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A concepção da palavra em Mikhail Bakhtin no contexto da crítica literária contemporânea

RESUMO

O artigo é dedicado a um dos problemas centrais da ciência filológica moderna - o problema da palavra artística, no entendimento do qual vemos a interseção e interação frutífera da crítica literária e da linguística. O trabalho sistematiza conceitos relevantes para o estudo moderno da palavra artística, revelando sua natureza específica, bem como define as tendências gerais que são características de cada uma das abordagens existentes (palavra como signo, palavra como significado ontológico e palavra como realidade estética separada). A autora enfoca no conceito de palavra de Mikhail Bakhtin, que supera os extremos, próprios do signo e das abordagens ontológicas, e esclarece as diferenças básicas entre as categorias de comunicação e diálogo presentes em Bakhtin. O artigo corrobora com a definição da palavra artística como uma estrutura semântica de dois vetores (os componentes: “signo” e “sujeito substancial”), na qual a comunicação-existência consiste e se desdobra.

PALAVRAS-CHAVE:
Diálogo; Comunicação; Ser-comunicação; Significado; Enunciado

ABSTRACT

The article is devoted to one of the central problems of modern philological science - the problem of the artistic word, in the understanding of which we see the fruitful intersection and interaction of literary criticism and linguistics. The work systematizes the concepts relevant for the modern study of the artistic word, revealing its specific nature, and defines the general tendencies characteristic of each of the existing approaches (word as a sign, word as ontological significance, and word as separate aesthetic reality). The author focuses on the word concept by M. M. Bakhtin, which overcomes the extremes, characteristic of the sign and ontological approaches, and clarifies the basic differences between Bakhtin's categories of communion and dialogue. The article substantiates the definition of the artistic word as a two-vector semantic structure (the “sign” and “objective-substantial” components), in which being-communion consists and unfolds.

KEYWORDS:
Dialogue; Communication; Being-Communion; Meaning; Utterance

АННОТАЦИЯ

Статья посвящена одной из центральных проблем современной филологической науки - проблеме художественного слова, в осмыслении которого плодотворно пересекаются и взаимодействуют литературоведение и лингвистика. В работе систематизированы актуальные для современного изучения художественного слова концепции, выявляющие его специфику, и определены общие тенденции, характерные для каждого из существующих подходов (слово как знак, слово как онтологическая значимость, слово как отдельная эстетическая реальность). В центре внимания автора - концепция слова М. М. Бахтина, в которой преодолеваются крайности, характерные для знакового и онтологического подходов, прояснены базовые отличия бахтинских категорий общения и диалога. Обосновано определение художественного слова как двухвекторной смысловой структуры («знаковый» и «предметно-субстанциальный» компоненты), в которой заключается и развертывается бытие-общение.

КЛЮЧЕВЫЕ СЛОВА:
Диалог; Общение; Бытие-общение; Смысл; Высказывание

Introdução

A crítica literária moderna é marcada não apenas por uma intensa introspecção, mas também por tentativas igualmente árduas de entender o significado da palavra artística. Isso é explicado pelo fato de que “a reflexão sobre os fundamentos da cultura”, típica para períodos de transição (ISKRZHITSKAYA, 1997ISKRZHITSKAYA, И. Ю. Культурологический аспект литературы русского символизма. Москва: РУИ, 1997., p.97; tradução nossa)1 1 No original: “рефлексия над основаниями культуры” (ИСКРЖИЦКАЯ, 1997, с.97). , é naturalmente direcionada à palavra como dado, destinada a cimentar uma unidade em desintegração. Nesse sentido, a palavra artística é vista como um certo dado estético rígido e como um fato cultural específico. O entendimento de tal fenômeno contém certa ambivalência, algumas das quais descreveremos aqui.

As principais interpretações da palavra nos estudos literários e na filosofia

Inicialmente, a interpretação da palavra como signo foi apresentada nos trabalhos de V. Vinogradov, V. Grigoriev e, de maneira mais consistente, nos de Iuri Lotman (“...a palavra representa um signo constante para uma determinada língua, em uma forma rígida estabelecida, de significado e conteúdo semântico específico” (LOTMAN, 1970LOTMAN, Ю. М. Структура художественного текста. Москва: Искусство, 1970., p.229; tradução nossa)2 2 No original: “слово представляет собой постоянный для данного языка знак с твердо зафиксированной формой обозначающего и определенным семантическим наполнением” (ЛОТМАН, 1970, с.229). , bem como na crítica literária da Europa Ocidental por R. Barthes e G. Genette. Os padrões são os seguintes.

A situação do signo é uma conexão condicional do significante com o significado (F. Saussure), de modo que a ênfase muda da palavra (e, consequentemente, da obra, do texto) para o sujeito que a recebe. Os sujeitos receptores e artísticos aqui não são isolados, ou fechados em si mesmos, eles se relacionam com o contexto cultural (V. Vinogradov), dispersos em códigos sociais, literários etc. (R. Barthes, G. Genette). A qualidade da arte está associada ao modo de interação característica dos signos pragmáticos da linguagem com a nova abordagem do autor (“transformação do lexema” segundo V. Vinogradov, “desautomatização da linguagem cotidiana” por Iu. Lotman, “deslocamento” por J. Genette, e “integração” por R. Barthes).

Em segundo lugar, o entendimento da palavra, como significado ontológico, implica duas possibilidades: ver a palavra como uma realidade estética isolada e como uma manifestação do Ser em seu sentido filosófico. As mesmas tendências também estão presentes na crítica literária. A primeira pode ser encontrada nas obras de G. Vinokur e seus seguidores na crítica literária ucraniana moderna, tais como: B. Ivanyuk, A. Tkachenko e outros, e também nas obras de J. Ransom, representante da crítica literária da Europa Ocidental. Aqui, a palavra é entendida como uma realidade especial que incorpora intenções criativas individuais e, como resultado, torna-se um novo nome para um novo objeto (de acordo com Vinokur: “a linguagem... se volta totalmente para o tema e a ideia do sentido artístico”) (VINOKUR, 1991VINOKUR, Г. О. О языке художественной литературы. Москва: Высшая школа, 1991., p.390; tradução nossa)3 3 No original: “язык...весь опрокинут в тему и идею художественного замысла” (ВИНОКУР, 1991, c.390). . A realidade especial da palavra tem um caráter organizado, que é determinado pela interação dos significados linguísticos e individuais do autor, ao enfatizar a categoria do autor, cuja função é criar um “novo modo da realidade linguística” (G. Vinokur).

