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Estimação e predição dos casos de COVID-19 nas metrópoles brasileiras* * Este artigo refere-se à chamada temática “COVID-19 no Contexto da Saúde Global”.

Resumos

Objetivo

estimar a taxa de transmissão, o pico epidemiológico e óbitos pelo novo coronavírus.

Método

um modelo matemático e epidemiológico para os casos suscetíveis, infectados e recuperados foi aplicado nas nove capitais brasileiras com o maior número de casos da infecção. O número de casos para os 80 dias seguintes ao primeiro caso foi estimado por meio de equações diferenciais e os resultados foram colocados em logaritmos e comparados com os números reais para verificar o ajuste do modelo. Em todos os cenários, considerou-se que nenhuma medida preventiva foi tomada.

Resultados

as nove metrópoles estudadas apresentaram uma curva de tendência de novos casos do coronavírus com um padrão ascendente. Os dados de predição apontam o pico da doença entre o final de abril e começo de maio. Fortaleza e Manaus apresentaram as maiores taxas de transmissão (≥2,0 e ≥1,8, respectivamente). Rio de Janeiro pode apresentar o maior número de pessoas infectadas (692.957) e Florianópolis a menor (24.750).

Conclusão

as estimativas da taxa de transmissão, pico epidemiológico e óbitos pelo coronavírus nas metrópoles brasileiras apresentaram números importantes e expressivos a serem observados pelo Ministério da Saúde brasileiro. Os resultados confirmam a rápida disseminação do vírus e sua alta mortalidade no país.

Infecções por Coronavirus; Isolamento Social; Previsões; Epidemiologia; Modelos Epidemiológicos; Enfermagem


Objective

to estimate the transmission rate, the epidemiological peak, and the number of deaths by the new coronavirus.

Method

a mathematical and epidemiological model of susceptible, infected, and recovered cases was applied to the nine Brazilian capitals with the highest number of cases of the infection. The number of cases for the 80 days following the first case was estimated by solving the differential equations. The results were logarithmized and compared with the actual values to observe the model fit. In all scenarios, it was considered that no preventive measures had been taken.

Results

the nine metropolises studied showed an upward curve of confirmed cases of COVID-19. The prediction data point to the peak of the infection between late April and early May. Fortaleza and Manaus had the highest transmission rates (≥2·0 and ≥1·8, respectively). Rio de Janeiro may have the largest number of infected people (692,957) and Florianópolis the smallest (24,750).

Conclusion

the estimates of the transmission rate, epidemiological peak, and number of deaths from coronavirus in Brazilian metropolises presented expressive and important numbers the Brazilian Ministry of Health needs to consider. The results confirm the rapid spread of the virus and its high mortality in the country.

Coronavirus Infections; Social Isolation; Forecasting; Epidemiology; Epidemiologic Models; Nursing


Objetivo

estimar la tasa de transmisión, el pico epidemiológico y el número de muertes por el nuevo coronavirus.

Método

se aplicó un modelo matemático y epidemiológico de casos susceptibles, infectados y recuperados a las nueve capitales brasileñas con mayor número de casos de infección. El número de casos para los 80 días siguientes al primer caso se estimó resolviendo las ecuaciones diferenciales. Los resultados fueron logaritmizados y comparados con los valores reales para observar el ajuste del modelo. En todos los escenarios, se consideró que no se habían adoptado medidas preventivas.

Resultados

las nueve metrópolis estudiadas mostraron una curva ascendente de casos confirmados de COVID-19. Los datos de predicción apuntan al pico de la infección entre finales de abril y principios de mayo. Fortaleza y Manaus tuvieron las tasas de transmisión más altas (≥2·0 y ≥1·8, respectivamente). Río de Janeiro puede tener el mayor número de personas infectadas (692,957) y Florianópolis el menor (24,750).

Conclusión

las estimaciones de la tasa de transmisión, el pico epidemiológico y el número de muertes por coronavirus en metrópolis brasileñas presentaron cifras expresivas e importantes que el Ministerio de Salud de Brasil necesita considerar. Los resultados confirman la rápida propagación del virus y su alta mortalidad en el país.

