de países três ou quatro vezes maior. .

Os supostos sacrifícios sociais associados ao modelo econômico vigente não seriam, no caso do Mercosul, um entrave. Isto porque, enquanto na Europa, em muitos casos, Maastricht fez os países acordarem para a necessidade de ajustarem as suas economias, no Mercosul esse é um processo que já vem ocorrendo, de modo que o debate causado por isso já está em curso e não constituiria nenhuma novidade. Além disso, provavelmente os sacrifícios relacionados com o ajustamento fiscal seriam menores do que aqueles observados na Europa. Entre os 15 membros da UE, por exemplo, conforme já salientado, há 12 que têm uma relação dívida pública/PIB superior ao teto de 60% estabelecido por Maastricht, o que exige um ajustamento difícil. Se o mesmo critério fosse estabelecido no Mercosul, todos os países já estariam cumprindo a exigência. Em outras palavras, os custos do ajustamento fiscal na região, primeiro, não são novos - no sentido de que já vêm sendo assimilados pela população - e, segundo, provavelmente seriam menores do que nos países da UE.

A flexibilização da legislação trabalhista, por sua vez, é uma meta que já vem sendo perseguida, em maior ou menor grau, pelos países do Mercosul. Além disso, não se pode comparar a rigidez do mercado de trabalho - e os obstáculos que isso impõe ao ajustamento não-inflacionário do mercado de trabalho - da região ao da Europa ocidental. Como disse o ex-presidente do Banco Central da Argentina, José Luis Machinea, em debate recente a respeito da situação do seu país, “com 17 % de desemprego, o mercado de trabalho torna-se flexível, por definição”. No Brasil, com os altos índices de subemprego existentes, vale o mesmo raciocínio. Essa situação, mais as mudanças legais que provavelmente serão implementadas nos próximos anos, dificilmente permitem prever que o tema da legislação trabalhista possa ser um óbice sério para uma eventual unificação monetária no âmbito do Mercosul. Quanto aos custos da previdência social para o sistema produtivo, é evidente que em países como Argentina, Brasil e Uruguai eles são altos e que a manutenção dos seus atuais sistemas previdenciários, a longo prazo, é inviável, mas também é evidente, justamente por isso, que tais sistemas terão de ser mudados, com ou sem moeda única. Como os países simplesmente não têm alternativas e terão de modificar a previdência social, esta não deve ser vista como um impedimento a essa unificação.

Por último, em relação ao tema da reputação, na medida em que os coeficientes de endividamento público na região são relativamente baixos, que se estabeleçam parâmetros realistas e que se dê tempo para os países se ajustarem, dificilmente ele será um óbice a que se atinja a estabilização monetária. Entre outras coisas, superado o crônico problema das altíssimas inflações argentina e brasileira, não haveria nada tão complicado como é, por exemplo, para a unificação monetária europeia, a assimilação da situação fiscal da Itália ou da Grécia.

Isto posto, se a eventual unificação monetária dos países do Mercosul não enfrentaria nada parecido com as resistências ligadas à idiossincrasia nacional como as que, por exemplo, existem na Grã-Bretanha em relação à UME40 40 Entre outras coisas, porque para o cidadão comum não é a mesma coisa acabar com moedas nacionais seculares, como as da Europa, que com moedas de países que trocaram a sua moeda nacional várias vezes, nas últimas três décadas, devido à alta inflação, como é o caso no Brasil e na Argentina. É interessante destacar que o país europeu que maiores obstáculos tem colocado à unificação monetária é a Inglaterra, justamente aquele cuja moeda tem uma maior tradição de servir como referência internacional. No Mercosul, onde essa tradição não existe, a resistência associada à idiossincrasia nacional, em função disso, seria certamente menor. ; se as dificuldades de coordenação entre os quatro membros originais do Mercosul tenderiam a ser muito menores do que as que existem entre um grupo de países que vai da Alemanha até a Grécia - com indicadores fiscais completamente contrastantes entre si -; se os sacrifícios a serem enfrentados seriam certamente menores do que aqueles que estão sendo enfrentados pelos países da UE que estão sendo obrigados a implementarem quedas drásticas dos seus déficits públicos, em um curto período de tempo; e se, em contrapartida, a unificação monetária acarretaria vantagens importantes para os países do Mercosul, essa é uma ideia que mereceria ser devidamente analisada.

Uma unificação monetária era absolutamente impensável na região até pouco tempo atrás, em virtude de dois grandes obstáculos. Primeiro, as taxas de inflação recorde da Argentina e do Brasil tornavam qualquer proposta desse tipo um exercício inútil. E, segundo, sem a existência de livre comércio entre os países, não dava sequer para começar a pensar no assunto.

Agora, porém, a situação mudou radicalmente. A inflação na região é baixa e, até o início da próxima década, os quatro países fundadores do Mercosul deverão constituir uma área de livre comércio pleno, sem exceção de qualquer produto. Persistiriam ainda duas objeções. A primeira, a de que seria difícil conceber o êxito de uma iniciativa unificadora no Mercosul quando na Europa se assiste a tantos problemas para cumprir os acordos de Maastricht. A segunda, a de que seria preciso tempo para consolidar o Mercosul, antes de pensar em dar passos mais ousados. Em relação à primeira crítica, já vimos que os problemas não têm por que implicar a inviabilização da unificação europeia e que eles poderiam ser até mesmo menores no Mercosul. Já no que diz respeito ao tempo, há dois pontos a lembrar: de um lado, não se está propondo a unificação monetária no Mercosul para já e sim para daqui a 15 anos; de outro, os desafios da globalização impõem hoje uma velocidade aos fatos econômicos muito maior do que quando a Europa começou a sua integração, há algumas décadas. Se a Europa tivesse formado a sua área de livre comércio apenas nos anos 80 e não antes, talvez estaria tão empenhada na unificação monetária da mesma forma como está hoje e não esperaria até 2020 ou 2030 para dar esse passo.

De certa forma, atualmente os países do Mercosul têm algumas das desvantagens alegadas no debate da unificação europeia, sem ter as vantagens disso. De fato, estão comprometidos, na sua maioria, com programas anti-inflacionários ambiciosos, lutam para controlar o déficit fiscal e têm problemas de emprego, ao mesmo tempo em que não têm os benefícios que, em compensação, poderiam advir da unificação. Consequentemente, mantidas as atuais políticas, persistindo a inflação baixa e dominado o desequilíbrio fiscal, haveria um forte incentivo para aderir a um sistema de moeda única.

5. A IMPORTÂNCIA RELATIVA DA PERDA DE SOBERANIA

A perda de soberania é um dos argumentos mais utilizados contra a unificação monetária. Isso porque esta representa uma renúncia ao uso de instrumentos clássicos de política econômica, em particular a política cambial. Até que ponto, porém, isso é algo tão grave a ponto de poder inviabilizar essa unificação? O que os críticos deixam de levar em conta é que a perda de instrumentos é muito menos grave em caso de unificação do que quando a medida é tomada por um país isoladamente, seja pela definição de uma meta de ajuste fiscal em lei - como se tentou nos EUA com o projeto Gramm-Rudman -, pela independência do Banco Central - que limita a política fiscal e eventualmente também a cambial -, ou pela adoção de alguma forma de currency board ou de mecanismo de convertibilidade à Argentina - que impede as autoridades de fazerem política cambial.