A segunda tendência é representada nas obras de A. Lóssev, N. Gei, e por outros estudiosos seguidores de tal abordagem, que simplificam as ideias básicas da chamada “filologia religiosa” (V. Nepomnyashchiy, T. Kasatkina, e outros.), bem como por M. Heidegger na Europa Ocidental. A palavra contém uma realidade, é idêntica ao objeto e, portanto, é percebida como uma mônada no sentido leibniziano. A natureza portadora da imagem da palavra se torna absoluta, e o fato de ser “maior que ela mesma” (nos trabalhos A. Lóssev e M. Heidegger, seguidos por N. Gei) é entendido como sua existência fechada e não contextual.

A ideia de equivalência constitui um pensamento mitológico mais ou menos consciente. A. Lóssev foi quem mais a internalizou, o que rendeu a ele a possibilidade de criar um conceito multifacetado e dinâmico da palavra que supera parcialmente o caráter monádico observado acima (“o nome do objeto é a arena na qual o receptor e o objeto da recepção se encontram4 4 No original: “имя предмета – арена встречи воспринимающего и воспринимаемогo”. ”).

Nesse sentido, confirma-se o isomorfismo fundamental da palavra linguística e artística baseada em sua natureza imagética. (Ao citarmos M. Heidegger: a linguagem é “a casa do ser”, a palavra poética pertence à linguagem e, consequentemente, ao ser; de acordo com N. Gei, a “meta-artisticidade” é “aquilo que define a consciência humana5 5 No original: “то, что определяет человеческое сознание”. ”). Além disso, o objeto criativo é problematizado e apresentado como um meio, segundo M. Heidegger: “[...] o artista permanece em algo indiferente em relação à obra” (HEIDEGGER, 2010, p.31)6 6 HEIDEGGER, M. A obra e a verdade. In: HEIDEGGER, M. A origem da obra de arte. Tradução de Maria da Conceição Costa. Lisboa: Edições70, 2010. p.30-46. .

Essencialmente, trabalhamos com uma visão não tanto científica, mas sim mitológica da palavra, associada à onomatodoxia e ao reflexo dessa experiência na filosofia religiosa russa.

A palavra como ser e acontecimento

Os extremos de ambas as visões da palavra indicadas acima são superados, em nossa opinião, com sucesso, pelo conceito de Bakhtin. Ele entende a palavra como: “[N]neste sentido, todo enunciado tem uma espécie de autor, que no próprio enunciado escutamos como o seu criador” (BAKHTIN, 2015, p.210)7 7 BAKHTIN, M. O discurso em Dostoiévski. In: BAKHTIN, M. Problemas da poética de Dostoiévski. Tradução do russo notas e prefácio de Paulo Bezerra. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2015. p.207-234. . Ao estudar a palavra em seu ser artístico, ele entende esse ser como um momento de encontro da palavra linguística (“linguagem em seu todo vivo e concreto”) e a palavra como fenômeno estético - manifestação do “ser expressivo e falante”:

Esse ser nunca coincide consigo mesmo e por isso é inesgotável em seu sentido e significado. A máscara, a ribalta, o palco, o espaço ideal etc. como formas reais de expressão da representatividade do ser (e não da singularidade e da materialidade), e da relação desinteressada com ele. (BAKHTIN, 2018, p.395)8 8 BAKHTIN, M. Metodologia das ciências humanas. In: BAKHTIN, M. Estética da criação verbal. Introdução e tradução do russo de Paulo Bezerra. Prefácio à edição francesa de Tzvetan Todorov. São Paulo: Martins Fontes, 2018. p.393-410. .

Através dos atributos da arte (“máscara, ribalta”), o ser se manifesta na realidade da vida. Em Bakhtin, apesar de toda a ambiguidade e complexidade da noção de “Ser”, existe uma esfera diferente, a externa, na qual o ser deve se manifestar através da palavra. De fato, a personalidade humana é provavelmente um ponto de conexão entre o ser e a vida, a transformação do ser em um evento do ser: “É apenas de dentro da minha participação, que o Ser pode ser entendido como um evento” (BAKHTIN, 1993, p.35)9 9 BAKHTIN, М. Para uma filosofia do ato. Tradução de Carlos Alberto Faraco e Cristovão Tezza. 1993. Disponível em http://lutasocialista.com.br/livros/V%C1RIOS/BAKHTIN,%20M.%20Para%20uma%20filosofia%20do%20ato.pdf Acesso em 24/06/2020. . “Afirmar definitivamente o fato da minha participação única e insubstituível no Ser é entrar no Ser precisamente onde ele não coincide com ele mesmo: entrar no evento em processo do Ser” (BAKHTIN, 1993, p.60)10 10 Para referência, ver nota de rodapé 9. .

A arte da palavra surge como uma espécie de diálogo desse acontecimento do ser, porque “o conteúdo de uma obra é como que um fragmento do acontecimento único e aberto da existência, isolado e liberado pela forma de responsabilidade ante o acontecimento futuro e, portanto, é tranquilo, autônomo, acabado no seu todo [...]” (BAKHTIN, 2002, p.60)11 11 BAKHTIN, M. O problema do conteúdo, do material e da forma na criação literária. In: BAKHTIN, M. Questões de literatura e de estética. A teoria do romance. Tradução de Aurora Fornoni Bernardini et al, São Paulo, Hucitec, 2002. p.13-70. . A consumação e representação em si é uma extração de um segmento do evento, sua apresentação como um todo e, em seguida, sua transição para o recém-criado, para o objeto estético, no qual, é claro, o evento não é de forma alguma removido: “Na obra de arte vocabular, o caráter eventual do objeto estético é particularmente claro; a inter-relação da forma e do conteúdo tem aqui um caráter quase dramático [...]” (BAKHTIN, 2002, p.69)12 12 Para referência, ver nota de rodapé 11. .

A estrutura da palavra

O evento universal da vida e do ser está incorporado na palavra. Esse acontecimento se manifesta com base na estrutura multi composta da palavra citada no texto O problema conteúdo, do material e da forma na criação literária:

Distinguimos os seguintes elementos da palavra enquanto material: 1) o aspecto sonoro da palavra, seu momento propriamente musical; 2) o significado material da palavra (com todas as suas nuanças e variantes); 3) o momento da ligação vocabular (todas as relações e inter-relações puramente vocabulares); 4) o momento entonacional (no plano psicológico, emocional e volitivo) da palavra, sua orientação axiológica, que exprime a variedade das relações axiológicas do falante; 5) o sentimento da atividade vocabular, do engendramento ativo do som significante [...] (BAKHTIN, 2002, p.62)13 13 Para referência, ver nota de rodapé 11. .

