Acessibilidade / Reportar erro

Cancelamento cirúrgico em um hospital escola: implicações sobre o gerenciamento de custos

Resumos

Este estudo discute a problemática do cancelamento de cirurgias sob a perspectiva econômico-financeira. Foi realizado na Unidade de Centro Cirúrgico de um hospital de ensino, com o objetivo de identificar e analisar os custos diretos (recursos humanos, medicamentos e materiais) e custo de oportunidade gerados pelo cancelamento de cirurgias eletivas. Os dados foram coletados durantes três meses consecutivos, utilizando-se documentos institucionais e formulário elaborado pelas pesquisadoras. Apenas 58 (23,3%) das 249 cirurgias programadas canceladas representaram custos para a instituição. O custo direto total dos cancelamentos foi de R$ 1.713,66 (custo médio por paciente de R$ 29,54), assim distribuídos: despesas com materiais de consumo R$ 333,05; processo de esterilização R$ 201,22; medicamentos R$ 149,77 e recursos humanos R$ 1.029,62. O custo com recursos humanos representou o maior percentual em relação ao custo total (60,1%). Observou-se que a maior parte dos cancelamentos eram potencialmente evitáveis. Planejamento administrativo, redesenho dos processos de trabalho, medidas educativas de pessoal e avaliação clínica prévia constitue em estratégias recomendadas para minimização da ocorrência.

hospitais de ensino; enfermagem; custos hospitalares; custos diretos de serviços


This study discusses the problem of surgery cancellation on the economic-financial perspective. It was carried out in the Surgical Center Unit of a school hospital with the objective to identify and analyze the direct costs (human resources, medications and materials) and the opportunity costs that result from the cancellation of elective surgeries. Data were collected during three consecutive months through institutional documents and a form elaborated by the researchers. Only 58 (23.3%) of the 249 cancelled scheduled surgeries represented costs for the institution. The cancellations direct total cost was R$ 1.713.66 (average cost per patient R$ 29.54); distributed as follows: expenses with consumption materials R$ 333.05; sterilization process R$201.22; medications R$149.77 and human resources R$1,029.62. The human resources costs represented the greatest percentile in relation to the total cost (60.40%). It was observed that most of the cancellations could be partially avoided. Planning on management; redesigning work processes, training the staff and making early clinical evaluation can be strategies to minimize this occurrence.

hospitals teaching; nursing; hospital costs; direct service costs


Este artículo discute la problemática del cancelamiento de cirugías bajo una perspectiva económico-financiera. Fue llevado a cabo en la Unidad del Centro Quirúrgico de un hospital-escuela con objeto de identificar y analizar los costos directos (recursos humanos, recursos materiales y medicamentos) e indirectos ocasionados por el cancelamiento de cirugías no urgentes. Los datos fueron recogidos durante tres meses consecutivos mediante documentos institucionales y un cuestionario elaborado por las investigadoras. Solamente 58 (23,3%) de las 249 operaciones previstas y que fueron canceladas resultaron en costos para la institución. El costo directo total de los cancelamientos fue R$ 1.713,66 (costo medio por paciente de R$ 29,54), repartidos así: gastos con materiales de consumo R$ 333,05 y proceso de esterilización R$ 201,22, medicamentos R$ 149,77 y recursos humanos R$ 1.029,62. El costo de los recursos humanos repesentó el mayor porcentaje en relación al costo total (60,1 %). Se constató que la mayor parte de los cancelamientos podría haber sido evitada. Planificación administrativa, rediseño de los procesos de trabajo, medidas educativas del personal y evaluaçión clínica previa constituyen estrategias recomendadas para reducción de los casos de cancelamiento.

hospitales escuela; enfermería; costos hospitalares; costos directos de servicios


ARTIGO ORIGINAL

Cancelamento cirúrgico em um hospital escola: implicações sobre o gerenciamento de custos1 1 Extraído de Projeto de Pesquisa

