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Acidúria glutárica tipo 1: variabilidade fenotípica. Estudo de seis pacientes

Glutaric aciduria type I: phenotypic variability. Report of six patients

Resumos

Estudamos seis pacientes com acidúria glutárica tipo I, em quatro famílias. Observamos variações intensas na apresentação clínica, mesmo entre elementos da mesma família. Três pacientes evoluiram sem alterações até o início das anomalias neurológicas, que se manifestaram como encefalite-símile, no primeiro ano de vida. Uma criança apresentou atraso precoce do desenvolvimento, sem episódios agudos de descompensação. Dois pacientes não têm alteração cognitiva; um deles apresenta leve tremor associado a quadro coreoatetóide desde o primeiro ano de vida, enquanto o outro teve apenas duas crises convulsivas afebris quando lactente. Três crianças apresentam distonia como sequela, não sendo capazes de sentar ou firmar a cabeça. Os seis pacientes apresentam macrocrania e a neles tomografia computatorizada de crânio demonstra aumento dos espaços liquóricos em regiões fronto-temporais. O estudo dos ácidos orgânicos urinários dos pacientes demonstra elevação dos níveis do ácido glutárico.

acidúria glutárica tipo I; macrocrania; variabilidade fenotípica


We report six patients with glutaric aciduria type 1 in four families. The patients had marked clinical variability, even within families. Three of the patients studied were normal untill the onset of neurologic abnormalities, that presented as an encephalitis-like illness in the first year of age. One patient had an early and important developmental delay, but never suffered an encephalopathic crisis. Two patients have intellectual preservation; one of them has a mild tremor and choreoathetosis since the first year of age, and the other had only two afebrile seizures in infancy and no other neurologic signs. Three patiens are severely handicapped, with a severe dystonic-dyskinetic disorder and unable to even sit. All the six patients have macrocephaly and in all the computed tomography showed enlarged CSF spaces and sulcal separation over the frontal and temporal lobes. Urine organic acids study of all patients showed large quantities of glutaric acid.

