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A Justiça do Trabalho como instrumento de Democracia

Labor Court as an instrument of democracy

Resumo

Este artigo investiga em que medida o Direito do Trabalho desempenha uma função conformadora da realidade e, ao mesmo tempo, transformadora. Para isso, além de um breve resgate da história do Direito do Trabalho, o artigo analisa os limites da democracia em uma realidade capitalista. A partir disso, iremos examinar a função que a Justiça do Trabalho tem para a manutenção/construção de uma realidade democrática, e mesmo para a superação do modelo hoje adotado e consequente construção de um convívio social que realmente elimine desigualdades, produza distribuição de riqueza e reduza os níveis de violência e discriminação.

Palavras-chave:
Direito do Trabalho; Justiça do Trabalho; Democracia

Abstract

This article investigates the extent to which Labor Law plays a role in shaping reality and, at the same time, transforms it. For this purpose, in addition to a brief review of the history of Labor Law, the article analyzes the limits of democracy in a capitalist reality. Based on that, we will examine the role that the Labor Courts have for the maintenance / construction of a democratic reality, even to overcoming the model adopted today and the consequent construction of a social life that eliminates inequalities, produces wealth distribution and reduces levels of violence and discrimination

Keywords:
Labor Law; Labor Courts; Democracy

1. Introdução

O reconhecimento de que Direito é produção cultural de um determinado tempo histórico, endereçado à manutenção de certa forma de organização social, nos habilita e convoca a pensar a função que a Justiça do Trabalho pode ter como instrumento de consolidação da democracia.

O Direito, dentro numa perspectiva mais restrita e estruturante, é forma jurídica do capital, idealizado e desenvolvido para manter o sistema de trocas. Enquanto, na aparência, apresenta-se como um pacto de convívio social em que todos concordam em renunciar a parte de sua liberdade para terem acesso a bens que viabilizem uma vida minimamente boa, na essência se revela como forma de coerção, assujeitamento e concentração de renda, dentro da qual não apenas é pressuposta, mas mesmo necessária a existência de um número cada vez mais expressivo de seres humanos completamente excluídos da possibilidade de acesso a bens vitais.

Dentro desse contexto, o Estado se encaixa como instrumento de consolidação da ordem, sendo certo que o Poder Judiciário, na qualidade de ente estatal, assume a função de coerção, de agente fiscalizador e punitivo, que controla e reprime as condutas que fujam das regras do jogo. Mas o Direito, como reflexo contínuo das correlações de forças políticas, pode ser bem mais que isso, assim como a democracia pode ser apenas formal, rechaçando a política, ou materialmente atuante, favorecendo a dinâmica dos conflitos sociais.

Isso nos obriga a promover uma investigação constante sobre os institutos e instituições (dentre os quais, o Direito e o Estado - incluindo, por evidente, o Judiciário e, mais precisamente, a Justiça do Trabalho - no plano do nosso foco específico) que foram concebidos para, como se enunciam, aprimorar e melhorar a vida em sociedade, a condição humana e as relações democráticas.

Então, para saber se a Justiça do Trabalho é palco generalizado de uma atuação comprometida com a democracia no sentido acima mencionado, é preciso, inicialmente, examinar como seus atores encaram, ideologicamente, o seu objeto principal de atuação: o Direito e, mais especificamente, o Direito do Trabalho.

São meras retóricas as concepções de que o Direito é isento de ideologia e de que o conjunto normativo seja mero resultado de pactos sociais que avançam e correspondem ao ideal de vida comum dos seres humanos, que, por isso, se sujeitam pacificamente às normas jurídicas. O Direito é resultado das correlações de forças econômicas e políticas, estando impregnado, por isso mesmo, da visão de mundo da classe dominante, d’onde se extrai, pois, seu conteúdo ideológico, que se expressa, ainda que veladamente, nos momentos cruciais da interpretação e aplicação das normas jurídicas.

Reconhecido esse caráter ideológico e comprometido do Direito, precisamos investigar em que medida o Direito do Trabalho também desempenha essa função, e qual potencial possui para superá-la. Para isso, é necessário compreender os limites do que entendemos por democracia em uma realidade capitalista, até mesmo para não nutrir a falsa esperança de que é possível reduzir ou eliminar a exploração apenas pela democracia como retórica, notadamente, se as bases do sistema de trocas não forem ao menos questionadas.

A partir desses pressupostos, iremos problematizar a função que a Justiça do Trabalho tem para a manutenção/construção de uma realidade democrática, e mesmo para a superação do modelo hoje adotado e consequente construção de um convívio social que realmente elimine desigualdades, produza distribuição de riqueza e reduza os níveis de violência e discriminação.

2. Estado, Direito e Democracia

O modelo de convívio social que adotamos impõe a redução de tudo (homem, natureza e coisas) à condição de mercadoria passível de ser negociada. Por razões e escolhas sociais que extrapolam os limites deste texto, a maioria absoluta das pessoas depende da venda da força de trabalho para sobreviver1 1 Daí porque Marx chega a afirmar que a sociedade capitalista, enquanto difunde a retórica da liberdade e da autonomia, consolida-se como uma sociedade do trabalho forçado, de tal modo que, se pudesse, o trabalhador dele fugiria como se foge de uma peste. O trabalho, nesse modelo de organização social, “não é, portanto, voluntário, mas forçado, trabalho obrigatório”, exatamente porque não decorre de mera escolha; é “satisfação de uma carência”, um meio para satisfazer necessidades fora dele. Por isso, o autor chega a concluir que em uma realidade capitalista, o estranhamento do trabalho é tamanho que, tão logo inexista coerção, “foge-se do trabalho como de uma peste” (p. 83). Mais adiante, ele afirma que a sociedade é a “sociedade burguesa, na qual cada indivíduo é um todo de carências, e apenas é para o outro, assim como o outro apenas é para ele, na medida em que se tornam reciprocamente meio”. MARX, Karl. Manuscritos econômico-filosóficos. São Paulo: Boitempo, 2008, p. 149. . Isso, obviamente, não implica desconhecer todo o aspecto positivo, de realização da pessoa, que o trabalho humano pode conter. Trata-se de reconhecer a condição objetiva de que, em uma sociedade baseada na troca, trabalhar não é uma escolha, pois a maioria absoluta das pessoas nada tem a oferecer, senão a força de trabalho, como mercadoria através da qual obterá o dinheiro (salário) capaz de dar acesso aos bens indispensáveis a suas necessidades vitais.

A ideia que temos de Estado alterou-se radicalmente quando da instituição e consolidação da sociedade capitalista. A noção construída a partir das revoluções burguesas, de um Estado dividido entre poderes que são autônomos e ao mesmo tempo se implicam, um dos quais é responsável por produzir a norma de conduta social, enquanto o outro é quem aplica as sanções que decorrem do seu descumprimento, nunca funcionou perfeitamente. Os três poderes produzem norma, administram e interferem na forma como o descumprimento das “regras do jogo” gera seus efeitos sobre os corpos individuais e sociais. Nenhum deles é neutro ou isento, nem tampouco refletem o interesse da maioria das pessoas, em sua atuação.

A figura do Estado de Direito2 2 Na precisa descrição de Pachukanis: “O Estado de direito é uma miragem, mas uma miragem extremamente conveniente para a burguesia, porque ela substitui a desvanecida ideologia religiosa, ela oculta às massas o fato da dominação da burguesia. […] O poder como “vontade geral”, como “poder do direito”, realiza-se na sociedade burguesa na medida em que esta última representa um mercado. Desse ponto de vista, até um regulamento de polícia pode apresentar-se diante de nós como a encarnação de ideia de Kant sobre a liberdade limitada pela liberdade do outro. Os possuidores de mercadorias livres e iguais que se encontram no mercado o são somente na relação abstrata de compra e venda. Na vida real eles são ligados uns aos outros por relações variadas de dependência. São o vendeiro e o grande atacadista, o camponês e o dono de terras, o devedor arruinado e seu credor, o proletário e o capitalista. Todas essas inúmeras relações de dependência de fato compõem a base genuína da organização do Estado. Entretanto, para a teoria jurídica do Estado elas não existem. Ademais, a vida do Estado forma-se a partir da luta das diversas forças políticas, ou seja, das classes dos partidos, de todos os grupos possíveis; aqui se revelam as reais molas que movem o mecanismo estatal”. PACHUKANIS, Evgeni. A teoria geral do direito e o marxismo e ensaios escolhidos (1921 - 1929). Coordenação Marcus Orione, Tradução Lucas Simone. São Paulo: Sundermann, 2017, p. 178. inaugura um novo modelo de gestão da coisa pública, fundado nos institutos da propriedade privada, do contrato e do sujeito de direitos3 3 Na arguta percepção de Marx: “Foi preciso esperar séculos para que o trabalhador “livre”, em consequência de um modo de produção capitalista desenvolvido, aceitasse livremente, isto é, fosse socialmente coagido a, vender a totalidade de seu tempo ativo de vida, até mesmo sua própria capacidade de trabalho, pelo preço dos meios de subsistência que lhe são habituais, e sua primogenitura por um prato de lentilhas. É natural, assim, que o prolongamento da jornada de trabalho, que o capital, desde o século XIV até o fim do século XVII, procurou impor aos trabalhadores adultos por meio da coerção estatal, coincida aproximadamente com a limitação do tempo de trabalho que, na segunda metade do século XIX, foi imposta aqui e ali pelo Estado para impedir a transformação do sangue das crianças em capital”. MARX, Karl. O Capital. Volume I. São Paulo: Boitempo, 2013, p. 434. . Como menciona Ellen WoodWOOD, Ellenn Meiksins. Democracia contra capitalismo. A renovação do materialismo histórico. São Paulo: Boitempo, 2011., a sociedade do capital opera uma “transformação da esfera política”, com a privatização de funções antes exercidas pelo Estado, que passam a pertencer a “uma classe apropriadora privada”, isenta das obrigações sociais que decorrem do exercício de poder político4 4 “É um processo totalizador cruel que dá forma a nossa vida em todos os aspectos (...), determinando a alocação do trabalho, lazer, recursos, padrões de produção, de consumo, e a organização do tempo. E assim se tornam ridículas todas as nossas aspirações à autonomia, à liberdade de escolha e ao autogoverno democrático”. WOOD, Ellenn Meiksins. Democracia contra capitalismo. A renovação do materialismo histórico. São Paulo: Boitempo, 2011, p. 22. . O Direito é o instrumento que normaliza essa dominação disfarçada.

A relação entre capital e trabalho está no centro de toda essa transformação social que permitiu a superação do modo de produção feudal e a criação da racionalidade moderna. É nesse contexto que a noção atual de Estado (com estruturas de poder legislativo, executivo e judiciário, suas funções e seu sistema de pesos e contrapesos) e de Direito (como algo escrito em um texto de lei, a ser aplicado pelo Poder Judiciário em conformidade com a vontade do legislador) se estabeleceu. Ou seja, quando “os produtos do trabalho assumem universalmente a forma da mercadoria”5 5 MARX, Karl. O Capital. Livro I. São Paulo: Boitempo, 2013, p. 167. Bem mais adiante, ele novamente pontua: “A propriedade de dinheiro, meios de subsistência, máquinas e outros meios de produção não confere a ninguém a condição de capitalista se lhe falta o complemento: o trabalhador assalariado, o outro homem, forçado a vender a si mesmo voluntariamente. (...) o capital não é uma coisa, mas uma relação social entre pessoas, intermediada por coisas”. (Idem, p. 836). .

O efeito do deslocamento do poder coercitivo para o “terreno oculto da produção”6 6 MARX, Karl. O Capital. Livro I. São Paulo: Boitempo, 2013, p. 250. , em que a relação social de dominação é explícita, exercida mediante “formas de coação puramente econômicas como o poder de demitir empregados ou fechar fábricas”, é o de isentar o Estado de utilizar sua força coercitiva para exigir trabalho e também o de esconder a luta política sob as vestes de uma luta puramente econômica7 7 WOOD, Ellen Meiksins. Democracia contra capitalismo: a renovação do materialismo histórico. São Paulo: Boitempo, 2011, p. 45-7. A dificuldade que temos até hoje, de compreender greve como um movimento de ruptura da ordem (e, por consequência, a imposição de limites artificiais a esse fato social, como a pretensa proibição de greve política) decorre em alguma medida desse ocultamento da dominação, que o Estado promove como sua função genética, especialmente - mas não apenas - através do Direito. . Essa compreensão determina, por sua vez, a noção de democracia. Se, como afirma PachukanisPACHUKANIS, Evgeni. A teoria geral do direito e o marxismo e ensaios escolhidos (1921 - 1929). Coordenação Marcus Orione, Tradução Lucas Simone. São Paulo: Sundermann, 2017., “até mesmo no Estado mais liberal, o Estado de direito é uma estrutura ideológica que apoia, reforça o direito de classe”8 8 PACHUKANIS, Evgeni. A teoria geral do direito e o marxismo e ensaios escolhidos (1921 - 1929). Coordenação Marcus Orione, Tradução Lucas Simone. São Paulo: Sundermann, 2017, p. 178. , a conclusão é que essa estrutura de organização social acaba, necessariamente, reproduzindo a dominação. Mesmo em um ambiente democrático, a luta econômica (pela sobrevivência e, portanto, por salário, limitação de jornada ou ambiente saudável) em uma sociedade estruturada de forma que a maioria absoluta da população precise trabalhar para sobreviver, é, já em si e desde sempre, uma disputa política.

A democracia, em uma sociedade capitalista, convive com a desigualdade econômica, social e cultural, a exclusão, a miséria e a “alta monopolização do poder pelas classes possuidoras-dominantes e por suas elites”. A liberdade e a igualdade são meramente formais, o que exige, segundo Florestan FernandesFERNANDES, Florestan. Apontamentos sobre a Teoria do Autoritarismo. São Paulo: Expressão Popular, 2019., que o “elemento autoritário seja intrinsecamente um componente estrutural e dinâmico da preservação, do fortalecimento e da expansão do sistema democrático capitalista”9 9 O autor refere que existem dois aspectos que incrustram o autoritarismo na normalidade da vida burguesa, pois o estado capitalista “não pode enfrentar as condições de emergência sem um enrijecimento rápido e crescente, pelo qual a minoria mostra as suas garras (ou seja, revela o monopólio da dominação burguesa, que corresponde a um monopólio do poder político estatal). O Estado de exceção “brota do Estado democrático, em que está embutido”. FERNANDES, Florestan. Apontamentos sobre a Teoria do Autoritarismo. São Paulo: Expressão Popular, 2019, pp. 45-53. .

O que percebemos, portanto, é que a noção que temos de democracia como expressão de um convívio social em que é possível eleger representantes, intervir na gestão do que é público, compartilhar bens e serviços e exercer direitos não apenas de liberdade de expressão e locomoção, mas também de cidadania (ter moradia, educação, saúde e trabalho) adapta-se com certa tranquilidade à lógica de concentração de renda, produção de miséria e esgotamento de recursos naturais, que caracteriza o capitalismo.

Na realidade, a hegemonia10 10 O conceito é aqui compreendido na perspectiva de Gramsci, quando ele refere, por exemplo, que “o Estado foi sempre o protagonista da história, porque centraliza nos seus órgãos a potência da classe proprietária; a classe proprietária disciplina-se no Estado e unifica-se acima das dissidências e dos choques da concorrência para manter intacta a condigão de privilégio”. GRAMSCI, Antonio. Escritos Políticos. Volume I. Lisboa: Seara Nova, 1976, p. 354. Hegemonia é a dominação ideológica exercida pela classe dominante, na sociedade capitalista, que se manifesta justamente pela identificação dos interesses da classe dominante como interesses de toda a sociedade. da classe dominante reside justamente na sua capacidade de atração, de convencimento, bem melhor exercida através de concessões materiais e institucionais em que a categoria dos direitos sociais se insere, do que pela força. Dentro de um Estado de Direito “agimos como se fôssemos livres para escolher”, mas na realidade “silenciosamente não só aceitamos, como até exigimos que uma injunção invisível” nos diga o que fazer e o que pensar”11 11 ZIZEK, Slavoj. Primeiro como Tragédia, depois como farsa. São Paulo: Boitempo, 2011, p. 114. . A democracia se materializa, portanto, em larga medida, como um engodo.