Infecciones por Coronavirus; Aislamiento Social; Predicción; Epidemiología; Modelos Epidemiológicos; Enfermería


Introdução

O novo coronavírus (SARS-CoV-2) pertence a uma família de vírus que causam doenças no sistema humano respiratório. Surtos anteriores do coronavírus (CoVs) incluíram a síndrome aguda respiratória grave (SARS)-CoV e síndrome respiratória do Oriente Médio (MERS)-CoV, como grandes ameaças à saúde pública(11. Rothan HA, Byrareddy SN. The epidemiology and pathogenesis of coronavirus disease (COVID-2019) outbreak. J Autoimmun. [Internet]. 2020 [cited Apr 20, 2020]; 102433. doi: https://doi.org/10.1016/j.jaut.2020.102433
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).

A pandemia de COVID-19 começou em Dezembro 2019 em Wuhan na província de Hubei, República Popular da China e a doença se espalhou rapidamente para outras províncias chinesas(22. Ji W, Wang W, Zhao X, Zai J, Li X. Cross species transmission of the newly identified coronavirus 2019-nCoV. J Med Virol. [Internet]. 2020 [cited Apr 20, 2020]; 92:433–40. doi: https://doi.org/10.1002/jmv.25682
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). Devido à sua alta disseminação, a China declarou a COVID-19 uma doença infecciosa de segunda classe, com medidas de manejo para uma doença infecciosa de primeira classe (a categoria mais perigosa de infecção)(33. Xiao Y, Torok ME. Taking the right measures to control COVID-19. Lancet Infec Dis. [Internet]. 2020 [cited Apr 20, 2020]. doi: https://doi.org/10.1016/S1473-3099(20)30152-3
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).

A transmissão da COVID-19 foi rápida e global. O primeiro caso confirmado fora da China foi na Tailândia em 13 de janeiro de 2020. Posteriormente, casos da doença foram confirmados no Japão (16 de janeiro); Coréia do Sul (20 de janeiro); Taiwan e Estados Unidos (21 de janeiro); Hong Kong e Macau, China (22 de janeiro); Cingapura (25 de janeiro); França, Nepal e Vietnã (24 de janeiro); Malásia e Austrália (25 de janeiro); Canadá (26 de janeiro); Camboja (27 de janeiro); Alemanha (28 de janeiro); Finlândia, Emirados Árabes Unidos e Sri Lanka (29 de janeiro); Itália, Índia e Filipinas (30 de janeiro); e Reino Unido (31 de janeiro)(44. Adhikari SP, Mend S, Wu YJ, Mao YP, Ye RX, Wand QZ, et al. Epidemiology, causes, clinical manifestation and diagnosis, prevention and control of coronavirus disease (COVID-19) during the early outbreak period: a scoping review. Infect Diseases Poverty. [Internet]. 2020 [cited Apr 20, 2020];29. doi: https://doi.org/10.1186/s40249-020-00646-x
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), enquanto a pandemia continua se expandindo geograficamente.

Neste cenário, resta estabelecer que a pandemia de COVID-19 em curso é devastadora, apesar da ampla implementação de medidas de controle. Em 30 de janeiro de 2020, a Organização Mundial da Saúde (OMS) caracterizou a doença como uma pandemia, constituindo uma Emergência em Saúde Pública de Importância Internacional. Em 1ode abril de 2020, foram confirmados 823.626 casos do Covid-19, com 40.598 mortes em todo o mundo(55. Organização Pan-Americana da Saúde. Organização Mundial da Saúde. Folha informativa – COVID-19 (doença causada pelo novo coronavírus). [Internet]. 2020 [Acesso 20 abr 2020]. Disponível em: https://www.paho.org/bra/index.php?option=com_content&view=article&id=6101:covid19&Itemid=875
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).

Um total de 6.836 casos foram confirmados pelo Ministério da Saúde até o dia 1o de abril, em uma análise dos casos de COVID-19 no Brasil, além de 241 mortes e uma taxa de mortalidade de 3.5%. Os casos estão distribuídos em todo o território nacional, com maior concentração no Sudeste (4.223 casos; 62%), seguido pelo Nordeste (1.007 casos; 15%), Sul (765 casos; 11%), Centro-Oeste (504 casos; 7%) e Norte (337 casos; 5%)(66. Ministério da Saúde (BR). Painel de casos de doença pelo coronavírus 2019 (COVID19) no Brasil pelo Ministério da Saúde. [Internet]. 2020 [Acesso 20 abr 2020]. Disponível em: https://covid.saude.gov.br/
https://covid.saude.gov.br/...
).