Márcia Galan PerrocaI; Marli de Carvalho JericóII; Solange Diná FacundinIII

IEnfermeira, Doutor em Enfermagem, Docente

IIEnfermeira, Doutoranda, Docente

IIIEnfermeira, Docente. Faculdade de Medicina de São José do Rio Preto, Brasil

RESUMO

Este estudo discute a problemática do cancelamento de cirurgias sob a perspectiva econômico-financeira. Foi realizado na Unidade de Centro Cirúrgico de um hospital de ensino, com o objetivo de identificar e analisar os custos diretos (recursos humanos, medicamentos e materiais) e custo de oportunidade gerados pelo cancelamento de cirurgias eletivas. Os dados foram coletados durantes três meses consecutivos, utilizando-se documentos institucionais e formulário elaborado pelas pesquisadoras. Apenas 58 (23,3%) das 249 cirurgias programadas canceladas representaram custos para a instituição. O custo direto total dos cancelamentos foi de R$ 1.713,66 (custo médio por paciente de R$ 29,54), assim distribuídos: despesas com materiais de consumo R$ 333,05; processo de esterilização R$ 201,22; medicamentos R$ 149,77 e recursos humanos R$ 1.029,62. O custo com recursos humanos representou o maior percentual em relação ao custo total (60,1%). Observou-se que a maior parte dos cancelamentos eram potencialmente evitáveis. Planejamento administrativo, redesenho dos processos de trabalho, medidas educativas de pessoal e avaliação clínica prévia constitue em estratégias recomendadas para minimização da ocorrência.

Descritores: hospitais de ensino/organização e administração; enfermagem; custos hospitalares; custos diretos de serviços

INTRODUÇÃO

O cancelamento de procedimentos cirúrgicos programados tem sido objeto de investigação não apenas no Brasil(1-2) como também em outros países como Austrália(3), Irlanda(4), México(5), Estados Unidos(6) e Reino Unido(7) . Esses estudos, similares aos nacionais, têm apontado alta freqüência de cancelamentos originados por problemas organizacionais das instituições de saúde, dentre eles falta de leitos(3-4,7), erros de agendamento, falhas de comunicação(3,5) e demais problemas administrativos.

Apesar de vários autores reconhecerem o impacto do cancelamento de cirurgias, elevando os custos operacionais e financeiros da Unidade de Centro Cirúrgico e reduzindo a eficiência do serviço oferecido, poucos estudos têm analisado a temática sob a vertente econômico-financeira, principalmente no que se refere aos custos diretos (recursos humanos, medicamentos e materiais) e custo de oportunidade. Uma vez que o movimento cirúrgico tem sido apontado como fator interveniente nos indicadores de produtividade e qualidade hospitalar(8), a utilização máxima da capacidade cirúrgica constitui uma das principais medidas para a eficiência do uso de verbas. Estudo realizado em hospital universitário(9) evidenciou que pacientes cirúrgicos representam 24% do total de internações e contribuem com 43% da receita arrecadada.

O cancelamento cirúrgico é falha decorrente do não atendimento aos requisitos do planejamento administrativo da unidade. Corresponde a um dos quatro componentes do custo da qualidade, classificados em custos das falhas internas e externas, custos da prevenção e análise. Para obter excelência, a instituição hospitalar deve estar continuamente comprometida com a resolutividade, qualidade e custos baixos dos procedimentos médicos. Dessa forma, torna-se necessária a eliminação de desperdícios bem como habilidade para melhorar o processo hospitalar (diagnóstico, tratamento, internação, apoio gerencial), através de adequada automação, aumento da informação e diminuição da permanência do paciente no hospital(10).

Desperdício pode ser conceituado como todo e qualquer recurso que se gasta na execução de produto, ou serviço, além do necessário (material de consumo, insumos, esforço humano, energia, tecnologia dentre outros), constitui dispêndio extra, acrescentado aos custos normais do produto ou serviço sem qualquer tipo de melhoria para o cliente(11). Quando os processos de trabalho tornam-se inadequados, o custo dos produtos ou serviços aumenta. Conseqüentemente, as instituições sofrem perdas financeiras decorrentes do retrabalho, absorvendo o tempo que seria utilizado para realizar outra atividade.

As repercussões do cancelamento cirúrgico incidem, desfavoravelmente, não apenas sobre o cliente, que tem seu vínculo de confiança rompido em relação à instituição, como também sobre a equipe de enfermagem (operacionalização do trabalho, consumo de tempo e recursos materiais, diminuição da qualidade da assistência) e sobre a própria instituição de cuidados de saúde(1). O cancelamento do procedimento cirúrgico aumenta o custo operacional e financeiro, trazendo prejuízos para a instituição. O prejuízo financeiro é causado pela deficiência do processo e pode ser evidenciado pela reserva e perda de oportunidade de inclusão de outro paciente, subutilização das salas do centro cirúrgico, aumento da taxa de permanência (e risco de infecção hospitalar) com conseqüente encarecimento do leito-dia e diminuição da disponibilidade de leitos. Outras fontes constituem desperdício de material esterilizado, retrabalho de pessoal envolvido tanto no preparo da sala operatória quanto no processo de esterilização(2).