Antes de continuar com a discussão, observemos dois aspectos específicos nesta relação. Primeiramente, “o aspecto da ligação vocabular”: considerando que as conexões de uma palavra com outras palavras estão incorporadas e, ao mesmo tempo, afirmando no parágrafo seguinte que essas conexões são mais importantes que o “significado referencial da palavra”, M. Bakhtin postula, assim, o equilíbrio e a determinabilidade mútua da palavra semântica e das conexões interverbais. Em segundo lugar, a entonação é uma manifestação da orientação axiológica da obra. Isso além do fato de que, como enfatiza E. Bogatyreva no livro Os dramas do dialogismo, “[...] segundo Bakhtin, a expressão (palavra) se torna uma personificação material de valores, transformando a linguagem em uma esfera do ser íntegro” (BOGATYREVA, 1996BOGATYREVA, Е. А. Драмы диалогизма. М.М.Бахтин и художественная культура ХХ века. Москва: Школа Культурной Политики, 1996., p.61; tradução nossa)14 14 No original: “высказывание (слово) у Бахтина становится материальным воплощением ценности, превращая язык в сферу ценностного бытия”. . No entanto, o valor é incorporado apenas no instante menos material e mais imperceptível da palavra. Isso explica por que o sistema de valores deste ou daquele tema artístico é o aspecto de mais difícil de compreensão de uma obra, tanto para o leitor quanto para o intérprete.

Todos os elementos da palavra acima mencionados estão unidos no “sentimento da geração ativa do som significante”15 15 Para referência, ver nota de rodapé 11. (BAKHTIN, 2002, p.62), e essa união se torna a base do acontecimento de estar na palavra, graças à qual a palavra passa para o ser estético. Entretanto, M. Bakhtin salienta:

[...] se trata do sentimento de engendramento de uma palavra significante..., ou seja, o sentimento de um movimento e de uma tomada de posição concernente ao homem inteiro, de um movimento no qual estão incorporados tanto o organismo como a atividade semântica, pois engendra-se a carne e o espírito da palavra na sua unidade concreta. (BAKHTIN, 2002, p.62)16 16 Para referência, ver nota de rodapé 11. .

Este é o sentimento de um sujeito, não apenas um sujeito falante, mas falando, assumindo sua única posição no acontecimento do ser.

Todos os elementos materiais da palavra estão envolvidos nesse movimento de assumir a posição. Na verdade, essa é a superação da natureza material da palavra sobre a qual M. Bakhtin fala em seu trabalho Autor e a personagem na atividade estética.

[...] (a palavra deve deixar de ser sentida como palavra). O poeta não cria no mundo da língua, ele apenas usa a língua [...]

[...] a relação do artista com a palavra enquanto palavra é um momento secundário, derivado, condicionado por sua relação primária com o conteúdo. Pode-se dizer que, por meio da palavra, o artista trabalha o mundo, para o que a palavra deve ser superada por via imanente como palavra, deve tornar-se expressão da relação do autor com esse mundo. (BAKHTIN, 2018, p.178; 180)17 17 BAKHTIN, M. M. O autor e a personagem na atividade estética. In: BAKHTIN, M. Estética da criação verbal. Introdução e tradução do russo de Paulo Bezerra. Prefácio à edição francesa de Tzvetan Todorov. São Paulo: Martins Fontes, 2018. p.3-192. .

A atenção aqui deve ser dedicada à seguinte peculiaridade da afirmação de Bakhtin: essa superação é “imanente”, ou seja, ela acontece dentro da palavra, não é uma distração da natureza material da palavra em prol de seu conteúdo, mas uma visão de todos os aspectos materiais da palavra como totalmente permeados por esse conteúdo espiritual. Isso significa que “o artista trabalha o mundo usando a palavra”, o que só é possível quando ela se torna um mundo imbuído das intenções do autor e, em seguida, ingressa na realidade e participa do diálogo.

As categorias de comunicação e diálogo

A especificidade da afirmação de Bakhtin está na manifestação da participação de uma pessoa no evento do ser, no diálogo. A comunicação e o diálogo são as principais categorias de Bakhtin para a definição do mundo real e do mundo artístico. Existe uma diferença entre esses dois conceitos? Aparentemente existe. Antes de tudo, a comunicação é um atributo do ser humano, tanto pessoal quanto interpessoal:

O próprio ser do homem [...] é convívio mais profundo. Ser significa conviver [...]. Ser significa ser para o outro e, através dele, para si. O homem não tem território interior soberano; está todo sempre na fronteira, olhando para dentro de si ele olha o outro nos olhos ou com os olhos do outro. (BAKHTIN 2018, p.341; itálicos do autor)18 18 BAKHTIN, M. Reformulação do livro sobre Dostoiévski. In: BAKHTIN, M. Estética da criação verbal. Introdução e tradução do russo de Paulo Bezerra. Prefácio à edição francesa de Tzvetan Todorov. São Paulo: Martins Fontes, 2018. p.337-358. .

O diálogo ocorre na realidade da vida:

A vida é dialógica por natureza. Viver significa participar do diálogo: interrogar, ouvir, responder, concordar, etc. Nesse diálogo o homem participa inteiro e com toda a vida [...]. Aplica-se totalmente na palavra, e essa palavra entra no tecido dialógico da vida humana, no simpósio universal (BAKHTIN, 2018, p.348)19 19 Para referência, ver nota de rodapé 18. .

Além disso, podemos perceber, de acordo com as afirmações acima mencionadas, que “comunicação” e “diálogo” não são atributos, mas hipóstases, pois cobrem completamente, por assim dizer, tanto o ser quanto a vida. De acordo com M. Bakhtin, não existe comunicação externa, da mesma maneira que não existe vida fora do diálogo, porque ambas não podem existir fora do indivíduo e de sua palavra. A comunicação é a orientação do ser para o “outro”; é uma forma de percepção de um indivíduo como “o outro”; é a energia da interação de tudo com o todo, dentro e fora do sujeito artístico. Esse elemento inspira a palavra: “A palavra, a palavra viva, indissociável do convívio dialógico, por sua própria natureza quer ser ouvida e respondida” (BAKHTIN, 2018, p.356)20 20 Para referência, ver nota de rodapé 18. . A palavra, que quer ser “ouvida e respondida”, está apenas “relacionada à comunhão dialógica”, mas não é um diálogo. Pois o diálogo é a personificação desse desejo espiritual, sua formalização, a aquisição por parte dele de um sujeito e sua transformação em “uma expressão que possui um autor”. A comunicação parece ser uma característica mais abrangente; é uma pré-condição para o diálogo. Aos distinguirmos esses conceitos dessa maneira, é possível explicar por que, na lógica de Bakhtin, não há diálogo na lírica, símbolos e metáforas não são dialógicos: nessas categorias a comunicação do ser se manifesta, enquanto o diálogo pressupõe o sujeito, relações subjetivas incorporadas na palavra (“palavra bivocal”, “palavra sobre a palavra”).

