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GERENCIALISMO, ESTAMENTALIZAÇÃO E BUSCA POR LEGITIMIDADE: O campo policial militar no Brasil* * Agradeço aos pareceristas anônimos da RBCS as contribuições a este artigo e ao GT “Violência, Polícia e Justiça no Brasil: agenda de pesquisa e desafios teóricos-metodológicos” (18º Congresso Brasileiro de Sociologia), onde antes foi apresentado.

MANAGERIALISM, STAMENTALIZATION, AND THE SEARCH FOR LEGITIMACY

MANAGÉRIALISME, STRATIFICATION SOCIALE ET RECHERCHE DE LÉGITIMITÉ: LE DOMAINE DE LA POLICE MILITAIRE AU BRÉSIL

Resumos

Este artigo defende a hipótese, a partir do estudo de caso da Polícia Militar de Minas Gerais (PMMG), de que as polícias militares brasileiras, em sua busca por legitimidade social e institucional, e na ausência de reconhecimento social sobre suas práticas e valores especificamente policiais, se concentraram, em duas grandes estratégias de legitimação: de um lado o investimento no conhecimento gerencial e na sua aplicação às dinâmicas organizacionais e à regulação formal da atividade policial-militar; de outro, o investimento em um processo de diferenciação social, marcado pelo isomorfismo de práticas socialmente consagradas, traduzidas ou adaptadas ao contexto institucional, frequentemente através de processos de ritualização do seu conteúdo. Ao analisar a trajetória institucional da PMMG nos últimos 40 anos, conclui-se que essas estratégias vêm legitimando e reforçando características estamentais no desenho da profissão policial militar no país.

Polícia Militar; Profissionalismo; Segurança Pública; Gerencialismo


The paper hypothesizes, based on a case study of the Military Police of Minas Gerais (PMMG), that Brazilian military police, in their quest for social and institutional legitimacy, and in the absence of social recognition of their practices and values, have developed two main strategies of institutional legitimation: on the one hand, the investment in managerial knowledge and its application to organizational dynamics and to the formal regulation of military police activity; on the other hand, the investment in a process of social differentiation, marked by the isomorphism of socially legitimized practices, adapted to the institutional context, often through actions of ritualization of its content. Through the analysis of the PMMG’s institutional trajectory over the last 40 years, we observed that these strategies have reinforced status stratification characteristics in the design of the military police profession in Brazil.

military police; professionalism; public security; management


Cet article défend, à partir de l’étude de cas de la police militaire de Minas Gerais (PMMG), l’hypothèse selon laquelle les polices militaires brésiliennes, dans leur quête de légitimité sociale et institutionnelle et en l’absence de reconnaissance sociale de leurs pratiques et de leurs valeurs, se concentrent en deux grandes stratégies de légitimation : d’une part, l’investissement dans la connaissance managériale et son application aux dynamiques organisationnelles et à la régulation formelle de l’activité policière-militaire; d’autre part, l’investissement dans un processus de différenciation sociale, marqué par l’isomorphisme des pratiques consacrées socialement, traduites ou adaptées au contexte institutionnel, souvent au moyen de processus de ritualisation de leur contenu. En analysant la trajectoire institutionnelle de la PMMG au cours des 40 dernières années, nous concluons que ces stratégies légitiment et renforcent les caractéristiques de la stratification sociale dans la conception de la profession de la police militaire au Brésil.

Police militaire; Professionnalisme; Sécurité publique; Managérialisme


O grau de profissionalização de uma ocupação qualquer pode ser medido pelo grau de sucesso na demanda pela posse de uma competência técnica exclusiva e pelo grau de aderência do praticante a um ideal de serviço e às suas normas de conduta profissional (Wilensky, 1964WILENSKY, Harold L. (1964), “The professionalization of everyone?”. American Journal of Sociology, 70 (2): 137-158., pp. 140-141). Essas duas ideias frequentemente implicam uma postura impessoal, imparcial e objetiva do profissional diante do seu “cliente” e da necessidade que o profissional sente de manter a qualidade do seu trabalho, ao mesmo tempo reconhecendo a limitada competência da sua especialidade dentro do conjunto maior da profissão, honrando as demandas de seus colegas de outras especialidades.

Nessa linha de pensamento, uma profissão seria caracterizada por um complexo corpo de conhecimento capaz de ser codificado e aplicado aos problemas sociais aos quais se dirigiria como solução. Profissionais seriam aqueles que dominaram esse corpo de conhecimento em treinamento intensivo. Da mesma forma, profissionais também deteriam o monopólio do direito de uso desse conhecimento e de sua experiência, e o direito de excluir outros que não tenham obtido tal conhecimento para atuar em sua área de interesse. A autonomia profissional se adquiriria com a monopolização – aos profissionais é dada a responsabilidade de recrutar, treinar e supervisionar novos praticantes desse conhecimento, manter os padrões da atividade e desenvolver novos conhecimentos. Em retribuição a esse monopólio, os profissionais se comprometeriam com um ideal de serviço (Walker, 1977WALKER, Samuel. (1977), A critical history of police reform. Lexington, Lexington Books., p. x).

Sobre a profissionalização policial – assunto deste artigo –, Walker (1977)WALKER, Samuel. (1977), A critical history of police reform. Lexington, Lexington Books. afirma que, nos países do hemisfério norte, via de regra, ela ocorreu com o amadurecimento institucional da polícia, até o final dos anos 1930. Segundo Walker, os principais elementos desse movimento de profissionalização – posteriormente denominado modelo “profissional-burocrático” de policiamento – perpassaram o desenvolvimento de uma autoconsciência profissional, envolvendo produção de literatura profissional e criação de associações e sindicatos; militarização como estratégia de controle, com ênfase na disciplina; reforma administrativa com a introdução de princípios do modelo taylorista-fordista vigente na administração de empresas privadas e, especialmente, burocratização do funcionamento das organizações policiais; qualificação profissional em academias de polícia e utilização de critérios institucionais para recrutamento e seleção; e uso intensivo da tecnologia, voltadas principalmente para a mobilidade e a comunicação (uso de veículos motorizados, telefone e rádio).

Assim, durante o século XIX, na experiência inglesa de profissionalização, a polícia surgiu como uma espécie de mediadora entre a elite e o povo, garantindo, nas agruras da Revolução Industrial, a segurança simbólica (e de fato) da primeira e a progressiva inserção dos trabalhadores na polis urbana, concomitante à consolidação de seus direitos políticos e sociais. Na experiência americana, no início do século XX, a polícia se consolidou como uma das instituições capilares de mediação política e social entre Estado e cidadão, assumindo papel relevante e conflituoso na política, bem como na assistência social (Batitucci, 2010b).

Nesse sentido, Skolnick (1966SKOLNICK, Jerome. (1966), Justice without trial: law enforcement in democratic society. New York, John Wiley and Sons., p. 6) comenta – o que considerava um dilema – a complexa posição social da polícia no início do século XX, nos Estados Unidos: em uma democracia, é requerido da polícia que ela mantenha a ordem na sociedade e faça isso dentro dos limites da lei. A tensão entre a iniciativa, a capacidade discricionária do policial de linha no exercício de suas funções, de um lado, e a necessidade da adesão a regras abstratas e genéricas, contextualizadas em uma realidade organizacional burocrática, de outro, é o dilema que, na visão de Skolnick, define os limites e as características da profissionalização das organizações policiais a partir do século XX.

Em contextos sociais onde o mandato da polícia é circunscrito e limitado pelo reconhecimento da condição plena de cidadania, caracterizado pela prevalência dos direitos civis, políticos e sociais, pela estabilidade do sistema político e pela predominância, no espaço público, de uma visão coletivista e societária, a autoridade da polícia tenderá a ser limitada e extensamente vigiada na sua aplicação cotidiana por fortes sistemas de supervisão e controle e pelo investimento institucional e social naquilo que Goldstein (2003GOLDSTEIN, Herman. (2003), Policiando uma sociedade livre. Tradução de Marcelo Rollemberg, São Paulo, Edusp., p. 28) aponta como um dos aspectos mais críticos dos dilemas e das complexidades vinculadas à atuação policial em uma sociedade livre: o compromisso dos policiais com a democracia e seus valores.

Em contrapartida, a consolidação e constituição histórica do campo da segurança pública e justiça criminal no Brasil teve sua origem completamente desvinculada da discussão da promoção e garantia de direitos sociais e individuais. Especialmente no que se refere ao aparato policial, nos constituímos, ainda no período colonial, e evoluímos durante o século XIX, para garantir a capacidade da Coroa portuguesa (e depois do Império) de taxar as riquezas, fazer valer os desígnios do Estado absoluto, e, principalmente, controlar a massa de escravos e subcidadãos livres ou libertos (Batitucci, 2010b, 2016; Holloway, 1997HOLLOWAY, Thomas H. (1997), Polícia no Rio de Janeiro: repressão e resistência numa cidade do séc. XIX. Tradução de Francisco de Castro Azevedo. Rio de Janeiro, FGV.; Vellasco, 2004VELLASCO, Ivan de Andrade. (2004), As seduções da ordem: violência, criminalidade e administração da justiça, Minas Gerais, séc. XIX. Bauru, SP, Edusc., 2007VELLASCO, Ivan de Andrade. (2007), “Policiais, pedestres e inspetores de quarteirão: algumas questões sobre as vicissitudes do policiamento na Província de Minas Gerais (1831-1850)”, in J. M. Carvalho (org.), Nação e cidadania no Império: novos horizontes. Rio de Janeiro, Civilização Brasileira.).

O mandato da polícia, desde o princípio, tendeu a ser demasiadamente amplo e mal definido (Muniz e Proença Jr., 2007): o exercício cotidiano da autoridade policial frequentemente ultrapassa os limites estatutários que formalmente a definem (Sinhoretto e Lima, 2015SINHORETTO, Jacqueline & LIMA, Renato S. (2015), “Narrativa autoritária e pressões democráticas na segurança pública e no controle do crime”. Contemporânea, 5 (1): 119-141.), as ligações entre policiais e militares das forças armadas permanecem como um forte elemento cultural e institucional a definir parte do campo policial e as preocupações sociais com a técnica, os valores e os limites da atividade policial, isto é, o seu compromisso com os valores democráticos encontra baixa ressonância social.