Tomadas isoladamente, essas medidas podem trazer benefícios em termos de estabilização, mas implicam uma perda de instrumentos que potencialmente pode aumentar a fragilidade do país. Quando esse abandono de instrumentos se dá no contexto de uma integração monetária, porém, a situação é completamente diferente. Primeiro, porque o grau de heterogeneidade entre os países tende a diminuir, pela mesma razão que o desempenho das economias estaduais - que são ligadas a uma realidade comum, isto é, a performance da economia nacional - tende a ser mais homogêneo que a evolução de países diferentes entre si. E segundo, porque os eventuais problemas de um país tendem a ser objeto de tratamento por parte dos demais, que não são indiferentes a esses problemas. O primeiro argumento significa que uma alta inflação ou uma recessão particularmente forte, seria muito menos provável de ocorrer, em um país isoladamente - mas que fosse parte de uma união monetária -, do que hoje. E o segundo argumento implica que em casos extremos, haveria custos que teriam de ser socializados, da mesma forma que uma catástrofe material ou financeira em um Estado, de alguma forma, em um país federativo, tende a gerar o socorro federal, ou seja, na prática, dos demais Estados.

O que se quer frisar com isto é que as questões levantadas pela unificação envolvem mais problemas típicos do debate sobre questões federativas - que região paga o quê, onde vão ser feitos os investimentos, qual o raio de manobra de cada região/Estado para fazer política fiscal autônoma etc. - que questões da macroeconomia usual com a qual os economistas estamos acostumados a lidar no caso das economias nacionais41 41 É indicativo, a respeito deste ponto, citar o Artigo 103A, segundo parágrafo, do Tratado de Maastricht, do qual, para evitar problemas de interpretação, cita-se a versão do original em francês: “Lorsqu’un Etat membre connait des difficultés, ou une menace sérieuse de graves difficultés, en raison d’événements exceptionnels échappant à son contrôle, le conseil, statuant à l ‘unanimité sur proposition de la Commission, peut accorder, sous certaines conditions, une assistance financiêre communautaire à l’Etat membre concerné”. O paralelo entre a controvérsia que suscitaria essa ajuda a um país específico, no âmbito da UME e a que no Brasil resulta de o governo federal ajudar financeiramente ao estado X e não ao estado Y é evidente. Por outro lado, é claro que o êxito da união monetária baseada em uma política fiscal com tetos comuns a todos os seus membros requer que esse tipo de ajuda só venha a ser dada em condições de fato excepcionais, para evitar que “contamine” a situação fiscal do conjunto dos países dessa união. Para uma análise dos problemas típicos de moral hazard associados a isso e a necessidade de evitar que as autoridades da união monetária sejam perigosamente indulgentes (“to prevent them from indulging in hazardous behaviour”), ver Eichengreen e Von Hagen (1996). .

A tese de que a liberdade de ter instrumentos de política é essencial para o êxito de uma política econômica - em nome da qual se argumenta contra a integração na Europa - deixa de explicar o que poderia causar um desequilíbrio significativo em algum país-membro da unificação42 42 É interessante reproduzir a opinião de Vifials, de que “ ... it is likely that in a future Economic and Monetary Union (EMU) the degree of asymmetry will be even smaller than so far encountered. In particular, there are currently country-specific shocks, resulting from imperfectly coordinated national monetary policies, currency substitution and exchange rate movements, which would disappear instantaneously once EMU were formed and the single monetary policy were implemented” (Vifials, p. 1107). . Vejamos quais desequilíbrios poderiam ser. Há três situações típicas que geram a necessidade de instrumentos de política econômica que poderiam ser perdidos em um processo de unificação: a) uma recessão, que pode induzir os Governos a adotarem políticas fiscais expansionistas; b) uma inflação elevada, que pode estimular os Governos a usarem a política cambial como fator de redução do ritmo de crescimento dos preços; e c) uma crise de Balanço de Pagamentos, que tende a gerar como resultado uma desvalorização. De fato, com tetos fiscais impostos por um acordo de unificação e sem ter mais moeda nacional - e, portanto, política cambial -, um país poderia ter problemas para solucionar esses problemas.

A pergunta que cabe fazer, porém, é se esses problemas são prováveis de ocorrer em um país individualmente43 43 Se os problemas forem comuns a todos os países-membros da união monetária, é evidente que a situação é diferente e alguns desses instrumentos de atuação podem ser recuperados, como por exemplo no caso da política cambial. Esta opção não existe para um país individualmente, mas sim para o conjunto dos países como um todo, através da ação do Banco Central unificado. . E a resposta nos parece clara: não. No caso da recessão, na Europa atual, por exemplo, é possível ter a França em recessão, ao mesmo tempo em que a Grã-Bretanha cresce, mas se ambas aderirem à moeda única, a tendência é que o desempenho dos países se aproxime da média dos mesmos, da mesma forma que ocorre com os estados de um país. Além disso, é possível estabelecer no tratado de unificação monetária do Mercosul que, da mesma forma que na UME, em casos excepcionais, como por exemplo uma recessão intensa, os países estariam autorizados a terem déficits fiscais maiores por um curto período de tempo e que poderiam estimular uma recuperação econômica.

No que tange à inflação, sabe-se que os índices de preços variam entre diferentes regiões de um país, mas é absurdo pensar que um estado possa ter sistematicamente taxas de inflação muito superiores à da média nacional. De modo análogo, é difícil imaginar como, admitindo: a) que as taxas de inflação dos países que participassem do sistema de moeda única fossem similares entre si, no início da vigência do sistema; b) que não existam pressões vindas do câmbio - por definição, dada a existência da moeda única; c) mercados de trabalho relativamente flexíveis; e d) ausência de déficits fiscais elevados - isto é, respeitados os tetos do acordo de unificação -, um país poderia vir a ter problemas sérios em termos do comportamentos dos seus preços a uma taxa muito maior que a do resto dos países-membros da união monetária.

Em relação ao setor externo, cabe lembrar que os problemas de balanço de pagamentos de cada país individualmente tenderiam a perder relevância, em caso de unificação monetária, da mesma forma que têm pouca importância o balanço, por exemplo, entre entradas e saídas de bens de um estado de um país. O que seria relevante seria o balanço de pagamentos global do conjunto formado pelos países com moeda única, já que isso determinaria a relação de preço entre essa moeda e o resto do mundo. Consequentemente, a renúncia à política cambial, em um contexto de unificação monetária, teria uma importância muito menor do que tem em um contexto sem unificação44 44 Como no caso da Argentina depois de 1991. .

Para concluir esta seção, cabe frisar que não se trata de negar que processos de integração envolvam alguma perda de soberania, mas apenas de qualificar devidamente essa perda e cotejá-la com as vantagens que adviriam de um processo de unificação monetária. É da avaliação de que os ganhos sãos maiores do que as perdas que se deriva o posicionamento favorável à unificação adotado no presente trabalho. Como colocado de forma precisa por Masson e Taylor: “The fundamental question implied by membership in a currency union is whether the loss of monetary independence is likely to be more than compensated by reductions in transactions costs and in exchange rate uncertainty, by superior inflation performance, and by the credibility added to the global purpose of economic and policy union. This question is currently most relevant to the European Community .... However, it is also relevant for other potential and existing currency unions, as well as for the entire membership of the International Monetary Fund” (Masson e Taylor, 1992MASSON, Paul & TAYLOR, Mark (1992) “Issues in the Operation of Monetary Unions and Common Currency Areas”. In Goldstein, Morris; Isard, Peter; Masson, Paul & Taylor, Mark, “Policy Issues in the Evolving International Monetary System”. Occasional Paper, nº 96, Washington DC, International Monetary Fund-IMF. , p. 67).