glutaric aciduria type 1; macrocephaly; phenotypic variability


ACIDÚRIA GLUTÁRICA TIPO 1

VARIABILIDADE FENOTÍPICA

ESTUDO DE SEIS PACIENTES

ERASMO BARBANTE CASELLA* * Instituto da Criança do Hospital das Clínica (HC) da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (FMUSP): Neurologista Infantil; *** Neuro-radiologista; ****** Nutricionista; Hospital do Servidor Público Estadual Francisco Morato de Oliveira. ** Neurologista Infantil; ******* Médico-Residente em Neurologia Infantil; HCFMUSP: ***** Neurocirurgião; Hospital Evaldo Foz: **** Responsável pela UTI Infantil; FESEN, Fundación para el Estudio de Enfermedades Neurometabólicas (Buenos Aires, Argentina): ******** Diretor Científico. Aceite: 23-junho-1998. , ANTÔNIO UMBERTO BRESOLIN** * Instituto da Criança do Hospital das Clínica (HC) da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (FMUSP): Neurologista Infantil; *** Neuro-radiologista; ****** Nutricionista; Hospital do Servidor Público Estadual Francisco Morato de Oliveira. ** Neurologista Infantil; ******* Médico-Residente em Neurologia Infantil; HCFMUSP: ***** Neurocirurgião; Hospital Evaldo Foz: **** Responsável pela UTI Infantil; FESEN, Fundación para el Estudio de Enfermedades Neurometabólicas (Buenos Aires, Argentina): ******** Diretor Científico. Aceite: 23-junho-1998. , MARCELO VALENTE***, * Instituto da Criança do Hospital das Clínica (HC) da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (FMUSP): Neurologista Infantil; *** Neuro-radiologista; ****** Nutricionista; Hospital do Servidor Público Estadual Francisco Morato de Oliveira. ** Neurologista Infantil; ******* Médico-Residente em Neurologia Infantil; HCFMUSP: ***** Neurocirurgião; Hospital Evaldo Foz: **** Responsável pela UTI Infantil; FESEN, Fundación para el Estudio de Enfermedades Neurometabólicas (Buenos Aires, Argentina): ******** Diretor Científico. Aceite: 23-junho-1998. DURVAL ANIBAL DANIEL**** * Instituto da Criança do Hospital das Clínica (HC) da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (FMUSP): Neurologista Infantil; *** Neuro-radiologista; ****** Nutricionista; Hospital do Servidor Público Estadual Francisco Morato de Oliveira. ** Neurologista Infantil; ******* Médico-Residente em Neurologia Infantil; HCFMUSP: ***** Neurocirurgião; Hospital Evaldo Foz: **** Responsável pela UTI Infantil; FESEN, Fundación para el Estudio de Enfermedades Neurometabólicas (Buenos Aires, Argentina): ******** Diretor Científico. Aceite: 23-junho-1998. , JOSÉ JORGE MACHADO***** * Instituto da Criança do Hospital das Clínica (HC) da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (FMUSP): Neurologista Infantil; *** Neuro-radiologista; ****** Nutricionista; Hospital do Servidor Público Estadual Francisco Morato de Oliveira. ** Neurologista Infantil; ******* Médico-Residente em Neurologia Infantil; HCFMUSP: ***** Neurocirurgião; Hospital Evaldo Foz: **** Responsável pela UTI Infantil; FESEN, Fundación para el Estudio de Enfermedades Neurometabólicas (Buenos Aires, Argentina): ******** Diretor Científico. Aceite: 23-junho-1998. , MARIA APARECIDA VIEIRA******, * Instituto da Criança do Hospital das Clínica (HC) da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (FMUSP): Neurologista Infantil; *** Neuro-radiologista; ****** Nutricionista; Hospital do Servidor Público Estadual Francisco Morato de Oliveira. ** Neurologista Infantil; ******* Médico-Residente em Neurologia Infantil; HCFMUSP: ***** Neurocirurgião; Hospital Evaldo Foz: **** Responsável pela UTI Infantil; FESEN, Fundación para el Estudio de Enfermedades Neurometabólicas (Buenos Aires, Argentina): ******** Diretor Científico. Aceite: 23-junho-1998. ADRIANA GOMES TENÓRIO******* * Instituto da Criança do Hospital das Clínica (HC) da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (FMUSP): Neurologista Infantil; *** Neuro-radiologista; ****** Nutricionista; Hospital do Servidor Público Estadual Francisco Morato de Oliveira. ** Neurologista Infantil; ******* Médico-Residente em Neurologia Infantil; HCFMUSP: ***** Neurocirurgião; Hospital Evaldo Foz: **** Responsável pela UTI Infantil; FESEN, Fundación para el Estudio de Enfermedades Neurometabólicas (Buenos Aires, Argentina): ******** Diretor Científico. Aceite: 23-junho-1998. , NESTOR CHAMOLES******** * Instituto da Criança do Hospital das Clínica (HC) da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (FMUSP): Neurologista Infantil; *** Neuro-radiologista; ****** Nutricionista; Hospital do Servidor Público Estadual Francisco Morato de Oliveira. ** Neurologista Infantil; ******* Médico-Residente em Neurologia Infantil; HCFMUSP: ***** Neurocirurgião; Hospital Evaldo Foz: **** Responsável pela UTI Infantil; FESEN, Fundación para el Estudio de Enfermedades Neurometabólicas (Buenos Aires, Argentina): ******** Diretor Científico. Aceite: 23-junho-1998.

RESUMO - Estudamos seis pacientes com acidúria glutárica tipo I, em quatro famílias. Observamos variações intensas na apresentação clínica, mesmo entre elementos da mesma família. Três pacientes evoluiram sem alterações até o início das anomalias neurológicas, que se manifestaram como encefalite-símile, no primeiro ano de vida. Uma criança apresentou atraso precoce do desenvolvimento, sem episódios agudos de descompensação. Dois pacientes não têm alteração cognitiva; um deles apresenta leve tremor associado a quadro coreoatetóide desde o primeiro ano de vida, enquanto o outro teve apenas duas crises convulsivas afebris quando lactente. Três crianças apresentam distonia como sequela, não sendo capazes de sentar ou firmar a cabeça. Os seis pacientes apresentam macrocrania e a neles tomografia computatorizada de crânio demonstra aumento dos espaços liquóricos em regiões fronto-temporais. O estudo dos ácidos orgânicos urinários dos pacientes demonstra elevação dos níveis do ácido glutárico.

PALAVRAS-CHAVE: acidúria glutárica tipo I, macrocrania, variabilidade fenotípica.