Alguns fatos recentes da nossa história demonstram isso. Em 2016, retiramos do poder uma Presidenta eleita sob a fórmula democrática, com argumentos expostos nos votos dos parlamentares, que não guardavam relação alguma com o crime de que a acusavam. Ainda assim, o processo do impeachment foi por muitos considerado um saudável exercício de democracia, enquanto em realidade foi apenas parte de um movimento bem maior do capital12 12 Não há espaço, aqui, para aprofundamento em que melhor explicite o teor dessa afirmação. Por isso, remeto à leitura do livro: SINGER, Andre et al. Por que gritamos golpe? Para entender o impeachment e a crise política no Brasil. Organizadores Ivana Jinkings, Kim Doria, Murilo Cleto. São Paulo: Boitempo, 2016. . Menos de um ano depois, em meados de 2017, o mesmo parlamento se recusou a processar um presidente ilegítimo, apesar da existência de provas divulgadas pela imprensa, de suposto crime de responsabilidade. Não houve revolta popular, apesar da ciência de que valores foram liberados e MP's foram redigidas para determinar o rumo dessa votação13 13 A MP 793, publicada um dia antes da votação, reflete reivindicação da bancada rural, que com isso garantiu a Temer seus 208 votos contrários ao processamento das acusações contra ele formuladas. A MP perdoa juros, parcela dívida e reduz a alíquota do FUNRURAL, num contexto em que esse mesmo governo alardeia a necessidade de reforma previdenciária ao argumento de que há déficit de arrecadação. (O teor da MP pode ser lido em http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2015-2018/2017/Mpv/mpv793.h, acesso em 07/8/2017. . O atual governo foi eleito sem que o Presidente tenha participado de debates, com a exclusão de mais de 3,3 milhões de votos14 14 https://www.bbc.com/portuguese/brasil-45635409, acesso em 01/3/2020. , com impedimento do candidato favorito para vitória15 15 https://g1.globo.com/politica/eleicoes/2018/noticia/2018/08/31/maioria-dos-ministros-do-tse-vota-pela-rejeicao-da-candidatura-de-lula.ghtml, acesso em 01/3/2020. e com a prática de disseminação de falsas notícias16 16 https://brasil.elpais.com/brasil/2018/10/18/actualidad/1539847547_146583.html, acesso em 01/3/2020. . Mesmo assim, o processo eleitoral não foi contestado por ausência de democracia.

O que o governo federal, o parlamento e o Judiciário, especialmente através do STF, tem feito nos últimos meses no Brasil, é uma clara demonstração empírica da tese de Marx, acerca da função que Estado e Direito assumem na sociedade do capital17 17 Referimo-nos às decisões que reduzem prazo de prescrição do FGTS, chancelam cláusula de quitação geral em PDV ou permitem que negociação coletiva reduza parâmetro legal de proteção a quem trabalha, bem como das “reformas” que suprimem direitos e dificultam acesso à justiça. E, mais recentemente, à decisão proferida na ADI 6363, que considera constitucional a disposição da MP 936/2020, quando permite acordo individual para redução de salário e jornada, apesar da literalidade do artigo 7o da Constituição, quando trata do direito à irredutibilidade salarial. . O Estado se organiza como forma política capaz de instrumentalizar a edição, exigir o cumprimento e controlar os mecanismos burocráticos de funcionamento das coisas comuns. Todas as regras de convívio social são formuladas e aprovadas a partir de rituais que lhes conferem legitimidade. Não importa que uma Lei, como a 13.467/17, seja completamente contrária à ordem constitucional e ao atual estágio de desenvolvimento teórico do que é necessário para viver minimamente bem em sociedade. Basta que ela seja aprovada pelo Congresso, mesmo que a portas fechadas, sem prévia discussão e com uma velocidade nunca vista, para que receba o status de regra a ser obedecida. Esse pressuposto baseia-se na possibilidade de crer em uma racionalidade pela qual a regra pode valer por si mesma, pela forma como foi editada, pelo número de votações a que se sujeitou, etc. Entretanto, é fácil perceber que esse modo de produzir as “regras do jogo” não altera o que há na essência do convívio social organizado: a dominação.

A ordem jurídica funciona como uma cortina de fumaça, que poderá ter efeito prático, mas apenas na medida em que não comprometa o sistema. Justamente porque é a dominação o que realmente caracteriza também o Estado de Direito, e o Poder Judiciário que dele faz parte, que as normas de regulação de condutas sociais serão observadas ou ignoradas de acordo com as possibilidades (com a posição social) de quem age. Assim é que podemos compreender o fato de que o Estado possui uma Constituição que garante direito fundamental à relação de emprego, exige a contratação pública por meio de concurso e fixa responsabilidade objetiva e o dever de motivação para todas as decisões que envolvam questões públicas, mas ainda assim é quem mais terceiriza, contrata de forma emergencial e se exime de responder pelos danos que causa. E isso não ocorre apenas em relação ao Estado. A aparente contradição, que nos revela a verdadeira face do sistema jurídico (forma de dominação do capital), permite compreender porque uma grande empresa receberá isenção fiscal, enquanto o pequeno empregador terá de pagar integralmente seus tributos; porque funcionários públicos deixam 27,5% de seu salário com o governo, enquanto profissionais liberais sonegam de modo sistemático, sem que alguma atitude seja adotada; porque quem rouba milhões de reais está solto, mas quem furta comida em supermercado é preso e muitas vezes permanece mais tempo encarcerado, sem que haja inclusive condenação18 18 Das mais de 758.000 pessoas presas, 33% não está condenada. https://www.novo.justica.gov.br/news/depen-lanca-paineis-dinamicos-para-consulta-do-infopen-2019, acesso em 01/3/2020. .

A democracia acaba revelando-se como o modelo que melhor serve ao capitalismo, exatamente porque admite os mesmos pilares de liberdade e igualdade que, embora não se concretizem materialmente, precisam constituir um discurso crível, para que os sujeitos de direito sigam contratando, vendendo, comprando e fazendo girar a máquina econômica19 19 HIRSCH, Joachim. Teoria Materialista do Estado. Rio de Janeiro: Revan, 2010, p. 35. . Isso não significa que modelos autoritários de Estado, como a ditadura vivida na América Latina na segunda metade do século XX, não sejam bem vindos sempre e na medida em que o sistema capitalista acreditar-se ameaçado20 20 É de conhecimento público que os EUA, país símbolo do capitalismo, financiou e estimulou governos autoritários na América Latina, sob o fundamento do medo de que esses países buscassem, no comunismo, uma forma alternativa de sociedade. Sobre o tema: NEGRO, Antonio Luigi. Linhas de Montagem. São Paulo, Boitempo, 2004. Zizek refere que o potencial autêntico da democracia está perdendo espaço para um capitalismo autoritário, “cujos tentáculos vêm se aproximando cada vez mais do Ocidente” e que não tem se revelado incompatíveis com a forma-mercadoria. Ao contrário, por vezes servem à industrialização forçada da sociedade. ZIZEK, Slavoj. Primeiro como Tragédia, depois como farsa. São Paulo: Boitempo, 2011, p. 117. .

Desse modo, a democracia acaba servindo também para anestesiar o poder de crítica através da ilusão de liberdade e da pretensa capacidade (jurídica) de contratar e de ser proprietário21 21 MASCARO, Alysson Leandro. Estado e Forma Política. São Paulo: Boitempo, 2013, p. 87. . A liberdade de expressão acaba tornando-se também uma cortina que esconde todo o resto: a impossibilidade de milhões de seres humanos exercerem liberdade, por falta de alimentação e moradia; a impossibilidade de crítica efetiva ao modelo adotado; o controle integral dos aparelhos ideológicos (imprensa, escola, exército) pela classe dominante22 22 Althusser refere, em um de seus estudos, que a ideologia não habita a consciência individual. Antes, torna-se Ideologia justamente porque “é profundamente inconsciente, se impõe à imensa maioria dos homens sem passar por sua consciência”. ALTHUSSER, Louis. A Favor de Marx. Rio de Janeiro: Zahar, 1979, p. 206. Noutra obra, retoma a discussão, para referir que existem aparelhos ideológicos de Estado que reproduzem continuamente a forma mercadoria. A reprodução do sistema do capital opera na subjetividade, através de formas sociais. Os indivíduos constituem as estruturas, ao mesmo tempo em que as estruturas se constituem com os indivíduos. Isso não é, porém, consciente ou propriamente intencional. O motor que opera as estruturas sociais é o inconsciente da subjetividade. Isso, para Althusser, é Ideologia. Então, a Ideologia representa a “relação imaginária dos indivíduos com as suas condições reais de existência” e não mais simplesmente o que habita o mundo das ideias. E se verifica sempre através dos aparelhos de Estado e de suas práticas. Nesse sentido, a Ideologia passa a ter existência material e pode ser combatida. ALTHUSSER, Louis. Ideologia e os Aparelhos Ideológicos de Estado. 3a edição. Lisboa: Editorial Presença, 1980, p. 84. .

O regime democrático acaba tornando-se, assim, “o principal mecanismo de exercício da hegemonia”, exatamente porque dissolve as diferenças sociais na igualdade da política formal. As conquistas dos grupos dominados, dentre as quais as possibilidades de cidadania que implicam a nossa noção contemporânea de democracia “acabam ressignificadas e ostentadas como demonstração da inexistência de dominação”23 23 MIGUEL, Luís Felipe. Dominação e resistência: Desafios para uma política emancipatória. São Paulo: Boitempo, 2018, p. 74. . Por isso, é importante constatar que mesmo a conquista de direitos sociais, por si só, não compromete a ordem do capital.

Essa contestação desafia a ideia contida no título desse ensaio. Por que defender que a Justiça do Trabalho sirva de instrumento à democracia, se a democracia liberal é, em si, também um disfarce?

É que ao mesmo tempo em que serve para consolidar a hegemonia do capital, o modelo democrático de convívio social é aquele que confere condição de possibilidade material para pensar e atuar em favor de um novo modo de organização social. Pensar a Justiça do Trabalho como instrumento de democracia importa para construirmos uma realidade na qual as pessoas que dependem do trabalho para sobreviver tenham condições de atuarem para engendrar mudanças efetivas. Afinal, é a partir do conceito de democracia que problematizamos e e enfrentamos questões que nos levam a um modelo social mais inclusivo, em que haja efetiva distribuição de riqueza. É aí que o Direito do Trabalho, e a Justiça do Trabalho como instituição capaz de efetivá-lo, se inscreve, por constituir historicamente um novo modo de produzir e aplicar o Direito, com condições de tornar nítida a realidade da dominação e de alterá-la. Tem, portanto, tem uma dimensão política fundamental.

É a partir dessas premissas que pretendemos discutir a função que a Justiça do Trabalho deve assumir para a construção de um convívio democrático em nosso país. Antes, porém, é preciso ainda fixar alguns pontos fundamentais para que se perceba de que Justiça do Trabalho estamos falando.

3. A Justiça dos Direitos de quem trabalha

A Justiça do Trabalho é a expressão institucional da importância da relação social de trabalho. Mesmo constituindo-se, em certa medida, como um projeto de acomodação de classes e estando, pois, inscrita na mesma lógica de manutenção do sistema, a construção de uma estrutura de poder destinada exclusivamente a “cuidar” da aplicação do Direito do Trabalho implica o reconhecimento de que essa é a relação social fundante, sem a qual o próprio sistema não funciona. Por isso mesmo, a Justiça do Trabalho sempre foi alvo da fúria do capital24 24 Já tivemos a oportunidade de escrever recentemente, em relação aos ataques que o Direito do Trabalho e a Justiça do Trabalho são alvos: “o próximo passo pretendido é bastante evidente: extinguir a Justiça do Trabalho. É que ela, cumprindo o seu dever funcional de aplicar o direito, em correspondência com os princípios e conceitos trabalhistas, apresenta-se aos olhos do capital como um impeditivo à instauração do caos jurídico trabalhista que lhes interessaria, economicamente, de forma imediata. Como se viu, no breve relato histórico apresentado, é secular a miopia nacional acerca das consequências sociais advindas do desprezo aos direitos trabalhistas; consequências que, inclusive, atingem empresários e que se apresentam também pelo aumento da miséria e da violência urbana. Não se pode, pois, simplesmente, ficar à espera de que justo agora, em 2018, a consciência sobre a importância do Direito do Trabalho sobrevenha espontaneamente dos detentores do capital. Assim, mais do que meramente resistir, é preciso lutar - no sentido simbólico do termo - para que, ao menos, os imperativos constitucionais da dignidade humana, dos valores sociais do trabalho e da livre iniciativa, da solidariedade, da redução das desigualdades, da eliminação de toda forma de discriminação e preconceito e da justiça social sejam, obrigatoriamente, respeitados por todos os cidadãos e por todas as instituições”. SOUTO MAIOR, Jorge Luis. SEVERO, Valdete Souto. (Coord). Resistência II: Crítica e Defesa da Justiça do Trabalho. São Paulo: Expressão Popular, 2018, p. 15. .

Mesmo paradoxal em sua função e em sua forma de atuação, a Justiça do Trabalho consolidou-se como local de fala da classe trabalhadora. A audiência trabalhista, por exemplo, é um espaço em que a trabalhadora ou o trabalhador colocam-se em situação de temporária simetria com quem toma seu trabalho, têm possibilidade de falar o que calaram durante todo o período de vínculo e, por vezes, de recuperar (mesmo que parcialmente) os danos sofridos.

Ainda que o tempo despedido em trabalho não remunerado, a perda do convívio familiar ou as marcas de um assédio moral não sejam jamais reparados, o reconhecimento judicial das perdas experimentadas durante a relação de trabalho constitui expressão de cidadania. Quem depende do trabalho para sobreviver experimenta, ao longo da vida, a sensação de frustração que decorre das impossibilidades com as quais cotidianamente convive, de consumir, de se sentir seguro, de alterar a realidade ou de fazer valer sua vontade no ambiente de trabalho. Um processo trabalhista efetivo, ético, em que se reconhece e pratica a proteção que orienta e justifica a existência de normas trabalhistas, além de promover distribuição (ou reposição) de renda, confere dignidade a quem vive do trabalho.

Em uma realidade desigual como aquela em que vivemos, essa é uma possibilidade transformadora, não apenas para quem se envolve diretamente em um processo trabalhista. O efeito social da sensação de pertencimento e de dignidade obtida quando o lugar de fala é exercido não pode ser menosprezado. E a potência dessa capacidade de transformação é tanta, que mesmo uma Justiça do Trabalho subserviente ao capital é intolerável. Tanto assim que ao longo de toda a história de consolidação da legislação social do trabalho e de funcionamento da Justiça do Trabalho no Brasil percebe-se nitidamente "a existência de uma linha cultural histórica que considera natural o desrespeito aos direitos dos trabalhadores, vendo agressão, arbitrariedade e abuso" na postura de quem busca a efetividade concreta dessa legislação25 25 Idem, p. 18. . Também por isso a Justiça do Trabalho é, desde seu nascimento, alvo de ataques que recentemente tornaram-se ainda mais ferozes26 26 Nos dois relatórios acerca do PLC 38, que resultou a Lei 13.467/17, aprovada em 13 de julho, tanto o Dep. Rogério Marinho quanto o Senador Ricardo Ferraço insistiram na suposta necessidade de controlar a atuação da Justiça do Trabalho em prol do respeito e da efetividade de direitos trabalhistas. É claro, portanto, que o capital admite a existência de uma legislação social, desde que ela nunca passe de mera retórica. Qualquer inclinação no sentido de sua efetividade, por mais tímida que seja, merece uma repressão extrema. .

Isso porque é com o Direito do Trabalho que iniciam questionamentos acerca do papel do Estado na promoção da qualidade de vida de todos e de cada um, assim como o questionamento da supremacia (então absoluta) dos conceitos de propriedade e contrato27 27 A evolução histórica das regras trabalhistas apresentada por Héctor-Hugo Barbagelata revela que seu surgimento decorre da necessidade de combater a realidade social propiciada pelo capitalismo, e não simplesmente regulá-la. BARBAGELATA, Hector-Hugo. Curso sobre La Evolucion del Pensamiento Juslaboralista. Montevideo: Fundación de Cultura Universitária, 2009. Ver também: BARBAGELATA, Hector-Hugo. El Particularismo Del Derecho Del Trabajo. Montevideo: Fundacion de Cultura Universitaria, 1995. . Nada revela de modo mais emblemático essa função paradoxal do Direito do Trabalho, do que a verificação de que a sua matéria prima é o conflito. Ou seja, o Direito do Trabalho desvela a dominação que caracteriza o convívio social e que, na sociedade do capital, é emblematicamente representada na relação entre trabalho e capital. Deve, portanto, ser compreendido em sua realidade histórica, como expressão da luta de classes, desde a perspectiva da classe dominada.