Questões afetas, portanto, à sensibilidade do lugar institucional da polícia e às complexidades pertinentes à execução de sua tarefa se tornam referências simbólicas de pouca importância, perdendo espaço nos corações e mentes dos policiais para referências mais alinhadas a uma narrativa dicotômica da dinâmica social e do papel da polícia na sua institucionalização em dado contexto social. Essas dimensões produzem efeitos visíveis ainda hoje para a consolidação do campo policial na lógica do espaço público brasileiro, seja na baixa capacidade de interlocução institucional, no alto nível de complexidade organizacional e conflito sistêmico nas suas dimensões institucionais e operativas, seja na vinculação histórica à perspectiva de defesa do Estado contra a sociedade, resultando, portanto, em baixa profissionalização e baixos reconhecimento e legitimidade social.

Dentre as muitas questões passíveis de análise, duas se destacam em meio à pouca evolução do nosso sistema de justiça criminal diante dos desafios colocados pela transição de uma sociedade aristocrática, patriarcal, agrária e tradicional para uma sociedade democrática, urbana, industrial e moderna, que impactam a nossa concepção social sobre o lugar do ciclo policial no espaço público. Uma delas se refere ao fracionamento do ciclo policial entre duas organizações distintas, cultural e operacionalmente dicotômicas – a polícia militar e a polícia civil; a outra remete ao insulamento cultural e institucional do ciclo judicial (Justiça, Ministério Público e Defensoria Pública) e dos seus correlatos institucionais – o ciclo policial e o ciclo da execução penal, as prisões e instituições assemelhadas (Batitucci, 2016BATITUCCI, Eduardo C. (2016), “Atuação policial: formação e modernização”, in E. M. Machado (org.), Convivência e segurança cidadã: reflexões por uma nova abordagem de segurança pública, Brasília, PNUD.).

Na primeira dimensão, marcadas pela prevalência das disciplinas do direito em sua formação e pelo militarismo em sua ideologia e desenho operacional, e diante de uma trajetória histórica onde esses dois conjuntos de disciplinas se cruzaram, como componentes culturais, em uma concepção positivista e bacharelesca da realidade, ressalta-se a desvalorização simbólica e organizacional da atividade operacional e do policial de ponta que a executa, cujo conhecimento e experiência é, mais das vezes, considerado inútil para o conjunto do conhecimento organizacional formal (Batitucci, 2016BATITUCCI, Eduardo C. (2016), “Atuação policial: formação e modernização”, in E. M. Machado (org.), Convivência e segurança cidadã: reflexões por uma nova abordagem de segurança pública, Brasília, PNUD.).

Se o conhecimento profissional não é percebido como um valor substantivo, a legitimidade advinda da profissionalização como dimensão de reconhecimento simbólico e social, tal como aconteceu nas sociedades do hemisfério norte, tende a não se constituir como um elemento de grande relevância para o policial brasileiro, a não ser em situações marcadas pela excepcionalidade, tais como aquelas oriundas do pertencimento a grupos de elite na lógica simbólica interna da organização policial, onde frequentemente se evidencia algum processo de diferenciação, seja pelo domínio de um conhecimento específico, seja pelo destaque aos atributos físicos ou emocionais pertinentes.

Nesse sentido, as organizações policiais brasileiras, tanto civis como militares, se notabilizam pela aristocratização no seu desenho social e formalização de sua estrutura, valores e funcionamento, vivenciando fortemente o que Paixão (1982PAIXÃO, Antônio L. (1982), “A organização policial numa área metropolitana”. Dados – Revista de Ciências Sociais, Iuperj, 25 (1): 63-85., p. 65) conceitua como “paradoxo da discrição”: um modelo de funcionamento organizacional, em que o foco operacional se desloca da estrutura formal (isto é, das regras e valores institucionalmente aceitos e formalizados) para a realidade de senso comum do policial (suas atitudes, valores e crenças pessoais ou grupais), que funcionaria como uma instância mediadora entre a estrutura burocrática dura e impessoal e a vida cotidiana, o autor chamando a atenção para a coexistência da autonomia do policial na ponta da linha e a aparente incongruência da rigidez dos controles burocráticos formais, exibindo, portanto, uma tensão entre o conteúdo da prática e o conteúdo das teorias sobre o que o policial e a polícia devem fazer.

Nesse caso, mais do que categorias legais ou normas institucionais, o policial usualmente se utilizaria de ideologias e estereótipos, formulados em meio à cultura ocupacional, que orientam a sua ação cotidiana. Kant de Lima (1995)KANT DE LIMA, Roberto. (1995), A polícia da cidade do Rio de Janeiro – seus dilemas e paradoxos. Rio de Janeiro, Forense. observa que há tendência de ritualizar o reconhecimento social e a regulação institucional da discricionariedade do policial de ponta, desvalorizando e desautorizando sua capacidade de agir e o seu julgamento, praticamente levando-o para um tipo de “clandestinidade organizacional”, prendendo-o a uma dimensão de subprofissionalização, em que ele é reconhecido apenas pela autoridade pública que o cargo incorpora (com déficit de legitimidade, como já colocado), e não pelo seu conhecimento, experiência, capacidade de decidir ou pela competência profissional para ação, mesmo que, na prática, seja ele quem aja e decida.

No que se refere à segunda dimensão, vivendo em permanente conflito entre si e junto às outras organizações do Sistema de Justiça Criminal, as polícias brasileiras se constituíram simbolicamente e construíram foco operacional na dinâmica do crime, e não em uma concepção abstrata de defesa dos direitos da cidadania. Nesse sentido, do ponto de vista formal, elas têm se consolidado institucionalmente (seja por seus mecanismos operacionais, seja por seus valores) a partir das dimensões burocráticas e processuais, associadas à manutenção da ordem e/ou à persecução criminal, conhecendo e agindo muito pouco sobre a natureza substantiva dos conflitos na sociedade, suas dinâmicas e as vulnerabilidades que esses conflitos evidenciam (Batitucci, 2016BATITUCCI, Eduardo C. (2016), “Atuação policial: formação e modernização”, in E. M. Machado (org.), Convivência e segurança cidadã: reflexões por uma nova abordagem de segurança pública, Brasília, PNUD.). São polícias que, por sua visão de mundo, portanto, tendem a se afastar simbolicamente da população e estranhar as complexidades que necessariamente estão associadas aos pressupostos da cidadania nas sociedades contemporâneas. O crime deve ser combatido, não em virtude dos danos, vulnerabilidades e vitimizações relacionadas à sua ocorrência, mas principalmente porque o criminoso é “mau”, e assim deve ser extirpado da sociedade.

Tendo como dinâmica uma perspectiva difusa de emergência – pautada pela oposição entre Bem e Mal –, a cultura policial1 1 A concepção de cultura policial utilizada é a de Paoline (2003). das polícias brasileiras incentiva e promove uma concepção relativista dos direitos sociais, expressa, por exemplo, em metáforas para a condição de cidadania – o cidadão de bem –, por meio do qual um mundo dividido se apresenta, em oposições entre nós e eles, policiais e bandidos. Essa concepção se presta pouco à lógica das políticas públicas, dispensando diagnósticos, avaliação e monitoramento, dedicando-se à vigilância da sociedade e à punição, muitas vezes extrajudicial, de “criminosos”. O sistema policial (bem como a Justiça Criminal) não se percebe, e não é percebido, como um ator fundamental na constituição e consolidação do espaço público para a promoção da cidadania (Batitucci, 2016BATITUCCI, Eduardo C. (2016), “Atuação policial: formação e modernização”, in E. M. Machado (org.), Convivência e segurança cidadã: reflexões por uma nova abordagem de segurança pública, Brasília, PNUD.).

