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Aumento acetabular pela técnica de Stahelli modificada

Resumos

Os autores apresentam neste trabalho um estudo retrospectivo realizado em 18 pacientes submetidos a tratamento cirúrgico de insuficiência acetabular pela osteotomia da pelve seguindo a técnica descrita por Lynn T. Staheli. Enfatizam a modificação da técnica deste autor, com a introdução do enxerto ósseo, retirado da tábua externa do ilíaco, numa fenda aprofundada até cerca da cortical interna do ilíaco. Os pacientes foram acompanhados através de consultas ambulatoriais previamente a cirurgia e pós-operatoriamente com seguimento que variou de 2 meses a 4 anos no serviço de ortopedia infantil do Hospital Independência - Complexo Hospitalar ULBRA/Porto Alegre-RS. O objetivo do trabalho foi avaliar o quadril acometido pré e pós-operatoriamente, demonstrando a evolução e vantagens da variação da técnica de Staheli desenvolvida neste serviço. Observou-se que a cirurgia, se realizada sob técnica adequada e em mãos experientes, torna-se uma fonte válida de tratamento para aquelas patologias que levam a uma insuficiente cobertura da cabeça femoral.

Aumento acetabular; osteotomia da pelve


The authors present in this paper a retrospective study of eighteen patients treated surgically for insufficiency of the acetabular coverage with the shelf procedure according to Lynn T. Staheli. This study was done at the Service of Pediatric Orthopedics of Hospital Independência - Complexo Hospitalar ULBRA/Porto Alegre-RS. They call attention to the modification of the surgical technique in that the bone graft taken from outer cortex of the iliac bone, is deepened in the slot in the superior rim of the acetabulum. The follow-up ranged from two months to four years. The aim of this paper was to evaluate the affected hip pre and postoperatively showing the results and the advantages of the modified shelf technique. They observed that if the surgery is performed according to the correct technique and by an experienced surgeon, it is a very good alternative to the treatment of those orthopedics diseases that lead to an insufficient coverage of the femur head.

acetabular augmentation; shelf; pelvic osteotomy


ARTIGO DE REVISÃO

Aumento acetabular pela técnica de Stahelli modificada

Sílvio Pereira CoelhoI; João Francisco Comnimos CorrêaII; Leonardo do NascimentoII

IMédico ortopedista e traumatologista, membro titular da SBOT, chefe do serviço de Ortopedia Pediátrica do Hospital Independência - ULBRA/RS

IIMédico residente do 3º ano em ortopedia e traumatologia do Hospital Independência - ULBRA/RS

Endereços para correspondência Endereços para correspondência Rua João Manoel Guedes Falcão, 821 CEP. 5040-000 - Caxias do Sul - RS ou Av. Bagé, 1259 Ap. 401 CEP 90460-080 - Porto Alegre -RS

RESUMO

Os autores apresentam neste trabalho um estudo retrospectivo realizado em 18 pacientes submetidos a tratamento cirúrgico de insuficiência acetabular pela osteotomia da pelve seguindo a técnica descrita por Lynn T. Staheli. Enfatizam a modificação da técnica deste autor, com a introdução do enxerto ósseo, retirado da tábua externa do ilíaco, numa fenda aprofundada até cerca da cortical interna do ilíaco. Os pacientes foram acompanhados através de consultas ambulatoriais previamente a cirurgia e pós-operatoriamente com seguimento que variou de 2 meses a 4 anos no serviço de ortopedia infantil do Hospital Independência - Complexo Hospitalar ULBRA/Porto Alegre-RS. O objetivo do trabalho foi avaliar o quadril acometido pré e pós-operatoriamente, demonstrando a evolução e vantagens da variação da técnica de Staheli desenvolvida neste serviço. Observou-se que a cirurgia, se realizada sob técnica adequada e em mãos experientes, torna-se uma fonte válida de tratamento para aquelas patologias que levam a uma insuficiente cobertura da cabeça femoral.

Descritores: Aumento acetabular, osteotomia da pelve.

INTRODUÇÃO

O tratamento da insuficiência da cobertura da cabeça femoral, seja por alterações acetabulares ou por subluxação da epífise proximal do fêmur, constitui um grande desafio ao cirurgião ortopédico. Na literatura, inúmeras são as técnicas e suas variações para resolver tal problema. O procedimento que coloca enxerto ósseo como uma "prateleira" no rebordo superior do cótilo foi comumente usado durante a primeira metade deste século para aumento do volume acetabular nos casos de displasia do desenvolvimento acetabular. Entretanto, nas últimas décadas tem se dado ênfase maior as osteotomias redirecionais pélvicas e osteotomias de deslocamento6.