Uma luta no terreno e com as armas do inimigo, mas ainda assim uma luta. Por isso, Marx refere-se à legislação fabril inglesa como a “primeira concessão penosamente arrancada do capital”28 28 MARX, Karl. O Capital. Livro I. São Paulo: Boitempo, 2013, p. 558. e é também por isso que o Direito do Trabalho deve ser aplicado sob a perspectiva da classe dominada, reconhecendo no trabalho, e não no capital, seu lugar de fala. A questão que se impõe, quando nos propomos a discutir a função que a Justiça do Trabalho deve exercer para a consolidação de uma realidade democrática, diz portanto com a preservação desse espaço social, mas também com o resgate de uma atuação que esteja comprometida com a efetividade dos direitos trabalhistas.

Assim é que defender a Justiça do Trabalho como instrumento de consolidação de uma ordem democrática implica também problematizar a atuação concreta dessa instituição. Privilegiar quantidade de resolução de processos em detrimento da qualidade da atuação jurisdicional, aplicar regras que impedem acesso à justica ou estimular conciliações que nada mais fazem do que impor renúncia sistemática, genérica e antecipada de direitos fundamentais é, em última análise, boicotar a Justiça do Trabalho, matando-a por autofagia.

4. A violência destrutiva: quando a Justiça do Trabalho é sua própria algoz

A Justiça do Trabalho nasce com a missão de pacificar o conflito entre capital e trabalho, como se isso fosse possível sob a lógica da troca que equipara tempo de vida a dinheiro29 29 “Em maio de 1932, foi editado o Decreto n. 21.396, instituindo as Comissões Mistas de Conciliação, no âmbito do Ministério do Trabalho, Indústria e Comércio, com o fim específico de difundir a ideia de conciliação para a solução dos conflitos coletivos entre empregados e empregadores. Na mesma linha de priorizar a conciliação, o Decreto n. 22.132, de 25 de novembro de 1932, cria as Juntas de Conciliação e Julgamento, também no âmbito do Ministério do Trabalho, Indústria e Comércio, para a solução de conflitos individuais, limitando o acesso aos empregados vinculados aos sindicatos reconhecidos pelo Estado. É interessante notar que nem mesmo os sindicatos dos trabalhadores, então existentes, assumiram a importância da legislação trabalhista advinda, acusando-a de fascista, sobretudo em razão da imposição de atrelamento do sindicato ao Estado”. SOUTO MAIOR, Jorge Luis. SEVERO, Valdete Souto. (Coord). Resistência II: Crítica e Defesa da Justiça do Trabalho. São Paulo: Expressão Popular, 2018, p. 14. . O Estado, por sua vez, ataca a violência individual, considerada disfuncional, mas disfarça ou nega a violência estrutural, da qual é um dos principais agentes, bem representada pela ausência de garantia de emprego no Brasil que, aliada ao número expressivo de desempregados e desalentados, torna a sobrevivência física um desafio diário30 30 https://g1.globo.com/economia/noticia/2020/02/14/desemprego-cai-em-16-estados-em-2019-aponta-ibge.ghtml, acesso em 16/2/2020. . Trata-se de uma violência cotidiana e que pode até mesmo ser definida como enlouquecedora31 31 Quando trata do adoecimento no trabalho, Dejours refere-se às relações de dominação e ocultação. “Dominação da vida mental do operário pela organização do trabalho. Ocultação e coarctação de seus desejos no esconderijo secreto de uma clandestinidade imposta”. Estimulada pelo que o autor denomina “ideologia da vergonha”, na qual “a sexualidade, a gravidez ou a doença, tudo deve ser recoberto de silencio. O corpo só pode ser aceito no silêncio "dos órgãos"; somente o corpo que trabalha, o corpo produtivo do homem, o corpo trabalhador da mulher são aceitos; tanto mais aceitos quanto menos se tiver necessidade de falar deles. (...) Para o homem a doença corresponde sempre à ideologia da vergonha de parar de trabalhar”. DEJOURS, Christophe. A loucura do trabalho: estudo de psicopatologia do trabalho. 5a edição ampliada. 12a reimpressão. São Paulo: Cortez-Oboré, 1992, pp. 26-32. Eles está se referindo ao trabalhador individual, mas não é difícil compreender que no momento em que a maioria absoluta das pessoas é colocada nessa mesma situação, o que se está promovendo é uma violência contra a humanidade de cada componente da classe trabalhadora. .

Em uma sociedade na qual a maioria absoluta das pessoas depende do trabalho para sobreviver, a violência é estrutural e estruturante32 32 Quando o trabalho passa a ser condição para a sobrevivência, o conflito é algo constitutivo e constituinte das relações sociais. Por isso, Marx estuda a relação social de trabalho, em lugar de seus protagonistas, e refere textualmente que, independentemente de quem seja, o “capitalista faz valer seus direitos como comprador quando tenta prolongar o máximo possível a jornada de trabalho e transformar, onde for possível, uma jornada de trabalho em duas”. Por sua vez, o trabalhador “faz valer seu direito como vendedor quando quer limitar a jornada de trabalho a uma duração normal determinada”. A relação social de trabalho é, necessariamente, uma relação de conflito entre dominantes e dominados. Essa antinomia que o Estado de Direito define a partir de uma lógica de (falsa) igualdade, de “um direito contra outro direito, ambos igualmente apoiados na lei da troca de mercadorias”, gera o efeito automático de que “entre direitos iguais, quem decide é a força”. Marx, então, demonstra como a regulamentação da jornada de trabalho se apresenta, “na história da produção capitalista, como uma luta em torno dos limites da jornada de trabalho - uma luta entre o conjunto dos capitalistas, i.e., a classe capitalista, e o conjunto dos trabalhadores, i.e., a classe trabalhadora”. MARX, Karl. O Capital. Volume I, São Paulo: Boitempo, 2013, p. 393. . Essa violência, silenciada pelo Estado, é bem mais radical e nociva do que aquela que decorre do movimento de ruptura em busca de melhores condições de vida (greve) ou mesmo das práticas que demonstram recusa à ordem vigente33 33 Luis Felipe Miguel menciona, como exemplos de resistência, “o trabalhador pauperizado que furta bens de seu local de trabalho a fim de complementar sua renda” e que está, desse modo, manifestando sua inconformidade com a apropriação da riqueza pelo capital, ou o trabalhador “que se nega a aprender a operar adequadamente uma nova máquina, por “indolência” ou por “burrice””, e que está “negando o direito do burguês de determinar o processo de trabalho”, ou ainda o trabalhador que “dissemina maledicências sobre os capatazes e sobre os patrões” e, desse modo, subverte as hierarquias sociais estabelecidas e põe em xeque o discurso legitimador da meritocracia. MIGUEL, Luís Felipe. Dominação e resistência: Desafios para uma política emancipatória. São Paulo: Boitempo, 2018, p. 82. . Tal violência se expressa tanto pela lógica objetiva de concentração de renda nas mãos de poucos, com a consequente exclusão de muitos, quanto pela dominação explícita que se estabelece na relação de trabalho, em que os corpos e as mentes de quem trabalha são cooptados, dentro e fora do ambiente de trabalho34 34 Os exemplos são inúmeros. Desde o simples fato de que, sendo condição para sobrevivência, o trabalho é - como disse Marx - trabalho obrigatório, estranhado, até as características que esse trabalho por conta alheia assume, com a lógica de disciplinamento, a cobrança de metas, as possibilidades de dispensa, o assédio estrutural, etc. .

A condição objetiva de quem depende do trabalho para sobreviver é de submeter-se à violência contra o corpo, contra a vontade e contra a autonomia, mesmo em um ambiente de trabalho que possa ser considerado saudável ou diferenciado, a partir dos parâmetros contemporâneos. Ao não questionarmos a possibilidade mesma de troca de capital por tempo de vida, colocamos todas as pessoas que precisam trabalhar para sobreviver (ou dependem de sistemas de seguridade social exatamente porque não têm condições de realizar essa troca) em situação de violência estrutural35 35 O fato de que as pessoas agem como se essa não fosse uma agressão cotidiana, assujeitadora e extremamente violenta, só se explica pela reprodução de uma ideologia que disfarça a dominação. Judith Butler, quando se refere à vulnerabilidade, formula a seguinte afirmação: “Você age como se nunca pudesse vir a pertencer a uma população cujo trabalho e cuja vida são precários, que pode, de repente, ser privada de direitos básicos ou do acesso a moradia ou cuidados médicos, e que vive angustiada sem saber se o trabalho vai chegar algum dia”. O que a autora se pergunta é como é possível, em uma sociedade formada por quem depende do trabalho para sobreviver e que, portanto, está sistematicamente sujeito à violência de ter que trabalhar para se sustentar, é possível agir como se não houvesse vulnerabilidade e se identificar bem mais com os dominadores do que com os dominados. Negar a vulnerabilidade (ou, melhor seria dizer, a violência) de modo obstinado, é o que de certo modo torna suportável nossa forma de organização social. Como refere Bulter, “se alguém está ligado a outra pessoa contra a própria vontade, mesmo quando, ou precisamente quando, um contrato é o meio de subjugação, essa ligação pode ser literalmente enlouquecedora, uma forma imposta e inaceitável de dependência”. E arremata: “a única razão pela qual você consideraria tentar se juntar a alguém que poderia matá-lo é porque essa é a única maneira que você imagina de continuar vivo”. BUTLER, Judith. Corpos em aliança e a política das ruas. Notas para uma teoria performativa de assembléia. Rio de Janeiro: Civilização brasileira, 2018, p. 166. . Portanto, essa violência é ao mesmo tempo suportada e negada, não apenas pelo conjunto de aparelhos (escola, igreja, Estado) que reproduzem a ideologia da liberdade e da igualdade, mas pelos próprios violentados, como condição (subjetiva e inconsciente) de sobrevivência.

A Justiça do Trabalho é lugar privilegiado de explicitação desse sofrimento que decorre da violência estrutural da troca entre capital e trabalho e tem justamente a função de desvelá-la e limitá-la36 36 Nas palavras de Marx, as “primeiras criações do moderno modo de produção, nas fiações e tecelagens de algodão, lã, linho e seda” eram determinadas por um impulso do capital para a prolongação a todo custo da jornada de trabalho, que de início foi satisfeito. Entretanto, os abusos desmedidos provocaram, durante a primeira metade do século XIX, a necessidade de um controle que, de início, “aparece como mera legislação de exceção”. A legislação trabalhista foi, nas palavras de Marx, “obrigada a livrar-se progressivamente de seu caráter excepcional”, porque a luta que ainda se trava por essa regulação prova que, “quando o modo de produção capitalista atinge certo grau de amadurecimento, o trabalhador isolado, o trabalhador como “livre” vendedor de sua força de trabalho, sucumbe a ele sem poder de resistência. A criação de uma jornada normal de trabalho é, por isso, o produto de uma longa e mais ou menos oculta guerra civil entre as classes capitalista e trabalhadora". MARX, Karl. O Capital. Volume I, São Paulo: Boitempo, 2013, p. 464. Além de desvendar o que compreende por luta de classes (a oposição estrutural e, portanto, o conflito inerente à condição de dominados e dominantes em uma realidade capitalista), Marx explicita, nessa passagem, porque o Direito do Trabalho e seu locus institucional de realização, a Justiça do Trabalho, desvelam a violência estrutural (a “guerra civil”) que habita as relações sociais de trabalho, limitam sua intensidade e, com isso, criam potencial para a sua superação. . Isso representa bem mais do que determinar o pagamento de horas extras ou das verbas resilitórias37 37 Como refere Mario Elffman, “os juízes do trabalho são, na maioria das vezes, a única e a última oportunidade de obtenção da tutela” dos direitos fundamentais sociais do trabalho. Portanto, “não devem nem podem ser indiferentes àquela verdade” de que não há democracia enquanto os direitos trabalhistas não forem respeitados. Precisam saber diferenciar imparcialidade de neutralidade e assumir compromisso com a função que exercem: de atuar para a realização dos direitos do trabalhador”. ELFFMAN, Mario. Questões e questionamentos sobre a Justiça do Trabalho. Porto Alegre: HS Editora, 2014, p. 89. .

Infelizmente, a política judiciária que tem se estabelecido no âmbito da Justiça do Trabalho por vezes caminha em sentido oposto àquele que aqui estamos propondo e, pois, tem aprofundado o déficit democrático que experimentamos no país. As recentes alterações havidas na legislação trabalhista caminham nesse sentido. A uniformização de jurisprudência através dos incidentes incluídos na CLT tem imposto aos tribunais regionais uma disciplina de obediência que os esvazia de sentido.

O estímulo à conciliação, inclusive com amplo investimento na formação de mediadores e conciliadores leigos38 38 https://www.cnj.jus.br/wp-content/uploads/2015/06/f247f5ce60df2774c59d6e2dddbfec54.pdf, acesso em 16/2/2020. , e com a adoção de metas, uma das quais implica solucionar mais processos do que os que foram ajuizados no mesmo período (Meta 1 do CNJ), torna evidente um fato que em realidade acompanha a Justiça do Trabalho, e mesmo o Estado de Direito, desde sua gênese: conciliação judicial é instrumento de dominação e acomodação de classes39 39 HILLESHEIM, Jaime. Conciliação trabalhista: ofensiva sobre os direitos dos trabalhadores na periferia do capitalismo. Rio de Janeiro, Lumen Juris, 2016, p. 65. .

Atualmente, a lógica da conciliação foi elevada ao seu expoente máximo40 40 Basta ver a Resolução n.° 125 do CNJ prevê que as “boas práticas” de conciliação; a Resolução n.° 70, estabelecendo Planejamento e Gestão Estratégica para conciliar ou a Resolução n.° 198 do CNJ, sobre o fomento de meios extrajudiciais para resolução negociada de conflitos. Tudo na linha dos três pactos republicanos firmados em 2004, 2009 e 2012, por um Poder Judiciário “mais acessível, agil e efetivo”. Veja-se, por exemplo, o inteiro teor do II Pacto em http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Outros/IIpacto.htm, acesso em 16/2/2020. . O Conselho Nacional de Justiça chegou a criar um prêmio, Conciliar é Legal, em 2010, com o objetivo de estimular práticas de conciliação41 41 Como refere Jaime, “a partir de 2012, além de homenagear magistrados e servidores da justiça federal, estadual e do trabalho, o CNJ também passou a premiar as práticas jurídicas desenvolvidas nas faculdades de direito e na sociedade civil organizada que, de alguma forma, buscam aquele intento”. HILLESHEIM, Jaime. Conciliação trabalhista: ofensiva sobre os direitos dos trabalhadores na periferia do capitalismo. Rio de Janeiro, Lumen Juris, 2016, p. 128. . O que parece sedutor é, em realidade, uma fórmula de eliminação de processos sem resolução dos conflitos sociais. Como regra, a conciliação é firmada por valor inferior àquele que decorre do espectro econômico direto dos direitos descumpridos. Por isso mesmo, constitui grave estímulo ao seu descumprimento. Além de impedir que a Justiça do Trabalho exerça sua função democrática de dar voz à classe trabalhadora, a lógica de conciliar a qualquer preço e em qualquer momento do processo gera como efeito secundário de relativização da importância dos direitos sociais, que passam a ser tratados como meros direitos de crédito.

O incentivo à conciliação alia-se ainda ao crescente descrédito do Poder Judiciário, potencializando o discurso de fim da Justiça do Trabalho, que se torna absolutamente desnecessária em um ambiente negocial. Nesse aspecto, o discurso desrespeita o trabalho de todas as juízas juízes do trabalho, que realizam audiência, colhem provas e proferem sentenças42 42 Acusa-se não apenas os Juízes de deferirem tudo, como também os trabalhadores de faltarem propositadamente às audiências para “irem pescar” ou para “irem para uma cabana na beira da praia”. Ver debate: https://www.youtube.com/watch?v=7L0IiiN3teg&feature=share, acesso em 03/9/2017. .