Os dados brasileiros são alarmantes. Neste sentido, pesquisas são necessárias e urgentes para estimar o risco da pandemia em macrorregiões brasileiras. Para identificar os centros urbanos expostos à maior carga da doença, é imprescindível acompanhar de perto mudanças na epidemiologia e o efeito de estratégias de saúde pública assim como sua aceitação social. Diante do exposto, o objetivo deste estudo foi estimar a taxa de transmissão, o pico epidemiológico, e óbitos por COVID-19 nas nove capitais brasileiras com o maior número de casos.

Método

O primeiro caso de COVID-19 foi diagnosticado em 27 de fevereiro de 2020 em São Paulo. No dia 3 de fevereiro, foi decretada emergência pública no país e no dia 20 de março do corrente ano foi anunciada transmissão comunitária da doença no país(77. Diário Oficial da União (BR). Portaria nº 454, de 20 de março de 2020. Declara, em todo o território nacional, o estado de transmissão comunitária do coronavírus (covid-19). Diário Oficial da União. 20 mar 2020 [Acesso 20 abr 2020]. Disponível em: http://www.in.gov.br/en/web/dou/-/portaria-n-454-de-20-de-marco-de-2020-249091587
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).

Portanto, o modelo epidemiológico SIR proposto por Kermack e McKendric(88. Kermack WO, McKendrick AG. Contributions to the mathematical theory of epidemics. P Roy Soc A-Math Phy. 1927;772:700-21. doi: https://doi.org/10.1098/rspa.1927.0118
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) foi adotado para entender a dinâmica da doença na população. Neste modelo, a ideia é que existem três grupos de indivíduos: os suscetíveis (S), os infectados (I), e os recuperados (R). Este modelo é matematicamente expresso por três equações diferenciais, onde β é o parâmetro que controla a transição entre S e I, e γ é o parâmetro de transição entre I e R.

Neste artigo, foi pesquisado o primeiro tercil das cidades brasileiras com o maior número de casos até 27 março de 2020, que corresponde a nove capitais (dentre 27). De acordo com o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), a população brasileira é estimada em 208.494.900 habitantes que vivem em 5.571 cidades distribuídas em cinco regiões. As capitais selecionadas são Belo Horizonte, São Paulo e Rio de Janeiro no Sudeste; Curitiba, Florianópolis e Porto Alegre no Sul; Manaus na região Norte; e Salvador e Fortaleza no Nordeste. Brasília no Centro-Oeste seria incluída no estudo, no entanto, por conta da dificuldade em obter dados oficiais, a mesma foi removida do conjunto de cidades investigadas.

Os dados foram extraídos dos relatórios epidemiológicos diários desde o primeiro dia em que casos da doença foram confirmados até 30 de março de 2020; a população de cada capital foi obtida no IBGE(99. Instituto Brasileiro de Geografia (BR). Cidades IBGE. Brasília: IBGE; 2020 [Acesso 20 abr 2020]. Disponível em: https://cidades.ibge.gov.br/
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). Inicialmente, foram criados gráficos com o número real de casos confirmados em cada cidade até a data final, seguido de transformações logarítmicas para mostrar os padrões de crescimento. Posteriormente, as equações diferenciais foram solucionadas para os casos em cada um dos nove cenários, predizendo o número de casos para o 80o dia da infecção, contados desde o primeiro dia. O logaritmo natural do número observado e previsto de casos foi usado para testar o ajuste do modelo. Para melhor entendimento, estes são apresentados graficamente.

Além disso, foi possível encontrar a taxa básica de reprodução da doença (R0), que mostra quantas pessoas sadias podem ser infectadas por uma pessoa doente. O número previsto de casos, dia do pico e possível número de óbitos também foram investigados, considerando o número máximo de pessoas que podem ficar doentes com letalidade de 1%. Estes valores consideram que nenhuma medida de prevenção será implementada. Os dados foram analisados no software R, usando o pacote deSolve.

