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Venuti, Lawrence. Teaching Translation: Programs, Courses, Pedagogies. London and New York: Routledge, 2017, 276 p.

Venuti, Lawrence. Teaching Translation: Programs, Courses, Pedagogies. London and New York: Routledge, 2017. 276 p.

Com a relativamente recente solidificação científica dos Estudos da Tradução, tem surgido grande interesse acerca das práticas pedagógicas, ementas e bibliografias voltadas especificamente para o ensino de tradutores. O livro Teaching Translation: Programs, Courses, Pedagogies (Ensinando Tradução: Programas, Cursos, Pedagogias), editado por Lawrence Venuti, faz um apanhado do estado da arte nessa atividade, descrevendo cursos e disciplinas em algumas instituições de referência americanas, canadenses, inglesas e espanholas, detalhando desde os pré-requisitos para os alunos serem admitidos até os trabalhos de conclusão. Além desse detalhamento, o livro apresenta artigos com diversos enfoques no ensino de tradução literária, tradução técnica, tradução pós-colonial, tradução teatral, dentre outros mais. Como se não bastasse, a parte final do livro traz uma análise detalhada tanto das abordagens pedagógicas predominantes na formação de tradutores quanto dos manuais, enciclopédias e livros sobre tradução lançados nos últimos vinte anos. O ponto forte da obra é a visão panorâmica mundial que ele oferece aos professores, alunos e estudiosos da área, interessados em saber como se está ensinando tradução na prática, muito embora não se tenha a mesma informação sobre a prática em cursos de países fora do eixo escolhido por VenutiVenuti, L. Teaching Translation: Programs, Courses, Pedagogies. London and New York: Routledge, 2017, 276 p..

Na introdução, Venuti apresenta o volume como uma documentação da variedade de programas, cursos, disciplinas e pedagogias despontando em várias instituições no ramo dos Estudos da Tradução, organizado com o intuito de aprimorar a prática de ensino de tradução com base nos Estados Unidos, que estão passando por um certo desenvolvimento da área e que podem se tornar um modelo um dia. Sob esse enfoque, o autor justifica sua abordagem restrita a outros três países, Canadá, Reino Unido e Espanha, por considerá-los locais onde os estudos da tradução também alcançaram uma “firme base institucional”. Em sua caracterização desse desenvolvimento da área nos EUA, Venuti critica algumas incongruências institucionais como a escolha de um corpo docente que não traduz, tampouco pesquisa tradução para ensinar em cursos de formação de tradutores ou como a desvalorização das pesquisas em tradução na análise de currículos, por exemplo, e argumenta como esses e outros paradoxos na área acabam por impactar no ensino de tradução. A partir dessa problemática, o editor apresenta sua abordagem humanística da tradução pautada no modelo hermenêutico que perpassa cada artigo presente nesse livro. Venuti, assim, afirma que no livro em questão a tradução é considerada um ato interpretativo que varia a forma, o sentido e o efeito do texto fonte de acordo com interesses e idiossincrasias da cultura tradutora. Segundo este ponto de vista, a tradução se revela um ato subjetivo, uma reescrita do texto fonte, o que não significa que ela seja um tratamento indiscriminado ou arbitrário deste, mas apenas legitima o leque de variações no conceito de equivalência e aceita-se, finalmente, uma desmitificação da tradução como uma reprodução não mediada ou uma transferência de uma invariante.

Os primeiros cinco capítulos, que compõem a primeira parte do livro, tratam de cursos de tradução nos mais variados níveis: de curta duração, graduação, mestrado e até doutorado. É interessante observar a presença de textos de teóricos brasileiros dentre os estudados em cursos técnicos e de graduação em tradução em universidades, como Rosemary Arrojo e Haroldo de Campos, assim como também o destaque a uma tradução comentada de um conto de Machado de Assis, apresentada como dissertação de mestrado no Departamento de Literatura Comparada da Universidade de Indiana (IUPUI), como descrito no capítulo 2 por Bill Johnston e Paul Losensky. Já na mesma universidade, como descrito no capítulo 1 por Ben Van Wyke, existe um curso técnico de tradução que é voltado à prática empresarial, médica ou legal. O autor explica com detalhes algumas disciplinas oferecidas nesse curso, inclusive as de interpretação e de tradução assistida por computador, nas quais os alunos são encorajados a usar dicionários específicos das áreas estudadas e a realizar projetos nela. Como trabalho final desse curso na IUPUI, os alunos podem escolher realizar uma tradução ou entrar em um estágio de 60 horas, no qual eles podem assumir os mais variados cargos/funções nos parceiros da extensão da universidade. Por exemplo, eles podem atuar como intérpretes de médicos ou advogados em entrevistas ou podem ajudar pacientes a preencher formulários ou a achar consultórios no hospital.