A personificação dialógica da palavra a torna móvel e inconstante:

A palavra não é um objeto, mas um meio constantemente ativo, constantemente mutável de comunicação dialógica. Ela nunca basta a uma consciência, a uma voz. Sua vida está na passagem de boca em boca, de um contexto para outro, de um grupo social para outro, de uma geração para outra. Nesse processo ela não perde o seu caminho nem pode libertar-se até o fim do poder daqueles contextos concretos que integrou (BAKHTIN, 2015, p.232)21 21 BAKHTIN, М. Problemas da poética de Dostoiévski. Tradução Paulo Bezerra. 5. ed. Rio de Janeiro: Editora Forense Universitária, 2015. .

Ou seja, a palavra representa, antes de tudo, a dinâmica temporal, e, sendo assim, uma interação dialógica, sua semântica se torna variável e múltipla, sua expansão se torna praticamente imprevisível.

Contudo, por outro lado, a palavra não é apenas um processo de formação, mas também o resultado da comunicação: “[...] em primeiro lugar, está totalmente claro que a palavra aqui não reflete em absoluto a situação extraverbal do mesmo modo que o espelho reflete o objeto. Nesse caso, a palavra tende a resolver a situação, atribuindo a ela uma espécie de conclusão avaliativa” (VOLOCHINOV (Círculo de Bakhtin), 2019, p.119)22 22 VOLÓCHINOV, V. (Círculo de Bakhtin). A palavra na vida e a palavra na poesia. Ensaios, artigos, resenhas e poemas. Organização, tradução, ensaio introdutório e notas Sheila Grillo e Ekaterina Vólkova Américo. São Paulo: Editora 34, 2019. .

A palavra como uma estrutura semântica

M. Bakhtin considera claramente o sentido como o componente mais importante da palavra. Afinal, mesmo que exista sentido fora da palavra, dificilmente existe uma palavra sem sentido (obras do tipo: dyr bul chtchyl23 23 Três poemas transmentais de Aleksiéi Krutchônikh. In Poesia russa moderna. Tradução de Augusto de Campos. São Paulo: Editora Perspectiva, 2012. p.155. são mais uma confirmação de tal conformidade: uma combinação de sons sem sentido, admitida como uma palavra, se choca, por sua própria “ilegibilidade”, com o sistema semântico existente e requer outro sistema, por exemplo, a semantização de sons).

Por sentido, M. Bakhtin entende antes de tudo a resposta: “Chamo de sentidos as respostas às perguntas. [...] Um sentido atual não pertence a um (só) sentido, mas tão somente a dois sentidos que se encontraram e se contactaram” (BAKHTIN, 2018, p.381-382)24 24 BAKHTIN, M. Apontamentos 1970-1971. In: BAKHTIN, M. Estética da criação verbal. Introdução e tradução do russo de Paulo Bezerra. Prefácio à edição francesa de Tzvetan Todorov. São Paulo: Martins Fontes, 2018. p.337-358. . Aqui, M. Bakhtin provavelmente se baseia no conceito de sentido proposto por I. Trubetskoi, no ensaio O sentido da vida, em que ele define o sentido25 25 Em russo, с-мысл “s-mysl” (“s” – com, junto, “mysl”, pensamento). (N. da T.) como algo universalmente verdadeiro e extrassubjetivo:

O sentido entendido dessa maneira é uma hipótese logicamente necessária e procurada por qualquer pensamento [...] Em outras palavras, o “sentido” é o conteúdo de sentido geral, ou mesmo um pensamento de sentido geral, que constitui uma incógnita obrigatória para todo o pensamento (TRUBETSKOI, 1995TRUBETSKOI, Е. Н. Смысл жизни . В кн: Трубецкой Е.Н. Избранное. Москва: Канон, 1995. с.7-299., p.10; tradução nossa)26 26 No original: “Так понимаемый «с-мысл» есть логически необходимое предположение и искомое всякой мысли... Иначе говоря, «смысл» есть общезначимое мысленное содержание, или, что то же самое, общезначимая мысль, которая составляет обязательное для всякой мысли искомое (ТРУБЕЦКОЙ, 1995, с.10)”. .

Para M. Bakhtin, era inaceitável a remoção do sujeito, a confirmação do sentido como um elemento dado e existente antes do sujeito e do conteúdo encontrado por ele. Para o estudioso, o significado não é apenas dialógico, mas também personalista:

O sentido é personalista; nele há sempre uma pergunta, um apelo e uma antecipação da resposta, nele sempre há dois (como mínimo dialógico). Este personalismo não é um fato psicológico, mas de sentido. (BAKHTIN, 2018, p.410)27 27 Para referência, ver nota de rodapé 18. .

De acordo com M. Bakhtin, não há sentido fora do sujeito e de sua palavra, o sentido é atualizado principalmente no diálogo (ou seja, a conexão entre o “eu” e o “outro”) incorporada na palavra. Ao mesmo tempo, o sentido também é uma conexão temporal: “A existência, já presente no passado e na atualidade, é mera carne mortal do sentido vindouro do acontecimento da existência [...]” (BAKHTIN, 2018, p.122)28 28 Para referência, ver nota de rodapé 17. . Ao partir de tal princípio, o que acontece no passado e no presente não tem sentido fora do vínculo com o evento futuro experimentado pela consciência individual. Podemos dizer que, em sua essência, o sentido é uma maneira de ir além do objeto, é uma busca por sua relação com algo além dele, antes de tudo com uma pessoa. Por um lado, é um elo entre o “eu” e o “não-eu” e, por outro lado, se considerarmos que o sentido é a resposta: entre o “eu” e o “outro”.

Afinal, o que realmente significa compreender algum fenômeno? Com-prender (como o idioma mostra) é apreender um objeto como um todo, entendendo-o como algo unificado e singular. É por isso que A. Lóssev, em seu livro O problema do símbolo e da arte realista, definindo o aspecto semântico do símbolo, acredita que, para o significado aparecer, é necessário “o ato noêmico” (do grego nоĕmа - “pensamento”, mais precisamente, “sentido sobre o objeto”, “pensamento processando um objeto para incluí-lo no sistema de pensamento ou no processo do pensamento)” (LÓSSEV, 1976LÓSSEV, А. Ф. Проблема символа в реалистическом искусстве. Москва: Искусство, 1976., p.49; tradução nossa)29 29 No original: “ноэматический акт (греч. nоĕmа – “мысль», точнее, «мысль о предмете”, “мысль, обрабатывающая предмет в целях включения его в систему мысли или в процесс мысли)”. . Para a realização de tal ato, de acordo com o exposto acima, devemos perceber o objeto como um todo, destacando sua característica essencial. Esta é a interpretação fenomenológica do sentido, que detecta o significado de um objeto. Do mesmo modo, V.N. Toporov compreende o sentido:

[...] como “um certo todo integral [...]” Quando dizem: “faria sentido para...”, a palavra “sentido” (significado) carrega uma a ideia do bem, da verdade, uma base confiável, elevada racionalidade e, além disso, ao sentido atribui-se a gênese do próprio fenômeno, uma referência ao todo composto por diferentes partes, e esse todo está imensamente acima do “natural”, isto é, do gerado (e não criado como um monólito existente desde tempos imemoráveis) (TOPOROV, 1983TOPOROV, В. Н. Пространство и текст. В кн.: Текст: семиотика и структура. -Москва: Наука, 1983. с.227-284., p.28; tradução nossa)30 30 No original: “[...] как “некое интегральное целое... Когда говорят: “есть смысл, чтобы...”, в слово “смысл” вкладывают идею благого, истинного, надежного основания, высокой целесообразности, более того, смыслу приписывается бытие, само явление которого благо, и отсылка к соединенному из разных частей целому, а также целое безмерно выше “природного”, т.е. порожденного (а не сотворенного целого как искони существующего монолита) (ТОПОРОВ, 1983, с.28)”. .