Este estudo dispensou aprovação por Comitê de Ética porque os dados utilizados são públicos e disponibilizados online pelas secretarias de saúde de cada estado. O artigo está em acordo com a Resolução brasileira 466/2012 que regula aspectos éticos em pesquisa.

Resultados

Foi analisado um total de 2.829 casos de COVID-19 confirmados nas nove capitais brasileiras. No Sudoeste, as cidades de São Paulo (SP), Rio de Janeiro (RJ) e Belo Horizonte (BH) notificaram seus primeiros casos em 22 de fevereiro, 6 e 16 de março, respectivamente. Até o final da coleta de dados, tinham sido notificados 1.233 casos em SP, 553 no RJ e 163 em BH.

Em relação aos casos previstos, os casos observados são superiores aos obtidos pelo modelo de predição. Foi verificado um certo grau de estabilidade desde o 14o dia, com os números permanecendo abaixo aos do modelo (Figura 1).

Figura 1
– Projeção do número de pessoas infectadas pelo novo coronavírus nas cidades da região Sudeste. Fortaleza, CE, Brasil, 2020

*Nl = Logaritmo natural; Observed = Observado; Predicted = Previsto


As cidades de Curitiba, Florianópolis e Porto Alegre na região Sul notificaram seus primeiros casos em 5 de março (Porto Alegre) e 12 de março (Curitiba e Florianópolis). Até 30 de março, o número de casos confirmados aumentou para 77 em Curitiba, 50 em Florianópolis e 143 em Porto Alegre.

Os casos estimados pelo modelo SIR em Curitiba, Florianópolis e Porto Alegre revelaram que os casos observados eram similares aos previstos (Figura 2). Porto Alegre apresentou um número de casos acima do previsto até o 20o dia da infeção e a partir de então, os casos se mantiveram relativamente constantes com números abaixo dos previstos no modelo.

Figura 2
– Projeção do número de pessoas infectadas pelo novo coronavírus nas cidades da região Sul. Fortaleza, CE, Brasil, 2020

*Nl = Logaritmo natural; Observed = Observado; Predicted = Previsto


Manaus foi a única cidade investigada na região Norte. O primeiro caso de COVID-19 na cidade foi registrado em 13 de março e no último dia da investigação, a cidade registrou 140 casos. O aumento acentuado no número de casos foi similar ao previsto no modelo, como apresentado na Figura 3.

Figura 3
– Projeção do número de pessoas infectadas pelo novo coronavírus na capital da região Norte. Fortaleza, CE, Brasil, 2020

*Nl = Logaritmo natural; Observed = Observado; Predicted = Previsto


Na região Nordeste, as cidades de Salvador e Fortaleza notificaram seus primeiros casos nos dias 13 e 16 de março, respectivamente. O número de casos confirmados até 30 de março foi 117 em Salvador e 382 em Fortaleza. Salvador e Fortaleza apresentam uma tendência similar ao do modelo (Figura 4).

Figura 4
– Projeção do número de pessoas infectadas pelo novo coronavírus nas capitais da região Nordeste. Fortaleza, CE, Brasil, 2020

*Nl = Logaritmo natural; Observed = Observado; Predicted = Previsto


Finalmente, a Tabela 1 apresenta os resultados numéricos dos resultados previstos para a COVID-19 nas capitais estudadas. Os dados de predição apontam a ocorrência do pico da infecção entre o final de abril e começo de maio. Fortaleza e Manaus apresentam a maior taxa de transmissão (≥2,0 e ≥1,8, respectivamente). Rio de Janeiro pode apresentar o maior número de pessoas infectadas (692.957) e Florianópolis o menor número (24.750).