O incentivo a qualquer conciliação também tem o efeito de impedir que os acidentes e doenças profissionais sejam contabilizados ou coibidos, na medida em que não há apuração do fato ou adoção de providências que de algum modo eliminem a manutenção de ambientes adoecedores. E isso em uma realidade na qual o Brasil ocupa uma das primeiras posições em número de acidentes de trabalho43 43 De acordo com o Observatório Digital de Saúde e Segurança do Trabalho, de 2012 a 2018, o Brasil registrou 16.455 mortes e 4.5 milhões acidentes. Há uma morte no trabalho a cada 3h40min e um acidente de trabalho a cada 49 segundos. http://www.fundacentro.gov.br/estatisticas-de-acidentes-de-trabalho/inicio, acesso em 04/11/2019. . Não se trata de fatalidade, mas da opção política por incentivar a violência no ambiente de trabalho. Uma opção que não se dissocia da lógica de esvaziamento da função judicial, através da técnica da conciliação.

Outro exemplo importante de prática que esvazia a função democrática que a Justiça do Trabalho deve exercer é a utilização de regras que dificultam ou impedem o acesso à justiça. É exemplo a alteração promovida no art. 11, no qual foi inserido um § 4º44 44 O dispositivo estabelece que “tratando-se de ação que envolva pedido de prestações sucessivas decorrente de alteração ou descumprimento do pactuado, a prescrição é total, exceto quando o direito à parcela esteja também assegurado por preceito de lei”. , assim como a introdução de um artigo 11A na CLT. A prescrição no campo das relações de trabalho constitui uma restrição ao direito fundamental de exercer pretensão. Como restrição, precisa ser compreendida e aplicada de modo restritivo. Isso porque retira do trabalhador a possibilidade, que se revela única em um sistema de monopólio da jurisdição, de fazer valer a ordem constitucional vigente. Isso significa que sua aplicação submete-se, de uma parte, à aplicação (integral) de todos os direitos ali garantidos e, de outra, à uma análise que busque sempre reduzir ao máximo seu âmbito de incidência.

A regra inserida no artigo 507-A45 45 Nos contratos individuais de trabalho cuja remuneração seja superior a duas vezes o limite máximo estabelecido para os benefícios do Regime Geral de Previdência Social, poderá ser pactuada cláusula compromissória de arbitragem, desde que por iniciativa do empregado ou mediante a sua concordância expressa. também tem por objetivo a vedação de acesso à justiça, pois não há vontade livre, se o vínculo de emprego, em um ambiente capitalista, é condição de possibilidade da sobrevivência física. Quanto maior a remuneração e o aperfeiçoamento técnico, maior - em regra - a dependência em relação ao trabalho46 46 Em texto brilhante, escrito ainda em 2008, Jorge Souto Maior sintetiza o problema: "A melhora em certas condições de trabalho, acompanhada de um traço de liberdade, traz uma perigosa aparência de que a correlação entre capital e trabalho deixou de representar aquilo que efetivamente é: a mera venda da força de trabalho, ou o trabalho em troca de salário (daí porque até mais correto do que falar em trabalhador subordinado é tratá-lo, como antigamente, de trabalhador assalariado)”. SOUTO MAIOR, Jorge Luiz. A Supersubordinação - Invertendo a lógica do jogo. Revista do Tribunal Regional do Trabalho 3ª Região, Belo Horizonte, v. 48, n. 78, p. 157-194, jul./dez. 2008. .

A inserção, no artigo 790, de um § 3o, no sentido de que o benefício da justiça gratuita poderá ser alcançado apenas àqueles que perceberem salário igual ou inferior a 40% (quarenta por cento) do limite máximo dos benefícios do Regime Geral de Previdência Social também veda acesso à justiça. O conceito legal de assistência judiciaria gratuita é aquele da Lei 1.060. Portanto, abrange todas as despesas do processo. A norma do art. 790-B, ao referir que a responsabilidade pelo pagamento dos honorários periciais é da parte sucumbente na pretensão objeto da perícia, "ainda que beneficiária da justiça gratuita”, também destina-se a vedar acesso à justiça. A disposição enxertada no § 4odo mesmo artigo 790, no sentido de que "somente no caso em que o beneficiário da justiça gratuita não tenha obtido em juízo créditos capazes de suportar a despesa referida no caput, ainda que em outro processo, a União responderá pelo encargo”, é igualmente incompatível com a própria noção de gratuidade que, aliás, é decorrência lógica da proteção. Aqui há uma questão ainda mais grave. Os créditos trabalhistas servem à sobrevivência física. São, pois, de natureza alimentar. Logo, não podem ser compensados.

O art. 793-D, na linha da ânsia punitiva já revelada por alguns setores da própria Justiça do Trabalho, promove ruptura visceral com a origem histórica e os pressupostos do direito e do processo do trabalho por constituir evidente tentativa de intimidação das testemunhas em uma lógica na qual, bem sabemos, não existe isenção. Essa norma, demais disso, contraria frontalmente o artigo 5o, LIV, que impede que alguém seja privado de seus bens sem o devido processo legal e o LV, que garante contraditório e ampla defesa aos "acusados em geral”. Logo, se a testemunha for acusada de mentir em juízo, terá que ter respeitado seu direito de defesa, antes de ser punida. Nesse sentido, foi proferida recentemente decisão pelo TRT da 15a Região, cuja ementa dispõe:

MULTA À TESTEMUNHA. INCABÍVEL. IMPROPRIEDADE TÉCNICA DO ART. 793-D DA CLT. PRESERVAÇÃO DO ESTADO DEMOCRÁTICO DE DIREITO. Condenar a testemunha, que NÃO É parte no processo e que, por isso mesmo, não teve oportunidade de oferecer defesa a respeito da imputação que lhe fora feita, é uma ofensa à presunção de inocência, pedra fundamental no Estado Democrático de Direito. A condenação em questão se pronuncia com supressão da fase de acusação, sem oportunidade de defesa, sem contraditório e ainda se processa sem o crivo do duplo grau de jurisdição, ou seja, com trânsito em julgado automático. Não há como aplicar um absurdo jurídico como este, pelo qual o juízo acusa, condena e executa. Isso remete ao tempo em que não se concebia a existência de um Estado Democrático de Direito, mas, enfim, é esse mesmo o estágio de sociabilidade ao qual a Lei n. 13.467/17 tenta nos remeter e os litigantes no processo do trabalho, trabalhadores e empregadores, já estão sentindo os efeitos desse autêntico experimento "legislativo". Veja que, no caso, a testemunha da reclamada foi condenada a pagar multa de R$20.000,00, em um processo no qual o dano estético no braço da reclamante proveniente de queimadura foi avaliado em R$20.000,0047 47 Processo nº 0010571-27.2017.5.15.0152, Relator Desembargador Jorge Luiz Souto Maior, disponível em https://trt15.jus.br/jurisprudencia/consulta-de-jurisprudência, acesso em 12/3/2020. .

Também a alteração sofrida pelo art. 840 pode ser indicada como regra cujo escopo final é impedir o acesso à justiça. Introduz-se a exigência de que todos os pedidos tenham a indicação do seu valor (§ 1o). Não há como exigir que a parte autora, sem acesso aos documentos do vínculo, tenha que liquidar suas pretensões. Além disso, há pedidos em que a determinação não é possível, porque dependem da prova para a sua fixação, como no caso do assédio moral.

Outra regra cujo objetivo é claramente impedir o acesso à tutela jurisdicional, é aquela do art. 844 da CLT. A alteração é no sentido de que a ausência do reclamante implicará condenação “ao pagamento das custas calculadas na forma do art. 789 desta Consolidação, ainda que beneficiário da justiça gratuita” (§ 2o), e, o que é mais grave, com exigência de que o pagamento das custas seja condição para a propositura de nova demanda (§ 3o).

Os incidentes inseridos na CLT, embora não impeçam, sem dúvida prejudicam a obtenção da tutela jurisdicional, pois na contramão das razões de existência de um processo do trabalho, tornam o rito moroso e retiram garantias hoje previstas em lei. O incidente de desconsideração da personalidade jurídica, por exemplo, inserido no CPC de 2015, em um movimento conservador de ruptura com toda a doutrina acerca da responsabilidade patrimonial, foi agora copiado no art. 855-A da CLT. Previsto como condição de possibilidade da persecução do patrimônio do responsável pelos créditos reconhecidos em juízo, altera a compreensão assente desde o Código de 1939, pela qual a responsabilidade constitui matéria a ser aferida na fase de execução, apenas quando verificada a incapacidade financeira do devedor, que consta no título executivo.

Além desses exemplos, poderíamos ainda mencionar a prática da quitação de contrato em acordos trabalhistas, a previsão de realização de acordos extrajudiciais e a dificuldade que temos em reconhecer critérios de atualização para os créditos trabalhistas que efetivamente impliquem reposição das perdas sofridas por quem demanda na Justiça do Trabalho. Outros tantos exemplos poderiam ser dados sem que esgotássemos as situações que evidenciam verdadeira política de boicote à função democrática que deve ser exercida pela Justiça do Trabalho. Recuperá-la, portanto, passa inclusive pela revisão dessas regras e, evidentemente, pela retomada de sua função precípua de dar lugar de fala à classe trabalhadora, revelando a dominação e dando condições materiais para pensarmos e realizarmos as mudanças necessárias nas bases de convívio social.

5. A potência democrática da Justiça do Trabalho

O resgate ou a construção de uma racionalidade comprometida com o convívio democrático, que determine e oriente a atuação da Justiça do Trabalho, depende de discutirmos seriamente algumas questões estruturais. A primeira delas diz como sua composição48 48 Uma pesquisa realizada em 2008, pelas sociólogas Elina Pessanha e Regina Morel, da Universidade Federal do Rio de Janeiro, e pela pesquisadora Angela de Castro Gomes, da Fundação Getúlio Vargas do Rio, após entrevistar 2.746 juízes trabalhistas no país, revelou que 43% dos magistrados eram mulheres, sendo que em segundo grau de jurisdição esse número cai para 36,5%. Metade dos juízes tinham menos de 40 anos, 86% se declararam de cor branca. Apenas 1,2% se diziam negros. A maioria dos juízes dizia acreditar que sua função é especialmente relevante para o equilíbrio entre o capital e o trabalho. http://www.conjur.com.br/2008-mai-04/juiz_trabalhista_jovem_branco_progressista, acesso em julho/2017. Esses dados, embora sejam um recorte que talvez não reflita a exata realidade, são importantes por indicarem a classe social de onde vem - em regra - o Juiz. Se a maioria absoluta é branca, do sexo masculino e de cor branca, em um país formado por uma maioria de negros e pardos, e de mulheres, não é difícil concluir haja direta relação entre a classe social e as chances de passar em um concurso para a magistratura do trabalho. Confirma essa percepção o conjunto de resultados apresentados pelo Censo dos Magistrados, realizado pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ) em 2013, também apontou que 64% dos juízes são do sexo masculino e que eles representam 82% dos ministros dos tribunais superiores. A maioria da magistratura é casada ou está em união estável (80%) e tem filhos (76%). A idade média de juízes, desembargadores e ministros é de 45 anos. 84,5% dos juízes entrevistados declararam ser brancos, 14% se consideram pardos, 1,4%, pretos e 0,1%, indígenas. O estudo foi realizado pelo Departamento de Pesquisas Judiciárias (DPJ/CNJ) entre 4 de novembro e 20 de dezembro de 2013. http://www.cnj.jus.br/noticias/cnj/61806-pesquisa-do-cnj-aponta-perfil-dos-magistrados-brasileiros, acesso em julho/2017. .

A forma como o concurso público é realizado, é um dos elementos importantes para compreender a potência democrática da Justiça do Trabalho49 49 A estratégia de realizar concurso único, em Brasília, por exemplo, elimina da “concorrência" candidatos pobres, que não tenham condições de pagar hospedagem e passagens aéreas, para se submeter ao certame. A adoção da chamada "nota de corte” e a realização de provas objetivas que privilegiam o conteúdo de súmulas e textos legais também pode constituir entrave para o ingresso, na magistratura do trabalho, de pessoas cujo perfil realmente se identifique com a “questão social” que ali é tratada. . A questão relevante aqui é o lugar de fala das pessoas que acabam sendo selecionadas para a magistratura. Basta ver quais são os ambientes que o juiz frequenta, com quem convive, o que fazem seus parentes e amigos, para perceber que a identificação ideológica com o capital será muito mais fácil, quase inconsciente e percebida como “natural", enquanto a capacidade de empatia com a classe trabalhadora será sempre um desafio50 50 O conceito de ideologia como ciência que estuda as ideias, foi revisitado a partir da consolidação da sociedade do capital. Passou a ser associado a um discurso recheado de pré-juízos, ligado à tradição, à velha ordem feudal. Por isso era preciso rejeitar esse discurso: o discurso da modernidade passou a ser considerado “não ideológico”. Havia uma necessidade de superação dos dogmas e da tradição representada pelas verdades medievais. SEVERO, Valdete Souto. Elementos para o uso transgressor do Direito do Trabalho: compreendendo as relações sociais de trabalho no Brasil e a função do Direito diante das possibilidades de superação da forma capital. São Paulo: LTr, 2015, p. 31. .

Outra questão importante para pensar a potência democrática da Justiça do Trabalho diz com o fato de serem os juízes impedidos de cumular trabalho, com exceção apenas para o magistério, ou de realizar atividades político-partidárias51 51 Constituição Federal, Art. 95, parágrafo único. Aos juízes é vedado: I - exercer, ainda que em disponibilidade, outro cargo ou função, salvo uma de magistério; II - receber, a qualquer título ou pretexto, custas ou participação em processo; III - dedicar-se à atividade político-partidária; IV receber, a qualquer título ou pretexto, auxílios ou contribuições de pessoas físicas, entidades públicas ou privadas, ressalvadas as exceções previstas em lei; V exercer a advocacia no juízo ou tribunal do qual se afastou, antes de decorridos três anos do afastamento do cargo por aposentadoria ou exoneração. .

Trata-se de clara opção ideológica52 52 A ideia de que Juiz não é eleito, nem pode assumir atividades político-partidárias, é tributária de uma noção clássica da atividade judicial, pela qual tem o Juiz por função analisar o caso concreto e a ele aplicar a previsão normativa, sem preocupar-se com a justiça ou as consequências políticas que daí decorram. Então, quanto mais afastado da vida política ele estiver, tanto melhor. Até hoje, juízes que se posicionam acerca de matérias políticas são alvo de críticas e, não raro, de perseguições. Como observa Althusser, o poder judicial é concebido para ser "invisível e como que nulo”. O Juiz é idealizado para ser apenas "uma presença e uma voz. É um homem cuja função consiste exclusivamente em ler e em dizer a lei”. ALTHUSSER, Louis. Montesquieu - a Política e a História. Trad. Luz Cary e Luisa Costa. 2ª ed.: Martins Fontes, p. 133. , atualmente potencializada por uma lógica de censura bem caracterizada pelos termos da Resolução 305/2019 do CNJ53 53 Disponível em . A AJD - Associação Juízes para a Democracia tem nota sobre o tema: https://www.ajd.org.br/noticias/2454-cnj-redes-sociais, acesso em 28/2/2020 e sobre o uso seletivo dessa resolução https://www.ajd.org.br/noticias/2537-nota-publica-ajd-contra-a-censura, acesso em 02/3/2020. . O Juiz do Trabalho, como refere o texto da Constituição, no art. 111, é “órgão da Justiça do Trabalho”, e “órgão do Poder Judiciário” (art. 92), ou seja, é poder de Estado. Tem, portanto, não apenas a possibilidade, mas o dever de ser politicamente comprometido. Isso significa conhecer e participar da vida pública na comunidade em que está inserido, preocupar-se com as consequências de suas decisões, reconhecendo o conteúdo político e ideológico que elas transmitem54 54 Como alerta Dallari, é extremamente perigoso o Juiz que acredita exercer sua atividade de modo isento: “Foram eles os que aceitaram, passivamente e sem qualquer perturbação de consciência, os “atos institucionais” impostos como leis superiores pelas ditaduras da América Latina em décadas recentes. São eles os que, em todo o mundo, aplicam sem reflexão, como se fosse indiscutivelmente normal, a “lei do governo”, sem importar-lhes de que governo, nem tampouco a justiça ou a injustiça da imposição, desde que tenha uma aparência legal. Esse é o comportamento que mais frequentemente compromete o prestígio do Poder Judiciário, contribuindo muito para que ele seja visto como “uma forma legal de promover injustiças”, segundo a palavras de Marcel Camus e James Baldwin. Também esses juízes são cúmplices, não tão inconscientes, da impunidade dos violadores de direitos humanos”. E segue afirmando que a “cumplicidade e a indiferença dos juízes e cúpulas judiciais são elementos com os quais contam os governos injustos para assegurar a impunidade dos violadores de direitos humanos". Sem juízes bem informados, "conscientes de sua responsabilidade social e verdadeiramente comprometidos com a justiça”, não há como pretender a efetividade dos direitos humanos e fundamentais. DALLARI, Dalmo de Abreu. O poder dos Juízes. São Paulo: Saraiva 2002, p. 40-1. . É esse envolvimento que humaniza a atividade judicial, permitindo que a magistratura se identifique com a realidade de quem perde o emprego, sofre assédio ou adoece trabalhando.