Assim, o significado da palavra é a conexão do objeto significado com algo externo (em primeiro lugar, com o sujeito, em segundo lugar, com outros objetos) e, além disso, a visão do objeto como um todo, como uma realidade distinta. Dificilmente é possível dizer com precisão qual desses dois constituintes do significado é o designador. Afinal, por um lado, é possível incluir um fenômeno no sistema de relações apenas percebendo-o como um todo, delineando suas fronteiras. Por outro lado, atribuir plenitude e definir um fenômeno (no sentido de delinear seus limites) só é possível olhando-o de fora, a partir de algum sistema já estabelecido de conexões.

Dessa forma, podemos concluir que os dois processos envolvidos no sentido, apesar de opostos, são mutuamente dependentes. O sentido como abarcamento e limitação de um todo particular e o sentido como ir além, enquanto um elo e uma resposta, existem na palavra em necessidade mútua, mas não se fundem. Assim, o sentido se torna o limite no qual essas duas intenções se cruzam e interagem.

Portanto, a palavra pode ser representada como mutuamente necessária e simultaneamente não sobreposta de dois componentes: 1) substância objetiva - interna, manifestando a identidade da palavra e do objeto e postulando a palavra como uma realidade distinta; 2) signo - externo, referindo-se à realidade por trás da palavra.

Nessa estrutura de relações primárias, é definido em essência todo o conjunto de elementos contidos na palavra como uma formação complexa e multinível. O lado fônico, a significação (um caso particular da formação de significado - a capacidade de um fenômeno apontar para outro), a imagem, a entonação etc., correlacionam-se na palavra exatamente dessa maneira. Pensa-se que cada uma dessas categorias esteja ligada a outra e, no final, a todas as outras categorias, mantendo ao mesmo tempo sua autonomia e sendo necessária nessa autonomia, bem como nas relações. A palavra é, de fato, um universo inteiro, no qual cada componente é visto apenas através da conexão com o outro, com elementos externos, e através desses elos e necessidades, a palavra encontra seu lugar no universo. Nessa lógica, o som, a significação, a imagem e a entonação são as formas internas uma da outra: acredita-se que a significação esteja relacionada ao som e é necessária para que essa combinação de sons se transforme em palavra. Por um lado, considerando a palavra, é impossível pensar no lado fônico sem a significação, na significação, sem a imagem, isto é, imaginá-los como algo fechado, limitado, segmentado. Por outro lado, se eles se fundirem completamente, se não houver limite entre eles, não haverá a palavra; pois a existência deles, na palavra, será “indivisível e imersa”.

A palavra como elemento principal do ser-comunicação

Tudo isso permite apresentar a palavra como um ser-comunicação. Este termo é atualizado nas obras de M. Girshman: “Analisamos e interpretamos a obra literária como o ser-comunicação estética, realizada no texto artístico, mas não reduzido a ele [...]” (GIRSHMAN, 2020GIRSHMAN М. М Литературное произведение: теория художественной целостности. Москва: Языки славянских культур, 2002., p.503; tradução nossa)31 31 No original: “Мы анализируем и интерпретируем литературное произведение как эстетическое бытие-общение, осуществляемое в художественном тексте, но к тексту несводимое [...]” . No mesmo artigo - A palavra na totalidade artística da obra literária-, o autor afirma que a palavra adquire a qualidade de comunicação quando o mundo artístico individual é realizado nela.

Em nossa opinião, o termo supracitado emerge da declaração de Bakhtin, já citada anteriormente: “O próprio ser do homem [...] é convívio mais profundo. Ser significa conviver [...] Ser significa ser para o outro e, através dele, para si”. (BAKHTIN, 2018, p.341)32 32 Para referência, ver nota de rodapé 17. . A definição da obra literária como ser-comunicação significa essencialmente que é através do seu mundo artístico, através do elo primário de comunicação na tríade de “autor-herói-leitor”, que a essa natureza do ser, a indivisibilidade e a imersão do todo em si, é dado um sentido direto.

No entanto, parece-nos que é a palavra que serve como elemento primário do ser-comunicação: é na palavra, como já foi apontado anteriormente, que se dá o direcionamento mútuo do som e do sentido, do sentido e da imagem, da imagem e da entonação etc. O ser-comunicação contido na palavra, como em uma molécula, se desdobra ainda mais no enunciado, e mais propriamente, o “enunciado que dispõe de um autor” é construído como um processo de encontrar equilíbrio e correspondência entre esses componentes diferentes, mas mutuamente necessários para a composição da palavra. Eles existem como uma dinâmica de desenvolvimento e preservação dessa intenção. A intenção semântica, incorporada no componente objetivo-substancial da palavra como alguma incerteza, é esclarecida em seu componente do signo e é realizada no fluxo da expressão artística, em conexões e transições (a metáfora do tecido é frequentemente aplicada ao texto).

Justamente tal especificidade pode explicar a capacidade do enunciado de “se reduzir” (de ser reduzido a uma palavra) e se desdobrar (tornar-se um texto), conforme declarado por M. Bakhtin. Além disso, o transcorrer do enunciado também combina os processos de encontrar sentido e gerar sentido da mesma maneira “indivisível e não confluente”, o que traz à vida a característica de sua percepção apontada por Leon Tolstói: “Eu sabia tudo isso, apenas não sabia expressar”33 33 No original: “Да ведь я знал это все, только не умел высказать” Tolstoi, L. Что такое исскуство? [O que é arte] In: Собрание сочинений в 22 тт. Москва, Художественная литература, 1983. Т. 15. c. 41-221. .