6. UMA PROPOSTA DE CRONOGRAMA PARA DEBATE

Há dois equívocos opostos que devem ser evitados na eventualidade de um debate sobre a unificação monetária dos países do Mercosul tomar corpo. O primeiro é a atitude cética de não levar a ideia adiante com o argumento de que a população não está conscientizada a respeito do assunto. O segundo é o de estabelecer metas excessivamente ambiciosas, que inviabilizem os avanços, em função das resistências que surgiriam.

Em relação ao primeiro aspecto, na medida em que as discussões dos detalhes técnicos envolvidos no assunto são pouco compreensíveis por parte do grande público, é natural que este não acompanhe a evolução dos acordos de integração da mesma forma que os governos, a diplomacia ou o empresariado. Mesmo na Europa, que já há anos tomou a decisão da unificação, esse debate está longe de atingir o conjunto da população45 45 “Monetary union has long been more than an academic curiosity. Despite that, public debate on the subject has been dismally por right across Europe” (The Economist, 1996). . Isso, porém, não tem impedido que se continue evoluindo na direção da moeda única.

Já sobre o segundo risco, na medida em que os habitantes de um país podem aceitar compartilhar a sua moeda com terceiros, mas dificilmente abririam mão de outras características nacionais - como a jurisdição legal, o governo próprio, a língua, a bandeira nacional etc. -, é preciso evitar que a unificação monetária seja “contaminada” por qualquer tentativa de unificação política, algo que despertaria uma animosidade muito maior e que, portanto, deve permanecer inteiramente fora da agenda, por ser totalmente irrealista. Como frisado, corretamente, a respeito destes temas, no mesmo artigo já citado da revista The Economist: “There need be no conflict between the goals [single market and broadest political autonomy for its nation states): it is wrong to argue that further economic integration requires further political integration. If the system’s foundations were properly laid, political autonomy and economic integration could be mutually strenghtening” (The Economist, 1996THE ECONOMIST (1996) “The Wrong Design”, 14 dez., p. 17. ).

O fundamental, na definição dos passos a serem dados em um eventual processo de unificação, é o realismo, no sentido de não deixar de aproveitar as possibilidades potenciais de avançar, nem ir depressa demais, o que poderia prejudicar a viabilidade das metas. Nesse processo, há algumas datas importantes:

  • 1998, quando haverá eleições presidenciais no Brasil;

  • 1999, quando haverá eleições presidenciais na Argentina;

  • 2001, quando acabarão as exceções específicas e ficará estabelecida uma área de livre comércio pleno entre os quatro países fundadores do Mercosul46 46 No que diz respeito à TEC, porém, a convergência entre as tarifas dos quatro países do Mercosul não estará totalmente atingida, já que o cronograma até a unificação, no caso dos bens de capital e de certos produtos eletroeletrônicos, se estende até 2006. ;

  • 2002, quando haverá novas eleições presidenciais no Brasil;

  • 2003, quando haverá novas eleições presidenciais na Argentina.

As duas primeiras datas são importantes porque os dois países mencionados estão fadados a serem os líderes de um eventual processo de unificação e dificilmente, em seu âmbito, as discussões poderão evoluir inicialmente - antes da unificação ganhar impulso - até o estágio decisório, no final da gestão dos respectivos governos. A terceira data é relevante por implicar um pré-requisito para a viabilidade da moeda única. Consequentemente, o timing da decisão política inicial a respeito da unificação monetária no âmbito do Mercosul teria de ser a partir de 1999. Por último, as datas de 2002 e 2003 delimitam, de certa forma, o tempo para a negociação dos termos do possível tratado de anúncio da unificação monetária, durante cuja negociação é importante que haja uma certa continuidade das administrações envolvidas no processo. Nesse sentido, a proposta, basicamente, é que os termos gerais da unificação sejam negociados depois da posse do próximo governo argentino, em 1999, e antes do fim do próximo governo no Brasil, no final de 2002. Esse timing tem a vantagem adicional de permitir que, até 2002, os esforços conjuntos de estabilização das economias da Argentina e do Brasil sejam aprofundados, deixando para atrás a fase mais difícil desse processo. Isso tenderia a facilitar o caminho para a unificação, na medida em que as metas fiscais, nesses países, não implicariam, na margem, os sacrifícios que tantas reações têm gerado no caso dos países da UE, à luz dos critérios de convergência de Maastricht.

Pelo cronograma a ser proposto, os países do Mercosul teriam três anos, entre 1999 e 2002, para negociar os termos de adesão ao tratado de unificação. Note-se que, por mais prematuro que possa parecer refletir em 1997 acerca de um evento a ocorrer em 2002, trata-se de algo que se daria na gestão do próximo presidente da República, de modo que não é descabido colocar essa perspectiva como um dos possíveis pontos da agenda da próxima gestão de governo. Um cronograma tentativo que poderia ser perseguido seria o seguinte:

  • 2002 -Anúncio do tratado de unificação, incluindo o deadline da unificação - a ser estabelecida para 2012 - e os critérios essenciais de convergência - as relações dívida pública/PIB e déficit público/PIB -, até a data de decisão - a ser tomada em 2008 - sobre a “elegibilidade” de cada país47 47 Este tratado seria o “pontapé inicial” da unificação e estaria para o Mercosul como o acordo de Maastricht de 1992 está para a unificação monetária dos países da UE. Nessa fase inicial, seria fundamental unificar os critérios estatísticos para que as variáveis a serem acompanhadas como critérios de convergência fossem apuradas da mesma forma nos diversos países. Isto é especialmente relevante no caso das estatísticas fiscais, em que a abrangência costuma ser diferente em diferentes países. .

  • 2004 - Anúncio das regras específicas complementares a vigorarem com a unificação, definindo os parâmetros não fiscais a serem postulados como metas, tais como as taxas de inflação e de juros e dando um prazo de quatro anos para os países se ajustarem, mediante o cumprimento de um cronograma de harmonização macroeconômica a ser seguido entre 2004 e 200848 48 De preferência, seria conveniente que este anúncio fosse feito no início de 2004. Isso permitiria às respectivas diplomacias dos países concentrarem todas as suas atenções, após isso, na fase final das negociações para o acordo de livre-comércio da ALCA, previsto para ser assinado em 2005. .

  • 2008 - Decisão, por parte do plenário de ministros da Fazenda dos países, acerca de quais entre eles seriam elegíveis para ingressarem no sistema de moeda única.

  • 2009 - Introdução da moeda comum como moeda escritural, em substituição às atuais moedas nacionais, na escrituração e nos balanços bancários.

  • 2011 - Início da circulação da moeda comum como meio de troca, substituindo gradualmente as atuais moedas nacionais.

  • 2012 - Eliminação das atuais moedas nacionais e adoção da moeda comum como moeda única49 49 Portanto, a unificação plena só se daria daqui a 15 anos. Pode parecer uma meta distante, mas observe-se que para isso seria preciso estabelecer as datas do cronograma de unificação até o ano de 2002. .