Tabela 1
– Predição dos resultados do novo coronavírus. Fortaleza, CE, Brasil, 2020

Discussão

O Brasil é marcado por grandes desigualdades socioeconômicas e nas condições de saúde, com diferenças geográficas relevantes, seja nos níveis de riscos à saúde ou no acesso aos recursos disponíveis no sistema de saúde(1010. Barreto ML. Health inequalities: a global perspective. Cienc Saude Colet. [Internet]. 2017 [cited Apr 20, 2020]; 22(7). doi: https://doi.org/10.1590/1413-81232017227.02742017
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). Endemias, epidemias e pandemias têm raízes históricas e sociais e seus principais determinantes são as más condições de vida da população, assim como as diferentes formas de ocupação dos espaços e falta de acesso aos serviços.

Diferentemente de outras doenças infecciosas, a COVID-19 afeta tanto países desenvolvidos como em desenvolvimento, sem distinção social. Os resultados desta investigação mostram que a região Sudeste apresenta o maior número de casos de COVID-19, distribuídos nas cidades de SP e RJ, consideradas as maiores e mais desenvolvidas metrópoles do país e, em menor grau, em BH. São Paulo é o principal centro financeiro, corporativo e mercantil da América do Sul, sendo a cidade brasileira mais influente no cenário global. RJ é o maior destino turístico internacional no Brasil, características que levaram ao surgimento do primeiro caso da doença no país.

Ainda no Sudeste, BH apresentou um padrão crescente da curva da doença. Entretanto, quando comparada a SP e RJ, a cidade apresentou um menor número de casos, o que pode ser justificado pelo fato de ter uma população menor que ambas as cidades, além da distribuição uniforme de suas unidades básicas de saúde e seu escopo. Os recursos humanos em BH, assim como as ações e serviços na área da saúde oferecidos pelo Sistema Único de Saúde, são distribuídos de forma mais igualitária, de fácil acesso e com tempo hábil para atender às necessidades de uma maior parcela da população(1111. Souza RCF, Oliveira VB, Pereira DB, Costa HSM, Caiaffa WT. Living near health at Belo Horizonte. Cad Metrop. [Internet]. 2016 [cited Apr 20, 2020];18(36):325-44. doi: https://doi.org/10.1590/2236-9996.2016-3601
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), o que contribui para o diagnóstico precoce e contenção de casos da doença.

A região Sul, representada pelas cidades de Curitiba, Florianópolis e Porto Alegre, apresenta um número menor de casos. Estas cidades representam um centro turístico, econômico e cultural importante, com influência europeia, evidenciada na sua população predominantemente idosa. As pessoas vivendo no Sul do país têm maior acesso aos serviços de saúde comparado a outras regiões brasileiras(1212. Stopa SR, Malta DC, Monteiro CN, Szwarcwald CL, Goldbaum M, Cesar CLG. Use of and access to health services in Brazil, 2013 National Health Survey. Rev Saude Publica [Internet]. 2017 [cited Apr 20, 2020];51(1):3. doi: https://doi.org/10.1590/s1518-8787.2017051000074
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).

Vale ressaltar que a distribuição desigual dos casos de COVID-19 entre as regiões brasileiras também é um reflexo da subnotificação. As regiões Norte e Nordeste são marcadas por uma pior avaliação do estado de saúde, maior restrição de atividades, e menor uso dos serviços de saúde, apesar da grande cobertura dos programas públicos(1313. Viacava F, Bellido JG. Health, access to services and sources of payment, according to household surveys. Cienc Saude Coletiva. [Internet]. 2016 [cited Apr 20, 2020];21(2):351-70. doi: https://doi.org/10.1590/1413-81232015212.19422015
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).

Representando a região Norte, Manaus, a capital do Amazonas, é o principal centro financeiro, corporativo e comercial da região. É a cidade mais populosa, com 2,1 milhões de habitantes e um dos maiores destinos turísticos no Brasil. O crescimento dos casos na cidade é expressivo e vinculado a um cenário social em que prevalecem a assimetria, verticalidade, competitividade e fragilidade das relações entre os munícipios, além de uma rede serviços de saúde insuficiente e com dificuldade de fixação dos recursos humanos(1414. Gamelo L, Sousa ABL, Silva CO. Health regionalization in Amazonas: progress and challenges. Cienc Saude Coletiva. [Internet]. 2017 [cited Apr 20, 2020];22(4). doi: https://doi.org/10.1590/1413-81232017224.27082016
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).