As consequências previsíveis da prevalência dessas duas dimensões podem se manifestar nos problemas que eventualmente marcam o cotidiano da atuação policial no espaço público brasileiro: as regras formais que organizam o espaço público (e a democracia) são relativizadas nas situações de suspeição, com o deslocamento da suspeição “judicial” (isto é, aquela vinculada à suspeita do cometimento de um crime), para um tipo de suspeição “criminal” ou “incriminadora”, que define um processo de sujeição criminal (Misse, 2007MISSE, Michel. (2007), “Mercados ilegais, redes de proteção e organização local do crime no Rio de Janeiro”. Estudos Avançados, 21 (61): 139-157., 2010MISSE, Michel. (2010), “Trocas ilícitas e mercadorias políticas: para uma interpretação de trocas ilícitas e moralmente reprováveis cuja persistência e abrangência no Brasil nos causam incômodos também teóricos”. Anuário Antropológico II: 89-107., 2011MISSE, Michel. (2011), “O papel do inquérito policial no processo de incriminação no Brasil: algumas reflexões a partir de uma pesquisa”. Revista Sociedade e Estado, Brasília, 26 (1):15-27., 2014MISSE, Michel. (2014), “Sujeição criminal”, in R. S. Lima e t al. (orgs.), Crime, polícia e justiça no Brasil, São Paulo, Contexto.; Miranda, 2010MIRANDA, Ana Paula Mendes de. (2010). “Entre o privado e o público: considerações sobre a (in)criminação da intolerância religiosa no Rio de Janeiro”. Anuário Antropológico II: 125-152.), vinculado a moralidades sociais e atividades de contenção ou higienização social de grupos sociais específicos (Ramos e Musumeci, 2005RAMOS, Sílvia & MUSUMECI, Leonarda. (2005), Elemento suspeito: abordagem policial e discriminação no Rio de Janeiro. Rio de Janeiro, Civilização Brasileira/Cesec.; Reis, 2002REIS, Dyane Brito (2002), “A marca de Caim: as características que identificam o suspeito, segundo relatos de policiais militares”. Caderno CRH, 36: 181-196.; G. G. Silva, 2009SILVA, Gilvan Gomes da (2009), A lógica da Polícia Militar do Distrito Federal na construção do suspeito. Tese de doutorado em Sociologia, Brasília, UNB.; Sinhoretto et al., 2014SINHORETTO, Jacqueline et al. (2014), A filtragem racial na seleção policial de suspeitos: segurança pública e relações raciais no Brasil. Relatório de Pesquisa, Secretaria Nacional de Segurança Pública/Ministério da Justiça.), que, por sua vez, certamente contribuem para a naturalização e o recrudescimento de formas crônicas de violência e corrupção policial (Lemgruber, 2004LEMGRUBER, Julita. (2004), Violência, omissão e insegurança pública: o pão nosso de cada dia. Rio de Janeiro, Academia Brasileira de Ciências.; Ramos e Lemgruber, 2004RAMOS, Sílvia & LEMGRUBER, Julita. (2004), “Criminalidade e respostas brasileiras à violência”. Observatório da Cidadania, 4: 45-52.; Soares, 1996SOARES, Luiz Eduardo. (1996), Violência e política no Rio de Janeiro. Rio de Janeiro, Iser/Relume Dumará., 2000SOARES, Luiz Eduardo. (2000), Meu Casaco de General: quinhentos dias no front da segurança pública do Rio de Janeiro. São Paulo, Companhia das Letras., 2006SOARES, Luiz Eduardo. (2006), Segurança Pública: presente e futuro. Estudos Avançados, 20 (56): 91-106.) e para justificação e legitimação social do uso da violência em sua forma letal (Cano, 2010CANO, Ignacio. (2010), “Racial bias in police use of lethal force in Brazil”. Police Practice and Research, 11 (1): 31-43.; Cano e Santos, 2007CANO, Ignacio & SANTOS, Nilton. (2007). Violência letal, renda e desigualdade no Brasil. Rio de Janeiro, Editora 7 Letras.; Cano e Massini, 1997CANO, Ignacio & MASSINI, Nelson. (1997). Letalidade da ação policial no Rio de Janeiro. Relatório de Pesquisa, ISER.; Mitchell e Wood, 1998MITCHELL, Michael J. & WOOD, Charles H. (1998), “Ironies of citizenship: skin color, police brutality, and the challenge to democracy in Brazil”. Social Forces, 77 (3): 1001-1020.), bem como para a nossa incapacidade social de controlá-la adequadamente (Lemgruber, Musumeci e Cano, 2003), processos esses que, no limite, caminham para a institucionalização de grupos policiais em organizações criminosas, tal como acontece com os “esquadrões da morte” (Batista, 1990BATISTA, Nilo (1990). Introdução crítica ao Direito Penal Brasileiro. Rio de Janeiro, Revan.; Bicudo, 1988BICUDO, Hélio Pereira. (1988), Do Esquadrão da Morte aos justiceiros. Petrópolis, Paulinas., 1994BICUDO, Hélio Pereira. (1994), Violência: o Brasil cruel e sem maquiagem. São Paulo, Moderna.) e com as milícias (Barcellos e Zaluar, 2014BARCELLOS, Christovam & ZALUAR, Alba. (2014), “Homicídios e disputas territoriais nas favelas do Rio de Janeiro”. Revista de Saúde Pública, 48 (1): 94-102.; Cano e Duarte, 2012CANO, Ignacio & DUARTE, Thais. (2012), No sapatinho: a evolução das milícias no Rio de Janeiro. Rio de Janeiro, LAV/Fundação Heinrich Boll.; Mendonça, 2014MENDONÇA, Tássia. (2014), Batan: tráfico, milícia e “pacificação” na zona oeste do Rio de Janeiro. Dissertação de mestrado em Antropologia, Rio de Janeiro, Museu Nacional, UFRJ.; Zaluar e Conceição, 2007ZALUAR, Alba & CONCEIÇÃO, Isabel Siqueira. (2007), “Favelas sob o controle das milícias no Rio de Janeiro: que paz?”. São Paulo em Perspectiva, 21 (2): 89-101.).

Destarte, a legitimidade profissional e as suas recompensas simbólicas podem apenas marginalmente serem extraídas do reconhecimento público, social ou comunitário do trabalho policial no caso brasileiro. A profissionalização, como vimos no hemisfério norte, marcada pelo reconhecimento social e pela legitimidade do conjunto de valores e do conhecimento que sustenta a atividade operacional, no nosso caso não prevalece socialmente como um atributo genérico da profissão policial brasileira, um atributo a partir do qual todos os policiais se tornam capazes de usufruir do reconhecimento social – como profissionais, ou seja, como policiais –, mas apenas como um elemento específico, vinculado a um talento individual, a uma dimensão corporativa, ou como um dom, associado à condição aristocrática do bacharel – disponível apenas para os membros dos estratos superiores da hierarquia policial.

Assim, diante de problemas tão substantivos, e em um campo com tantas disputas como se tornou o campo da segurança pública em nosso país (Lima, 2016LIMA, Renato S. (org.). (2016), Narrativas em disputa: segurança pública, polícia e violência no Brasil. São Paulo, Alameda.), a busca institucional por legitimidade foi se transformando em uma busca por estratégias de legitimação, estratégias essas pelas quais aspectos do reconhecimento profissional podem ser parcialmente alcançados, a despeito do baixo reconhecimento social, ou mesmo de sua ausência. A preocupação com os dilemas da polícia diante dos valores da democracia se sustenta, formalmente, como uma preocupação central para as organizações policiais brasileiras.2 2 Ver, a título de exemplo: PMMG (2012), PMERJ (2012) e Mello (2008). A percepção social da população brasileira sobre a atividade policial permance, entretanto, essencialmente negativa.3 3 Ver, a este respeito: IPEA (2010), Oliveira Jr. (2011) e Silva e Beato (2013).

Em sua busca por legitimidade, na ausência de reconhecimento social sobre suas práticas e valores especificamente policiais, este artigo defende a hipótese de que a polícia brasileira, especialmente as polícias militares, se concentraram em duas grandes estratégias de legitimação: de um lado, o investimento no conhecimento gerencial (Abrucio, 1997ABRUCIO, Fernando L. (1997), O impacto do modelo gerencial na administração pública: um breve estudo sobre a experiência internacional recente. Brasília, ENAP (Cadernos ENAP, n. 10).; Carneiro e Menicucci, 2011CARNEIRO, Ricardo & MENICUCCI, Telma. (2011), Gestão pública no século XXI: as reformas pendentes. Brasília, IPEA (Textos para discussão, n. 1686).) e sua aplicação nas dinâmicas organizacionais e na regulação formal da prática policial-militar; de outro, o investimento em um processo de diferenciação social, marcado pelo isomorfismo (DiMaggio e Powell, 2005DIMAGGIO, Paul J. & POWELL, Walter W. (2005), “A gaiola de ferro revisitada: isomorfismo institucional e racionalidade coletiva nos campos organizacionais”. Revista de Administração de Empresas, 45 (2): 74-89., pp. 76-77) de práticas socialmente consagradas, traduzidas ou adaptadas – frequentemente por processos de ritualização do seu conteúdo (Meyer e Rowan, 1977MEYER, John W. & ROWAN, Brian. (1977), “Institutionalized organizations: formal structure as myth and ceremony”. American Journal of Sociology, 83 (2): 340-363.) – ao contexto das polícias militares. Esse processo de diferenciação social vem legitimando e reforçando, via de regra, características estamentais no desenho da profissão policial militar.

Gerencialismo como estratégia de legitimação nas polícias militares: estudo de caso na PMMG

É somente com o Decreto-Lei no 667, de 2 de julho de 1969, que a maioria das polícias militares brasileiras assumem a tarefa do policiamento ostensivo fardado. Até então, muitas dessas organizações viviam uma vida de valores essencialmente militares, cumprindo, aquarteladas, sua missão de exército estadual, reserva de poder militar do governo do estado, e auxiliares das forças armadas (Souza, 2003SOUZA, Renato V. de. (2003), Do exército estadual à polícia de resultados: crise e mudanças de paradigmas na produção doutrinária da Polícia Militar de Minas Gerais (1969-2002). Dissertação de mestrado. Belo Horizonte, Fundação João Pinheiro., pp. 172-173).

A trajetória histórica de vínculo aos valores e a forma de vida miliciana representam, para as polícias militares brasileiras, clara inflexão ao desenho de profissionalização que as polícias inglesas e americanas construíram. Se, naquela experiência, os valores militares se estabilizaram apenas com o objetivo de aumentar o controle e a capacidade de supervisão sobre os policiais de linha e suas atividades e produziram como corolário a consolidação de um ideal de serviço – a “luta contra o crime” –, com o qual a polícia demanda legitimidade social (Emsley, 1996EMSLEY, Clive. The English police. (1996), 2. ed. Harlow, Pearson Education.; Jermier e Berkes, 1979JERMIER, John M. & BERKES, Leslie J. (1979), “Leader behavior in a police command bureaucracy: a closer look at the quasi-military model”. Administrative Science Quarterly, 24: 1-23.; Walker, 1977WALKER, Samuel. (1977), A critical history of police reform. Lexington, Lexington Books., pp. 42-48), na experiência brasileira os valores militares antecedem, no caso das polícias militares, o próprio desenho policial da atividade. Eles determinam, portanto, uma concepção do lugar da polícia como aquele de um ator em uma arena adversarial, onde a visão do outro como objeto da ação policial se define pela negatividade. Por isso, o “crime”, como já colocado, pode se transformar, aos olhos da cultura policial brasileira, em uma categoria praticamente desvinculada das dinâmicas sociais e territoriais que o produzem, algo que não faz sentido nas experiências históricas citadas, porque, tanto para ingleses como para americanos, a ligação entre o policial e os valores e dinâmicas comunitárias permanece como um elemento substantivo do sentido social que sua profissão adquiriu (Bittner, 1967BITTNER, Egon. (1967) “The police on skid-row: a study of peace keeping”. American Sociological Review, 32 (5): 699-715.; Emsley, 1996EMSLEY, Clive. The English police. (1996), 2. ed. Harlow, Pearson Education.; Goldstein, 1990GOLDSTEIN, Herman. (1990), Problem oriented policing. New York, McGraw Hill.; Kelling e Moore, 1988KELLING, George L. & MOORE, Mark H. (1988), “The evolving strategy of policing”. Perspectives on Policing, 4: 1-9 [Washington D. C., National Institute of Justice, United States Department of Justice].; Reiner, 1992REINER, Robert. (1992), The politics of the police. 2. ed. Toronto, The University of Toronto Press.; Skolnick, 1966SKOLNICK, Jerome. (1966), Justice without trial: law enforcement in democratic society. New York, John Wiley and Sons.; Wilson, 1973WILSON, James Q. (1973), Varieties of police behavior: the management of law and order in eight communities. New York, Atheneum.).