A juíza e o juiz que se reconhecem como agentes políticos sabem que sua função não se resume a produzir sentenças. A atividade judicial transforma a realidade social. Como afirma Márcio Tulio VianaVIANA, Márcio Túlio; VIANA Anamaria Fernandes. O juiz, operário e o bailarino: relações entre o palco, a fábrica e a sala de audiências. Belo Horizonte: RTM, 2016., se quem exerce a magistratura não cumpre essa função, "não será sequer eficiente - por mais recordes que possa quebrar"55 55 VIANA, Márcio Túlio; VIANA Anamaria Fernandes. O juiz, operário e o bailarino: relações entre o palco, a fábrica e a sala de audiências. Belo Horizonte: RTM, 2016, p. 64. . O comprometimento político da atuação judicial não é, portanto, um privilégio ou uma faculdade, é um dever. E apenas juízas e juízes assim podem imprimir à Justiça do Trabalho uma função efetivamente democrática.

A lógica de reduzir o tamanho do Estado, privatizando e terceirizando, bem como desqualificando a função do(a) servidor(a) público(a), também tem direta relação com a (im)possibilidade de a Justiça do Trabalho exercer sua potência democrática. A cada ano, menos concursos são realizados56 56 O STF tem auxiliado a reforçar essa lógica. No julgamento da ADC 16 estabeleceu que a responsabilidade de ente público, quando terceiriza, depende de demonstração de culpa. Na ADI 1923 de 1998, o STF declarou constitucional a Lei n. 9.637/98, reconhecendo a possibilidade de transpasse, pelo administrador, de serviços públicos ao setor privado, nas áreas da saúde, educação, cultura, desporto e lazer, na ciência e tecnologia e no meio ambiente. Há, pois, claro incentivo à continuação do repasse de força de trabalho e, com isso, do desrespeito à norma constitucional que determina a contratação por via do concurso público. . Soma-se a isso uma política de desmanche inspirada em documentos como o Consenso de Washington, de 198957 57 É o resultado de um evento realizado em novembro de 1989, para o qual se reuniram na capital dos Estados Unidos funcionários do governo norte-americano e dos organismos financeiros internacionais ali sediados - FMI, Banco Mundial e BID - especializados em assuntos latino-americanos. O encontro foi convocado pelo Institute for International Economics, sob o título "Latin American Adjustment: How Much Has Happened?”. Seu objetivo era avaliar as reformas econômicas empreendidas nos países latino americanos. , a cartilha da Fiesp denominada "Livre para crescer - Proposta para um Brasil moderno”58 58 Ali propôs a observância da cartilha do Consenso de Washington, e ainda, na linha do documento do Banco Mundial de 1989, intitulado "Trade Policy in Brazil: the Case for Reform”, a inserção internacional dos países periféricos, através da revalorização da agricultura de exportação, propostas que foram encampadas por Collor. Paulo Nogueira Batista salienta o apoio da imprensa, que "por meio de editoriais ou de articulistas entusiastas do novo velho credo, alguns de passado esquerdista, colocaria na defensiva todos os que não se dispusessem a aderir à autodenominada "modernização pelo mercado", qualificando-os automaticamente como retrógrados ou "dinossauros". BATISTA, Paulo Nogueira. O Consenso de Washington: a visão neoliberal dos problemas latino-americanos. Disponível em http://www.consultapopular.org.br/sites/default/files/consenso%20de%20washington.pdf, acesso em setembro/2016. e o Documento 319 do Banco Mundial59 59 No Brasil, três Pactos Republicanos por um Poder Judiciário célere e eficaz foram firmados em 2004, 2009 e 2011, nos quais as mesmas premissas estavam presentes: controle externo do Poder Judiciário e revisão processual capaz de garantir a “necessária” previsibilidade das decisões; necessidade de um processo judicial eletrônico, que desse uniformidade aos procedimentos, e necessidade de retirar o Estado do cenário de resolução dos conflitos sociais. http://www2.stf.jus.br/portalStfInternacional/cms/verConteudo.php?sigla=portalStfDestaque_pt_br&idConteudo=173547, acesso em maio/2017. .

O resultado é que o próprio Poder Judiciário acaba contribuindo para o quadro de esvaziamento da função jurisdicional e, consequente, do espaço democrático representado pela Justiça do Trabalho, quando edita súmulas que retiram direitos ou profere decisões que esvaziam de sentido a proteção a quem trabalha60 60 O Legislativo tem editado um número expressivo de leis que interferem diretamente no tipo de Estado e de sociedade que podemos construir e, por consequência, nas possibilidades de atuação do Poder Judiciário. A Emenda Constitucional n. 95, que congela gastos sociais por vinte anos; as Leis 13.429, 13.467 e 13.874, assim como a EC 103 (“nova” previdência) desconfiguram o direito e o processo que regem as relações de trabalho. Todas essas medidas estão ordenadas em um mesmo sentido e dialogam entre si. As MP´s 905, que já perdeu vigência; 927 e 936 promovem ainda mais descostura, agravando uma situação já marcada pela ocorrência da pandemia da COVID-19. .

Outra questão que precisa urgentemente ser discutida em profundidade diz com as consequências da implementação do sistema informatizado - PJe61 61 O Processo Judicial Eletrônico (PJe), lançado oficialmente em 21 de junho de 2011, vem sendo utilizado de modo exclusivo desde 03 de fevereiro de 2014, para o trâmite de novos processos. Os processos em andamento também estão sendo migrados do sistema e-CNJ para o PJe. http://www.cnj.jus.br/tecnologia-da-informacao/processo-judicial-eletronico-pje, acesso em agosto/2017. . Não se trata apenas de uma ferramenta de trabalho. O processo judicial eletrônico qualifica-se como um modelo fordista de produção judicial, que elitiza o acesso à justiça e praticamente impõe preocupação maior com a forma do que com o conteúdo, além de adoecer juizes e servidores. Afasta a magistratura da realidade sofrida que existe por trás de cada processo, estimula o trabalho por produção, chegando mesmo a eliminar o tempo de descanso, pois acessível 24h por dia, 7 dias por semana62 62 Como já afirmamos, existem “três grandes frentes” que estão sendo utilizadas para a redução da função do Poder Judiciário a um “reprodutor e agente da lógica do capital: o incentivo à conciliação, a imposição de metas e a informatização dos procedimentos”: “O Poder Judiciário brasileiro já adota a lógica de produção Fordista, instituindo uma verdadeira “linha de produção eletrônica” com o Processo Judicial Eletrônico. A forma como as audiências são propostas, notadamente na Justiça do Trabalho, com a invenção da “audiência inicial”, marcada a cada 2 ou 5 minutos, com o objetivo muitas vezes de estimular (para não dizer forçar) uma conciliação, já constituem mecanismos de destituição da função julgadora que se atribui ao Poder Judiciário. Os processos viram números e a conciliação torna-se a meta, porque está a serviço da eficiência numérica da eliminação de processos. No novo CPC, a palavra “eletrônico” aparece 81 vezes. Com essa nova “ferramenta”, Juízes e servidores não precisam mais manusear os velhos processos de papel, seus movimentos são otimizados. Sequer há necessidade de se deslocar de seus postos de trabalho, o processo chega até eles por uma esteira de montagem virtual. Longe da realidade das partes envolvidas no processo, necessariamente ocupado em preencher os espaços e cumprir as etapas do processo eletrônico, o juiz está cada vez mais apto a conciliar a qualquer custo. Assim, o Programa de Metas, a ideia de que Conciliar é legal e o Processo Judicial Eletrônico visam, conjuntamente, a eliminar ao máximo a “porosidade” do trabalho, numa lógica própria do sistema capitalista de produção, que consiste na captura do tempo e da subjetividade. Transforma-se o processo, em si mesmo, em um problema a ser enfrentado. O objetivo final é a redução pela eliminação dos processos, sem que o Poder Judiciário sequer examine ou mesmo tome conhecimento do conflito social subjacente. É importante observar que nesse quadro, o CNJ surge e se “qualifica” como um agente desse roubo do tempo, desse aniquilamento forçado das subjetividades, dessa transformação da função judiciária numa questão empresarial (de gestão na busca de resultados). SOUTO MAIOR, Jorge Luiz. SEVERO, Valdete Souto. O processo do trabalho como instrumento do Direito do Trabalho e as ideias fora de lugar do novo CPC. São Paulo: LTr, 2015. .

A principal armadilha do processo eletrônico é de condicionar a pensar o processo a partir de trilhos, sujeitando o conteúdo à forma, e sob a perspectiva e a linguagem do processo comum, inclusive quanto à nomenclatura das peças processuais e seus andamentos. Com isso, reforça uma linguagem que nega a existência do processo do trabalho. A consequência é a naturalização do discurso de assimilação das regras do CPC,. que tem como horizonte último a ideia de que o processo do trabalho é desnecessário e, como ele, a própria Justiça do Trabalho. Tudo passa a funcionar a partir de “caixas” e, portanto, de modo standartizado, não há espaço para o que é diferente63 63 Um estudo realizado em 2011, sobre a Situação de Saúde e Condições para o exercício do trabalho dos magistrados trabalhistas de Minas Gerais, feito pela Dra. Ada Avila Assunção, da UFMG, revelou que há uma rotina de trabalho intenso, inclusive em finais de semana e férias (70,4% dos entrevistados declarou que trabalha em fins de semana, mesmo quando está muito cansado; 69,5% se alimentam em horários irregulares por causa do trabalho). Além disso, 33,2% dos entrevistados havia fruído licença médica nos últimos 30 dias; 17,5% fazem uso de medicação para depressão e ansiedade. 41,5% tem diagnóstico médico de depressão; 53,8% dormem mal; 50,9% são vítimas frequentes de insônia; 37,8% sentiam-se tristes no momento em que foram entrevistados e 15,1% declararam estar chorando mais do que de costume nos últimos tempos. (https://www.anamatra.org.br/attachments/article/54/00002920.pdf, acesso em agosto/2017) Esses dados não decorrem apenas do uso do sistema eletrônico, mas sem dúvida são por ele potencializados. Tanto que em abril de 2017, o CNJ divulgou resultados de pesquisa feita durante o ano de 2016, em relação à saúde dos magistrados e servidores brasileiros, indicando que as doenças mais recorrentes entre a categoria são as do sistema osteomuscular e do tecido conjuntivo (10,96%), seguidas das doenças do aparelho respiratório (10,42%); transtornos mentais e comportamentais (9,37%); doenças infeccionais e parasitárias (4,77%) e doenças do aparelho digestivo (4,45%). http://www.cnj.jus.br/noticias/cnj/84609-estudo-aponta-causas-de-doencas-entre-magistrados-e-servidores, acesso em agosto/2017. .

A cobrança de metas64 64 Trata-se de uma forma de “gestão de pessoal” própria da atividade privada, cujo “sucesso” se verifica especialmente a partir da década de 1970, com a reestruturação dos empreendimentos (gestão em rede) e a invasão da lógica japonesa de produção e cobrança nas atividades. ALVES, Giovanni. A subjetividade às avessas: toyotismo e “captura” da subjetividade do trabalho pelo capital. Cadernos de Psicologia Social do Trabalho. Vol. 11, n. 2. São Paulo, 2008, pp. 223-239. é outra questão estrutural a ser necessariamente enfrentada, se pretendemos uma Justiça do Trabalho comprometida com a democracia. Na Justiça do Trabalho, suas consequências são desastrosas: processos julgados em tempo recorde nem sempre traduzem o exame crítico e profundo das graves questões sociais que envolvem; juízes e servidores doentes sofrem com a insatisfação constante que decorre da impossibilidade de cumprir metas irreais. Os tribunais, pressionados pelos órgãos de cúpula, pressionam juízes. Os juízes, pressionados pelos tribunais, pressionam os servidores. Todos, submetidos a mesma regra da “Justiça em números”65 65 O Relatório Justiça em Números é regido pela Resolução CNJ 76, de 12 de maio de 2009, e compõe o Sistema de Estatísticas do Poder Judiciário (SIESPJ. No portal do CNJ consta: "Principal fonte das estatísticas oficiais do Poder Judiciário, anualmente, desde 2004, o Relatório Justiça em Números divulga a realidade dos tribunais brasileiros, com muitos detalhamentos da estrutura e litigiosidade, além dos indicadores e das análises essenciais para subsidiar a Gestão Judiciária brasileira”. , enquadram-se ou adoecem66 66 Já foram contabilizadas mais de seis mortes no Tribunal Regional do Trabalho da 2° Região. Cometeram suicídio no local de trabalho. http://epoca.globo.com/tempo/noticia/2016/08/mais-uma-morte-no-predio-dos-suicidas-em-sao-paulo.html, acesso em 20/10/2016. . A preocupação como quantidade assume lugar da preocupação com a qualidade e a efetividade das decisões67 67 Na apresentação do relatório de 2016, relativo ao ano de 2015, a Ministra Carmen Lucia admita que "o tempo do processo é um objeto de pesquisa de difícil apuração, pois são quase infinitas as combinações de situações de fato e de direito a caracterizarem cada ação judicial no Brasil”, do que decorre sua conclusão de que não há como saber "quais as causas para as maiores delongas, tampouco aclarará por completo o que faz com que muitos casos sejam bastante céleres”, a possibilidade de aferição dos resultados do Poder Judiciário a partir de critérios numéricos é exortado como um avanço. Consolidada a partir da alteração constitucional que cria o Conselho Nacional de Justiça, a gestão por metas é apresentada a partir da fixação de objetivos nacionais para o Poder Judiciário, definidos em 2009. Tais objetivos não consideram as diferenças entre as diversas regiões do país. A evolução apresentada no site do CNJ dá a medida exata do objetivo dessa espécie de gestão do Poder Judiciário: aumento da produtividade e, pois, da quantidade de processos “resolvidos”. Entre as prioridades, não estão questões relacionadas à realização dos direitos sociais fundamentais. A preocupação direciona-se à modernização, agilidade e eficiência. A Justiça deve julgar “uma quantidade de processos maior do que o número que entrou” no ano anterior. Disponível em http://www.cnj.jus.br/gestao-e-planejamento/metas, acesso em 16/10/2014. .

O adoecimento, que pode ser constatado de forma empírica, tornou-se relevante, a ponto de o CNJ estabelecer, através da Resolução 207/2015, uma Política de Atenção Integral à Saúde de magistrados e servidores do Poder Judiciário68 68 É evidente que uma regra escrita não tem o condão de mudar as condições de trabalho. Ao contrário, a necessidade de edição de uma Resolução para enfrentar o assunto faz concluir se trate de um problema efetivamente grave. Interessante é ver que as soluções propostas para atender a preocupação com a saúde de juízes e servidores sequer tangenciam a questão da excessiva cobrança de metas relativas à quantidade de trabalho, a inefetividade dos direitos ou o quanto um processo integralmente eletrônico implica prejuízos à saúde física e mental. Disponível em http://www.cnj.jus.br/noticias/cnj/80076-cnj-aprova-politica-de-saude-para-magistrados-e-servidores-do-judiciario , acesso em 25/11/10215. .

O compromisso da Justiça do Trabalho com a democracia passa por um caminho inverso, de qualidade para a realização do trabalho e de compromisso com a efetividade social das normas trabalhistas. Esse é o último ponto que queremos aqui destacar. Uma Justiça do Trabalho para a democracia é efetiva, não no sentido de resolver um número grande de processos, mas de promover reposição tempestiva das perdas, dar lugar de fala à classe trabalhadora, além de tornar o processo um “péssimo negócio” para quem agride a ordem jurídica.