A técnica cirúrgica defendida por Lynn T. Stahelli foi descrita por este autor como um tipo de procedimento em prateleira (Slotted Acetabular Augmentation)5. Trata-se de técnica com metodologia simples que aumenta a extensão de congruência articular através de aumento acetabular que pode facilmente ser controlado pelo cirurgião. Inúmeras patologias alteram a congruência articular ao nível do quadril, principalmente na infância. Indicação definida para esta técnica é naqueles quadris com congruência não esférica ou com deficiência extrema3, 4, 5, 7. Uma indicação secundária é a situação em que o cirurgião leva em conta a simplicidade e a facilidade desta técnica em relação as demais. Contra indicações incluem quadris displásicos com congruência esférica com indicação de osteotomia redirecional1, 3. Na literatura brasileira, não encontramos até o momento nenhum trabalho concernente ao assunto. Baseados na experiência adquirida nesta técnica, desenvolvemos em nosso serviço variações no procedimento descrito por Stahelli. Outrossim, nas nossas indicações, a patologia de Legg-Calvé-Perthes teve um lugar especial. Acreditamos que o aumento do acetábulo é um procedimento seguro, fácil de ser realizado e de bons resultados funcionais para aqueles casos de pacientes com moléstia de Perthes que necessitam de cobertura para uma cabeça femoral subluxada. Os objetivos do nosso trabalho são apresentar a variação de técnica por nós desenvolvida, as facilidades que estas geraram no cuidado pós-operatório dos pacientes e os resultados que obtivemos.

CASUÍSTICA E MÉTODOS

Foram avaliados retrospectivamente uma série de 18 pacientes submetidos a osteotomia acetabular pela técnica de Stahelli modificada no período de 09/95 a 06/99. Com a intenção de delinear o perfil clínico desses pacientes, foram avaliados: sexo, raça, lado acometido, idade, patologia envolvida na queixa principal e procedimentos prévios.

Dos 18 pacientes analisados 7 (38,8%) eram do sexo masculino e 11 (61,2%) do sexo feminino. As idades variaram entre 8 e 13 anos na última revisão com média de 10,6 anos. Destes, 14 pacientes (77,7%) eram brancos e apenas 4 (22,3%) eram negros. Com relação ao diagnóstico inicial, 9 (50%) tinham doença de Legg-Calvé-Perthes, 8 (44,4%) com displasia acetabular congênita e 1 (5,5%) com displasia epifisária múltipla (Gráfico 1). As patologias acometiam o lado direito em 10 pacientes (55,5%) e o esquerdo em 8 (44,5%) (Tabela 1).


Os pacientes foram avaliados através de exame radiográfico de bacia panorâmico em AP e Louenstein pré e pós-operatoriamente, usando-se o ângulo de Wiberg (CE angle - valor normal de 35 graus) como determinante do grau de cobertura acetabular.

Os pacientes avaliados pré operatoriamente apresentavam como queixas principais dor no quadril acometido em 16 (88,8%), claudicação em 17 (94,4%), limitação de rotação interna e externa em todos os pacientes avaliados, limitação da abdução e adução em 16 pacientes (88,8%), limitação de flexão em 13 pacientes (72,2%) (Gráfico 2).


Técnica: O paciente deve estar em decúbito dorsal com coxim que eleve o lado afetado cerca de 15 graus. Faz-se uma incisão em "biquini" 1cm abaixo e paralelo à crista ilíaca, expondo-se a articulação do quadril através de uma abordagem iliofemoral. O tendão da porção reflexa do reto femoral é identificado, dissecado em sua extensão e reparado após secção. A cápsula é identificada sem ser aberta. A fenda realizada para o aumento acetabular é feita na margem deste através de osteótomo com profundidade maior que a descrita por Stahelli, para que o enxerto tenha maior estabilidade. Após realiza-se decorticação da porção lateral da asa do ilíaco conseguindo-se um enxerto ósseo córtico esponjoso retangular com tamanho suficiente para a cobertura da cabeça femoral. O enxerto é então colocado sob impacção profundamente na fenda realizada na margem acetabular. Enxerto ósseo esponjoso adicional é retirado do ilíaco, criando pequenos pedaços que serão colocados sobre a prateleira córtico esponjosa. Esta camada de enxerto esponjoso é mantida pela porção reflexa do reto femoral reconstituída (Fig.1). Radiografias de controle são realizadas e faz-se o fechamento através de sutura dos planos. Na grande maioria dos pacientes não usamos gesso no pós operatório, dado a estabilidade conseguida na colocação do enxerto. O paciente permanece sem apoio por período de 8 semanas, iniciando apoio parcial por mais 2 a 4 semanas e então é liberado para apoio total.


RESULTADOS

O tempo de seguimento dos pacientes variou de 2 meses a 4 anos, tendo todos os pacientes boa integração do enxerto. A avaliação clínica realizada após 8 semanas antes da liberação para o apoio, mostrou diminuição de rotação interna de 5 graus em 7 pacientes (38,8%) e rotação externa de 10 graus em 10 pacientes (55,5%); limitação de abdução leve em todos os pacientes com índice que variou de 10 a 18 graus comparado ao lado oposto; flexão mantida em todos os pacientes; sinal de Thomas positivo em 7 pacientes (38,8%) e encurtamento de isquiotibiais em apenas 1 paciente (5,5%). A melhora de amplitude de movimentos ocorreu em todos os pacientes com follow-up maior que 6 meses(Fig. 2,3).