O cronograma foi estabelecido de modo a não dar margem a eventuais críticas de que possa ter prazos excessivamente otimistas. Note-se, primeiro, que no caso específico do Brasil e da Argentina - que seriam os líderes naturais da unificação monetária -, a moeda única seria estabelecida aproximadamente duas décadas após o início dos seus respectivos processos de estabilização - 21 anos na Argentina e 18 no Brasil - e portanto, espera-se, já com uma certa tradição de inflação baixa. Segundo, que se trata de um conjunto de eventos bastante dilatados no tempo e que entre o tratado de unificação em 2002 e a adoção da moeda única em 2012 deixa um espaço de dez anos, igual ao que se verificaria no caso dos países da UE entre o tratado de Maastricht de 1992 e a moeda única de 2002. Terceiro, que entre o momento atual e o tratado de unificação há um período de cinco anos, perfeitamente suficiente para avançar nos debates preliminares, tanto no âmbito doméstico como nas discussões entre os países. Quarto, que permite que antes do anúncio do tratado da unificação em 2002 se cumpram duas pré-condições para sua viabilidade, quais sejam 1) a existência de uma área de livre comércio irrestrito, a partir de 2001; e 2) a certeza de que a união aduaneira - até agora imperfeita - se transformará em uma união econômica, em função do avanço da negociação entre os países-membros. E quinto, que é uma proposta de cronograma móvel, que estaria sujeito a possíveis modificações, no decorrer das negociações entre os países, podendo ocorrer o que aconteceu no caso da UME, cuja concretização, conforme já assinalado, ocorrerá três anos após o prazo previsto originalmente. O importante, à luz dos argumentos expostos no trabalho, é que se estabeleça a meta da unificação e o processo de convergência se inicie. Alternativamente, se os países desejarem só fazer o anúncio da unificação após o aprofundamento da integração, todas as datas podem se deslocar algum tempo à frente, por exemplo, assinando o tratado da unificação em 2004 - ao invés de 2002 - e estabelecendo a data para a vigência da mesma em 2014 - ao invés de 2012. O propósito deste artigo foi o de contribuir para o início do debate sobre a unificação monetária no Mercosul e não propriamente o de defender um cronograma específico para se chegar à moeda única.

Cabe agora fazer referência aos pontos mais importantes a respeito dos quais seria importante pensar, na fase inicial de uma eventual negociação entre os países. Outras questões, como por exemplo a regra cambial de convergência até a unificação, poderiam ser deixadas para depois. As questões inicialmente mais relevantes seriam:

  1. a unificação dos demais mercados que não o monetário;

  2. a amplitude geográfica da unificação monetária;

  3. os critérios de convergência macroeconômica;

  4. a moeda a ser escolhida;

  5. a sede do Banco Central unificado;

  6. a direção do Banco Central unificado; e

  7. a forma de decisão.

O primeiro ponto refere-se à abertura das fronteiras, no interior do Mercosul, para a harmonização dos mercados de bens, serviços, capital e mão-de-obra, conjuntamente com a redução das disparidades em matéria fiscal. Isso demandará complexas negociações para a adaptação das legislações nacionais envolvendo os campos financeiro, cambial, trabalhista, de transportes e comunicações e tributário, o que poderá inclusive implicar na criação de uma burocracia do Mercosul. Trata-se de pontos que já constam na agenda de debates do Mercosul para os próximos anos. O esforço em favor dessa convergência, porém, terá de ser naturalmente muito mais intenso, na perspectiva de uma unificação monetária entre os seus países-membros.

A questão da amplitude da unificação está ligada em parte à adesão ou não a ela por parte do Chile e da Bolívia. Por um lado, em termos macroeconômicos, trata-se de países que estabilizaram suas economias há mais tempo, por exemplo, que Brasil e Argentina. Por outro lado, têm regimes comerciais diferentes, só recentemente ganharam um status especial no Mercosul - sem chegar a serem membros com o mesmo status dos fundadores - e terão mais tempo até convergir para uma área de livre comércio comum com os quatro países fundadores deste. Uma alternativa possível seria ter uma meta de unificação com esses países, porém para uma “segunda rodada”, alguns anos mais tarde.50 50 Cabe lembrar que tende a haver uma contradição entre as metas de ampliar geograficamente uma associação de países e de aprofundar a integração entre os membros já existentes. Quanto maior o número de países, maior é a diversidade e mais difícil tende a ser a integração. Portanto, a estratégia de começar a união monetária apenas entre os quatro países fundadores do Mercosul, para só depois ampliá-la a outros, parece claramente mais recomendável. O mesmo raciocínio valeria para uma possível “terceira rodada”, com novos parceiros, como a Venezuela ou outros países andinos.

Em relação aos critérios de convergência macroeconômica, seria interessante estabelecer metas mais rígidas que no caso dos países europeus, mas dentro de certos limites de realismo, como forma de incentivar a confiança do resto do mundo no acordo de unificação, ao mesmo tempo, porém, sem estabelecer metas irrealistas. Apenas a título de sugestão, propõem-se - para 2006 - tetos de déficit nominal de 2,5 % do PIB e dívida de 40 % do PIB, esta última correspondente a 2/3 dos limites de Maastricht51 51 Para entender a razão do teto de 2,5% do PIB de déficit, ver Giambiagi (1997). . Paralelamente, para reforçar o compromisso com a unificação, seria desejável estabelecer uma meta de teto inflacionário, que poderia ser algo maior do que a inflação internacional até a unificação - como, por exemplo, 4% a.a. -, porém mais rígida depois - por exemplo, 3% a.a.

As questões do nome da moeda, da sede e da composição da diretoria do Banco Central unificado estão relacionadas entre si52 52 O Banco Central unificado teria uma série de atribuições, algumas das quais, eventualmente, poderiam anteceder a unificação monetária. Entre as atribuições que lhe caberiam, estariam a unificação dos sistemas bancários - incluindo, por exemplo, a compensação de cheques - e das atividades regulatórias. Mesmo com a criação de um Banco Central supranacional, os Bancos Centrais locais poderiam continuar existindo, na qualidade de agências regionais, como ocorre com as sedes regionais do FED nos EUA. . Dada a necessidade de estabelecer certo equilíbrio geopolítico entre os países que ingressariam no sistema de moeda única, especialmente entre Brasil e Argentina, no caso do Banco Central único, uma escolha natural é que o país que for a sede - se for um desses dois - deixe a presidência ser ocupada por um natural do outro país. Isso provavelmente satisfaria a ambos os países, mas seria preciso contemplar a compensação a ser dada aos países menores. Outra alternativa seria usar o nome da moeda única como “moeda de troca” nessa negociação, já que se a moeda única adotar a nomeação de alguma das moedas já existentes, naturalmente o país dessa moeda teria de abdicar de alguma pretensão.

O tema da forma de decisão diz respeito aos novos assuntos que entrariam na pauta do relacionamento entre os países do Mercosul e destes com os demais. Isso porque, no intuito de evitar o predomínio do Brasil e da Argentina, acordou-se entre os países do Mercosul que as decisões deste devem se dar por consenso. Na medida, porém, que se caminhe para o tratamento de temas econômicos cada vez mais complexos, que vão muito além das questões comerciais, há dúvidas de se essa modalidade de operação seria realista, por minimizar excessivamente, na esfera decisória, o peso dos países mais fortes. Uma proposta que não seja a adoção de uma ponderação econômica pura e simples seria manter a exigência de que as decisões sejam consensuais para determinados assuntos e, para outros, adotar um sistema de ponderação qualificada53 53 Por este sistema, o peso dos países pequenos seria maior do que a importância relativa das suas variáveis macroeconômicas, mas menor do que o peso atual, que na prática é de 25%. .