De modo característico, em seu ensaio A palavra na vida e a palavra na poesia, M. Bakhtin interpreta a palavra como um elemento primário da existência-comunicação. Esse trabalho foi publicado em nome de V. Volóchinov, linguista, filósofo, musicólogo russo, pertencente ao chamado “Círculo de Bakhtin”. No entanto, quanto à verdadeira autoria desse trabalho, os estudiosos russos não são unânimes; pelo menos, parece clara uma participação significativa da M. Bakhtin em sua redação, mais ainda se compararmos os princípios gerais do referido trabalho com o próprio texto de Bakhtin, Os gêneros do discurso.

O pensamento do pesquisador passa da palavra linguística para a palavra artística. Ao mencionar diferentes possibilidades de entendimento para a palavra “puxa”, M. Bakhtin escreve:

O que nos falta, então? - Aquele “contexto extraverbal” no qual a palavra “puxa” fazia sentido ao ouvinte. Esse contexto extraverbal do enunciado é composto por três aspectos: 1) o horizonte espacial comum dos falantes (a unidade do visível: o quarto, a janela etc.); 2) o conhecimento e a compreensão da situação comum aos dois; e finalmente 3) a avaliação comum dessa situação (VOLÓCHINOV, 2019, p.118-119)34 34 Para referência completa, ver nota de rodapé 22. .

Todos os pontos enumerados por M. Bakhtin contêm a afirmação de uma semelhança não proferida, mas implícita, estabelecida entre os falantes que se utilizam da palavra falada. Assim, essa semelhança existe na fronteira entre a realidade extraverbal e a palavra, entre algo pensado e verbalizado, o que torna a palavra dinâmica e a transforma em um “acontecimento”, como M. Bakhtin escreve, no que consiste o relacionamento entre os falantes:

A palavra é uma espécie de “roteiro” de um acontecimento. A compreensão viva do sentido íntegro da palavra deve reproduzir esse acontecimento, a relação mútua entre os falantes, como se o “interpretasse”, e aquele que compreende assume o papel de ouvinte. No entanto, para desempenhar esse papel, ele deve compreender claramente as posições dos outros participantes (VOLÓCHINOV, 2019, p.129)35 35 Para referência, ver nota de rodapé 22. .

Já quando M. Bakhtin compara a palavra poética com a palavra no discurso, ele ressalta esse mesmo significado, não apenas daquilo que foi dito, mas também do que não foi dito, bem como o acontecimento da palavra, em que se realiza a aproximação entre os falantes:

Na poesia, a palavra também é o “roteiro” do acontecimento, pois a percepção artística competente o interpreta, ao adivinhar com precisão nas palavras e formas da sua organização as inter-relações vivas e específicas do autor com o mundo representado por ele e ao entrar nessas inter-relações como o terceiro participante, o ouvinte. Lá onde a análise linguística vê somente as palavras e as inter-relações entre os seus aspectos abstratos (fonéticos, morfológicos, sintáticos etc.), a percepção artística viva e a análise sociológica concreta revelam as relações entre as pessoas, que são somente refletidas e fixadas no material da palavra (VOLÓCHINOV, 2019, p.134)36 36 Para referência, ver nota de rodapé 22. .

Nos trabalhos de M. Bakhtin, sempre há alguma pessoa por trás da palavra: falantes e ouvintes: falante e ouvinte no processo da fala; autor, personagem e leitor na obra artística:

[...] as avaliações determinam a escolha da palavra pelo autor e a percepção dessa escolha (co-escolha) pelo ouvinte. [...] Além disso, a avaliação também é ativa em relação ao objeto do enunciado, ou seja, o personagem. A simples escolha de um epíteto ou de uma metáfora já é um ato avaliativo ativo, orientado nessas duas direções: para o ouvinte e o personagem. O ouvinte e o personagem são os participantes constantes do acontecimento da criação, que nem por um instante deixa de ser um acontecimento da comunicação viva entre eles. (VOLÓCHINOV, 2019, p.131)37 37 Para referência, ver nota de rodapé 22. .

Como podemos depreender do ensaio A palavra na vida e a palavra na poesia, a palavra no discurso se atualiza na situação de comunicação já pré-existente, quando a situação extratextual da vida está pronta (veja a análise de Bakhtin da palavra “puxa”). É claro que a palavra na poesia, embora muitos elementos já tenham sido criados antes, de qualquer modo cria a situação da comunicação, sendo a fronteira entre a realidade não-textual e o mundo artístico da obra. É essa natureza limítrofe da palavra poética que foi mais intensamente compreendida na Era de Prata. Durante esse período, os poetas sentiam a insuficiência apenas das obras poéticas para incorporar certos significados; muitos poetas, como vimos, as recriavam em uma realidade extra-artística. Essa recriação não podia ser idêntica, para que o ser-comunicação fosse verdadeiramente realizado na palavra poética.

Esse ser-comunicação, criado no processo de expressão poética, se mostra não apenas como direcionamento mútuo e necessidade mútua dos sujeitos dessa comunicação (autor, personagem, leitor), mas também como direcionamento mútuo e reversibilidade mútua de todos os elementos da palavra e, antes de tudo, de seus aspectos semântico e sonoro. Note-se que interpretações modernas da palavra poética revelam, entre outras coisas, entendimentos opostos da unidade material da palavra-som e da sua relação com a semântica. Ao interpretar uma palavra como um signo, a semântica prevalece claramente sobre o som; na abordagem “ontológica”, ao contrário, o som prevalece sobre a semântica; o som, em sua essência, se torna uma palavra. M. Bakhtin fala sobre o “sentimento de gerar um som com sentido”, mas não especifica esse significado. Tal dificuldade deriva de um problema mais geral de fragmentação e generalização da palavra: por um lado, a palavra aparece como uma multidão de códigos que se cruzam mutuamente, por outro lado, como uma unidade de significado pleno.

Ao que parece, em qualquer obra de arte podemos esclarecer a maneira de organizar as inter-relações entre os componentes da palavra e a conformidade para o surgimento do ser-comunicação na palavra. Afinal, a situação do nascimento do significado sugere que esse significado é uma fonte unificada, manifestada em toda a multiplicidade dos elementos da obra artística; no entanto, como é sabido, essa multiplicidade não é reduzida a uma única fonte, porque em cada elemento ela se manifesta de maneira singular. Mas não é apenas isso: a fonte unificada - o significado - não existe apenas na palavra, mas também nas conexões, na transição entre as palavras. Aqui, a base da metáfora do tecido é aplicada à palavra poética: o significado não apenas penetra nas palavras, mas as “costura”, as coloca frente a frente. É por isso que a palavra não permanece no ser, não existe como algo fixo de uma vez por todas, mas se torna realidade, é um ser-comunicação que se torna realidade.