6. Conclusão

A democracia não é um modelo de convívio social que necessariamente se opõe à lógica do capital. Ao contrário, revela-se extremamente útil à perpetuação das características desse modelo de trocas. Por isso mesmo, o capitalismo apresenta-se como guardião da democracia, ao mesmo tempo em que é um sistema de opressão de classe, sem que haja aí qualquer incoerência. Ainda assim, é um sistema que tem potencial transformador, na medida em que aposta e pressupõe a adoção de políticas públicas de inclusão social, buscando garantir condições de vida digna. O Direito do Trabalho, e a Justiça do Trabalho, aí se inserem.

O desmanche de direitos sociais sem qualquer reação efetiva, mesmo sob a lógica da Constituição de 1988, mostra a fragilidade (e a insuficiência) da democracia que praticamos, mas não autoriza descartá-la. O uso da Justiça do Trabalho como instrumento de estímulo à renúncia sistemática de direitos ou de aplicação invertida das regras trabalhistas, para o efeito de impedir o acesso ao Poder Judiciário, demonstra que não é suficiente construir uma instituição que dê lugar de fala à classe trabalhadora.

É indispensável compreendê-la como espaço para o exercício da cidadania, que não se esgota com a conquista de um discurso político comprometido com a inclusão social, mas sim com a efetiva alteração na distribuição da riqueza e consequente redução das desigualdades nas condições concretas de vida.

Desde a forma de seleção da magistratura, passando pelas políticas de organização judiciária (notadamente a cobrança de metas de produção), pela disciplina imposta ao juiz, até chegar à função que este agente político exerce no contexto das relações sociais, existem nítidas implicações políticas, econômicas e sobretudo ideológicas, na forma como atua a Justiça do Trabalho.

O desmanche que vem sendo promovido em relação aos direitos trabalhistas impressiona, sobretudo por não ser algo isolado. A reforma do ensino público, a reforma trabalhista e previdenciária compõem um mesmo cenário: um projeto de organização social no qual parece não haver espaço para direitos sociais. Nesse contexto, o Direito apresenta-se finalmente sem máscaras, como instrumento de perpetuação das diferenças, da concentração de renda e da exploração sem medidas, do homem e da natureza.

Diante disso, torna-se essencial, no campo da disputa jurídica por um discurso que permita condições, inclusive para questionar a ordem vigente, a ressignificação da função que a Justiça do Trabalho exerce, como espaço de cidadania, de revelação da dominação e de instrumento para garantir condições de vida que permitam pensar uma realidade para além do capital.