O ângulo de Wiberg, que pré-operatoriamente era de 22 graus (média) teve aumento significativo ficando em torno de 38 graus, com hipercorreção (ângulo maior de 35 graus, porém menor que 42 graus) em 11 pacientes (61,1%) (Gráfico 3). Dos pacientes analisados, 5 usaram gesso pelve-podálico pós operatório, o que não demonstrou diferença significativa ao exame pós operatório quando relacionados aos demais pacientes. Tivemos 1 caso de dembulação precoce (3 semanas) em paciente com gesso, que não alterou o quadro radiológico (Fig.4, 5 ). Não houve outras complicações relacionadas ao procedimento.



Apresentaram boa cicatrização 100% dos pacientes, com critério de satisfação pessoal (paciente e família) de bons resultados em 14 pacientes (77,7%), e regulares em 4 (22,2%), não obtendo nenhum resultado ruim.

DISCUSSÃO

Dentre as inúmeras técnicas utilizadas para a deficiência de cobertura acetabular encontra-se a técnica de Stahelli. Tal procedimento tem sido utilizado com maior ênfase aqueles pacientes com displasia do desenvolvimento acetabular. No entanto, em nossa casuística, demonstrou-se as vantagens deste método nas falhas de cobertura cotilar ou subluxação da epífise femoral proximal em pacientes maiores de 8 anos com enfermidade de Perthes. Tais pacientes foram beneficiados devido a menor morbidade e menor número de complicações comparadas as demais técnicas com a mesma finalidade. Não observamos alterações significativas nos resultados obtidos até o momento quando observados sexo, cor ou lado acometido.

Osteotomia pélvica prévia pela técnica de Salter observada em alguns pacientes não demonstrou ser obstáculo para o sucesso do procedimento, porém deve-se ficar atento as possíveis modificações anatômicas ocorridas devido a intervenção prévia. A hipercorreção do enxerto demonstrou que pode ser aceito maior índice de correção e que os parâmetros antes estabelecidos podem ter maiores margens de cobertura acetabular sem alterações clínicas significativas. Devido a boa integração do enxerto ósseo posicionado mais profundamente no bordo acetabular, o aparelho gessado tornou-se necessário apenas em crianças com perfil social de difícil controle pelos pais, dentre eles um paciente com problemas auditivos.

CONCLUSÕES

Os resultados obtidos permitem-nos concluir que:

1) A técnica utilizada trata-se de método efetivo na correção do déficit de cobertura acetabular quando realizado seguindo-se as indicações previamente citadas.

2) A utilização desta técnica modificada quando comparada a resultados da técnica clássica de Stahelli demonstrou menor morbidade bem como resultados animadores e confiáveis.

3) Os pacientes com idade superior a 8 anos com enfermidade de Perthes com subluxação da cabeça femoral foram bastante beneficiados pelo procedimento, tornando-se um método efetivo para tal problema.

4) A simplicidade da técnica nos encoraja a usá-la em pacientes com deficiência de cobertura acetabular poi baixos índices de complicações são constatados também por outros autores na literatura atual.

  • 1. Beaty, J. H.: Congenital and Developmental Anomalies of Hip and Pelvis. Campbell Ortopedic Surgery 3:1049-1051, 1998.
  • 2. Lyne, E.D.;Katcherian D.A.: Slotted acetabular augmentation in patients with neuromuscular disorders. J Pediatric Orth opedic 8: 278-84, 1988.
  • 3. Pemberton, P. A.: Pericapsular osteotomy for congenital dislocation of the hip: Indications na techniques. Some long-term results. Journal of Bone Joint Surgery (Am) 47:437-449, 1965.
  • 4. Smith, A. R.: The selving operation as an adjunct to open reduction in congenital dislocated hip and its use in paralytic and pathologic dislocation. Ann Surg 106:278-292, 1937.
  • 5. Stahelli, L. T.: Slotted Acetabular Augmentation. Journal ofPediatric Orthopedics 1:321-327, 1981.
  • 6. Stahelli, L.T.: Ampliação acetabular na displasia do quadril no adolesente. Tachdjan-Ortopedia Pediátrica 2:523-525, 1995.
  • 7. Stahelli, L.T.; Chew D. E.: Slotted acetabular aumentation in childhood and adolescense. J Pediatric Orthopedic 12:569-80, 1992.
  • Endereços para correspondência
    Rua João Manoel Guedes Falcão, 821
    CEP. 5040-000 - Caxias do Sul - RS
    ou Av. Bagé, 1259 Ap. 401
    CEP 90460-080 - Porto Alegre -RS
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      07 Maio 2007
    • Data do Fascículo
      Set 2000
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