Essa comunicação ocorre de maneira direcionada e coordenada, que é a diferença entre a palavra na literatura e a palavra na língua. A palavra na língua não é transformada, mas muda imanentemente (como evidenciado nas afirmações de M. Bakhtin citadas anteriormente sobre a superação da palavra). Essa tendência imanente, isto é, a tendência de conectar a realidade linguística da palavra e seu significado ao significado individual do autor, manifesta-se em diferentes níveis da obra, mas não em sua autonomia, mas em suas interações e transições mútuas. Isso torna possível a análise imanente da obra literária, uma análise que revela sua intenção semântica unificada que organiza o ser-comunicação realizada por ela.

A título de exemplo, analisaremos os versos de Aleksandr Púchkin “Sob o céu azul de sua terra natal [...]”38 38 No original: “Под небом голубым страны своей родной”. Em seu trabalho Sobre os horizontes do conhecimento e as profundezas da compaixão, V. Nepomnyashchii escreve sobre esse poema:

Neste momento, como escrevi no artigo, ele (Púchkin - V. N) se lembra de seu amor pela heroína da elegia “Sob o céu azul ...”, como unicamente carnal, totalmente sensual, desprovido de conexão espiritual. E quando morre a carne, tudo morre. O poema, de fato, é sobre que a perplexidade, a confusão e o tremor que essa descoberta causou nele. Afinal, ele não é indiferente a uma pedra ou a um cadáver, mas a uma alma viva, que “já voava” sobre ele ... Essa sim é uma “linha intransponível” (NEPOMNYACHSHII, 2001NEPOMNYACHSHII, В. О горизонтах познания и глубинах сочувствия. В кн.: Литературоведение как проблема. Москва: Наследие, 2001. с.524-571. , p.540; tradução nossa).39 39 Любовь к героине элегии “Под небом голубым...”, писал я в статье, вспоминается ему (Пушкину – В.Н.) сейчас как исключительно плотская, исчерпывающе чувственная, лишенная духовной связи. И когда умерла ее плоть – умерло все. Стихотворение, собственно, о том, в какое недоумение, растерянность, содрогание привело его это открытие. Ведь он равнодушен не к камню или, в самом деле, к трупу – к живой душе, которая “уже летала” над ним... Это есть “недоступная черта” (НЕПОМНЯЩИЙ, 2001, с.540).

Podemos notar aqui claramente como a realidade “abandonada” da palavra começa a ser “incorporada” a ela pelo pesquisador, baseada provavelmente em alguma outra lógica, não na lógica do próprio texto. V. Nepomnyachshii sabe que o amor sobre o qual Púchkin fala é “totalmente sensual”?

Mas, mesmo assim, o foco semântico da palavra é bem diferente: é uma tentativa de manter a vida diante da morte consumada. Essas tentativas já podem ser ouvidas no primeiro quarteto, ao longo da mensagem em si sobre a morte: como se ela estivesse sendo adiada o tempo todo, primeiro de um verso para outro (“Sob o céu azul de sua terra natal/ Ela definhava e começava a desaparecer...”), depois de sentença para sentença (“Ela definhava e começava a desaparecer.../E finalmente desapareceu...”), e em uma repetição lenta (“definhava... definhou”) e nas reticências no final do segundo verso. A falecida é apresentada como “uma sombra jovem”, uma “sombra pobre e crédula” (de uma forma mais literal, como uma “sombra facilmente enganada”). A natureza incomum da última combinação de palavras foi notada por L. Ginzburg, que também escreve que o epíteto “luz alada” seria mais esperado no contexto da elegia como um gênero. Consequentemente, Púchkin transforma o repertório lexical da elegia, criando uma situação intermediária entre a vida e a morte (para ele, a sombra está viva, mas ele não se distrai com o fato de ser uma sombra). E o horror está justamente no fato de que, apesar disso, apesar da possibilidade de falar sobre o assunto dessa maneira: “há uma linha intransponível entre nós”.

O poema é, em sua essência, sobre a compreensão dos limites da palavra poética. Essa consciência determina sua estrutura: os quartetos ímpares versam sobre as possibilidades da palavra de ressuscitar o que já morreu e o amor (o que é especialmente claro no terceiro quarteto), já os pares versam sobre uma realidade amarga, que, apesar de tudo, não pode ser anulada pela palavra. Contudo, no processo dessa realização, a fronteira deixa de ser uma “linha intransponível”, ou melhor, não deixa de ser assim, mas se torna ainda uma outra coisa, a energia direcionada para transformar essas duas realidades uma na outra.

A existência dessa tendência no poema é confirmada por uma posição peculiar da frase: “Mas existe entre nós uma linha que não pode ser transposta”: inicia a segunda estrofe, de maneira tão composicional que se refere à situação de morte que já aconteceu. Por outro lado, após o verso “Sobre mim, sua jovem sombra...”, encerrando a primeira estrofe, há um ponto-e-vírgula; portanto, sintaticamente esta frase se refere à situação que mencionamos anteriormente: de tentar, por meio da palavra, manter a vida que já se foi.

Conclusões

Ao longo do texto, consideramos diferentes maneiras de entender a especificidade da palavra artística na crítica literária. Ao mesmo tempo, cada interpretação pressupõe maneiras diferentes de correlacionar o linguístico e o estético na palavra artística. Na forma mais geral, pode-se argumentar que definir a palavra como um signo revela na palavra artística características semelhantes à linguística, enquanto ver a palavra como um significado ontológico, pelo contrário, sugere a estetização da palavra linguística. Como resultado dessa correlação, as várias hipóstases da palavra poética se manifestam de forma mais clara. Assim, a abordagem do “signo” acentua a estrutura, o modelo; a abordagem “ontológica” enfatiza a imagem, o símbolo; ao tratar a palavra como mediadora, sua natureza dinâmica é enfatizada. Concluímos que a interpretação da palavra como signo leva à ideia de natureza técnica e subordinada da palavra, enquanto a interpretação da palavra como significado ontológico fornece a ideia do valor intrínseco da palavra. O conceito de Bakhtin da palavra como mediadora entre o ser e realidade da vida enfatiza seu caráter participativo e dinâmico-individual. Deve-se ressaltar ainda que o conceito de dialogismo realmente elimina os extremos das duas abordagens acima referentes à palavra. A convencionalidade e um certo distanciamento da palavra em relação à realidade, presentes na abordagem da palavra como signo, são superados pela necessidade de se ver um sujeito no enunciado; e, por outro lado, o monadismo da palavra, característico da abordagem da palavra como um significado ontológico, é superado pelo envolvimento da palavra no contexto dialógico.