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    Daí porque Marx chega a afirmar que a sociedade capitalista, enquanto difunde a retórica da liberdade e da autonomia, consolida-se como uma sociedade do trabalho forçado, de tal modo que, se pudesse, o trabalhador dele fugiria como se foge de uma peste. O trabalho, nesse modelo de organização social, “não é, portanto, voluntário, mas forçado, trabalho obrigatório”, exatamente porque não decorre de mera escolha; é “satisfação de uma carência”, um meio para satisfazer necessidades fora dele. Por isso, o autor chega a concluir que em uma realidade capitalista, o estranhamento do trabalho é tamanho que, tão logo inexista coerção, “foge-se do trabalho como de uma peste” (p. 83). Mais adiante, ele afirma que a sociedade é a “sociedade burguesa, na qual cada indivíduo é um todo de carências, e apenas é para o outro, assim como o outro apenas é para ele, na medida em que se tornam reciprocamente meio”. MARX, Karl. Manuscritos econômico-filosóficos. São Paulo: Boitempo, 2008, p. 149.
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    Na precisa descrição de Pachukanis: “O Estado de direito é uma miragem, mas uma miragem extremamente conveniente para a burguesia, porque ela substitui a desvanecida ideologia religiosa, ela oculta às massas o fato da dominação da burguesia. […] O poder como “vontade geral”, como “poder do direito”, realiza-se na sociedade burguesa na medida em que esta última representa um mercado. Desse ponto de vista, até um regulamento de polícia pode apresentar-se diante de nós como a encarnação de ideia de Kant sobre a liberdade limitada pela liberdade do outro. Os possuidores de mercadorias livres e iguais que se encontram no mercado o são somente na relação abstrata de compra e venda. Na vida real eles são ligados uns aos outros por relações variadas de dependência. São o vendeiro e o grande atacadista, o camponês e o dono de terras, o devedor arruinado e seu credor, o proletário e o capitalista. Todas essas inúmeras relações de dependência de fato compõem a base genuína da organização do Estado. Entretanto, para a teoria jurídica do Estado elas não existem. Ademais, a vida do Estado forma-se a partir da luta das diversas forças políticas, ou seja, das classes dos partidos, de todos os grupos possíveis; aqui se revelam as reais molas que movem o mecanismo estatal”. PACHUKANIS, Evgeni. A teoria geral do direito e o marxismo e ensaios escolhidos (1921 - 1929). Coordenação Marcus Orione, Tradução Lucas Simone. São Paulo: Sundermann, 2017, p. 178.
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    Na arguta percepção de Marx: “Foi preciso esperar séculos para que o trabalhador “livre”, em consequência de um modo de produção capitalista desenvolvido, aceitasse livremente, isto é, fosse socialmente coagido a, vender a totalidade de seu tempo ativo de vida, até mesmo sua própria capacidade de trabalho, pelo preço dos meios de subsistência que lhe são habituais, e sua primogenitura por um prato de lentilhas. É natural, assim, que o prolongamento da jornada de trabalho, que o capital, desde o século XIV até o fim do século XVII, procurou impor aos trabalhadores adultos por meio da coerção estatal, coincida aproximadamente com a limitação do tempo de trabalho que, na segunda metade do século XIX, foi imposta aqui e ali pelo Estado para impedir a transformação do sangue das crianças em capital”. MARX, Karl. O Capital. Volume I. São Paulo: Boitempo, 2013, p. 434.
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    “É um processo totalizador cruel que dá forma a nossa vida em todos os aspectos (...), determinando a alocação do trabalho, lazer, recursos, padrões de produção, de consumo, e a organização do tempo. E assim se tornam ridículas todas as nossas aspirações à autonomia, à liberdade de escolha e ao autogoverno democrático”. WOOD, Ellenn Meiksins. Democracia contra capitalismo. A renovação do materialismo histórico. São Paulo: Boitempo, 2011, p. 22.
  • 5
    MARX, Karl. O Capital. Livro I. São Paulo: Boitempo, 2013, p. 167. Bem mais adiante, ele novamente pontua: “A propriedade de dinheiro, meios de subsistência, máquinas e outros meios de produção não confere a ninguém a condição de capitalista se lhe falta o complemento: o trabalhador assalariado, o outro homem, forçado a vender a si mesmo voluntariamente. (...) o capital não é uma coisa, mas uma relação social entre pessoas, intermediada por coisas”. (Idem, p. 836).
  • 6
    MARX, Karl. O Capital. Livro I. São Paulo: Boitempo, 2013, p. 250.
  • 7
    WOOD, Ellen Meiksins. Democracia contra capitalismo: a renovação do materialismo histórico. São Paulo: Boitempo, 2011, p. 45-7. A dificuldade que temos até hoje, de compreender greve como um movimento de ruptura da ordem (e, por consequência, a imposição de limites artificiais a esse fato social, como a pretensa proibição de greve política) decorre em alguma medida desse ocultamento da dominação, que o Estado promove como sua função genética, especialmente - mas não apenas - através do Direito.
  • 8
    PACHUKANIS, Evgeni. A teoria geral do direito e o marxismo e ensaios escolhidos (1921 - 1929). Coordenação Marcus Orione, Tradução Lucas Simone. São Paulo: Sundermann, 2017, p. 178.
  • 9
    O autor refere que existem dois aspectos que incrustram o autoritarismo na normalidade da vida burguesa, pois o estado capitalista “não pode enfrentar as condições de emergência sem um enrijecimento rápido e crescente, pelo qual a minoria mostra as suas garras (ou seja, revela o monopólio da dominação burguesa, que corresponde a um monopólio do poder político estatal). O Estado de exceção “brota do Estado democrático, em que está embutido”. FERNANDES, Florestan. Apontamentos sobre a Teoria do Autoritarismo. São Paulo: Expressão Popular, 2019, pp. 45-53.
  • 10
    O conceito é aqui compreendido na perspectiva de GramsciGRAMSCI, Antonio. Escritos Políticos. Volume I. Lisboa: Seara Nova, 1976., quando ele refere, por exemplo, que “o Estado foi sempre o protagonista da história, porque centraliza nos seus órgãos a potência da classe proprietária; a classe proprietária disciplina-se no Estado e unifica-se acima das dissidências e dos choques da concorrência para manter intacta a condigão de privilégio”. GRAMSCI, Antonio. Escritos Políticos. Volume I. Lisboa: Seara Nova, 1976, p. 354. Hegemonia é a dominação ideológica exercida pela classe dominante, na sociedade capitalista, que se manifesta justamente pela identificação dos interesses da classe dominante como interesses de toda a sociedade.
  • 11
    ZIZEK, SlavojZIZEK, Slavoj. Primeiro como Tragédia, depois como farsa. São Paulo: Boitempo, 2011.. Primeiro como Tragédia, depois como farsa. São Paulo: Boitempo, 2011, p. 114.
  • 12
    Não há espaço, aqui, para aprofundamento em que melhor explicite o teor dessa afirmação. Por isso, remeto à leitura do livro: SINGER, Andre et alSINGER, Andre et al. Por que gritamos golpe? Para entender o impeachment e a crise política no Brasil. Organizadores Ivana Jinkings, Kim Doria, Murilo Cleto. São Paulo: Boitempo, 2016.. Por que gritamos golpe? Para entender o impeachment e a crise política no Brasil. Organizadores Ivana Jinkings, Kim Doria, Murilo Cleto. São Paulo: Boitempo, 2016.
  • 13
    A MP 793, publicada um dia antes da votação, reflete reivindicação da bancada rural, que com isso garantiu a Temer seus 208 votos contrários ao processamento das acusações contra ele formuladas. A MP perdoa juros, parcela dívida e reduz a alíquota do FUNRURAL, num contexto em que esse mesmo governo alardeia a necessidade de reforma previdenciária ao argumento de que há déficit de arrecadação. (O teor da MP pode ser lido em http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2015-2018/2017/Mpv/mpv793.h, acesso em 07/8/2017.
  • 14
    https://www.bbc.com/portuguese/brasil-45635409, acesso em 01/3/2020.
  • 15
    https://g1.globo.com/politica/eleicoes/2018/noticia/2018/08/31/maioria-dos-ministros-do-tse-vota-pela-rejeicao-da-candidatura-de-lula.ghtml, acesso em 01/3/2020.
  • 16
    https://brasil.elpais.com/brasil/2018/10/18/actualidad/1539847547_146583.html, acesso em 01/3/2020.
  • 17
    Referimo-nos às decisões que reduzem prazo de prescrição do FGTS, chancelam cláusula de quitação geral em PDV ou permitem que negociação coletiva reduza parâmetro legal de proteção a quem trabalha, bem como das “reformas” que suprimem direitos e dificultam acesso à justiça. E, mais recentemente, à decisão proferida na ADI 6363, que considera constitucional a disposição da MP 936/2020, quando permite acordo individual para redução de salário e jornada, apesar da literalidade do artigo 7o da Constituição, quando trata do direito à irredutibilidade salarial.
  • 18
    Das mais de 758.000 pessoas presas, 33% não está condenada. https://www.novo.justica.gov.br/news/depen-lanca-paineis-dinamicos-para-consulta-do-infopen-2019, acesso em 01/3/2020.
  • 19
    HIRSCH, Joachim. Teoria Materialista do Estado. Rio de Janeiro: Revan, 2010, p. 35.
  • 20
    É de conhecimento público que os EUA, país símbolo do capitalismo, financiou e estimulou governos autoritários na América Latina, sob o fundamento do medo de que esses países buscassem, no comunismo, uma forma alternativa de sociedade. Sobre o tema: NEGRO, Antonio Luigi. Linhas de Montagem. São Paulo, Boitempo, 2004. Zizek refere que o potencial autêntico da democracia está perdendo espaço para um capitalismo autoritário, “cujos tentáculos vêm se aproximando cada vez mais do Ocidente” e que não tem se revelado incompatíveis com a forma-mercadoria. Ao contrário, por vezes servem à industrialização forçada da sociedade. ZIZEK, Slavoj. Primeiro como Tragédia, depois como farsa. São Paulo: Boitempo, 2011, p. 117.
  • 21
    MASCARO, Alysson LeandroMASCARO, Alysson Leandro. Estado e Forma Política. São Paulo: Boitempo, 2013.. Estado e Forma Política. São Paulo: Boitempo, 2013, p. 87.
  • 22
    AlthusserALTHUSSER, Louis. A Favor de Marx. Rio de Janeiro: Zahar, 1979. refere, em um de seus estudos, que a ideologia não habita a consciência individual. Antes, torna-se Ideologia justamente porque “é profundamente inconsciente, se impõe à imensa maioria dos homens sem passar por sua consciência”. ALTHUSSER, Louis. A Favor de Marx. Rio de Janeiro: Zahar, 1979, p. 206. Noutra obra, retoma a discussão, para referir que existem aparelhos ideológicos de Estado que reproduzem continuamente a forma mercadoria. A reprodução do sistema do capital opera na subjetividade, através de formas sociais. Os indivíduos constituem as estruturas, ao mesmo tempo em que as estruturas se constituem com os indivíduos. Isso não é, porém, consciente ou propriamente intencional. O motor que opera as estruturas sociais é o inconsciente da subjetividade. Isso, para Althusser, é Ideologia. Então, a Ideologia representa a “relação imaginária dos indivíduos com as suas condições reais de existência” e não mais simplesmente o que habita o mundo das ideias. E se verifica sempre através dos aparelhos de Estado e de suas práticas. Nesse sentido, a Ideologia passa a ter existência material e pode ser combatida. ALTHUSSER, Louis. Ideologia e os Aparelhos Ideológicos de Estado. 3a edição. Lisboa: Editorial Presença, 1980, p. 84.
  • 23
    MIGUEL, Luís FelipeMIGUEL, Luís Felipe. Dominação e resistência: Desafios para uma política emancipatória. São Paulo: Boitempo, 2018.. Dominação e resistência: Desafios para uma política emancipatória. São Paulo: Boitempo, 2018, p. 74.
  • 24
    Já tivemos a oportunidade de escrever recentemente, em relação aos ataques que o Direito do Trabalho e a Justiça do Trabalho são alvos: “o próximo passo pretendido é bastante evidente: extinguir a Justiça do Trabalho. É que ela, cumprindo o seu dever funcional de aplicar o direito, em correspondência com os princípios e conceitos trabalhistas, apresenta-se aos olhos do capital como um impeditivo à instauração do caos jurídico trabalhista que lhes interessaria, economicamente, de forma imediata. Como se viu, no breve relato histórico apresentado, é secular a miopia nacional acerca das consequências sociais advindas do desprezo aos direitos trabalhistas; consequências que, inclusive, atingem empresários e que se apresentam também pelo aumento da miséria e da violência urbana. Não se pode, pois, simplesmente, ficar à espera de que justo agora, em 2018, a consciência sobre a importância do Direito do Trabalho sobrevenha espontaneamente dos detentores do capital. Assim, mais do que meramente resistir, é preciso lutar - no sentido simbólico do termo - para que, ao menos, os imperativos constitucionais da dignidade humana, dos valores sociais do trabalho e da livre iniciativa, da solidariedade, da redução das desigualdades, da eliminação de toda forma de discriminação e preconceito e da justiça social sejam, obrigatoriamente, respeitados por todos os cidadãos e por todas as instituições”. SOUTO MAIOR, Jorge Luis. SEVERO, Valdete Souto. (Coord). Resistência II: Crítica e Defesa da Justiça do Trabalho. São Paulo: Expressão Popular, 2018, p. 15.
  • 25
    Idem, p. 18.
  • 26
    Nos dois relatórios acerca do PLC 38, que resultou a Lei 13.467/17, aprovada em 13 de julho, tanto o Dep. Rogério Marinho quanto o Senador Ricardo Ferraço insistiram na suposta necessidade de controlar a atuação da Justiça do Trabalho em prol do respeito e da efetividade de direitos trabalhistas. É claro, portanto, que o capital admite a existência de uma legislação social, desde que ela nunca passe de mera retórica. Qualquer inclinação no sentido de sua efetividade, por mais tímida que seja, merece uma repressão extrema.
  • 27
    A evolução histórica das regras trabalhistas apresentada por Héctor-Hugo BarbagelataBARBAGELATA, Hector-Hugo. Curso sobre La Evolucion del Pensamiento Juslaboralista. Montevideo: Fundación de Cultura Universitária, 2009. Ver também: BARBAGELATA, Hector-Hugo. El Particularismo Del Derecho Del Trabajo. Montevideo: Fundacion de Cultura Universitaria, 1995. revela que seu surgimento decorre da necessidade de combater a realidade social propiciada pelo capitalismo, e não simplesmente regulá-la. BARBAGELATA, Hector-Hugo. Curso sobre La Evolucion del Pensamiento Juslaboralista. Montevideo: Fundación de Cultura Universitária, 2009. Ver também: BARBAGELATA, Hector-Hugo. El Particularismo Del Derecho Del Trabajo. Montevideo: Fundacion de Cultura Universitaria, 1995.
  • 28
    MARX, Karl. O Capital. Livro I. São Paulo: Boitempo, 2013, p. 558.
  • 29
    “Em maio de 1932, foi editado o Decreto n. 21.396, instituindo as Comissões Mistas de Conciliação, no âmbito do Ministério do Trabalho, Indústria e Comércio, com o fim específico de difundir a ideia de conciliação para a solução dos conflitos coletivos entre empregados e empregadores. Na mesma linha de priorizar a conciliação, o Decreto n. 22.132, de 25 de novembro de 1932, cria as Juntas de Conciliação e Julgamento, também no âmbito do Ministério do Trabalho, Indústria e Comércio, para a solução de conflitos individuais, limitando o acesso aos empregados vinculados aos sindicatos reconhecidos pelo Estado. É interessante notar que nem mesmo os sindicatos dos trabalhadores, então existentes, assumiram a importância da legislação trabalhista advinda, acusando-a de fascista, sobretudo em razão da imposição de atrelamento do sindicato ao Estado”. SOUTO MAIOR, Jorge Luis. SEVERO, Valdete Souto. (Coord). Resistência II: Crítica e Defesa da Justiça do Trabalho. São Paulo: Expressão Popular, 2018, p. 14.
  • 30
    https://g1.globo.com/economia/noticia/2020/02/14/desemprego-cai-em-16-estados-em-2019-aponta-ibge.ghtml, acesso em 16/2/2020.
  • 31
    Quando trata do adoecimento no trabalho, DejoursDEJOURS, Christophe. A loucura do trabalho: estudo de psicopatologia do trabalho. 5a edição ampliada. 12a reimpressão. São Paulo: Cortez-Oboré, 1992. refere-se às relações de dominação e ocultação. “Dominação da vida mental do operário pela organização do trabalho. Ocultação e coarctação de seus desejos no esconderijo secreto de uma clandestinidade imposta”. Estimulada pelo que o autor denomina “ideologia da vergonha”, na qual “a sexualidade, a gravidez ou a doença, tudo deve ser recoberto de silencio. O corpo só pode ser aceito no silêncio "dos órgãos"; somente o corpo que trabalha, o corpo produtivo do homem, o corpo trabalhador da mulher são aceitos; tanto mais aceitos quanto menos se tiver necessidade de falar deles. (...) Para o homem a doença corresponde sempre à ideologia da vergonha de parar de trabalhar”. DEJOURS, Christophe. A loucura do trabalho: estudo de psicopatologia do trabalho. 5a edição ampliada. 12a reimpressão. São Paulo: Cortez-Oboré, 1992, pp. 26-32. Eles está se referindo ao trabalhador individual, mas não é difícil compreender que no momento em que a maioria absoluta das pessoas é colocada nessa mesma situação, o que se está promovendo é uma violência contra a humanidade de cada componente da classe trabalhadora.
  • 32
    Quando o trabalho passa a ser condição para a sobrevivência, o conflito é algo constitutivo e constituinte das relações sociais. Por isso, Marx estuda a relação social de trabalho, em lugar de seus protagonistas, e refere textualmente que, independentemente de quem seja, o “capitalista faz valer seus direitos como comprador quando tenta prolongar o máximo possível a jornada de trabalho e transformar, onde for possível, uma jornada de trabalho em duas”. Por sua vez, o trabalhador “faz valer seu direito como vendedor quando quer limitar a jornada de trabalho a uma duração normal determinada”. A relação social de trabalho é, necessariamente, uma relação de conflito entre dominantes e dominados. Essa antinomia que o Estado de Direito define a partir de uma lógica de (falsa) igualdade, de “um direito contra outro direito, ambos igualmente apoiados na lei da troca de mercadorias”, gera o efeito automático de que “entre direitos iguais, quem decide é a força”. Marx, então, demonstra como a regulamentação da jornada de trabalho se apresenta, “na história da produção capitalista, como uma luta em torno dos limites da jornada de trabalho - uma luta entre o conjunto dos capitalistas, i.e., a classe capitalista, e o conjunto dos trabalhadores, i.e., a classe trabalhadora”. MARX, Karl. O Capital. Volume I, São Paulo: Boitempo, 2013, p. 393.
  • 33
    Luis Felipe Miguel menciona, como exemplos de resistência, “o trabalhador pauperizado que furta bens de seu local de trabalho a fim de complementar sua renda” e que está, desse modo, manifestando sua inconformidade com a apropriação da riqueza pelo capital, ou o trabalhador “que se nega a aprender a operar adequadamente uma nova máquina, por “indolência” ou por “burrice””, e que está “negando o direito do burguês de determinar o processo de trabalho”, ou ainda o trabalhador que “dissemina maledicências sobre os capatazes e sobre os patrões” e, desse modo, subverte as hierarquias sociais estabelecidas e põe em xeque o discurso legitimador da meritocracia. MIGUEL, Luís Felipe. Dominação e resistência: Desafios para uma política emancipatória. São Paulo: Boitempo, 2018, p. 82.
  • 34
    Os exemplos são inúmeros. Desde o simples fato de que, sendo condição para sobrevivência, o trabalho é - como disse Marx - trabalho obrigatório, estranhado, até as características que esse trabalho por conta alheia assume, com a lógica de disciplinamento, a cobrança de metas, as possibilidades de dispensa, o assédio estrutural, etc.
  • 35
    O fato de que as pessoas agem como se essa não fosse uma agressão cotidiana, assujeitadora e extremamente violenta, só se explica pela reprodução de uma ideologia que disfarça a dominação. Judith ButlerBUTLER, Judith. Corpos em aliança e a política das ruas. Notas para uma teoria performativa de assembléia. Rio de Janeiro: Civilização brasileira, 2018., quando se refere à vulnerabilidade, formula a seguinte afirmação: “Você age como se nunca pudesse vir a pertencer a uma população cujo trabalho e cuja vida são precários, que pode, de repente, ser privada de direitos básicos ou do acesso a moradia ou cuidados médicos, e que vive angustiada sem saber se o trabalho vai chegar algum dia”. O que a autora se pergunta é como é possível, em uma sociedade formada por quem depende do trabalho para sobreviver e que, portanto, está sistematicamente sujeito à violência de ter que trabalhar para se sustentar, é possível agir como se não houvesse vulnerabilidade e se identificar bem mais com os dominadores do que com os dominados. Negar a vulnerabilidade (ou, melhor seria dizer, a violência) de modo obstinado, é o que de certo modo torna suportável nossa forma de organização social. Como refere Bulter, “se alguém está ligado a outra pessoa contra a própria vontade, mesmo quando, ou precisamente quando, um contrato é o meio de subjugação, essa ligação pode ser literalmente enlouquecedora, uma forma imposta e inaceitável de dependência”. E arremata: “a única razão pela qual você consideraria tentar se juntar a alguém que poderia matá-lo é porque essa é a única maneira que você imagina de continuar vivo”. BUTLER, Judith. Corpos em aliança e a política das ruas. Notas para uma teoria performativa de assembléia. Rio de Janeiro: Civilização brasileira, 2018, p. 166.
  • 36
    Nas palavras de Marx, as “primeiras criações do moderno modo de produção, nas fiações e tecelagens de algodão, lã, linho e seda” eram determinadas por um impulso do capital para a prolongação a todo custo da jornada de trabalho, que de início foi satisfeito. Entretanto, os abusos desmedidos provocaram, durante a primeira metade do século XIX, a necessidade de um controle que, de início, “aparece como mera legislação de exceção”. A legislação trabalhista foi, nas palavras de Marx, “obrigada a livrar-se progressivamente de seu caráter excepcional”, porque a luta que ainda se trava por essa regulação prova que, “quando o modo de produção capitalista atinge certo grau de amadurecimento, o trabalhador isolado, o trabalhador como “livre” vendedor de sua força de trabalho, sucumbe a ele sem poder de resistência. A criação de uma jornada normal de trabalho é, por isso, o produto de uma longa e mais ou menos oculta guerra civil entre as classes capitalista e trabalhadora". MARX, Karl. O Capital. Volume I, São Paulo: Boitempo, 2013, p. 464. Além de desvendar o que compreende por luta de classes (a oposição estrutural e, portanto, o conflito inerente à condição de dominados e dominantes em uma realidade capitalista), Marx explicita, nessa passagem, porque o Direito do Trabalho e seu locus institucional de realização, a Justiça do Trabalho, desvelam a violência estrutural (a “guerra civil”) que habita as relações sociais de trabalho, limitam sua intensidade e, com isso, criam potencial para a sua superação.