Glutaric aciduria type I: phenotypic variability. Report of six patients

ABSTRACT - We report six patients with glutaric aciduria type 1 in four families. The patients had marked clinical variability, even within families. Three of the patients studied were normal untill the onset of neurologic abnormalities, that presented as an encephalitis-like illness in the first year of age. One patient had an early and important developmental delay, but never suffered an encephalopathic crisis. Two patients have intellectual preservation; one of them has a mild tremor and choreoathetosis since the first year of age, and the other had only two afebrile seizures in infancy and no other neurologic signs. Three patiens are severely handicapped, with a severe dystonic-dyskinetic disorder and unable to even sit. All the six patients have macrocephaly and in all the computed tomography showed enlarged CSF spaces and sulcal separation over the frontal and temporal lobes. Urine organic acids study of all patients showed large quantities of glutaric acid.

KEY WORDS: glutaric aciduria type 1, macrocephaly, phenotypic variability.

A acidúria glutárica tipo 1(AGI), descrita pela primeira vez em 1975, é um distúrbio do metabolismo da lisina, hidroxilisina e triptofano causado pela deficiência da glutaril-CoA desidrogenase1. Caracteriza-se pelo aparecimento na infância, de modo súbito, de distúrbios do movimento com caráter extrapiramidal, podendo ocorrer deterioração neurológica e crises convulsivas; geralmente está associado a macrocrania2. Observa-se elevação da excreção urinária do ácido glutárico, 3-OH-glutárico e glutacônico, e ainda alterações sugestivas na tomografia computatorizada (TC) ou na ressonância nuclear magnética (RNM) de crânio, caracterizadas por atrofia fronto-temporal bilateral e/ou lesões nos gânglios da base3-5. Alguns pacientes se mantêm assintomáticos, podendo apresentar apenas macrocrania ou antecedentes de crises convulsivas aparentemente benignas e outros desenvolvem quadro de atraso do desenvolvimento, sem episódios agudos de descompensação2,6.

Estudamos seis pacientes, provenientes de quatro famílias diferentes, com sintomas variáveis entre si, apresentando os dados clínicos, laboratoriais e de imagem abaixo relacionados.

CASUÍSTICA

Aspectos clínicos

As alterações clínicas dos seis pacientes estão assinaladas na Tabela 1. Os primeiros sintomas ocorreram no primeiro ano de vida em todos os pacientes. Os Pacientes 1, 4 e 5 apresentaram crescimento e desenvolvimento normais até o início dos sintomas neurológicos, que ocorreram de modo agudo, com deterioração progressiva em poucos dias, lembrando quadros de encefalite (encefalite-símile), precipitados por infecção banal. Evoluiram com quadro sequelar grave, caracterizado por dupla hemiparesia, com componente extrapiramidal (distonia global), estando restritos ao leito. O Paciente 2 apresentou convulsões quando lactente, evoluindo sem quaisquer problemas posteriormente. O diagnóstico foi considerado pelo fato de apresentar macrocrania e ser irmão de paciente com diagnóstico de AGI (Paciente 1).

O Paciente 3 também apresentou desenvolvimento cognitivo normal, porém com história de tremores apendiculares e cefálicos, macrocrania desde o primeiro ano de vida, além de distúrbio leve do movimento, com características coreoatetóides.

O Paciente 4 foi avaliado por nós aos 11 anos de idade devido a traumatismo cranioencefálico (TCE) por queda da cama, sendo observada macrocrania, dupla hemiparesia e quadro distônico global. Esta criança apresentava diagnóstico de paralisia cerebral após quadro de varicela, aos 4 meses de idade. Na ocasião, ocorreram várias convulsões e o paciente deixou de sustentar a cabeça e de sorrir, no período de poucos dias. O exame do líquido cefalorraquidiano (LCR), na época, foi normal, mas mesmo assim foi considerado o diagnóstico de encefalite pelo vírus da varicela.

O Paciente 6 foi reconhecido como portador de AGI devido a ter irmão com diagnóstico desta mesma entidade (Paciente 5). Com diagnóstico de hidrocefalia externa, foi submetido a derivação ventrículo-peritoneal no período neonatal, evoluindo com atraso do desenvolvimento neuropsicomotor, distonia global e macrocrania. Atualmente deambula sem apoio, com dificuldade, e frequenta escola especial, não tendo sido alfabetizado.

Exames subsidiários

A TC ou RNM de crânio, realizada nos seis pacientes, apresenta alterações, com aumento do espaço liquórico em áreas fronto-temporais nos seis casos e alargamento das fissuras silvianas (Figs 1 e 2).