Se, em um governo absoluto ou ditatorial, a polícia não precisa se preocupar substantivamente em justificar socialmente seus valores e escolhas operacionais, em um contexto que se pretenda democrático, esta se transforma em uma questão crítica.

No caso da Polícia Militar de Minas Gerais (PMMG) e, provavelmente, de muitas de suas congêneres, duas estratégias de legitimação institucional pavimentaram o caminho para mudanças incrementais (Santos, 2015SANTOS, Íris G. (2015), Agentes de mudança, contextos políticos e dinâmica institucional: um estudo sobre o processo de mudança institucional gradual na segurança pública no Brasil. Tese de doutorado em Ciência Política, Belo Horizionte, UFMG.) na direção da construção de uma perspectiva contemporânea de um ideal de polícia e de políticas de policiamento que procuraram constituir uma resposta à busca por legitimidade, em um contexto de baixo reconhecimento social sobre práticas e valores policiais. Isso se tornou possível através de processos de isomorfismo institucional (DiMaggio e Powell, 2005DIMAGGIO, Paul J. & POWELL, Walter W. (2005), “A gaiola de ferro revisitada: isomorfismo institucional e racionalidade coletiva nos campos organizacionais”. Revista de Administração de Empresas, 45 (2): 74-89., p. 76-77), onde

[...] um processo de restrição força uma unidade em uma população a se assemelhar a outras unidades que enfrentam o mesmo conjunto de condições ambientais... [...] tal abordagem sugere que as características organizacionais são modificadas na direção de uma compatibilidade crescente com as características do ambiente. [Assim, no caso em pauta] a medida que uma inovação se espalha, alcança-se um limiar além do qual sua adoção proporciona legitimidade em vez de melhorar o desempenho [...]

No caso em pauta, os “processos de restrição” são representados tanto pelas mudanças institucionais que o final da ditadura militar impunha, como pelas mudanças necessárias à modificação da missão da organização – de exército de reserva para polícia ostensiva. Assim, diante da emergência de um novo campo institucional (o campo policial militar), processos de estruturação desse campo surgirão e pressionarão as organizações policiais militares em direção à construção de homogeneidade.4 4 Para DiMaggio e Powell (2005), processos de estruturação institucional consistem em: maior interação entre as organizações; surgimento de estruturas de dominação interorganizacional; aumento na carga de informação; e o desenvolvimento de uma conscientização mútua entre os participantes.

Em sua dimensão coercitiva, o isomorfismo resulta tanto de pressões formais quanto de pressões informais exercidas sobre as organizações por outras organizações das quais elas dependem e pelas expectativas culturais da sociedade em que elas atuam (DiMaggio e Powell, 2005DIMAGGIO, Paul J. & POWELL, Walter W. (2005), “A gaiola de ferro revisitada: isomorfismo institucional e racionalidade coletiva nos campos organizacionais”. Revista de Administração de Empresas, 45 (2): 74-89., p. 77). Tais pressões podem ser sentidas como coerção, dado que, em algumas circunstâncias, a mudança organizacional é uma resposta direta a ordens governamentais, tais como no exemplo em análise, tendo por referência as mudanças no marco normativo, especialmente após a Constituição de 1988.

Porém, quando as tecnologias organizacionais derivadas da mudança não são suficientemente compreendidas, quando as metas são ambíguas ou o ambiente cria uma incerteza simbólica, as organizações podem vir a tomar outras organizações como modelo (DiMaggio e Powell, 2005DIMAGGIO, Paul J. & POWELL, Walter W. (2005), “A gaiola de ferro revisitada: isomorfismo institucional e racionalidade coletiva nos campos organizacionais”. Revista de Administração de Empresas, 45 (2): 74-89., p. 77), o que se convencionou chamar de isomorfismo mimético, que, como veremos a seguir, pautará parte das mudanças observadas nas polícias militares brasileiras. Por fim, há um terceiro elemento das relações isomórficas, que se estruturou de forma especialmente importante para a nossa análise:

Uma terceira fonte de mudanças organizacionais isomórficas é a normativa, e deriva principalmente da profissionalização. Dois aspectos da profissionalização são fontes importantes de isomorfismo. Um deles é o apoio da educação formal e da legitimação em uma base cognitiva produzida por especialistas universitários. O segundo aspecto é o crescimento e a constituição de redes profissionais que perpassam as organizações e por meio das quais novos modelos são rapidamente difundidos. As universidades e as instituições de treinamento profissional constituem importantes centros de desenvolvimento de normas organizacionais entre os gerentes profissionais e seus funcionários (DiMaggio e Powell, 2005DIMAGGIO, Paul J. & POWELL, Walter W. (2005), “A gaiola de ferro revisitada: isomorfismo institucional e racionalidade coletiva nos campos organizacionais”. Revista de Administração de Empresas, 45 (2): 74-89., pp. 79-80).

Os antecedentes à consolidação da primeira das estratégias de legitimação (a incorporação do conhecimento gerencial) caminharam, no caso da PMMG (durante os anos 1980 e início dos 1990), na direção de construir uma linguagem institucional, uma narrativa que pudesse oferecer, de forma progressiva, legitimidade para a atividade policial sem, contudo, entrar em conflito com os valores militares. Um conjunto de conhecimentos, legitimado pela sociedade, que, somado aos valores militares, compartilhasse a construção de um ethos mais moderno para a polícia, oferecendo justificativa social para os pressupostos e o desenho de sua atividade operacional. A incorporação, por volta dos anos de 1980, da linguagem, dos valores, descobertas e inovações trazidas pela ciência da administração, em algumas de suas realizações acadêmicas e empresariais, ofereceram esse primeiro arcabouço.

As raízes desse movimento, o caso da PMMG, se situam na preocupação que a organização passa a evidenciar com sua “abertura” para o mundo civil, no início dos anos 1980. Os instrumentos disponíveis para a construção de uma missão eminentemente policial, em uma organização eminentemente militar, iam da reorganização administrativa – redução de efetivo voltada para a atividade-meio, fixação de uma jornada de trabalho semanal, eliminação de elementos típicos da lógica de caserna – bandas de música, barbearias e estafetas –, definição de um novo sistema de pessoal, assistência à saúde, pensões e política salarial, revisão do sistema de promoções e criação do quadro de servidores civis; reorganização operacional – criação da Companhia de Polícia Feminina (1981), do Batalhão Rotam5 5 Rotam (Rondas Táticas Metropolitanas) é um batalhão especializado, voltado ao enfrentamento da criminalidade mais violenta, com mais liberdade de ação e sem vinculação a uma área de responsabilidade territorial específica. (1982), e instalação do Copom (Centro de Operações da Polícia Militar) (1982) e, especialmente, de um conceito de operações, desenvolvido por um grupo de oficiais no Estado Maior6 6 O Estado Maior constitui, no desenho tradicional militar, uma instância de assessoria ao comando, nas diversas dimensões típicas da complexidade institucional (recursos humanos, inteligência, emprego operacional, logística etc.). Nas polícias militares, esse desenho tradicional é mantido, com o reforço, a partir desse momento, da dimensão de apoio ao comando operacional. da corporação – a “teoria” das malhas protetoras que definia “esforços” escalonados de policiamento e distribuição de recursos sobre o território (Batitucci, 2010a, p. 92).

O Copom trazia uma nova concepção de coordenação e controle operacional, concebida de forma paralela ao novo conceito de operações, ambos, por sua vez, baseados em sistemas da polícia da cidade de Washington D. C. (um claro exemplo de isomorfismo mimético), que foram estudados e adaptados por um grupo de oficiais, em 1981 (Affonso, 1984AFFONSO, Leonel A. (1984), Comportamento da PMMG face a violência urbana. Belo Horizonte, Polícia Militar de Minas Gerais, Imprensa Oficial., p. 48). O Copom inaugurava a informatização da atividade operacional, com a instalação de uma central computadorizada de atendimento telefônico e despacho de viaturas, que funcionava a partir da definição e identificação da origem da chamada telefônica, utilizando um sistema de logradouros (com base cartográfica computadorizada), vinculado a um sistema de estatísticas operacionais que produzia, on-line e imediatamente, as estatísticas necessárias à coordenação da atividade operacional – um grande avanço para as polícias brasileiras na época (Affonso, 1984AFFONSO, Leonel A. (1984), Comportamento da PMMG face a violência urbana. Belo Horizonte, Polícia Militar de Minas Gerais, Imprensa Oficial., pp. 50-52; Espírito Santo e Meireles, 2003ESPÍRITO SANTO, Lúcio E. & MEIRELES, Amauri. (2003), Entendendo a nossa insegurança. Belo Horizonte, Instituto Brasileiro de Policiologia., pp. 202-203).