Por último, é importante inserir a discussão a respeito da nossa proposta no contexto de uma reflexão mais ampla a respeito do futuro do Mercosul. Mesmo quem se revela cético a respeito de uma integração da região que vá além da união aduaneira, reconhece que a falta de coordenação macroeconômica pode ser um impedimento a um aprofundamento da integração comercial na região, devido aos efeitos da instabilidade cambial sobre os fluxos de comércio e de investimento (Abreu e Bevilaqua, 1995ABREU, Marcelo de Paiva & BEVILAQUA, Afonso (1995) “Macroeconomic coordination and economic integration: lessons for a Western Hemisphere Free Trade Area”. Texto para Discussão nº 340, PUC/RJ, Departamento de Economia, 40 páginas, nov. )54 54 Para uma avaliação quantitativa acerca dos ganhos de bem-estar resultantes da integração no âmbito do Mercosul, especificamente entre Brasil e Argentina, ver Ferreira e Moura e Silva, 1996. . Aceita essa tese e admitindo que a falta de um maior aprofundamento dessa integração ou até mesmo a ameaça de um retrocesso seja um risco de longo prazo para a região, há duas perguntas que cabe fazer55 55 A respeito dos riscos que a ausência de uma maior coordenação macroeconômica pode representar para processos de integração comercial, vale lembrar os apelos de lideranças políticas de alguns países da Europa em favor de sanções econômicas contra os países europeus cujas moedas se depreciaram - nas palavras deles - “excessivamente”, afetando a competitividade relativa das exportações de cada país no interior da UE, após as crises cambiais na região de 1992 e 1993. No contexto europeu, a necessidade de evitar as ameaças à integração comercial intra-regional - associadas à instabilidade cambial no interior da UE - é reconhecida como um forte argumento em favor da unificação monetária, inclusive por críticos do Tratado de Maastricht. Ver, por exemplo, Eichengreen (1993). . A primeira é: “É possível ter uma coordenação macroeconômica, sem integração monetária?”. E a segunda é: “A moeda única favorece essa coordenação?”. A resposta à primeira pergunta, à luz do acontecido até agora na história do Mercosul, é “não”. Quanto à segunda, a coordenação é a essência da unificação, cuja base seriam justamente os parâmetros de convergência macroeconômica referentes às variáveis fiscais, monetárias e de preço.