O custo de oportunidade pode ser definido como o valor de um recurso em seu melhor uso alternativo(12). Representa o valor que se deixa de ganhar devido à decisão de investir o recurso em determinada alternativa de ação, em detrimento de outras. Na abordagem de custo de oportunidade, têm sido utilizados diferentes parâmetros de mensuração como lucro, receita, dentre outros. Uma vez que cada decisão envolve um custo de oportunidade diferente o conceito pode estar associado a diferentes atributos(13). A aplicação do conceito norteia a decisão do gestor na utilização de um determinado recurso em toda a fase do processo decisório, ou seja, na fase precedente à tomada de decisão, como elemento de avaliação de desempenho do gestor responsável pela ação e também na avaliação do resultado da decisão, após sua implementação(14). O foco na mensuração econômica por custos de oportunidade constitui instrumento relevante de feedback para planejamento e controle(15). Dessa forma, esse estudo busca instrumentalizar o enfermeiro na tomada de decisão baseada em informações de custo da qualidade e custo de oportunidade.

OBJETIVOS

- Identificar e analisar a distribuição do custo direto, relativo a recursos humanos, insumos consumidos (materiais de consumo e reprocessados) e medicamentos, gerado pelo cancelamento de cirurgias eletivas na Unidade de Centro Cirúrgico de um hospital de ensino.

- Verificar o custo direto relacionado com o tempo gasto pelas diversas categorias profissionais.

- Identificar o custo de oportunidade no centro cirúrgico.

TRAJETÓRIA METODOLÓGICA

O presente estudo, de natureza exploratória descritiva, foi realizado no centro cirúrgico de um hospital de ensino de capacidade extra em uma cidade do interior do Estado de São Paulo. Esse hospital é centro de referência e presta assistência hospitalar e ambulatorial em várias especialidades médicas perfazendo, em média, 2.500 internações mensais e 1.600 cirurgias/mês de pequeno, médio e grande porte. A programação cirúrgica é desenvolvida no período das 7 às 19h, diariamente, de segunda a sexta-feira e aos sábados, pela manhã. Os períodos noturnos, finais de semana e feriados são destinados a casos de emergência. A população do estudo foi constituída de todas as cirurgias de caráter eletivo, no período de setembro a novembro de 2004, no hospital de estudo, canceladas após o preparo da sala de operação (SO) ou durante a própria cirurgia. Esse critério foi utilizado porque esses cancelamentos implicam em custos (objeto deste estudo).

O mapa, contendo a programação cirúrgica mensal, foi utilizado para verificar a ocorrência de cancelamento de cirurgias. Para levantamento das causas geradoras foi elaborado um formulário estruturado, contendo 4 agrupamentos de dados: 1 - características demográficas (idade, sexo, convênio, cirurgia, sala de operação e horário da cirurgia); 2 - circunstância em que as cirurgias foram suspensas (antes e depois do preparo da sala de operação e durante o procedimento cirúrgico); 3 - categorias profissionais envolvidas na montagem da SO, tempo dispendido e atividades desenvolvidas; 4 - materiais e equipamentos utilizados na montagem da SO que não constavam da nota de débito da unidade de centro cirúrgico (UCC), tais como, rouparia (campos e aventais cirúrgicos) e instrumentais.

A coleta de dados teve início após a autorização formal da instituição, da chefia de enfermagem da Unidade de Centro Cirúrgico e de orientação das circulantes que atuavam nos turnos da manhã e da tarde sobre o preenchimento do instrumento a ser utilizado. O presente estudo, por não se tratar de pesquisa em seres humanos, não necessitou aprovação do Comitê de Ética e Pesquisa. Os formulários eram recolhidos diariamente pelas pesquisadoras e as informações complementadas.

Para tratamento dos dados foi elaborada uma planilha eletrônica no programa Microsoft Excel, contendo informações sobre identificação do cliente, convênio, unidade de internação, cirurgia, data e motivo do cancelamento. A planilha foi dividida em quatro partes: materiais, taxas, medicamentos e recursos humanos. A identificação dos custos foi baseada no BRASINDICE, preço fábrica de abril de 2005 e tabela da Associação Médica Brasileira (AMB). Os dados da planilha de salários foram fornecidos pelo departamento de pessoal. Para o levantamento dos custos relacionados ao tempo gasto com recursos humanos, levou-se em consideração a remuneração base das categorias profissionais envolvidas e os encargos sociais (FGTS, PIS, férias e 13º salário na proporção de 1/12). Os encargos totalizaram 21,67% de acréscimo. Para o cálculo do custo de oportunidade, as cirurgias foram classificadas segundo porte anestésico e utilizadas as taxas de SO e recuperação pós-anestésica (RPA) da tabela AMB.