Cursos superiores de tradução não ficam de fora e são descritos nos capítulos seguintes. Françoise Massardier-Kenney, no capítulo 3, descreve o curso de mestrado (MA) em Tradução pelo Instituto de Linguística Aplicada da Universidade de Kent State, que prepara tanto para carreiras técnicas como para doutorados. Neste, o foco é em tradução para o inglês de seis possíveis línguas: árabe, francês, alemão, japonês, russo e espanhol. O curso se fundamenta em três categorias: princípios, prática guiada e ferramentas; e os alunos são cobrados a associar as três ao longo das disciplinas, que possuem amplo escopo de estudo: negócios, direito, medicina, literatura e cultura. As disciplinas são orientadas à prática e posicionamento da tradução no ambiente cultural estrangeiro, o que justifica a leitura de teóricos como Nord (2005), Vermeer (1989) e Even-Zohar (1978). Com essa atitude, o curso aponta altos índices de empregabilidade dos concludentes, que encontram vagas na vasta indústria de língua e de tradução da região. O mesmo não é relatado para os concludentes do mestrado (MFA) em Tradução Literária da Queens College, na Universidade da Cidade de Nova Iorque (CUNY), como mostrado no capítulo 4 por Roger Sedarat. Entretanto, boa parte dos concludentes desse mestrado em New York buscam bolsas como as oferecidas pela Fullbrigth, pelo PEN American Center, ou pelo Vermont Studio Center, por exemplo, ou acabam seguindo carreira acadêmica nos doutorados. Os que preferem trabalhar como tradutores profissionais, resolvem ficar como freelancers ou recebendo, ocasionalmente, contratos para a ONU. Já o doutorado descrito por Luise von Flotow (cap. 5) fica na Universidade de Ottawa e é oferecido através da Faculdade de Tradução e Interpretação. O curso surgiu do contexto bilíngue canadense e treina os tradutores e intérpretes interessados em trabalhar nos órgãos públicos, instituições legais, agências de pesquisas e afins. O curso recebe alunos locais e estrangeiros dos mais variados países que recebem auxílio financeiro para participar e apresentar trabalhos em conferências nacionais e internacionais enquanto focam os estudos na teoria e na prática pedagógica da tradução. Tanto que muitos alunos acabam recebendo também auxílio para serem monitores de professores, seja avaliando bibliografia de cursos, auxiliando alunos de graduação com atividades, ou até ministrando disciplinas na graduação e em cursos técnicos.

Falando sobre o ensino de tradução, os capítulos seguintes, que compõem a segunda parte do livro, partem para um maior detalhamento das disciplinas dos variados cursos de tradução, que é ensinada como uma reprodução de um texto fonte que pode refletir a interpretação de determinado cliente ou instituição. Nestas disciplinas, os alunos aplicam noções de equivalência, reavaliando a tradução de palavras e partindo para a tradução de unidades de tradução, trabalhando estilos e funções da tradução do contexto de recepção e do público alvo, não esquecendo de questões como gênero, sexualidade, diáspora, minoria cultural e pós-colonialismo. Um exemplo de abordagem incomum para o ensino de tradutores é visto na disciplina descrita no capítulo 7, “Teaching Translation Through Text Types” (Ensinando Tradução Através de Tipos Textuais), de Brian James Baer, que se baseia em tipos diferentes de texto para conscientizar os alunos das diversas abordagens tradutórias que se pode adotar, reavaliando a noção de tradução fiel e transposição perfeita que os alunos trazem no início do curso. Através de prática de tradução de textos variados, como patentes, contratos ou panfletos de museus, os alunos são apresentados a questões fundamentais como qualidade na tradução, papel do tradutor e ética tradutória. Assim, os alunos nesse curso são guiados por um percurso que abrange o objeto da tradução, partindo da noção de traduzir palavras para traduzir textos e, por último, traduzir contextos e culturas.

Como não poderia faltar, o livro também traz artigos descrevendo disciplinas de tradução literária, como no capítulo 9, “Teaching the Translation of Poetry” (Ensinando a Tradução de Poesia), de Reginald Gibbons, no capítulo 10, “A Multilingual Workshop in Poetry and Prose Translation” (Uma Oficina Multilíngue de Tradução de Poesia e Prosa), de Peter Filkins e no capítulo 18, “Teaching Literature in Translation” (Ensinando Literatura em Tradução), de Karen Emmerich. Nos dois primeiros, notam-se abordagens diferenciadas da tradução: o prof. Reginald Gibbons aborda a fundamentação teórica da tradução através dos autores que problematizam a poesia e utiliza poemas em exercícios de tradução para que seus alunos possam experimentar com a restituição desses poemas de modo a explorar as potencialidades e reservas elementares ainda não realizadas na língua fonte, enquanto o prof. Peter Filkins explora a tradução/interpretação musical para mostrar aos alunos que a linguagem verbal é apenas um meio através do qual significados se transportam, assim como o é a música, assim como o é a literatura. Ainda assim, com abordagem intersemiótica e tão díspar da utilizada por Gibbons (cap. 9), o curso do prof. Filkins (cap. 10) se assemelha ao dele por também levar os participantes de seu curso a exercitar, na tradução literária, a recriação de sentido em outra língua através das palavras. Na sua disciplina, Gibbons, vale salientar, faz uso de poemas de Carlos Drummond de Andrade dentre outros para compor exercícios e trabalha com obras que apresentam a historicidade da tradução literária, como a de Haroldo de Campos. Essa apresentação de tradutores/autores/poetas brasileiros a tradutores americanos em formação corrobora com uma visibilidade merecida da tradição brasileira literária e tradutória. Já no texto da Karen Emmerich (cap. 18), podemos ler a descrição de uma disciplina obrigatória para seus alunos doutorandos da Universidade de Oregon intitulada Pedagogia da Tradução, cujo objetivo principal é duplo: tanto sensibilizar os alunos para as questões delicadas de ler literatura traduzida quanto cultivar métodos pedagógicos que tratem a literatura traduzida mais responsavelmente do que se faz atualmente.