Estas são, enfim, algumas questões preliminares para discussão, sem qualquer intuito de chegar a alguma definição a respeito. O importante é iniciar um debate que, embora ainda não tenha começado, poderia ser enriquecido ao longo dos próximos anos e permitir que se chegue a um acordo de integração comercial cum unificação monetária, com um grande potencial de benefícios - na nossa opinião - para cada um dos países membros.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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  • THE ECONOMIST (1996) “The Wrong Design”, 14 dez., p. 17.
  • THORSTENSEN, Vera et al. (1994) O Brasil frente a um mundo dividido em blocos. São Paulo, Nobel.
  • 1
    Para uma análise mais detalhada da origem do Mercosul, bem como da composição do seu comércio intra-regional, ver Thorstensen et al. (1994THORSTENSEN, Vera et al. (1994) O Brasil frente a um mundo dividido em blocos. São Paulo, Nobel. , capítulo 6) e Rego (l995REGO, Elba Cristina (1995) “O processo de integração no Mercosul”. Revista do BNDES, nº 3, jun., pp. 167-196. ).
  • 2
    A união aduaneira também não é plena, por enquanto, já que persistem algumas exceções, sujeitas a um cronograma, até que ocorra a convergência das tarifas.
  • 3
    No caso desses países, o que há são acordos ou negociações envolvendo o conceito chamado, genericamente, de “4 + 1 “, consistente em um esquema no qual uma área geográfica de países com algum acordo em comum é ampliada para outros. Isso significa que os países que se integram posteriormente irão compartilhar algumas características do acordo original, mas não necessariamente todas as características do acordo original. Especificamente, neste caso, nem os novos países fazem parte da união aduaneira, nem têm status de sócios do Mercosul como entidade jurídica. É possível especular, contudo, que futuramente, mesmo não formando parte da união aduaneira, Chile e os demais países venham a fazer parte, formalmente, do Mercosul. No caso específico dos cinco países do Pacto Andino, a rigor, a negociação evoluiu de uma negociação de tipo “4 + 1” para uma negociação “4 + 5”, com a Bolívia acompanhando os entendimentos. Entretanto, como a fórmula vem se revelando complicada, devido à dificuldade de articulação andina, acredita-se que as negociações entre o Mercosul e tais países acabem concluindo em separado, inicialmente com a Venezuela e depois, possivelmente, com a Colômbia.
  • 4
    Um exemplo deste tipo de ceticismo é a ideia de que “se a Argentina e o Brasil sequer conseguem se colocar de acordo sobre o regime automobilístico, como vão poder concordar em coisas muito mais ambiciosas?”, dita a este autor por um economista argentino, ao conversar sobre a proposta que é objeto deste trabalho. Entretanto, note-se que algumas das discussões referentes ao contencioso entre Brasil e Argentina, que ocupam por vezes o noticiário dos jornais, envolvem questões comuns aos debates internos dentro de cada país relacionados com disputas federativas, como o conflito Sul vs. Norte no Brasil ou a relação Buenos Aires vs. províncias na Argentina. Tais conflitos, porém, não impedem que nesses países a Federação funcione. Em outras palavras, na medida em que os países formem acordos regionais, a tendência é que surjam nas relações entre eles atritos próprios das controvérsias sobre a alocação espacial de recursos, inerentes a qualquer país grande.
  • 5
    A rigor, estamos falando de um processo histórico de mais de duas décadas e meia, já que a origem do Mercosul remonta aos acordos bilaterais entre Brasil e Argentina de 1986, ou seja, 26 anos antes do prazo para a unificação monetária, proposta no artigo para 2012. Portanto, seria um processo não tão longo quanto o do amadurecimento da Comunidade Econômica Europeia, porém, de qualquer forma, bastante extenso.
  • 6
    Para uma descrição detalhada das características do Tratado de Maastricht, ver Taylor (1995TAYLOR, Christopher (1995) EMU 2000? - Prospects for European Monetary Union. London, The Royal Institute of International Affairs. ), especialmente os capítulos 2 e 3.
  • 7
    A proposta foi conhecida como “Relatório Werner” e foi a origem da formação da “serpente” europeia, que estabeleceu paridades relativamente rígidas entre as moedas europeias - com uma pequena margem de flutuação - em 1972.
  • 8
    Para entender o debate sobre a unificação monetária na Europa no final dos anos 80/início dos anos 90 ver, entre outros, a coletânea de De Cecco e Giovannini (1989DE CECCO, Marcello & GIOVANNINI, Alberto (ed.) (1989) A European Central Bank? - Perspectives on monetary unification after ten years of the EMS. Cambridge, Centre for Economic Policy Research, Cambridge University Press. ) e também Gretschmann (1993GRETSCHMANN, Klauss (1993) Economic and Monetary Union: Implications For National Policy-Makers. Massachussets, Kluwer Academic Norwell. ), Collignon, Bofinger, Johnson e De Maigret (1994COLLIGNON, Stefan; BOFINGER, Peter; JOHNSON, Christopher & DE MAIGRET, Bertrand (1994) Europe’s Monetary Future. Rutherford, Fairleigh Dickinson University Press, New Jersey. ) e Laursen (1995LAURSEN, Finn (ed.) (1995) The Political Economy of European Integration. Netherlands, Institut Européen d’Administration Publique. ). Naquela coletânea, em particular, ver Cohen (1989COHEN, Daniel (1989) “The costs and benefits of a European currency”. In De Cecco, Marcello & Giovannini, Alberto (edit.) A European Central Bank? - Perspectives on monetary unification after ten years of the EMS. Cambridge, Centre for Economic Policy Research, Cambridge University Press. ) e nele, especialmente, a seção 4, para entender os argumentos em defesa da unificação cambial, alguns anos antes do Tratado de Maastricht. Para uma análise dos aspectos especificamente políticos envolvidos nas decisões de cada país ligadas à unificação, ver Sandholtz (1993SANDHOLTZ, Wayne (1993) “Coosing Union: Monetary Politics and Maastricht”. International Organization, 47, 1, Winter, pp. 1-39. ).
  • 9
    Em 1996, a média simples de inflação dos 15 países da UE foi de 2,6%. A média dos três países de inflação mais baixa foi de 1, %.
  • 10
    Em 1996, a média simples da taxa de juros de longo prazo entre os 15 países da UE foi de 8,2%. A média dessa mesma taxa nos três países de inflação mais baixa foi de 6,7%.
  • 11
    No futuro, deverá ser definido um mecanismo cambial que regule a relação entre o euro e as moedas dos países que não tiverem aderido à unificação monetária, mas que continuem fazendo parte do mercado comum europeu.
  • 12
    Este cronograma é o que está atualmente vigente. O cronograma original previsto em 1992, entretanto, era mais ambicioso e previa a conclusão do processo em 1999, ao invés de 2002.
  • 13
    Em 1996, só 3 países entre os 15 da UE tiveram dívidas inferiores ao limite de 60% do PIB e também apenas 3 países apresentaram déficits públicos de até 3% do PIB. Deles, apenas Luxemburgo respeitou os dois limites simultaneamente.
  • 14
    Na avaliação de Sir Nicholas Henderson, ex-Embaixador britânico nos EUA, França e Alemanha, “pelo menos dez países estão inclinados a aderir à moeda única quando ela entrar em vigor. Eles não podem ter certeza de que ela vá funcionar. Mas estão convencidos de que precisa funcionar, e estão preparados para enfrentar os riscos e problemas que deverão surgir” (Henderson, 1996HENDERSON, Nicholas (1996) “Um país que não sabe o que quer”. The Economist, reproduzido em Gazeta Mercantil, 13 dez. ).
  • 15
    O tema da soberania voltará a ser tratado com mais detalhes na seção 6 do trabalho.
  • 16
    Ver, por exemplo, Svensson (1994SVENSSON, Lars (1994) “Why Exchange Rate Bands? Monetary Independence in Spite of Fixed Exchange Rates”. Journal of Monetary Economics, vol. 33, nº 1, February, pp. 157-200. ).
  • 17
    Há uma questão subjacente a estas questões e que diz respeito à reputação e que consiste em até que ponto compromissos formais implicarão uma austeridade efetiva a médio e longo prazos, especialmente no caso dos países com um histórico de déficits maiores. Isso significa, nas palavras cruas de um dos correspondentes do Financial Times na Europa, que” ... even if the ambitious targets are met, it may be tricky for the Mediterranean countries to persuade northern colleagues that the improvement will last” (Flanders, 1996FLANDERS, Stephanie (1996) “A Deficit of Credibility”. Financial Times, 21 out. ).
  • 18
    Nas palavras de Peter Sutherland, um dos maiores defensores da unificação monetária e último secretário-geral do GATT, “para a maioria dos países-membros da União Europeia, o fundamento lógico da união monetária consiste em sua contribuição à estratégia política mais ampla da integração europeia .... Já é hora de aceitar a natureza essencial do processo de integração europeia; não se trata de perder a nacionalidade, mas de sacrificar algum grau de soberania” (Sutherland, 1997SUTHERLAND, Peter (1997) “Em defesa da União Monetária europeia”. Foreign Affairs, edição brasileira, jan. ).
  • 19
    A informação recente de que a Toyota poderia descartar a implantação de uma nova fábrica na Inglaterra, se esta não aderir à unificação monetária europeia, é um exemplo claro disso.