  • 1
    No original: “рефлексия над основаниями культуры” (ИСКРЖИЦКАЯ, 1997, с.97).
  • 2
    No original: “слово представляет собой постоянный для данного языка знак с твердо зафиксированной формой обозначающего и определенным семантическим наполнением” (ЛОТМАН, 1970LOTMAN, Ю. М. Структура художественного текста. Москва: Искусство, 1970., с.229).
  • 3
    No original: “язык...весь опрокинут в тему и идею художественного замысла” (ВИНОКУР, 1991, c.390).
  • 4
    No original: “имя предмета – арена встречи воспринимающего и воспринимаемогo”.
  • 5
    No original: “то, что определяет человеческое сознание”.
  • 6
    HEIDEGGER, M. A obra e a verdade. In: HEIDEGGER, M. A origem da obra de arte. Tradução de Maria da Conceição Costa. Lisboa: Edições70, 2010. p.30-46.
  • 7
    BAKHTIN, M. O discurso em Dostoiévski. In: BAKHTIN, M. Problemas da poética de Dostoiévski. Tradução do russo notas e prefácio de Paulo Bezerra. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2015. p.207-234.
  • 8
    BAKHTIN, M. Metodologia das ciências humanas. In: BAKHTIN, M. Estética da criação verbal. Introdução e tradução do russo de Paulo Bezerra. Prefácio à edição francesa de Tzvetan Todorov. São Paulo: Martins Fontes, 2018. p.393-410.
  • 9
    BAKHTIN, М. Para uma filosofia do ato. Tradução de Carlos Alberto Faraco e Cristovão Tezza. 1993. Disponível em http://lutasocialista.com.br/livros/V%C1RIOS/BAKHTIN,%20M.%20Para%20uma%20filosofia%20do%20ato.pdf Acesso em 24/06/2020.
  • 10
    Para referência, ver nota de rodapé 9.
  • 11
    BAKHTIN, M. O problema do conteúdo, do material e da forma na criação literária. In: BAKHTIN, M. Questões de literatura e de estética. A teoria do romance. Tradução de Aurora Fornoni Bernardini et al, São Paulo, Hucitec, 2002. p.13-70.
  • 12
    Para referência, ver nota de rodapé 11.
  • 13
    Para referência, ver nota de rodapé 11.
  • 14
    No original: “высказывание (слово) у Бахтина становится материальным воплощением ценности, превращая язык в сферу ценностного бытия”.
  • 15
    Para referência, ver nota de rodapé 11.
  • 16
    Para referência, ver nota de rodapé 11.
  • 17
    BAKHTIN, M. M. O autor e a personagem na atividade estética. In: BAKHTIN, M. Estética da criação verbal. Introdução e tradução do russo de Paulo Bezerra. Prefácio à edição francesa de Tzvetan Todorov. São Paulo: Martins Fontes, 2018. p.3-192.
  • 18
    BAKHTIN, M. Reformulação do livro sobre Dostoiévski. In: BAKHTIN, M. Estética da criação verbal. Introdução e tradução do russo de Paulo Bezerra. Prefácio à edição francesa de Tzvetan Todorov. São Paulo: Martins Fontes, 2018. p.337-358.
  • 19
    Para referência, ver nota de rodapé 18.
  • 20
    Para referência, ver nota de rodapé 18.
  • 21
    BAKHTIN, М. Problemas da poética de Dostoiévski. Tradução Paulo Bezerra. 5. ed. Rio de Janeiro: Editora Forense Universitária, 2015.
  • 22
    VOLÓCHINOV, V. (Círculo de Bakhtin). A palavra na vida e a palavra na poesia. Ensaios, artigos, resenhas e poemas. Organização, tradução, ensaio introdutório e notas Sheila Grillo e Ekaterina Vólkova Américo. São Paulo: Editora 34, 2019.
  • 23
    Três poemas transmentais de Aleksiéi Krutchônikh. In Poesia russa moderna. Tradução de Augusto de Campos. São Paulo: Editora Perspectiva, 2012. p.155.
  • 24
    BAKHTIN, M. Apontamentos 1970-1971. In: BAKHTIN, M. Estética da criação verbal. Introdução e tradução do russo de Paulo Bezerra. Prefácio à edição francesa de Tzvetan Todorov. São Paulo: Martins Fontes, 2018. p.337-358.
  • 25
    Em russo, с-мысл “s-mysl” (“s” – com, junto, “mysl”, pensamento). (N. da T.)
  • 26
    No original: “Так понимаемый «с-мысл» есть логически необходимое предположение и искомое всякой мысли... Иначе говоря, «смысл» есть общезначимое мысленное содержание, или, что то же самое, общезначимая мысль, которая составляет обязательное для всякой мысли искомое (ТРУБЕЦКОЙ, 1995, с.10)”.
  • 27
    Para referência, ver nota de rodapé 18.
  • 28
    Para referência, ver nota de rodapé 17.
  • 29
    No original: “ноэматический акт (греч. nоĕmа – “мысль», точнее, «мысль о предмете”, “мысль, обрабатывающая предмет в целях включения его в систему мысли или в процесс мысли)”.
  • 30
    No original: “[...] как “некое интегральное целое... Когда говорят: “есть смысл, чтобы...”, в слово “смысл” вкладывают идею благого, истинного, надежного основания, высокой целесообразности, более того, смыслу приписывается бытие, само явление которого благо, и отсылка к соединенному из разных частей целому, а также целое безмерно выше “природного”, т.е. порожденного (а не сотворенного целого как искони существующего монолита) (ТОПОРОВ, 1983, с.28)”.
  • 31
    No original: “Мы анализируем и интерпретируем литературное произведение как эстетическое бытие-общение, осуществляемое в художественном тексте, но к тексту несводимое [...]”
  • 32
    Para referência, ver nota de rodapé 17.
  • 33
    No original: “Да ведь я знал это все, только не умел высказать” Tolstoi, L. Что такое исскуство? [O que é arte] In: Собрание сочинений в 22 тт. Москва, Художественная литература, 1983. Т. 15. c. 41-221.
  • 34
    Para referência completa, ver nota de rodapé 22.
  • 35
    Para referência, ver nota de rodapé 22.
  • 36
    Para referência, ver nota de rodapé 22.
  • 37
    Para referência, ver nota de rodapé 22.
  • 38
    No original: “Под небом голубым страны своей родной”.
  • 39
    Любовь к героине элегии “Под небом голубым...”, писал я в статье, вспоминается ему (Пушкину – В.Н.) сейчас как исключительно плотская, исчерпывающе чувственная, лишенная духовной связи. И когда умерла ее плоть – умерло все. Стихотворение, собственно, о том, в какое недоумение, растерянность, содрогание привело его это открытие. Ведь он равнодушен не к камню или, в самом деле, к трупу – к живой душе, которая “уже летала” над ним... Это есть “недоступная черта” (НЕПОМНЯЩИЙ, 2001, с.540).

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    07 Dez 2020
  • Data do Fascículo
    Oct-Dec 2020

Histórico

  • Recebido
    27 Jan 2020
  • Aceito
    16 Set 2020
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