Concomitante às mudanças no desenho operacional – e do ponto de vista analítico, mais importante –, verificou-se a construção de um aparato cognitivo especificamente policial: em primeiro lugar, a produção de vasto material doutrinário próprio, pelo Estado Maior em Belo Horizonte, que, impresso, era distribuído em todas as unidades da corporação (Almeida, 1987ALMEIDA, Klinger S. de. (1987), Mensagens profissionais. Belo Horizonte, Polícia Militar de Minas Gerais, Imprensa Oficial., p. 36); em segundo lugar, em 1983, o lançamento do periódico profissional O Alferes, editado pela Academia de Polícia Militar e voltado à discussão, essencialmente pela oficialidade, dos problemas da organização em artigos publicados abordando questões pertinentes à atividade profissional7 7 Conta, hoje, com mais de 65 números publicados. (Espírito Santo e Meireles, 2003ESPÍRITO SANTO, Lúcio E. & MEIRELES, Amauri. (2003), Entendendo a nossa insegurança. Belo Horizonte, Instituto Brasileiro de Policiologia., pp. 211-212; Souza, 2003SOUZA, Renato V. de. (2003), Do exército estadual à polícia de resultados: crise e mudanças de paradigmas na produção doutrinária da Polícia Militar de Minas Gerais (1969-2002). Dissertação de mestrado. Belo Horizonte, Fundação João Pinheiro., pp. 217-226, 263-278). Por fim, no ano seguinte, 1984, se consubstancia a aproximação com a Fundação João Pinheiro (FJP) e com a Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), levando professores e pesquisadores a lecionarem nos cursos da Academia de Polícia Militar, e, em 1985, convênio firmado com a FJP, torna essa fundação responsável pelo gerenciamento dos cursos de aperfeiçoamento para os oficiais da instituição,8 8 Como exemplo de isomorfismo normativo, essa iniciativa funcionou por 35 anos, tendo se transformado em modelo para outras iniciativas congêneres em outros estados brasileiros. Foi encerrada em 2018, com a justificativa de que a Academia de Polícia Militar já é plenamente capaz de formar, sozinha, seus próprios gestores estratégicos. incluindo disciplinas como Ciência Política, Sociologia, Economia Política, Planejamento Estratégico, Informática e Metodologia Científica, com o objetivo de “civilizar”, isto é, dar um tom civil à organização policial (S. L. F. Silva, 2009SILVA, Gilvan Gomes da (2009), A lógica da Polícia Militar do Distrito Federal na construção do suspeito. Tese de doutorado em Sociologia, Brasília, UNB., p. 127).

O momento seguinte (décadas de 1990 e 2000) mostra o aprofundamento da incorporação do conhecimento gerencial na PMMG e, via de regra, nas polícias militares brasileiras, justamente pelo que foi identificado por um oficial da PMMG como a “exaustão do modelo militar” (Silva Neto, 1977).

Para Jermier e Berkes (1979JERMIER, John M. & BERKES, Leslie J. (1979), “Leader behavior in a police command bureaucracy: a closer look at the quasi-military model”. Administrative Science Quarterly, 24: 1-23., p. 2), o modelo quase militar de comando e controle, típico do utilizado por organizações policiais, é caracterizado por uma hierarquia de autoridade rígida, pela impessoalidade e por um sistema de comando e controle autoritário. Esse modelo objetiva produzir rápida e inquestionável disciplina para propiciar mobilização e coordenação em situações de crise. Da mesma forma, as conceitualizações clássicas do desenho organizacional das organizações policiais modernas refletiriam fortemente a influência do que Weber definiu como o modelo racional-legal de dominação, no qual a obediência estrita é legitimada. A variação policial da burocracia monocrática é bem conhecida pela severidade de sua disciplina, arbitrariamente administrada àqueles que desprezam a ética do comando, da mesma forma que premia, com honras, aqueles que mostram submissão aos superiores hierárquicos e às regras e regulações formais (Paoline, 2003PAOLINE, Eugene A. III. (2003), “Toward a richer understanding of police culture”. Journal of Criminal Justice, 31: 199-214.).

White (1972WHITE, Susan O. (1972), “A perspective on police professionalization”. Law and Society Review, Fall: 61-85., pp. 63-64), por sua vez, argumenta que uma das características centrais do profissionalismo (tal como o conceito foi desenvolvido pelas ciências sociais) é a relação entre o comprometimento com determinados princípios de conduta (um ideal de serviço profissional) e a necessidade do exercício de julgamento discricionário. Entretanto, a atividade de polícia supõe constante exercício de autoridade discricionária, independentemente do nível de profissionalização, e, além disso, o modelo predominante de controle profissionalizado nos departamentos de polícia – o modelo quase militar – é deliberadamente centralizado e não discricionário, o que denota um dilema entre o exercício profissional do indivíduo e as suas condicionantes organizacionais, como observado por Paixão (1982)PAIXÃO, Antônio L. (1982), “A organização policial numa área metropolitana”. Dados – Revista de Ciências Sociais, Iuperj, 25 (1): 63-85.. Esse dilema se potencializaria em ambientes marcados pela regulação estrita e formal do comportamento cotidiano, onde é mais demandado do subordinado submissão absoluta à autoridade do superior hierárquico, do que conhecimento e proeficiência no conteúdo técnico da tarefa de policiamento que ele executa.

Em pesquisa com praças e oficiais da PMMG, Silva Neto (1997SILVA NETO, Severo Augusto da. (1997), “Cultura organizacional da Polícia Militar de Minas Gerais: uma visão diagnóstica”. O Alferes, 13 (45): 13-69., pp. 64-66) observava que

[...] as relações de trabalho são baseadas num estilo de gestão autocrata e caracterizam-se pela utilização do poder [hierárquico] para anular oposições e dominar subordinados; [...] não há um ambiente que propicie criatividade no trabalho e as informações sobre planos e decisões não fluem pela organização de forma adequada; [...] os planejamentos não são elaborados com base na opinião e na realidade das unidades que os executarão; salários e benefícios não são fatores de motivação, eficiência e produtividade; há um culto ao trabalho duro e sacrificante, de onde não se extrai alegria; [...] o clima organizacional é pobre, com ênfase nas medidas punitivas e não no reconhecimento do trabalho, e no qual questionamentos e criatividade são restringidos; [...] e, por fim, há competição entre os setores operacionais e administrativos.

O autor conclui que, apesar dos avanços vivenciados desde os anos 1980, especialmente aqueles do ponto de vista doutrinário (padronização do atendimento, consolidação do modelo de policiamento, inauguração das perspectivas comunitárias), a PMMG ainda vivia intensamente as contradições entre o desenvolvimento da missão policial e as tradições militares.

Pesquisa realizada pela FJP e pela UFMG, revelou que, a despeito de oficiais e praças serem orientados para a carreira – os fatores de motivação para a permanência na corporação estavam vinculados às características da carreira policial, tais como a estabilidade (FJP, 2001, pp. 39-41) –, um número substantivo de oficiais e a maioria das praças discordava das políticas de promoção. Na mesma direção, 55,4% dos oficiais e 91,4% dos praças pesquisados entendiam que existia, na PMMG, duas “polícias”, uma dos praças e outra dos oficiais (FJP, 2001FJP – FUNDAÇÃO JOÃO PINHEIRO. (2001), A organização policial e o combate à criminalidade violenta. Belo Horizonte, FJP, Relatório de Pesquisa., pp. 188-193), e que o RDPM (Regulamento Disciplinar da Polícia Militar) era um instrumento de opressão dos oficiais sobre os praças (86,6% das praças e 14% dos oficiais concordavam com a afirmação). Ribeiro, Cruz e Batitucci (2005, p. 305), analisando dados dessa pesquisa, afirmavam que “o sistema de crenças, valores e atitudes implementado pela instituição necessita de revisão por se basear em processos que rompem a ligação entre superiores e subordinados”.

A greve nacional das polícias militares de 1997 representou o momento culminante desse processo, esgarçando as bases de dominação do sistema militar tradicional e incentivando as corporações a se repensarem, especialmente do ponto de vista cultural, seja no que se refere aos valores pertinentes ao comprometimento institucional, seja no que se refere às dimensões de profissionalização.

Tendo o caráter – na elite da PMMG – de reação à crise do modelo operacional vigente pós-greve (Souza, 2003SOUZA, Renato V. de. (2003), Do exército estadual à polícia de resultados: crise e mudanças de paradigmas na produção doutrinária da Polícia Militar de Minas Gerais (1969-2002). Dissertação de mestrado. Belo Horizonte, Fundação João Pinheiro., p. 243), a “polícia de resultados” ficou marcada pela descentralização do planejamento e da execução do policiamento na cidade de Belo Horizonte, com a delegação, ao comandante da companhia,9 9 Pequena unidade local de policiamento, responsável por um conjunto de bairros em uma cidade, usualmente comandada por um capitão ou major das funções de diagnóstico, planejamento, controle operacional e avaliação de produtividade, exclusivas, até então, aos tenentes-coronéis comandantes de batalhão. Utilizando uma metodologia de operações baseada no modelo de compstat,10 10 Do inglês computerized statistics, modelo de avaliação e acompanhamento da produtividade da unidade policial, por meio do estabelecimento e acompanhamento sistemático de metas de resultados. da polícia de Nova York (mais um exemplo de isomorfismo mimético), o similar nacional determinava a avaliação periódica dos indicadores de resultado da companhia, em avaliações públicas, nas quais o comandante local e o seu staff eram questionados pelo comandante de policiamento da capital, com relação ao atingimento das metas previstas para aquele período avaliatório.

Esse padrão de supervisão evidencia o surgimento de uma mudança no final da década de 1990 e início dos anos 2000, marcada por uma nova produção doutrinária na PMMG, com uma característica agora marcadamente técnica, focada no assessoramento da atividade substantiva de policiamento, com o abandono de grande parte da fraseologia característica do modelo militar, até então fundamental nos documentos produzidos na organização. A despeito de serem documentos institucionais, o crédito pela autoria técnico-profissional passa a ser público, com a lista dos autores na primeira página do documento. O lócus de produção ressalta o lugar institucional do Estado Maior, e a sua importância cada vez mais evidente. As narrativas doutrinárias, agora, falavam através de “agências policiais”, “procedimentos operacionais padrão” e “diretrizes de serviço de produção” de segurança pública.