  • 20
    No caso específico do debate sobre a soberania monetário/cambial dos países europeus, conforme corretamente lembrado por um dos leitores da primeira versão do presente trabalho, há uma certa dose de irrealismo na suposição de que, com exceção da Alemanha, exista algum outro Estado em condições de dispor plenamente de tal faculdade. A rigor, nos últimos anos, até mesmo a França tem atrelado a sua política em matéria de taxas de juros às decisões do Bundesbank, que funcionaria, de certa forma, como uma espécie de “garante” (fender of credibility) europeu. Segundo essa interpretação, com a união monetária acompanhada de um Banco Central europeu, é como se a Alemanha cedesse postos no board do Bundesbank a representantes de países que sofrem até agora passivamente os efeitos das decisões emanadas de Frankfurt, em troca de uma maior consolidação política da UE. Para uma análise que contesta a tese da dominância da política monetária alemã no contexto europeu, ainda que referente ao final dos anos 80, ver Fratianni e Von Hagen (1990FRATIANNI, Michelle & VON HAGEN, Juerguen (1990) “German Dominance in the EMS: The Empirical Evidence”. Open Economies Review, 1, pp. 67-87. ).
  • 21
    Esta postura ganhou a adesão pública, inclusive, do ex-presidente Valery Giscard D’Estaing.
  • 22
    Haveria também uma outra consequência negativa da desvalorização, representada pela perda real de valor - medido em moeda estrangeira - da riqueza nacional. A importância relativa disto, porém, dependeria de cada país e do grau de integração do mercado de ativos do mesmo em relação ao resto do mundo.
  • 23
    Gazeta Mercantil, 28 out. 1996.
  • 24
    Talvez o episódio mais emblemático dessa mudança de postura dos países da UE tenha sido a abolição do sistema de aumentos salariais conhecido como scala mobile, na Itália, em 1992. Para uma análise dos custos da desinflação e dos problemas associados à rigidez da legislação trabalhista, ver Grauwe (1990GRAUWE, Paul de (1990) “The Cost of Disinflation and the European Monetary System”. Open Economies Review, 1, pp.147-173. ).
  • 25
    Entre os 15 países da UE, atualmente há três deles - Itália, Bélgica e Grécia - cuja dívida pública é superior ao PIB.
  • 26
    Várias das questões tratadas a seguir foram discutidas pioneiramente em Araújo (1992ARAÚJO, José Tavares Jr. (1992) “A opção por soberanias compartidas na América Latina: o papel da economia brasileira”. Revista de Economia Política, vol. 12, nº 1, pp. 90-106. ). O contexto atual, porém, após o Plano Real e com a economia argentina tendo um retrospecto de vários anos de inflação baixa, é muito mais propício para a viabilização das propostas ali discutidas.
  • 27
    A este respeito, é útil citar também as palavras de Almeida (1993ALMEIDA, Paulo Roberto (1993) O Mercosul no contexto regional e internacional. São Paulo, Edições Aduaneiras. ) sobre o Mercosul, ao considerar que a “missão histórica” deste” ... é a de permitir ao Brasil realizar um aprendizado de geoeconomia antes de passar a exercer a geoestratégia em que parece ter se convertido a nova ordem econômica mundial” (Almeida, 1993ALMEIDA, Paulo Roberto (1993) O Mercosul no contexto regional e internacional. São Paulo, Edições Aduaneiras. , p. 16, apud Rego, 1995REGO, Elba Cristina (1995) “O processo de integração no Mercosul”. Revista do BNDES, nº 3, jun., pp. 167-196. , p. 193). Nesse sentido e, especificamente, no timing a ser proposto no artigo - antes da concretização do acordo da Área de Livre Comércio das Américas-ALCA -, a unificação monetária constituiria, de certa forma, um passo decisivo e marcaria a consolidação desse processo.
  • 28
    Para algumas das vantagens teóricas da unificação monetária, ver o artigo precursor de Mundell (1961MUNDELL, Robert (1961) “The Theory of Optimum Currency Areas”. American Economic Review, vol. 51, September, pp. 657-665. ). Ele foi quem primeiro destacou que o espaço natural de uma moeda pode não ser necessariamente o de uma nação. Ver também Narassiguin (1993NARASSIGUIN, Philippe (1993) L’Unification Monetaire Européenne. Paris, Economica. ), especialmente o capítulo II. Para uma análise mais abrangente sobre prós e contras da unificação monetária, ver o excelente resumo da literatura que aparece em Grauwe (1995GRAUWE, Paul de (1995) “Monetary Union and Convergence Economics”. European Economic Review, vol. 40, nº 3-5, Papers and Proceedings of the Tenth Annual Congress of the European Economic Association, 1-4 set., Praga, pp. l091-11O1. ).
  • 29
    Nas palavras de Sandholtz, uma união monetária representa” ... the highest possible level of credibility; monetary union would once and for all ‘tie their hands’ [dos seus países-membros] ... and ... be more credible than unilateral pegging to a strong currency because the latter could be undone at any time .... In fact, monetary union would provide price stability for governments that would be unable, for domestic political reasons, to achieve it on their own” (Sandholtz, 1993SANDHOLTZ, Wayne (1993) “Coosing Union: Monetary Politics and Maastricht”. International Organization, 47, 1, Winter, pp. 1-39. , p. 35). As vantagens de “amarrar as próprias mãos” são expostas no artigo de Giavazzi e Pagano (1988GIAVAZZI, Francesco & PAGANO, Marco (1988) “The Advantages of Tying One’s Hands: EMS Discipline and Central Bank Credibility”. European Monetary Review, 32, pp. 1055-1075. ) sobre o sistema monetário europeu.
  • 30
    Isso seria uma decorrência da maior confiança, do ponto de vista dos investidores, do efeito de ter, como afirma Dornbusch no caso da integração monetária europeia, “autoridades monetárias e fiscais por toda a região gerenciando contas públicas comprimidas” (Dornbusch, 1997DORNBUSCH, Rudiger (1997) “Muitas questões a resolver”. Business Week, reproduzido em Gazeta Mercantil, 6 jan. ). Na frase original de Dornbusch, fala-se em “Europa”, em vez de “região”.
  • 31
    Hoje, quem instala uma fábrica de automóveis no Rio Grande do Sul, por exemplo, pensando em exportar para a Argentina, assume um risco que, com a unificação monetária, desapareceria.
  • 32
    Primeiro, porque as chances de ter uma região inteira com políticas desequilibradas é menor do que a de ter um país individualmente desequilibrado; e segundo, porque a margem de manobra individual de cada país para mudar o câmbio seria nula, já que esse instrumento seria perdido.
  • 33
    No caso da Europa, estima-se que a eliminação de custos de transação represente uma economia da ordem de 0,4 % do PIB do conjunto dos países beneficiados, devido ao desaparecimento das comissões de intermediação do sistema financeiro (CCE, 1990COMMISSION DES COMMUNAUTÉS EUROPÉENNES-CCE (1990) “Marché unique, monnaie unique: une évaluation des avantages et des coüts potentiels de la création d’une union économique et monétaire”. Economie Européenne, nº 44, out. , apud Narassiguin, 1993NARASSIGUIN, Philippe (1993) L’Unification Monetaire Européenne. Paris, Economica. , p. 107).
  • 34
    Note-se que a maioria das vantagens e desvantagens de uma unificação monetária são inerentes ao processo, independentemente da sua localização geográfica. Entretanto, o peso de cada um desses pontos pode variar, dependendo das regiões. Tomem-se os que podem ser considerados a principal vantagem e a principal perda, do ponto de vista econômico: o benefício da credibilidade da estabilidade e da política anti-inflacionária, de um lado; e o prejuízo da perda de autonomia, de outro. O primeiro benefício parece-nos inquestionável que seja maior no Mercosul do que na Europa, já que, no momento, os mercados ainda têm algumas dúvidas acerca do futuro da estabilidade na América Latina a longo prazo, enquanto ninguém em sã consciência pode esperar um descontrole da inflação na próxima década na Alemanha ou na França, mesmo se Maastricht fracassar. Quanto ao tema da perda de autonomia, parece-nos também evidente que economias de médio porte, como o Brasil ou a Argentina, são mais vulneráveis do que grandes potências como as que lideram o processo de integração europeia e que, portanto, aqueles dois países já tem um grau de autonomia mais limitado, de modo que a questão da perda de autonomia tem um peso maior na UME do que teria no caso de uma unificação monetária no Mercosul. Naturalmente, estamos tratando do assunto em termos relativos - UME vs. Mercosul - e o que foi dito é perfeitamente compatível com o reconhecimento das limitações da autonomia da política monetária, por exemplo, na França diante da Alemanha.
  • 35
    Para uma discussão acerca das vantagens das “soberanias compartidas”, ver o artigo mencionado de Araújo (1992ARAÚJO, José Tavares Jr. (1992) “A opção por soberanias compartidas na América Latina: o papel da economia brasileira”. Revista de Economia Política, vol. 12, nº 1, pp. 90-106. ).
  • 36
    Esta afirmação, porém, é válida sempre e quando o país que eventualmente adote uma desvalorização autônoma não for o Brasil, já que a participação do comércio com este em relação ao resto do mundo, nos demais países do Mercosul, é bastante alta.
  • 37