  • 37
    Como refere Mario Elffman, “os juízes do trabalho são, na maioria das vezes, a única e a última oportunidade de obtenção da tutela” dos direitos fundamentais sociais do trabalho. Portanto, “não devem nem podem ser indiferentes àquela verdade” de que não há democracia enquanto os direitos trabalhistas não forem respeitados. Precisam saber diferenciar imparcialidade de neutralidade e assumir compromisso com a função que exercem: de atuar para a realização dos direitos do trabalhador”. ELFFMAN, MarioELFFMAN, Mario. Questões e questionamentos sobre a Justiça do Trabalho. Porto Alegre: HS Editora, 2014.. Questões e questionamentos sobre a Justiça do Trabalho. Porto Alegre: HS Editora, 2014, p. 89.
  • 38
    https://www.cnj.jus.br/wp-content/uploads/2015/06/f247f5ce60df2774c59d6e2dddbfec54.pdf, acesso em 16/2/2020.
  • 39
    HILLESHEIM, JaimeHILLESHEIM, Jaime. Conciliação trabalhista: ofensiva sobre os direitos dos trabalhadores na periferia do capitalismo. Rio de Janeiro, Lumen Juris, 2016.. Conciliação trabalhista: ofensiva sobre os direitos dos trabalhadores na periferia do capitalismo. Rio de Janeiro, Lumen Juris, 2016, p. 65.
  • 40
    Basta ver a Resolução n.° 125 do CNJ prevê que as “boas práticas” de conciliação; a Resolução n.° 70, estabelecendo Planejamento e Gestão Estratégica para conciliar ou a Resolução n.° 198 do CNJ, sobre o fomento de meios extrajudiciais para resolução negociada de conflitos. Tudo na linha dos três pactos republicanos firmados em 2004, 2009 e 2012, por um Poder Judiciário “mais acessível, agil e efetivo”. Veja-se, por exemplo, o inteiro teor do II Pacto em http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Outros/IIpacto.htm, acesso em 16/2/2020.
  • 41
    Como refere Jaime, “a partir de 2012, além de homenagear magistrados e servidores da justiça federal, estadual e do trabalho, o CNJ também passou a premiar as práticas jurídicas desenvolvidas nas faculdades de direito e na sociedade civil organizada que, de alguma forma, buscam aquele intento”. HILLESHEIM, Jaime. Conciliação trabalhista: ofensiva sobre os direitos dos trabalhadores na periferia do capitalismo. Rio de Janeiro, Lumen Juris, 2016, p. 128.
  • 42
    Acusa-se não apenas os Juízes de deferirem tudo, como também os trabalhadores de faltarem propositadamente às audiências para “irem pescar” ou para “irem para uma cabana na beira da praia”. Ver debate: https://www.youtube.com/watch?v=7L0IiiN3teg&feature=share, acesso em 03/9/2017.
  • 43
    De acordo com o Observatório Digital de Saúde e Segurança do Trabalho, de 2012 a 2018, o Brasil registrou 16.455 mortes e 4.5 milhões acidentes. Há uma morte no trabalho a cada 3h40min e um acidente de trabalho a cada 49 segundos. http://www.fundacentro.gov.br/estatisticas-de-acidentes-de-trabalho/inicio, acesso em 04/11/2019.
  • 44
    O dispositivo estabelece que “tratando-se de ação que envolva pedido de prestações sucessivas decorrente de alteração ou descumprimento do pactuado, a prescrição é total, exceto quando o direito à parcela esteja também assegurado por preceito de lei”.
  • 45
    Nos contratos individuais de trabalho cuja remuneração seja superior a duas vezes o limite máximo estabelecido para os benefícios do Regime Geral de Previdência Social, poderá ser pactuada cláusula compromissória de arbitragem, desde que por iniciativa do empregado ou mediante a sua concordância expressa.
  • 46
    Em texto brilhante, escrito ainda em 2008, Jorge Souto Maior sintetiza o problema: "A melhora em certas condições de trabalho, acompanhada de um traço de liberdade, traz uma perigosa aparência de que a correlação entre capital e trabalho deixou de representar aquilo que efetivamente é: a mera venda da força de trabalho, ou o trabalho em troca de salário (daí porque até mais correto do que falar em trabalhador subordinado é tratá-lo, como antigamente, de trabalhador assalariado)”. SOUTO MAIOR, Jorge Luiz. A Supersubordinação - Invertendo a lógica do jogo. Revista do Tribunal Regional do Trabalho 3ª Região, Belo Horizonte, v. 48, n. 78, p. 157-194, jul./dez. 2008.
  • 47
    Processo nº 0010571-27.2017.5.15.0152, Relator Desembargador Jorge Luiz Souto Maior, disponível em https://trt15.jus.br/jurisprudencia/consulta-de-jurisprudência, acesso em 12/3/2020.
  • 48
    Uma pesquisa realizada em 2008, pelas sociólogas Elina Pessanha e Regina Morel, da Universidade Federal do Rio de Janeiro, e pela pesquisadora Angela de Castro Gomes, da Fundação Getúlio Vargas do Rio, após entrevistar 2.746 juízes trabalhistas no país, revelou que 43% dos magistrados eram mulheres, sendo que em segundo grau de jurisdição esse número cai para 36,5%. Metade dos juízes tinham menos de 40 anos, 86% se declararam de cor branca. Apenas 1,2% se diziam negros. A maioria dos juízes dizia acreditar que sua função é especialmente relevante para o equilíbrio entre o capital e o trabalho. http://www.conjur.com.br/2008-mai-04/juiz_trabalhista_jovem_branco_progressista, acesso em julho/2017. Esses dados, embora sejam um recorte que talvez não reflita a exata realidade, são importantes por indicarem a classe social de onde vem - em regra - o Juiz. Se a maioria absoluta é branca, do sexo masculino e de cor branca, em um país formado por uma maioria de negros e pardos, e de mulheres, não é difícil concluir haja direta relação entre a classe social e as chances de passar em um concurso para a magistratura do trabalho. Confirma essa percepção o conjunto de resultados apresentados pelo Censo dos Magistrados, realizado pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ) em 2013, também apontou que 64% dos juízes são do sexo masculino e que eles representam 82% dos ministros dos tribunais superiores. A maioria da magistratura é casada ou está em união estável (80%) e tem filhos (76%). A idade média de juízes, desembargadores e ministros é de 45 anos. 84,5% dos juízes entrevistados declararam ser brancos, 14% se consideram pardos, 1,4%, pretos e 0,1%, indígenas. O estudo foi realizado pelo Departamento de Pesquisas Judiciárias (DPJ/CNJ) entre 4 de novembro e 20 de dezembro de 2013. http://www.cnj.jus.br/noticias/cnj/61806-pesquisa-do-cnj-aponta-perfil-dos-magistrados-brasileiros, acesso em julho/2017.
  • 49
    A estratégia de realizar concurso único, em Brasília, por exemplo, elimina da “concorrência" candidatos pobres, que não tenham condições de pagar hospedagem e passagens aéreas, para se submeter ao certame. A adoção da chamada "nota de corte” e a realização de provas objetivas que privilegiam o conteúdo de súmulas e textos legais também pode constituir entrave para o ingresso, na magistratura do trabalho, de pessoas cujo perfil realmente se identifique com a “questão social” que ali é tratada.
  • 50
    O conceito de ideologia como ciência que estuda as ideias, foi revisitado a partir da consolidação da sociedade do capital. Passou a ser associado a um discurso recheado de pré-juízos, ligado à tradição, à velha ordem feudal. Por isso era preciso rejeitar esse discurso: o discurso da modernidade passou a ser considerado “não ideológico”. Havia uma necessidade de superação dos dogmas e da tradição representada pelas verdades medievais. SEVERO, Valdete Souto. Elementos para o uso transgressor do Direito do Trabalho: compreendendo as relações sociais de trabalho no Brasil e a função do Direito diante das possibilidades de superação da forma capital. São Paulo: LTr, 2015, p. 31.
  • 51
    Constituição Federal, Art. 95, parágrafo único. Aos juízes é vedado: I - exercer, ainda que em disponibilidade, outro cargo ou função, salvo uma de magistério; II - receber, a qualquer título ou pretexto, custas ou participação em processo; III - dedicar-se à atividade político-partidária; IV receber, a qualquer título ou pretexto, auxílios ou contribuições de pessoas físicas, entidades públicas ou privadas, ressalvadas as exceções previstas em lei; V exercer a advocacia no juízo ou tribunal do qual se afastou, antes de decorridos três anos do afastamento do cargo por aposentadoria ou exoneração.
  • 52
    A ideia de que Juiz não é eleito, nem pode assumir atividades político-partidárias, é tributária de uma noção clássica da atividade judicial, pela qual tem o Juiz por função analisar o caso concreto e a ele aplicar a previsão normativa, sem preocupar-se com a justiça ou as consequências políticas que daí decorram. Então, quanto mais afastado da vida política ele estiver, tanto melhor. Até hoje, juízes que se posicionam acerca de matérias políticas são alvo de críticas e, não raro, de perseguições. Como observa Althusser, o poder judicial é concebido para ser "invisível e como que nulo”. O Juiz é idealizado para ser apenas "uma presença e uma voz. É um homem cuja função consiste exclusivamente em ler e em dizer a lei”. ALTHUSSER, Louis. Montesquieu - a Política e a História. Trad. Luz Cary e Luisa Costa. 2ª ed.: Martins Fontes, p. 133.
  • 53
    Disponível em . A AJD - Associação Juízes para a Democracia tem nota sobre o tema: https://www.ajd.org.br/noticias/2454-cnj-redes-sociais, acesso em 28/2/2020 e sobre o uso seletivo dessa resolução https://www.ajd.org.br/noticias/2537-nota-publica-ajd-contra-a-censura, acesso em 02/3/2020.
  • 54
    Como alerta DallariDALLARI, Dalmo de Abreu. O poder dos Juízes. São Paulo: Saraiva 2002., é extremamente perigoso o Juiz que acredita exercer sua atividade de modo isento: “Foram eles os que aceitaram, passivamente e sem qualquer perturbação de consciência, os “atos institucionais” impostos como leis superiores pelas ditaduras da América Latina em décadas recentes. São eles os que, em todo o mundo, aplicam sem reflexão, como se fosse indiscutivelmente normal, a “lei do governo”, sem importar-lhes de que governo, nem tampouco a justiça ou a injustiça da imposição, desde que tenha uma aparência legal. Esse é o comportamento que mais frequentemente compromete o prestígio do Poder Judiciário, contribuindo muito para que ele seja visto como “uma forma legal de promover injustiças”, segundo a palavras de Marcel Camus e James Baldwin. Também esses juízes são cúmplices, não tão inconscientes, da impunidade dos violadores de direitos humanos”. E segue afirmando que a “cumplicidade e a indiferença dos juízes e cúpulas judiciais são elementos com os quais contam os governos injustos para assegurar a impunidade dos violadores de direitos humanos". Sem juízes bem informados, "conscientes de sua responsabilidade social e verdadeiramente comprometidos com a justiça”, não há como pretender a efetividade dos direitos humanos e fundamentais. DALLARI, Dalmo de Abreu. O poder dos Juízes. São Paulo: Saraiva 2002, p. 40-1.
  • 55
    VIANA, Márcio Túlio; VIANA Anamaria Fernandes. O juiz, operário e o bailarino: relações entre o palco, a fábrica e a sala de audiências. Belo Horizonte: RTM, 2016, p. 64.
  • 56
    O STF tem auxiliado a reforçar essa lógica. No julgamento da ADC 16 estabeleceu que a responsabilidade de ente público, quando terceiriza, depende de demonstração de culpa. Na ADI 1923 de 1998, o STF declarou constitucional a Lei n. 9.637/98, reconhecendo a possibilidade de transpasse, pelo administrador, de serviços públicos ao setor privado, nas áreas da saúde, educação, cultura, desporto e lazer, na ciência e tecnologia e no meio ambiente. Há, pois, claro incentivo à continuação do repasse de força de trabalho e, com isso, do desrespeito à norma constitucional que determina a contratação por via do concurso público.
  • 57
    É o resultado de um evento realizado em novembro de 1989, para o qual se reuniram na capital dos Estados Unidos funcionários do governo norte-americano e dos organismos financeiros internacionais ali sediados - FMI, Banco Mundial e BID - especializados em assuntos latino-americanos. O encontro foi convocado pelo Institute for International Economics, sob o título "Latin American Adjustment: How Much Has Happened?”. Seu objetivo era avaliar as reformas econômicas empreendidas nos países latino americanos.
  • 58
    Ali propôs a observância da cartilha do Consenso de Washington, e ainda, na linha do documento do Banco Mundial de 1989, intitulado "Trade Policy in Brazil: the Case for Reform”, a inserção internacional dos países periféricos, através da revalorização da agricultura de exportação, propostas que foram encampadas por Collor. Paulo Nogueira BatistaALTHUSSER, Louis. Ideologia e os Aparelhos Ideológicos de Estado. 3a edição. Lisboa: Editorial Presença, 1980. salienta o apoio da imprensa, que "por meio de editoriais ou de articulistas entusiastas do novo velho credo, alguns de passado esquerdista, colocaria na defensiva todos os que não se dispusessem a aderir à autodenominada "modernização pelo mercado", qualificando-os automaticamente como retrógrados ou "dinossauros". BATISTA, Paulo Nogueira. O Consenso de Washington: a visão neoliberal dos problemas latino-americanos. Disponível em http://www.consultapopular.org.br/sites/default/files/consenso%20de%20washington.pdf, acesso em setembro/2016.
  • 59
    No Brasil, três Pactos Republicanos por um Poder Judiciário célere e eficaz foram firmados em 2004, 2009 e 2011, nos quais as mesmas premissas estavam presentes: controle externo do Poder Judiciário e revisão processual capaz de garantir a “necessária” previsibilidade das decisões; necessidade de um processo judicial eletrônico, que desse uniformidade aos procedimentos, e necessidade de retirar o Estado do cenário de resolução dos conflitos sociais. http://www2.stf.jus.br/portalStfInternacional/cms/verConteudo.php?sigla=portalStfDestaque_pt_br&idConteudo=173547, acesso em maio/2017.
  • 60
    O Legislativo tem editado um número expressivo de leis que interferem diretamente no tipo de Estado e de sociedade que podemos construir e, por consequência, nas possibilidades de atuação do Poder Judiciário. A Emenda Constitucional n. 95, que congela gastos sociais por vinte anos; as Leis 13.429, 13.467 e 13.874, assim como a EC 103 (“nova” previdência) desconfiguram o direito e o processo que regem as relações de trabalho. Todas essas medidas estão ordenadas em um mesmo sentido e dialogam entre si. As MP´s 905, que já perdeu vigência; 927 e 936 promovem ainda mais descostura, agravando uma situação já marcada pela ocorrência da pandemia da COVID-19.
  • 61
    O Processo Judicial Eletrônico (PJe), lançado oficialmente em 21 de junho de 2011, vem sendo utilizado de modo exclusivo desde 03 de fevereiro de 2014, para o trâmite de novos processos. Os processos em andamento também estão sendo migrados do sistema e-CNJ para o PJe. http://www.cnj.jus.br/tecnologia-da-informacao/processo-judicial-eletronico-pje, acesso em agosto/2017.
  • 62
    Como já afirmamos, existem “três grandes frentes” que estão sendo utilizadas para a redução da função do Poder Judiciário a um “reprodutor e agente da lógica do capital: o incentivo à conciliação, a imposição de metas e a informatização dos procedimentos”: “O Poder Judiciário brasileiro já adota a lógica de produção Fordista, instituindo uma verdadeira “linha de produção eletrônica” com o Processo Judicial Eletrônico. A forma como as audiências são propostas, notadamente na Justiça do Trabalho, com a invenção da “audiência inicial”, marcada a cada 2 ou 5 minutos, com o objetivo muitas vezes de estimular (para não dizer forçar) uma conciliação, já constituem mecanismos de destituição da função julgadora que se atribui ao Poder Judiciário. Os processos viram números e a conciliação torna-se a meta, porque está a serviço da eficiência numérica da eliminação de processos. No novo CPC, a palavra “eletrônico” aparece 81 vezes. Com essa nova “ferramenta”, Juízes e servidores não precisam mais manusear os velhos processos de papel, seus movimentos são otimizados. Sequer há necessidade de se deslocar de seus postos de trabalho, o processo chega até eles por uma esteira de montagem virtual. Longe da realidade das partes envolvidas no processo, necessariamente ocupado em preencher os espaços e cumprir as etapas do processo eletrônico, o juiz está cada vez mais apto a conciliar a qualquer custo. Assim, o Programa de Metas, a ideia de que Conciliar é legal e o Processo Judicial Eletrônico visam, conjuntamente, a eliminar ao máximo a “porosidade” do trabalho, numa lógica própria do sistema capitalista de produção, que consiste na captura do tempo e da subjetividade. Transforma-se o processo, em si mesmo, em um problema a ser enfrentado. O objetivo final é a redução pela eliminação dos processos, sem que o Poder Judiciário sequer examine ou mesmo tome conhecimento do conflito social subjacente. É importante observar que nesse quadro, o CNJ surge e se “qualifica” como um agente desse roubo do tempo, desse aniquilamento forçado das subjetividades, dessa transformação da função judiciária numa questão empresarial (de gestão na busca de resultados). SOUTO MAIOR, Jorge Luiz. SEVERO, Valdete Souto. O processo do trabalho como instrumento do Direito do Trabalho e as ideias fora de lugar do novo CPC. São Paulo: LTr, 2015.
  • 63
    Um estudo realizado em 2011, sobre a Situação de Saúde e Condições para o exercício do trabalho dos magistrados trabalhistas de Minas Gerais, feito pela Dra. Ada Avila Assunção, da UFMG, revelou que há uma rotina de trabalho intenso, inclusive em finais de semana e férias (70,4% dos entrevistados declarou que trabalha em fins de semana, mesmo quando está muito cansado; 69,5% se alimentam em horários irregulares por causa do trabalho). Além disso, 33,2% dos entrevistados havia fruído licença médica nos últimos 30 dias; 17,5% fazem uso de medicação para depressão e ansiedade. 41,5% tem diagnóstico médico de depressão; 53,8% dormem mal; 50,9% são vítimas frequentes de insônia; 37,8% sentiam-se tristes no momento em que foram entrevistados e 15,1% declararam estar chorando mais do que de costume nos últimos tempos. (https://www.anamatra.org.br/attachments/article/54/00002920.pdf, acesso em agosto/2017) Esses dados não decorrem apenas do uso do sistema eletrônico, mas sem dúvida são por ele potencializados. Tanto que em abril de 2017, o CNJ divulgou resultados de pesquisa feita durante o ano de 2016, em relação à saúde dos magistrados e servidores brasileiros, indicando que as doenças mais recorrentes entre a categoria são as do sistema osteomuscular e do tecido conjuntivo (10,96%), seguidas das doenças do aparelho respiratório (10,42%); transtornos mentais e comportamentais (9,37%); doenças infeccionais e parasitárias (4,77%) e doenças do aparelho digestivo (4,45%). http://www.cnj.jus.br/noticias/cnj/84609-estudo-aponta-causas-de-doencas-entre-magistrados-e-servidores, acesso em agosto/2017.
  • 64
    Trata-se de uma forma de “gestão de pessoal” própria da atividade privada, cujo “sucesso” se verifica especialmente a partir da década de 1970, com a reestruturação dos empreendimentos (gestão em rede) e a invasão da lógica japonesa de produção e cobrança nas atividades. ALVES, Giovanni. A subjetividade às avessas: toyotismo e “captura” da subjetividade do trabalho pelo capital. Cadernos de Psicologia Social do Trabalho. Vol. 11, n. 2. São Paulo, 2008, pp. 223-239.
  • 65
    O Relatório Justiça em Números é regido pela Resolução CNJ 76, de 12 de maio de 2009, e compõe o Sistema de Estatísticas do Poder Judiciário (SIESPJ. No portal do CNJ consta: "Principal fonte das estatísticas oficiais do Poder Judiciário, anualmente, desde 2004, o Relatório Justiça em Números divulga a realidade dos tribunais brasileiros, com muitos detalhamentos da estrutura e litigiosidade, além dos indicadores e das análises essenciais para subsidiar a Gestão Judiciária brasileira”.
  • 66
    Já foram contabilizadas mais de seis mortes no Tribunal Regional do Trabalho da 2° Região. Cometeram suicídio no local de trabalho. http://epoca.globo.com/tempo/noticia/2016/08/mais-uma-morte-no-predio-dos-suicidas-em-sao-paulo.html, acesso em 20/10/2016.
  • 67
    Na apresentação do relatório de 2016, relativo ao ano de 2015, a Ministra Carmen Lucia admita que "o tempo do processo é um objeto de pesquisa de difícil apuração, pois são quase infinitas as combinações de situações de fato e de direito a caracterizarem cada ação judicial no Brasil”, do que decorre sua conclusão de que não há como saber "quais as causas para as maiores delongas, tampouco aclarará por completo o que faz com que muitos casos sejam bastante céleres”, a possibilidade de aferição dos resultados do Poder Judiciário a partir de critérios numéricos é exortado como um avanço. Consolidada a partir da alteração constitucional que cria o Conselho Nacional de Justiça, a gestão por metas é apresentada a partir da fixação de objetivos nacionais para o Poder Judiciário, definidos em 2009. Tais objetivos não consideram as diferenças entre as diversas regiões do país. A evolução apresentada no site do CNJ dá a medida exata do objetivo dessa espécie de gestão do Poder Judiciário: aumento da produtividade e, pois, da quantidade de processos “resolvidos”. Entre as prioridades, não estão questões relacionadas à realização dos direitos sociais fundamentais. A preocupação direciona-se à modernização, agilidade e eficiência. A Justiça deve julgar “uma quantidade de processos maior do que o número que entrou” no ano anterior. Disponível em http://www.cnj.jus.br/gestao-e-planejamento/metas, acesso em 16/10/2014.
  • 68
    É evidente que uma regra escrita não tem o condão de mudar as condições de trabalho. Ao contrário, a necessidade de edição de uma Resolução para enfrentar o assunto faz concluir se trate de um problema efetivamente grave. Interessante é ver que as soluções propostas para atender a preocupação com a saúde de juízes e servidores sequer tangenciam a questão da excessiva cobrança de metas relativas à quantidade de trabalho, a inefetividade dos direitos ou o quanto um processo integralmente eletrônico implica prejuízos à saúde física e mental. Disponível em http://www.cnj.jus.br/noticias/cnj/80076-cnj-aprova-politica-de-saude-para-magistrados-e-servidores-do-judiciario , acesso em 25/11/10215.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    16 Nov 2020
  • Data do Fascículo
    Oct-Dec 2020

Histórico

  • Recebido
    12 Abr 2020
  • Aceito
    07 Jun 2020
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