O ponto culminante desse momento se define, já em meados dos anos 2000, com a introdução de sistemas voltados à gestão por resultados na PMMG. Na visão de seus autores,

[...] este sistema oferecia as condições para se transitar do modelo de administração tradicional (baseado na hierarquia e na disciplina militares), para um novo, de cunho mais científico, e como tal, focalizado no desempenho de unidades policiais e não diretamente nos policiais (Souza e Reis, 2011SOUZA, Renato V. & REIS, Gilberto P. (2011), “Gestão para resultados na Segurança Pública em Minas Gerais: uma análise sobre o uso de indicadores na gestão da PMMG e no Sistema de Defesa Social”. Coleção Segurança, Justiça e Cidadania, 3 (5): 35-61., pp. 39-41, grifo nosso).

Constituído de dezesseis grupos de indicadores, o sistema intentava estabelecer metodologias e modelos analíticos para a definição institucional dos padrões que deviam ser observados pelas unidades e pelos policiais. Implantado concomitantemente à adoção, pelo governo do Estado de Minas Gerais (em 2005), de um sistema de gestão por resultados para toda a administração pública estadual, a iniciativa previa um conjunto de metas a serem atingidas para todas as unidades policiais, bem como recompensas, tanto salariais como de cunho institucional.

Nesse sistema, cada unidade era acompanhada pelo seu gerente,11 11 O termo é utilizado pelos autores citados. usualmente o policial comandante da unidade – tido como responsável profissional pelo desempenho da unidade –, em avaliação constante por seus pares, bem como por seus subordinados, com o objetivo de constituir-se um “passo de transição do modelo de ênfase no controle – típico da administração burocrática – para o de maior atenção aos resultados e processos gerenciais a estes ligados” (Souza e Reis, 2011SOUZA, Renato V. & REIS, Gilberto P. (2011), “Gestão para resultados na Segurança Pública em Minas Gerais: uma análise sobre o uso de indicadores na gestão da PMMG e no Sistema de Defesa Social”. Coleção Segurança, Justiça e Cidadania, 3 (5): 35-61., pp. 45-46).

A incorporação institucional desse conjunto produziu um “sistema para a gestão de resultados”, com a renovação do planejamento estratégico da PMMG, que passou a estabelecer “áreas de resultados” (educação profissional, saúde, inteligência de segurança púbica, operacional, logística, tecnologia de informação, comunicação organizacional e finanças) e sua desejável repercussão na atividade-fim da instituição (PMMG, 2012).

O principal mecanismo organizacional que estabelece a ligação entre o sistema de indicadores, o planejamento estratégico e as áreas de resultados é o “portfólio de serviços”, para o desenvolvimento da atividade operacional na PMMG, “como instrumento de padronização de esforços operacionais” (PMMG, 2011). Ele identifica um conjunto de 26 “serviços operacionais ordinários”, que devem estar disponíveis em toda unidade operacional, aproximando a concepção de policiamento do provimento de um tipo de policiamento específico para problemas específicos, construindo foco e elegendo prioridades para a atividade operacional, que deixaria, portanto, de ser concebida essencialmente como uma atividade genérica – patrulhamento e atendimento a chamados de emergência.

Procurando oferecer ao policiamento uma perspectiva proativa, a concepção, entretanto, não estabelece quais os nexos causais entre o problema social específico, o serviço de policiamento e a solução que se visa alcançar. Não há marco lógico ou uma concepção teórica específica sobre os problemas sociais enfrentados. A concepção de portfólio é simplesmente gerencial e não complexifica a utilidade ou conveniência dos serviços que ela define aos problemas aos quais se dirige (Batitucci et al., 2016, p. 74). A resolução (PMMG, 2011PMMG – POLÍCIA MILITAR DE MINAS GERAIS. (2011), Diretriz para a Produção de Serviços em Segurança Pública Nº 3.01.06/2011 – CG. Belo Horizonte, Imprensa Oficial de Minas Gerais.) menciona uma série de variáveis que devem ser levadas em conta para a “ativação” e o dimensionamento dos serviços em pauta, mas não explica o seu escalonamento, a relevância de cada um dos elementos, nem mesmo o cálculo a ser considerado. Nela, a “polícia comunitária” surge como um fundamento transversal à atividade de policiamento, independente da sua modalidade:

[...] a instituição prestadora dos serviços exclusivos e especiais de segurança pública, denominada PMMG, deve ser preocupar com o “produto” oferecido à sociedade e precisa, cada dia mais, enxergar-se sobre a ótica do cliente, pensando da mesma forma que ele e oferecendo a este cliente mais do que o simples registro de ocorrências em delegacias. Mais do que registrar fatos e combater o crime, a polícia comunitária orientada por resultados zela pela qualidade de vida da população. Aqui reside uma visão moderna do conceito de segurança pública: entende-se por segurança pública a preocupação por qualidade de vida e dignidade humana em termos de liberdade, acesso ao mercado e oportunidades sociais para os indivíduos que compartilham um entorno social delimitado pelo território. [...] Desse modo, esse estado antidelitual configura o marco conceitual de segurança pública, que permitirá ao povo proteger-se contra os riscos da vida societária (PMMG, 2010, p. 40).

Nota-se que há uma multiplicidade de referências, muitas vezes provocando contradições e inconsistências. A visão do cidadão como cliente (já visível em documentos anteriores) permanece, agora vinculada à ideia de mercado, associada como elemento para a produção da qualidade de vida. Da mesma forma, um hipotético “estado antidelitual” surge como referência para a solução diante dos “riscos da vida societária”. A visão da qualidade de vida aparece como metáfora, portanto, da noção de ordem sob a lei, típica do modelo profissional-burocrático (Walker, 1977WALKER, Samuel. (1977), A critical history of police reform. Lexington, Lexington Books.), mas agora desconectada da resolução dos conflitos, considerados não como inerentes à vida societária, mas como sua antítese. Percebidos de forma estanque, os diversos “serviços” não se comunicam e, do ponto de vista operacional, não constituem uma perspectiva integrada, porque estão contaminados com uma visão limitada e enviesada da dinâmica social.

Assim, em conclusão, a chave interpretativa dos “serviços policiais” se associa, muito mais, a uma perspectiva normativa de reforma institucional, sem conteúdo técnico substantivo, um portfólio de serviços tais como os do mercado, intercambiáveis e substituíveis, a serem utilizados segundo a discricionariedade do comandante, de onde retira-se justamente a especificidade de seu caráter público – a solução de problemas sociais, a inclusão de pessoas, a promoção da justiça e a produção de resultados para a coletividade –, podendo servir a quaisquer objetivos genéricos, inclusive aqueles contrários à sua definição doutrinária (Batitucci et al., 2016BATITUCCI, Eduardo C. et al. (2016), “Policiamento comunitário e participação social em Minas Gerais: entre a narrativa oficial e a efetividade das reformas”, in A. Oliveira Jr. (org.), Instituições participativas na segurança pública brasileira: programas impulsionados por instituições policiais, Brasília, IPEA., p. 113).

O portfólio de serviços representa o ponto máximo de assunção de uma perspectiva gerencial como estratégia de legitimação na PMMG, representando a consolidação desse conhecimento como linguagem institucional e, ao mesmo tempo, sua tradução para uma perspectiva operacional. Nessa lógica, o “bom” comandante, portanto e no limite, é aquele que ofereceria um mix de serviços apropriados à boa avaliação operacional.

Gerencialismo, estamentalização e a conquista de legitimidade

Como expressão do pensamento das elites da organização, a seção anterior procurou trazer à luz as principais ideias que direcionaram a PMMG nos últimos 40 anos e os valores que as orientaram ou, como coloca Poncioni (2003PONCIONI, Paula. (2003), Tornar-se policial: a construção da identidade profissional do policial do estado do Rio de Janeiro. Tese de doutorado em Sociologia, São Paulo, FFLCH-USP., p. 192), o “conjunto de representações sociais que reflete as percepções dominantes acerca de lei e de ordem, sobre o que a polícia faz, seu papel, lugar e funções no mundo social”, calcado em visão estereotipada e racionalizada de um conjunto normativo, produzido no nível estratégico da organização policial.

O ponto que chama mais a atenção, especialmente a partir do final da década de 1990, é o constante esforço na construção de um sólido contingente doutrinário de assessoria e planejamento da atividade operacional. Foi a característica sistêmica dessa atividade na PMMG que permitiu o desenvolvimento e a implementação organizacional de propostas, tais como as “malhas protetoras” ou a “polícia de resultados”, que extrapolaram as suas lideranças carismáticas e se transformaram em identidade organizacional, ganhando terreno (e consenso) na organização como um todo.

Se, no final da década de 1970, a PMMG apresentava uma estrutura de comando absolutamente centralizada e de característica militar, durante os últimos quarenta anos, observou-se um longo processo de desconcentração e descentralização da capacidade de decisão, que migra do comando central estratégico (no início da década de 1970) para o comando local operacional (no final da década de 1990). Os oficiais em postos intermediários e subalternos (majores, capitães e tenentes) vão ganhando, em meio a esse movimento, maior capacidade de decisão e autonomia operacional, que será fundamental para a definição do perfil contemporâneo de sua profissionalização, e que é concomitante e está associada à progressiva abertura da organização policial à sociedade civil. Entretanto, como fica patente na análise, todo esse movimento de descentralização organizacional não atinge o policial de linha, nem a atividade-fim, do ponto de vista substantivo. É um movimento restrito ao oficialato, um movimento de cunho gerencial, cujo objetivo é reorganizar a própria capacidade de comando, em virtude da complexificação do ambiente. É essa característica que dá sentido à importância que vai progressivamente adquirindo a atividade de assessoria ao comando, ou de “Estado Maior”.