Na região Nordeste, os casos do COVID-19 nas cidades de Salvador e Fortaleza, que são cidades com grande fluxo de viagens internacionais, foram analisados. Salvador é a cidade mais populosa do Nordeste e a terceira no país. Fortaleza, a capital do estado do Ceará, tem a maior densidade demográfica entre as capitais brasileiras. Nestas cidades, foi observado um padrão de crescimento exponencial e Fortaleza também apresentou a maior taxa de transmissão. Atualmente, Fortaleza concentra 91% dos casos de COVID-19 no estado do Ceará, concentrados em bairros com diferentes níveis socioeconômicos.

Neste contexto o número de turistas, tanto nacionais como internacionais, que procuram o Brasil como destino, tem aumentado a cada ano. Capitais como São Paulo, Rio de Janeiro, Curitiba, Salvador e Fortaleza estão entre os destinos mais populares entre os turistas, seja pelas paisagens naturais, atrações culturais ou econômicas. Para acomodar este número de turistas, o Brasil se tornou um dos países emergentes com o maior potencial para o desenvolvimento de transporte aéreo.

Devido a sua dimensão territorial, alta mobilidade geográfica e social de sua população, o deslocamento de fronteiras econômicas tem se acelerado, com inserção competitiva nos mercados globais, estabilidade monetária e aumento do poder aquisitivo dos consumidores(1515. Pereira APC. Who are they? Where do they go? the regional airline sector in Brazil. Confins. [Internet]. 2016 [cited Apr 20, 2020];29. doi: https://doi.org/10.4000/confins.11419
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). O estabelecimento de hubs em vários aeroportos melhorou a entrada de estrangeiros de diferentes países do mundo.

As vantagens econômicas do turismo brasileiro são inegáveis, no entanto, questões de viagens e saúde são uma preocupação. Os perfis de viajantes diferem em termos de origem e destino, o que pode influenciar a ocorrência de epidemias e pandemias, geralmente de magnitude e gravidade inesperadas(1616. Teixeira MG, Costa MNC, Paixão ES, Carmo EH, Barreto FR, Penna GO. The achievements of the SUS in tackling the communicable diseases. Cienc. Saude Colet [Internet]. 2018 [cited Apr 20, 2020];23(6). doi: https://doi.org/10.1590/1413-81232018236.08402018
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), como a COVID-19. Além disso, a cobertura limitada e o acesso aos serviços de saúde no país podem contribuir para a propagação de doenças.

Enquanto uma pequena porção da população brasileira tem acesso aos serviços de saúde, a maior parte enfrenta uma diminuição no suprimento de leitos hospitalares(1717. Albuquerque MV, Viana ALA, Lima LD, Ferreira MP, Fusaro ER, Iozzi FL. Regional health inequalities: changes observed in Brazil from 2000-2016. Cienc Saude Coletiva. [Internet]. 2017 [cited Apr 20, 2020];22(4):1055-64. doi: https://doi.org/10.1590/1413-81232017224.26862016
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). Este fator, vinculado ao potencial pandêmico da COVID-19, colocou a capacidade de reação dos serviços de vigilância epidemiológica no centro das atenções e exigiu que o governo brasileiro tomasse medidas preventivas como confinamento e distanciamento social.

São necessárias medidas abrangentes para diminuir a transmissão interpessoal da COVID-19(11. Rothan HA, Byrareddy SN. The epidemiology and pathogenesis of coronavirus disease (COVID-2019) outbreak. J Autoimmun. [Internet]. 2020 [cited Apr 20, 2020]; 102433. doi: https://doi.org/10.1016/j.jaut.2020.102433
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). No entanto, as medidas adotadas, como pulverizar desinfetante e álcool no ar, nas ruas, veículos e pessoas não têm sido efetivas(33. Xiao Y, Torok ME. Taking the right measures to control COVID-19. Lancet Infec Dis. [Internet]. 2020 [cited Apr 20, 2020]. doi: https://doi.org/10.1016/S1473-3099(20)30152-3
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). Medidas mais amplas incluem o isolamento dos casos, identificação e monitoramento de contatos, desinfecção ambiental e uso de equipamento de proteção individual(44. Adhikari SP, Mend S, Wu YJ, Mao YP, Ye RX, Wand QZ, et al. Epidemiology, causes, clinical manifestation and diagnosis, prevention and control of coronavirus disease (COVID-19) during the early outbreak period: a scoping review. Infect Diseases Poverty. [Internet]. 2020 [cited Apr 20, 2020];29. doi: https://doi.org/10.1186/s40249-020-00646-x
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). Em relação às estratégias de controle, o distanciamento social destacou-se como uma estratégia que limita a transmissão direta de humano para humano, inclusive reduzindo infecções secundárias entre contatos próximos e profissionais de saúde, prevenindo eventos que ampliam a transmissão, assim como reduzindo ou retardando sua disseminação.