A Tabela 2 mostra os resultados do estudo dos ácidos orgânicos dos seis pacientes, através de cromatografia gasosa. Na Figura 3 pode ser evidenciada a elevação do ácido glutárico no exame de gotas de sangue em papel de filtro, através da espectroscopia de massa em tandem.


Terapêutica

O tratamento com dieta pobre em proteínas, restrição de lisina e triptofano, associado a L-carnitina e riboflavina foi introduzido em todos os pacientes, com orientação adicional de se evitar períodos prolongados de jejum. Duas crianças receberam ainda baclofen, com o objetivo de melhorar o quadro distônico e o tono muscular.

DISCUSSÃO

A manifestação clínica dos diferentes erros inatos do metabolismo que afetam o sistema nervoso central é variável, e um único distúrbio metabólico também pode determinar o aparecimento de sintomas e sinais extremamente distintos2,6-8. Avaliamos seis pacientes, em 4 famílias, com diagnóstico de AGI evidenciando grande variabilidade clínica, sendo que três pacientes apresentaram descompensação aguda, interpretada como encefalite, evoluindo com atraso do desenvolvimento, quadriplegia espástica e movimentos involuntários; outra criança evoluiu com desenvolvimento intelectual adequado, notando-se a presença de tremores de extremidades e no segmento cefálico; um paciente, inicialmente com diagnóstico de hidrocefalia externa, foi submetido a derivação ventrículo-peritoneal, evoluiu com distúrbio motor e deficiência mental. Um dos pacientes, atualmente com 22 anos, está assintomático, tendo somente apresentado crises convulsivas quando lactente. A literatura refere apenas 5 pacientes com mais de 6 anos de idade, assintomáticos e que não foram submetidos a tratamento2,3,8. Caracteristicamente os seis pacientes apresentaram macrocrania, desde o período neonatal2,9.

Um irmão dos Pacientes 1 e 3 (Família A) faleceu aos 10 meses de idade, anteriormente ao diagnóstico destes, após quadro febril, com hipótese diagnóstica de encefalite e LCR normal. Este paciente não foi por nós investigado, e portanto não incluído nesta casuística, mas possivelmente seu óbito deve estar relacionado a descompensação da AGI.

Nossos pacientes ilustram a grande variabilidade clínica da AGI, mesmo em pessoas de uma mesma família, de acordo com as observações de Haworth et al.8. Avaliando a Família A, observa-se que o Paciente 1 apresentou quadro de descompensação aguda (encefalite-símile) e sequelas graves, enquanto sua irmã (Paciente 2) teve desenvolvimento normal, apenas com o relato de crises epilépticas afebris nos primeiros anos de vida. O Paciente 5 (Família B) também apresentou quadro do tipo encefalítico, evoluindo com dupla hemiparesia associada a distonia global e seu irmão (Paciente 6) evoluiu com atraso precoce do desenvolvimento neuropsicomotor, deficiência mental e distonia, não apresentando episódios de descompensação aguda.

Quatro crianças estão muito acometidas, sendo totalmente dependentes; dois pacientes estão relativamente bem, apresentando leve distúrbio da coordenação, com características coreoatetóides em um, e história anterior de convulsão em outro.

A variabilidade clínica tem sido atribuída a fatores epigenéticos ou influências do meio ambiente, como o número e intensidade das doenças intercorrentes e a quantidade de proteínas na dieta8. Na verdade, é desconhecido o motivo real da diversibilidade de sintomas e inclusive não tem sido observada relação entre o grau de deficiência da enzima glutaril-CoA desidrogenase e a gravidade do quadro clínico2,6,8.

Os exames de TC ou RNM de crânio podem ajudar na suposição diagnóstica da AGI. Os resultados observados em nossos pacientes, que evidenciaram atrofia opercular bilateral, com alargamento da fissura silviana, são sugestivos de AGI3,10.

O déficit enzimático pode ser confirmado através de cultura de fibroblastos ou em leucócitos do sangue periférico2, não realizado em nossos pacientes. A avaliação enzimática é útil principalmente por permitir a detecção dos heterozigotos ou ainda diagnosticar casos mais raros, com sinais clínicos e/ou tomográficos sugestivos de AGI, mas com níveis normais de ácido glutárico2,6.

É possível a detecção pré-natal através da mensuração do ácido glutárico no líquido amniótico e da atividade da glutaril-CoA desidrogenase em cultura de células amnióticas11,12.