Somadas à incorporação do conhecimento gerencial como linguagem policial, essas considerações anunciam uma possível prevalência do “staff officer” – o oficial de Estado Maior, em detrimento daquele cuja trajetória profissional seja majoritariamente marcada por experiência operacional e, via de regra, a prevalência daquela função, do ponto de vista simbólico e institucional, sobre as funções operacionais, conforme foi observado por Batitucci (2010a, pp. 130-134) na análise de 141 depoimentos com oficiais no último posto da carreira da PMMG. Apenas 20,6% dos oficiais pesquisados apresentavam perfil (isto é, 51% ou mais das atividades desenvolvidas em toda a sua trajetória profissional) ligado à atividade operacional. Em contrapartida, 15,6% dos oficiais apresentavam perfil profissional voltado exclusivamente a tarefas administrativas, e 22% dos oficiais apresentavam trajetória com perfil de Estado Maior.

Essas constatações fortalecem, para o caso em pauta, a tese da dissociação entre controle e discricionariedade (Kelling e Moore, 1988KELLING, George L. & MOORE, Mark H. (1988), “The evolving strategy of policing”. Perspectives on Policing, 4: 1-9 [Washington D. C., National Institute of Justice, United States Department of Justice].), ou, dito de outra forma, planejamento e atividade operacional, na medida em que se tornam cada vez mais evidentes a característica instrumental e técnica da doutrina – aliada à descentralização do comando para as unidades locais, paralelamente ao reforço organizacional às posições de assessoria. Ao elaborar institucionalmente sobre aspectos acadêmicos e técnicos da atividade policial, reforçando os instrumentos de assessoria interna, sem desenvolver mecanismos substantivos de ligação entre teoria e prática, a elite da PMMG aprofunda a lacuna entre a concepção e a ação e, consequentemente, superficializa a abrangência e o impacto que políticas específicas poderiam ter, do ponto de vista da mudança organizacional, ou mesmo do ponto de vista da sua efetividade substantiva. A polícia se modernizará e se profissionalizará, mas, pertinente à crítica de Walker (1977)WALKER, Samuel. (1977), A critical history of police reform. Lexington, Lexington Books., dirigida às polícias americanas dos anos de 1930, apenas os “oficiais gestores” da polícia militar é que usufruirão plenamente dessas mudanças.

Esse insulamento se aprofundou com a Lei Complementar no 115 – MG, de 5 de agosto de 2010, que restringiu, como já acontecia em outras polícias militares brasileiras, o ingresso na carreira de oficial da PMMG a bacharéis em direito, e também com a Emenda no 83 à Constituição Estadual de Minas Gerais, de 3 de agosto de 2010, que cria a “carreira jurídica militar do Estado”. Além das óbvias questões corporativas associadas, essa modificação contribui para elitizar ainda mais a atividade do oficial, tornando-a exclusiva a um perfil profissiográfico específico, com potenciais repercussões sobre o mandato do oficial de polícia militar, diferenciando-o substantivamente da atividade do policial de linha. Essa mudança ganhou contornos mais objetivos após a Lei no 22.257 – MG, de 27 de julho de 2016, que autorizou a PMMG a lavrar os termos circunstanciados de ocorrências (TCO),12 12 O TCO é, além do registro, o instrumento de apuração de fato criminal de pequeno potencial ofensivo. até então restritos a delegados da Polícia Civil.

Desse ponto de vista, um conjunto de oficiais gestores mais bem “profissionalizados” poderia postergar ou mesmo relevar a necessidade de efetiva profissionalização do policial de linha, por meio da assunção cerimonial dessas inovações no cotidiano da atividade operacional, consequentemente diluindo o impacto organizacional que a necessária profissionalização das praças implicaria, especialmente no que se refere às ameaças simbólicas representadas ao conceito e à estrutura hierárquica tradicional do policiamento militarizado no Brasil.

Da mesma forma, parte substantiva dessas mudanças sinaliza novos princípios de diferenciação interna no corpo policial, e deste perante seus equivalentes institucionais, especialmente diante da competição (agora de fato e de direito) com os delegados das polícias civis.

Diferenças de classe com relação a bens simbólicos e econômicos, acentuadas pelos processos hierárquicos de estilo militar, sempre existiram nas polícias militares e são fenômenos correntes nas organizações complexas. A mudança em pauta, entretanto, estabelece princípios de estamentalização nessas relações (Weber, 1982WEBER, Max. (1982), Ensaios de sociologia. Tradução de Waltensir Dutra. 5. ed. Rio de Janeiro, LTC., pp. 218-220), na medida em que restringe aos oficiais, bacharéis em direito, a vivência própria de um (novo) elemento associado ao mandato policial militar: a sua consolidação como profissão jurídica e os seus correlatos simbólicos e institucionais e, ao mesmo tempo, o seu afastamento progressivo das dimensões tradicionais de policiamento e do lugar que os oficiais da polícia militar nelas ocupavam. Se os mecanismos tradicionais da hierarquia militar vêm, paulatinamente, perdendo sua efetividade como delimitadores de status, as potencialidades abertas pela profissão jurídica compensam, em muito, os ruídos necessários para a mudança, dado que, como dizia Weber (1982WEBER, Max. (1982), Ensaios de sociologia. Tradução de Waltensir Dutra. 5. ed. Rio de Janeiro, LTC., p. 223), “para todas as finalidades práticas, a estratificação estamental vai de mãos dadas com uma monopolização de bens ou oportunidades ideais e materiais”.

As consequências institucionais são óbvias, e indicam, no limite superior, um projeto institucional mais amplo de monopolização, pelas polícias militares, da instrução à persecução criminal no sistema de justiça criminal brasileiro. E, do ponto de vista substantivo do policiamento, as mudanças não serão menos sutis. Nessa direção, a análise das concepções da elite policial, junto aos elementos coletados sobre as trajetórias profissionais dos oficias da PMMG, revelou estratégias de conformação organizacional a mitos13 13 Mitos, na perspectiva de Meyer e Rowan (1977, p. 343-344), são manifestações de regras institucionais poderosas, que tem como propriedades funcionarem como prescrições racionais e impessoais que obrigatoriamente identificam meios para alcançar objetivos técnicos; e são altamente institucionalizados, estando além da discricionariedade de um indivíduo ou de uma organização, funcionando como instâncias de legitimação, a despeito de avaliações sobre o seu impacto nos resultados do trabalho propriamente dito. do ambiente institucional (Meyer e Rowan, 1977MEYER, John W. & ROWAN, Brian. (1977), “Institutionalized organizations: formal structure as myth and ceremony”. American Journal of Sociology, 83 (2): 340-363.), e a consequente busca por legitimidade, que vale a pena explorar: os mitos do militar, do gestor e, fruto da associação destes, o mito do profissional, agora mais provável de ser alcançado com o recente “adendo” do bacharel.

O mito do militar permanece sendo um ponto de referência simbólico importantíssimo no universo da PMMG, a despeito de sua exaustão, do ponto de vista da eficiência operacional. Mesmo que as concepções doutrinárias da PMMG venham se contextualizando em uma perspectiva mais técnica e menos hierárquica, o uso do termo militar ou militar estadual ainda é corrente nas grandes diretrizes e nos documentos normativos. É na ética policial-militar, fundamentalmente, que se ancora, ainda de forma substantiva, a legitimação da estética militar da organização.

De um lado, a ética policial militar garante, cerimonialmente, a predisposição do policial para o trabalho, sua força moral – a despeito das limitações organizacionais. A dedicação e o compromisso com a instituição, seus valores e propósitos é o que definiria, nesse sentido, o profissional. Assim, o mito do militar ainda legitima internamente o comportamento disciplinado, a dedicação e a retidão de caráter necessárias ao cumprimento da atividade policial-militar. E, externamente ao ambiente organizacional, as tradições “bicentenárias” da PMMG e a capacidade de mobilizar-se na “guerra contra o crime”.

De outro lado, as concepções doutrinárias vão exibindo exatamente o distanciamento de um modelo policial de enfrentamento, militarista ou guerreiro, demonstrando que são as ideias associadas a uma perspectiva técnica e gerencial que guiarão o desenvolvimento da atividade operacional na corporação. Assim, o militarismo, sozinho, nos dias de hoje, não parece funcional para legitimar a PMMG, pelo menos não no caso dos seus oficiais. Introduziu-se outro mito, tão ou mais poderoso, que, progressivamente, vem dividindo este lugar: o do gestor.

O mito do gestor representa o oficial que, além de militar, procura teorizar tecnicamente sobre a sua atividade, trazendo ou consolidando inovações na organização, com alguma capacidade crítica. Concomitante, na década de 1980, à abertura da PMMG para a sociedade, para a academia e a imprensa, representou a construção de um novo “modelo” de oficial de polícia, preocupado com a concepção de justificativas e estratégias racionais para o policiamento, que deixa de se tornar, em termos doutrinários, apenas uma prática guiada pelo bom senso e lastreada por forte conteúdo moral, para adquirir um conteúdo “científico”.

Assim, militares e gestores – agora ainda mais legitimados pelo título do bacharel – parecem complementares, uma vez que oferecem uma versão cultural do oficial da PMMG como um profissional de segurança pública, nos termos de Wilensky (1964)WILENSKY, Harold L. (1964), “The professionalization of everyone?”. American Journal of Sociology, 70 (2): 137-158., Walker (1977)WALKER, Samuel. (1977), A critical history of police reform. Lexington, Lexington Books. e Poncioni (2003)PONCIONI, Paula. (2003), Tornar-se policial: a construção da identidade profissional do policial do estado do Rio de Janeiro. Tese de doutorado em Sociologia, São Paulo, FFLCH-USP., tal como sistematizada no Quadro 1.