Além disso, epidemias e pandemias paralisam o desenvolvimento econômico, social, político e cultural, interferindo na trajetória demográfica dos lugares por onde estas se espalham(1818. Bassanezi MSB, Cunha MF. One place, two epidemic moments: yellow fever (1896-1897) and influenza (1918-1919) outbreaks in Campinas, Sao Paulo. Rev Bras Est Pop. [Internet]. 2019 [cited Apr 20, 2020];36:1-29. doi: https://doi.org/10.20947/s0102-3098a0088
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). O surgimento da COVID-19 e suas consequências deixou a população mundial com sentimentos de medo, preocupação e ansiedade, o que pode aumentar os dados referentes à doença(1919. Ahorsu DK, Lin CY, Imani V, Saffari M, Griffiths MD, Pakpour AH. The fear of COVID-19 Scale: development and initial validation. Int J Mental Health Addict. [Internet]. 2020 [cited Apr 20, 2020]. doi: https://doi.org/10.1007/s11469-020-00270-8
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).

O caos causado pela COVID-19 em termos biológico, mental, social e econômico requer uma resposta rápida do governo federal e que seja mantida comunicação efetiva deste com os governadores dos estados. No Brasil, vislumbram-se divergências entre membros do poder executivo em nível estadual e federal sobre quais são as melhores formas de enfrentar esta crise. Esta falta de entendimento é factual e pode resultar num maior número de mortes, como resultado das características do vírus e acesso desigual ao sistema de saúde assim como às tecnologias de saúde disponíveis no país.

A publicação de casos previstos nas metrópoles pesquisadas é inédita em periódicos científicos brasileiros. Esta evidência permite que gestores organizem os serviços de saúde a partir de políticas públicas como a criação de leitos hospitalares, a compra de equipamento médico, e a implementação de educação em saúde para assegurar a quarentena ou distanciamento social.

As principais limitações deste estudo se dão devido ao uso de dados secundários, pois alguns casos apresentam dados incompletos. Além disso, a subnotificação e/ou testagem insuficiente pode influenciar o pico previsto. É importante salientar que os resultados não consideram medidas de distanciamento social que objetivam reduzir a taxa de transmissão do vírus.

Conclusão

As estimativas da taxa de transmissão, pico epidemiológico e óbitos pelo COVID-19 nas metrópoles brasileiras apresentaram números importantes e expressivos que devem ser levados em consideração pelo Ministério da Saúde brasileiro. Todas as metrópoles mostraram crescimento exponencial no número de casos. A taxa de transmissão foi alta em Fortaleza e Manaus, portanto, a estimativa é de muitas mortes. Desta forma, os resultados confirmam a rápida disseminação do vírus e sua alta mortalidade no Brasil.

Agradecimentos

Gostaríamos de agradecer a todos os profissionais da vigilância epidemiológica dos estados brasileiros.

References

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    Rothan HA, Byrareddy SN. The epidemiology and pathogenesis of coronavirus disease (COVID-2019) outbreak. J Autoimmun. [Internet]. 2020 [cited Apr 20, 2020]; 102433. doi: https://doi.org/10.1016/j.jaut.2020.102433
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  • *
    Este artigo refere-se à chamada temática “COVID-19 no Contexto da Saúde Global”.

Editado por

Editora Associada: Evelin Capellari Cárnio

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    26 Jun 2020
  • Data do Fascículo
    2020

Histórico

  • Recebido
    23 Abr 2020
  • Aceito
    06 Maio 2020
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