Apesar dos resultados dos ácidos orgânicos urinários, em nossos pacientes, confirmarem o diagnóstico de AGI, efetuamos o estudo complementar através da espectroscopia de massa em tandem, utilizando gotas de sangue em papel de filtro, em quatro pacientes, técnica esta utilizada em programas de triagem neonatal ampliada13. Este exame não é realizado de rotina em nosso meio, mas permite diagnóstico e terapêutica mais precoces, podendo assim evitar episódios de descompensação e ainda fornecer orientação genética precoce e adequada aos familiares.

A distonia e discinesias observadas nos pacientes mais gravemente acometidos têm sido associadas a degeneração estriatal, com acometimento mais intenso do caudado e do putâmen4,6,14. A causa da lesão estriatal não é conhecida sendo aventada a possibilidade de toxicidade pelo ácido glutárico acumulado de modo excessivo8, provocando diminuição do GABA, pela inibição da glutamato decarboxilase, responsável pela síntese do GABA ou eventualmente provocar despolarização repetida e exagerada dos receptores glutamatérgicos, com morte celular por hiperpolarização8,15.

Outra possibilidade aventada seria um acúmulo do ácido quinolínico, formado em excesso a partir do metabolismo alterado do triptofano pela deficiência da glutaril-CoA desidrogenase8,16,17. O ácido quinolínico tem sido identificado como potente toxina ao ser injetada no sistema nervoso de animais de experimentação8,16,17.

Baseada nos conhecimentos bioquímicos, tem sido preconizada, para os pacientes com AGI, dieta hipoproteica, restrição de lisina e triptofano, associada a riboflavina, na dose de 200 mg/dia (cofator para glutaril-CoA desidrogenase), e doses orais de L-carnitina, que habitualmente está diminuída pela excreção aumentada de glutaril-carnitina18,19. Em nossos casos, a dieta específica aparentemente não determinou melhora dos pacientes gravemente acometidos, porém, no período de observação de quase dois anos, não ocorreram novas crises de descompensação.

A utilização de drogas, baclofen ou a vigabatrina, que elevam a quantidade de GABA, tem sido também preconizada, baseada na constatação da diminuição deste neurotransmissor em pacientes com AGI2,15. Em um dos dois pacientes estudados, em que utilizamos o baclofen houve melhora evidente do quadro distônico.

O valproato de sódio, que também aumenta os níveis do GABA, é contra-indicado em pacientes com AGI, pois esta droga compete com o ácido glutárico na esterificação com a L-carnitina, podendo causar deficiência desta e agravar o quadro clínico2.

A AGI é uma doença autossômica recessiva e sua incidência não é bem conhecida, até pela grande variabilidade clínica e presença de casos pouco acometidos ou mesmo assintomáticos2,6,8. O fato de termos avaliado seis pacientes em quatro anos sugere que a AGI seja mais frequente que o pequeno número de casos descritos possa sugerir. Kyllerman e Steen, na Suécia, estimam uma incidência próxima a 1:30 00020.

As nossas observações ressaltam a importância de estarmos atentos para a possibilidade diagnóstica de AG1 em crianças com quadros de encefalopatia estática, após episódios infecciosos inespecíficos, no primeiro ano de vida, principalmente na presença de macrocrania, distúrbios do movimento como distonia e/ou coreatetose e mesmo em pessoas assintomáticas com alterações tomográficas sugestivas.

Dr. Erasmo Barbante Casella - Instituto da Criança do Hospital das Clínicas da FMUSP - Av Enéas de Aguiar 647 - 05403-900 São Paulo SP - Brasil. E-mail: erasmobc-icr.hcnet.usp.br

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    Instituto da Criança do Hospital das Clínica (HC) da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (FMUSP):
    Neurologista Infantil;
    ***
    Neuro-radiologista;

    ******

    Nutricionista; Hospital do Servidor Público Estadual Francisco Morato de Oliveira.
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    Neurologista Infantil;

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    Médico-Residente em Neurologia Infantil; HCFMUSP:

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    Neurocirurgião; Hospital Evaldo Foz:

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    Responsável pela UTI Infantil; FESEN, Fundación para el Estudio de Enfermedades Neurometabólicas (Buenos Aires, Argentina):

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    Diretor Científico. Aceite: 23-junho-1998.
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      06 Dez 2000
    • Data do Fascículo
      Set 1998

    Histórico

    • Aceito
      23 Jun 1998
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