Quadro 1
Componentes do Profissionalismo e sua Reinterpretação na PMMG

Conclusão: militar na rua, gestor no batalhão, bacharel para a sociedade

Esta análise procurou demonstrar um longo processo de institucionalização incremental (Santos, 2015SANTOS, Íris G. (2015), Agentes de mudança, contextos políticos e dinâmica institucional: um estudo sobre o processo de mudança institucional gradual na segurança pública no Brasil. Tese de doutorado em Ciência Política, Belo Horizionte, UFMG.) nas mudanças organizacionais e sociais no campo policial militar brasileiro, a partir do caso da PMMG.

Até meados dos anos 1980, no caso em pauta, a ética e a estética militar se sobrepunham como ratio de legitimação social organizacional. A profissão, nessa perspectiva e como colocado, era percebida como despida de complexidades, o que fazia com que a atividade prescindisse de maiores preocupações técnicas e/ou justificativas morais que extrapolassem as demandas da disciplina, do dever, do caráter, e da honra.

A complexificação da sociedade e dos desafios impostos ao trabalho policial e as mudanças no ambiente político e normativo a partir do final dos anos 1980 encaminharam à progressiva exaustão do modelo militar, seja do ponto de vista de sua eficiência técnico-operacional, seja do ponto de vista de sua eficácia simbólica. A busca, na elite organizacional da polícia militar, pela consolidação de um conhecimento gerencial e a produção de uma linguagem através da qual esse conhecimento pudesse ser adaptado ao contexto operacional, parece definir um segundo momento dessa evolução, constituindo forte justificativa na direção da legitimação social das dinâmicas profissionais, agora ancoradas não só na retidão e disciplina militares (ainda necessárias, mas cognitivamente insuladas ao contexto organizacional da atividade-fim, do policiamento na rua), mas também no conhecimento das ciências da administração e em sua linguagem mais facilmente universalizável. O oficial de polícia militar passa a ser gerente, o cidadão, cliente, e o policiamento, serviço, que pode ser adaptado com base em um portfólio generalizável. O policial de rua, entretanto, permanece militar.

O progressivo enfraquecimento da ratio gerencial ocorre devido às incertezas vinculadas à sua capacidade operacional, provocadas tanto pela complexificação do ambiente, como pela assunção cerimonial desse conhecimento e de seus valores na elite organizacional policial militar. A extensão cognitiva desse conhecimento para as praças – em virtude das necessidades advindas das políticas operacionais – passa a encaminhar, em meados dos anos 2000, novo deslocamento, agora rumo ao mito institucional do bacharel, a forma organizacional contemporânea,14 14 No momento em que este texto é escrito, dados da Feneme (Federação Nacional dos Militares Estaduais) mostram que, em quatorze estados da federação, a demanda para o ingresso na carreira de oficial das polícias militares já pressupõe o bacharelado em curso de direito. Disponível em: <www.feneme.org.br>; acesso em: 23 jan. 2019. que passa a demandar a justificação operacional (pertinente à releitura, sem o abandono, das formas, linguagens e valores anteriores), bem como (e aí sua potência) o reforço da legitimação institucional, seja diante dos pares do sistema de justiça criminal, seja em relação às demandas corporativas estamentais. Como apontado, entretanto, esse deslocamento sacramenta o distanciamento da elite da profissão policial militar das dinâmicas e preocupações da sua própria atividade-fim, com provável reforço do paradoxo da discrição, como apontado por Paixão (1982)PAIXÃO, Antônio L. (1982), “A organização policial numa área metropolitana”. Dados – Revista de Ciências Sociais, Iuperj, 25 (1): 63-85. e Kant de Lima (1995)KANT DE LIMA, Roberto. (1995), A polícia da cidade do Rio de Janeiro – seus dilemas e paradoxos. Rio de Janeiro, Forense..

Do ponto de vista do cidadão, a consequência provável desses deslocamentos indica a permanência e o provável agravamento, no futuro, de baixa coerência sistêmica nas políticas operacionais, sua remuneração simbólica duvidosa, e a continuidade da pequena valorização do policial de linha na dinâmica cultural do universo policial. O prognóstico, na ausência desse reconhecimento, não parece muito animador, pois mantém o policial de rua em seu casulo cultural tradicional, com poucas oportunidades para a evolução profissional. Como potenciais subprodutos culturais desse paradoxo, a violência e a barbárie em hibernação nas limitações civilizatórias desse modelo continuarão a encontrar terreno fértil para sua reprodução e aplicação em setores específicos da sociedade brasileira.

A elite policial militar, devidamente “reconhecida” pelo lugar do bacharel, parece então se distanciar, cada vez mais, do lugar institucional e social do policial de rua, cujo conhecimento, a despeito de agora gerencialmente tecnificado, permanece insulado, desguarnecido das justificativas sociais e institucionais que a legitimidade profissional oferece.

Nesse sentido, o campo institucional policial militar pode aspirar por sua evolução, como vem fazendo nas últimas décadas, mas não se libertará da superficialidade no seu desenvolvimento operacional, preso que permanece a cada vez maior aristocratização de uma elite ainda corporativamente deslocada das questões substantivas de sua atividade-fim.

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Notas

  • 1
    A concepção de cultura policial utilizada é a de Paoline (2003)PAOLINE, Eugene A. III. (2003), “Toward a richer understanding of police culture”. Journal of Criminal Justice, 31: 199-214..
  • 2
    Ver, a título de exemplo: PMMG (2012)PMMG – POLÍCIA MILITAR DE MINAS GERAIS. (2012), Sistema de Gestão Estratégica. Belo Horizonte, Imprensa Oficial de Minas Gerais., PMERJ (2012)PMERJ – POLÍCIA MILITAR DO RIO DE JANEIRO. (2012), Formulação Estratégica da PMERJ (mimeo). e Mello (2008)MELLO, Manuel M. (2008), Modelo gerencial da Polícia Militar do Estado de São Paulo: gestão sistêmica focada no cidadão. São Paulo, Academia Militar do Barro Branco..
  • 3
    Ver, a este respeito: IPEA (2010)IPEA – INSTITUTO DE PESQUISA ECONÔMICA APLICADA. (2010), Sistema de Indicadores de Percepção Social – Segurança Pública. Brasília, IPEA., Oliveira Jr. (2011) e Silva e Beato (2013)SILVA, Geélison F. & BEATO, Cláudio C. (2013), “Confiança na polícia em Minas Gerais: o efeito da percepção de eficiência e do contato individual”. Opinião Pública, 19 (1): 118-153..
  • 4
    Para DiMaggio e Powell (2005)DIMAGGIO, Paul J. & POWELL, Walter W. (2005), “A gaiola de ferro revisitada: isomorfismo institucional e racionalidade coletiva nos campos organizacionais”. Revista de Administração de Empresas, 45 (2): 74-89., processos de estruturação institucional consistem em: maior interação entre as organizações; surgimento de estruturas de dominação interorganizacional; aumento na carga de informação; e o desenvolvimento de uma conscientização mútua entre os participantes.
  • 5
    Rotam (Rondas Táticas Metropolitanas) é um batalhão especializado, voltado ao enfrentamento da criminalidade mais violenta, com mais liberdade de ação e sem vinculação a uma área de responsabilidade territorial específica.
  • 6
    O Estado Maior constitui, no desenho tradicional militar, uma instância de assessoria ao comando, nas diversas dimensões típicas da complexidade institucional (recursos humanos, inteligência, emprego operacional, logística etc.). Nas polícias militares, esse desenho tradicional é mantido, com o reforço, a partir desse momento, da dimensão de apoio ao comando operacional.
  • 7
    Conta, hoje, com mais de 65 números publicados.
  • 8
    Como exemplo de isomorfismo normativo, essa iniciativa funcionou por 35 anos, tendo se transformado em modelo para outras iniciativas congêneres em outros estados brasileiros. Foi encerrada em 2018, com a justificativa de que a Academia de Polícia Militar já é plenamente capaz de formar, sozinha, seus próprios gestores estratégicos.
  • 9
    Pequena unidade local de policiamento, responsável por um conjunto de bairros em uma cidade, usualmente comandada por um capitão ou major
  • 10
    Do inglês computerized statistics, modelo de avaliação e acompanhamento da produtividade da unidade policial, por meio do estabelecimento e acompanhamento sistemático de metas de resultados.
  • 11
    O termo é utilizado pelos autores citados.
  • 12
    O TCO é, além do registro, o instrumento de apuração de fato criminal de pequeno potencial ofensivo.
  • 13
    Mitos, na perspectiva de Meyer e Rowan (1977MEYER, John W. & ROWAN, Brian. (1977), “Institutionalized organizations: formal structure as myth and ceremony”. American Journal of Sociology, 83 (2): 340-363., p. 343-344), são manifestações de regras institucionais poderosas, que tem como propriedades funcionarem como prescrições racionais e impessoais que obrigatoriamente identificam meios para alcançar objetivos técnicos; e são altamente institucionalizados, estando além da discricionariedade de um indivíduo ou de uma organização, funcionando como instâncias de legitimação, a despeito de avaliações sobre o seu impacto nos resultados do trabalho propriamente dito.
  • 14
    No momento em que este texto é escrito, dados da Feneme (Federação Nacional dos Militares Estaduais) mostram que, em quatorze estados da federação, a demanda para o ingresso na carreira de oficial das polícias militares já pressupõe o bacharelado em curso de direito. Disponível em: <www.feneme.org.br>; acesso em: 23 jan. 2019.
  • *
    Agradeço aos pareceristas anônimos da RBCS as contribuições a este artigo e ao GT “Violência, Polícia e Justiça no Brasil: agenda de pesquisa e desafios teóricos-metodológicos” (18º Congresso Brasileiro de Sociologia), onde antes foi apresentado.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    28 Nov 2019
  • Data do Fascículo
    2019

Histórico

  • Recebido
    20 Set 2017
  • Aceito
    11 Abr 2019
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