    Isto porque, no Mercosul, o comércio intra-regional representa 10% do comércio externo total da região, enquanto na UE esse percentual é de 38% (Abreu e Bevilaqua, 1995ABREU, Marcelo de Paiva & BEVILAQUA, Afonso (1995) “Macroeconomic coordination and economic integration: lessons for a Western Hemisphere Free Trade Area”. Texto para Discussão nº 340, PUC/RJ, Departamento de Economia, 40 páginas, nov. , Tabela 2.2).
  • 38
    É interessante notar que isto levanta problemas com alguma semelhança com os que se verificam em um país com grande extensão territorial e diversidade econômica, como o Brasil, na presença de um desafio externo que atinge de forma diferente a diferentes regiões. A recente migração de indústrias produtoras de calçados do Sul para o Nordeste é um exemplo disso e decorre do mesmo constraint mencionado no parágrafo, associado à rigidez cambial - embora, no caso atual, seja uma rigidez auto-imposta e não institucional. De qualquer forma, o importante é registrar que os salários dessa indústria no Rio Grande do Sul devem cair para que as empresas que estão migrando possam ser competitivas, da mesma forma que, no caso de unificação monetária, os salários de um país que tivesse um desequilíbrio externo estrutural que não fosse compartilhado pelos seus demais sócios também teriam de diminuir.
  • 39
    É verdade que isso depende, entre outras coisas, do grau de heterogeneidade do grupo de países. Referimo-nos aqui, entretanto, especificamente, aos critérios de convergência macroeconômica para a viabilização da unificação monetária. Nesse sentido, é natural esperar que em um grupo de quatro países, a possibilidade de ter algum “caso-problema” para respeitar os parâmetros acordados tenderia a ser menor do que em um universo de países três ou quatro vezes maior.
  • 40
    Entre outras coisas, porque para o cidadão comum não é a mesma coisa acabar com moedas nacionais seculares, como as da Europa, que com moedas de países que trocaram a sua moeda nacional várias vezes, nas últimas três décadas, devido à alta inflação, como é o caso no Brasil e na Argentina. É interessante destacar que o país europeu que maiores obstáculos tem colocado à unificação monetária é a Inglaterra, justamente aquele cuja moeda tem uma maior tradição de servir como referência internacional. No Mercosul, onde essa tradição não existe, a resistência associada à idiossincrasia nacional, em função disso, seria certamente menor.
  • 41
    É indicativo, a respeito deste ponto, citar o Artigo 103A, segundo parágrafo, do Tratado de Maastricht, do qual, para evitar problemas de interpretação, cita-se a versão do original em francês: “Lorsqu’un Etat membre connait des difficultés, ou une menace sérieuse de graves difficultés, en raison d’événements exceptionnels échappant à son contrôle, le conseil, statuant à l ‘unanimité sur proposition de la Commission, peut accorder, sous certaines conditions, une assistance financiêre communautaire à l’Etat membre concerné”. O paralelo entre a controvérsia que suscitaria essa ajuda a um país específico, no âmbito da UME e a que no Brasil resulta de o governo federal ajudar financeiramente ao estado X e não ao estado Y é evidente. Por outro lado, é claro que o êxito da união monetária baseada em uma política fiscal com tetos comuns a todos os seus membros requer que esse tipo de ajuda só venha a ser dada em condições de fato excepcionais, para evitar que “contamine” a situação fiscal do conjunto dos países dessa união. Para uma análise dos problemas típicos de moral hazard associados a isso e a necessidade de evitar que as autoridades da união monetária sejam perigosamente indulgentes (“to prevent them from indulging in hazardous behaviour”), ver Eichengreen e Von Hagen (1996EICHENGREEN, Barry & VON HAGEN, Jurgen (1996) “Fiscal Policy and Mone­tary Union: Is There a Trade-Off between Federalism and Budgetary Restrictions?”. National Bureau of Economic Research-NBER. Cambridge, Working Paper 5517. ).
  • 42
    É interessante reproduzir a opinião de Vifials, de que “ ... it is likely that in a future Economic and Monetary Union (EMU) the degree of asymmetry will be even smaller than so far encountered. In particular, there are currently country-specific shocks, resulting from imperfectly coordinated national monetary policies, currency substitution and exchange rate movements, which would disappear instantaneously once EMU were formed and the single monetary policy were implemented” (Vifials, p. 1107).
  • 43
    Se os problemas forem comuns a todos os países-membros da união monetária, é evidente que a situação é diferente e alguns desses instrumentos de atuação podem ser recuperados, como por exemplo no caso da política cambial. Esta opção não existe para um país individualmente, mas sim para o conjunto dos países como um todo, através da ação do Banco Central unificado.
  • 44
    Como no caso da Argentina depois de 1991.
  • 45
    “Monetary union has long been more than an academic curiosity. Despite that, public debate on the subject has been dismally por right across Europe” (The Economist, 1996THE ECONOMIST (1996) “The Wrong Design”, 14 dez., p. 17. ).
  • 46
    No que diz respeito à TEC, porém, a convergência entre as tarifas dos quatro países do Mercosul não estará totalmente atingida, já que o cronograma até a unificação, no caso dos bens de capital e de certos produtos eletroeletrônicos, se estende até 2006.
  • 47
    Este tratado seria o “pontapé inicial” da unificação e estaria para o Mercosul como o acordo de Maastricht de 1992 está para a unificação monetária dos países da UE. Nessa fase inicial, seria fundamental unificar os critérios estatísticos para que as variáveis a serem acompanhadas como critérios de convergência fossem apuradas da mesma forma nos diversos países. Isto é especialmente relevante no caso das estatísticas fiscais, em que a abrangência costuma ser diferente em diferentes países.
  • 48
    De preferência, seria conveniente que este anúncio fosse feito no início de 2004. Isso permitiria às respectivas diplomacias dos países concentrarem todas as suas atenções, após isso, na fase final das negociações para o acordo de livre-comércio da ALCA, previsto para ser assinado em 2005.
  • 49
    Portanto, a unificação plena só se daria daqui a 15 anos. Pode parecer uma meta distante, mas observe-se que para isso seria preciso estabelecer as datas do cronograma de unificação até o ano de 2002.
  • 50
    Cabe lembrar que tende a haver uma contradição entre as metas de ampliar geograficamente uma associação de países e de aprofundar a integração entre os membros já existentes. Quanto maior o número de países, maior é a diversidade e mais difícil tende a ser a integração. Portanto, a estratégia de começar a união monetária apenas entre os quatro países fundadores do Mercosul, para só depois ampliá-la a outros, parece claramente mais recomendável.
  • 51
    Para entender a razão do teto de 2,5% do PIB de déficit, ver Giambiagi (1997GIAMBIAGI, Fabio (1997) Ensaios Econômicos, nº 4, BNDES. ).
  • 52
    O Banco Central unificado teria uma série de atribuições, algumas das quais, eventualmente, poderiam anteceder a unificação monetária. Entre as atribuições que lhe caberiam, estariam a unificação dos sistemas bancários - incluindo, por exemplo, a compensação de cheques - e das atividades regulatórias. Mesmo com a criação de um Banco Central supranacional, os Bancos Centrais locais poderiam continuar existindo, na qualidade de agências regionais, como ocorre com as sedes regionais do FED nos EUA.
  • 53
    Por este sistema, o peso dos países pequenos seria maior do que a importância relativa das suas variáveis macroeconômicas, mas menor do que o peso atual, que na prática é de 25%.
  • 54
    Para uma avaliação quantitativa acerca dos ganhos de bem-estar resultantes da integração no âmbito do Mercosul, especificamente entre Brasil e Argentina, ver Ferreira e Moura e Silva, 1996FERREIRA, Pedro C. & MOURA E SILVA, Marcelo Leite (1996) “Integração, crescimento e bem-estar”. EPGE-Ensaios Econômicos, nº 291, out. .
  • 55
    A respeito dos riscos que a ausência de uma maior coordenação macroeconômica pode representar para processos de integração comercial, vale lembrar os apelos de lideranças políticas de alguns países da Europa em favor de sanções econômicas contra os países europeus cujas moedas se depreciaram - nas palavras deles - “excessivamente”, afetando a competitividade relativa das exportações de cada país no interior da UE, após as crises cambiais na região de 1992 e 1993. No contexto europeu, a necessidade de evitar as ameaças à integração comercial intra-regional - associadas à instabilidade cambial no interior da UE - é reconhecida como um forte argumento em favor da unificação monetária, inclusive por críticos do Tratado de Maastricht. Ver, por exemplo, Eichengreen (1993EICHENGREEN, Barry (1993) “European Monetary Unification”. Journal of Economic Literature, vol. XXXI, September, pp. 1321-1357. ).
  • 56
    JEL Classification: E40; E50; F33.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    01 Jul 2022
  • Data do Fascículo
    Oct-Dec 1997
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