Na terceira parte, o livro traz artigos que enfocam em disciplinas de pesquisa em tradução. Nessas disciplinas, o objetivo é desviar levemente o olhar dos alunos dos fatores formais e linguísticos da tradução para as suas questões extratextuais, como as abordagens de textos traduzidos no ensino e a centralidade ou marginalidade da tradução nas culturas, especialmente nas culturas destes alunos. Como exemplo, temos o capítulo 16, “Translation Theory in a Comparative Literature Department” (Teoria da Tradução em um Departamento de Literatura Comparada), escrito por Jane O. Newman, que expande as bordas da definição de tradução de modo a associá-la à própria ideia de literatura comparada. Sob esse ponto de vista, não haveria literatura “comparada” caso não fosse possível traçar os espaços entre as culturas e línguas, nacionalidades e tradições através da tradução. No mesmo curso, discute-se sobre tradução de gênero e as questões de sexualidade na tradução acompanhando os movimentos feministas. Dentre os autores lidos ao longo da disciplina, destacam-se Derrida e Bassnett, devido aos aspectos “desconstrutivistas” e das discussões sobre tradução de culturas, respectivamente, muito embora o leque de teóricos se estenda muito além deles. Outro exemplo de disciplina mais voltada à pesquisa é (Post)Colonial Translation (Tradução [Pós-]Colonial, cap. 21), na qual Shaden M. Tageldin, da Universidade de Minnesota, aplica o método de literatura comparada à teoria (pós-)colonialista e vice-versa com o intuito de abalar ambas, ensinando aos alunos que a urgência dos estudos (pós-)colonialistas permeia a tarefa “política” do tradutor.

Na quarta e última parte, pode-se encontrar apenas dois artigos. Entretanto, são dois artigos bem carregados de conteúdo essencial ao professor de tradução. O primeiro, “A Survey of Translation Pedagogies” (Um Levantamento das Pedagogias de Tradução, cap. 25), de Sonia Colina e Lawrence Venuti, se trata de uma pesquisa imersiva dos métodos de tradução predominantes na atualidade acompanhados de críticas. Obviamente, os autores não poderiam deixar de citar as formulações de Rosemary Arrojo sobre o ensino de tradução literária acerca do variado corpo de conhecimento que os alunos de tradução devem dominar para executar bem a tarefa, como, por exemplo, saber interpretar poemas. Ensinar tal conhecimento a eles deveria, segundo os autores, fazer parte do roteiro pedagógico para o tradutor. Os dois também concluem que é preciso sempre balancear a teoria com a prática da tradução, pois o enfoque em apenas um não fornece benefícios. O segundo artigo desta última seção é uma revisão bem compreensiva dos manuais e livros na área dos estudos da tradução, intitulado “A Review of Textbooks in Translation Studies” (Uma Revisão dos Manuais em Estudos da Tradução, cap. 26), no qual Sarah Maitland lista as melhores enciclopédias, compêndios, manuais e livros sobre estudos da tradução das últimas décadas, explicitando seus conteúdos e quais seus pontos fortes.

Em suma, Teaching Translation: Programs, Courses, Pedagogies é uma obra completa sobre pedagogias e teóricos de ponta no ensino da tradução no mundo hoje. Certamente é um livro que não se desatualizará tão cedo devido ao alcance internacional de seus colaboradores e à grande variedade de cursos e práticas em várias instituições superiores de formação de tradutores. É importante ressaltar, no entanto, a falta de menção a disciplinas em programas de pós-graduação em instituições brasileiras, francesas ou alemãs, que certamente possuem cursos notáveis e cuja exposição teria contribuído para uma amplitude ainda maior no alcance do livro em prol de uma visão panorâmica do estado da arte acerca do ensino de tradução/tradutores pelo mundo.

Referências

  • Venuti, L. Teaching Translation: Programs, Courses, Pedagogies London and New York: Routledge, 2017, 276 p.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    08 Jun 2020
  • Data do Fascículo
    Jan-Apr 2020

Histórico

  • Recebido
    15 Set 2019
  • Aceito
    27 Nov 2019
  • Publicado
    Jan 2020
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