RESULTADOS

No período do estudo, na unidade do Centro Cirúrgico investigada, foram canceladas 249 cirurgias programadas. Dessas, 191 (76,7%) ocorreram antes do preparo e montagem da sala de operação, 54 (21,7%) depois do preparo da SO e apenas 4 delas (1,6%) durante o procedimento anestésico-cirúrgico. Os cancelamentos que ocorreram antes do preparo da SO foram excluídos da análise uma vez que não incidiram em custos. Dessa forma, a amostragem constituiu-se nas remanescentes 58 (23,3%) cirurgias.

Dentre os pacientes que tiveram suas cirurgias canceladas, 30 eram do sexo masculino e 28 do sexo feminino com idade média de 43,1±24,2 (variação de 6 meses a 80 anos). A maior parte (82,7%) eram usuários do Sistema Único de Saúde (SUS). Conforme se observa na Tabela 1, dentre as especialidades médicas que tiveram, com maior freqüência, seus procedimentos cirúrgicos cancelados com custos para a instituição encontram-se a cirurgia geral (20,7%), seguida da cirurgia otorrinolaringológica (19%) e da cirurgia ortopédica (13,8%). As principais causas geradoras dos cancelamentos estavam relacionadas ao paciente (53,4%) tais como condição clínica desfavorável (hipertensão arterial e doenças respiratórias, dentre outras) - 29,3% e não comparecimento (17,2%). Problemas relacionados à organização da unidade (24,2%) também ocasionaram parcela significativa de cancelamentos, principalmente relacionados à falta de leitos disponíveis na unidade de terapia intensiva e de internação (13,8%). Falta de documentação e exames, ocorrências de cirurgias de emergência e contaminação da SO responderam por menor ocorrência de cancelamentos, respectivamente 3,5, 3,5 e 1,7%. Das 58 cirurgias suspensas, apenas 8 delas (13,8%) tiveram como causa de suspensão fatores relacionados à alocação de recursos humanos tais como tempo cirúrgico excedido (5,1%), mudança de conduta médica (3,5%) e falta de profissionais da equipe cirúrgica (anestesiologista e cirurgião) - 3,5%. As causas relacionadas à alocação de recursos materiais e equipamentos representaram apenas 8,6% do total das causas de suspensão.

Os custos diretos, relacionados a recursos humanos e insumos (medicamentos e materiais de consumo e os reprocessados), totalizaram R$ 1.713,66 (custo médio por paciente de R$ 29,54), sendo R$ 1.169,08 (68,2%) relativos aos cancelamentos ocorridos durante o preparo da sala de operação e R$ 544,58 (31,8%) durante o procedimento cirúrgico (Tabela 2).

A enfermagem (técnicos e auxiliares de enfermagem) foi a categoria que totalizou o maior número de minutos trabalhados (2.255) correspondendo a 46,7% da carga horária durante o preparo da SO e 54,9% durante o procedimento anestésico-cirúrgico. O tempo dessa categoria foi distribuído entre as funções de circulante de sala, auxílio à anestesia e instrumentação cirúrgica. Na instituição campo de estudo, o profissional enfermeiro exerce função gerencial sendo responsável pela supervisão das salas de operação. Por constituir custo indireto, o tempo desse profissional não foi considerado. Os achados mostraram que a circulante de sala despende maior tempo de trabalho tanto no preparo da SO (30,5%) quanto durante o procedimento cirúrgico (24,1%). O maior custo para a instituição relaciona-se à função de cirurgião (R$ 446,40) e de anestesiologista (R$ 286,75) (Tabela 3).

Devido ao elevado número de itens entre os diversos materiais, optou-se por selecionar, neste estudo, os 3 itens mais representativos de cada um deles. Os materiais de consumo mais utilizados que incorreram em maior dispêndio para a instituição, durante o preparo da SO, foram agulha de punção medular, cateter de punção venosa periférica maleável e eletrodo; durante o procedimento cirúrgico, agulha de punção medular, compressa cirúrgica e cateter de punção venosa periférica maleável. No que se relaciona aos medicamentos foram: colírio anestésico, lidocaína, bipivacaína isobárica e oxigênio (fase de preparo da SO) e propofol, lidocaína e succinilcolina (durante o procedimento cirúrgico).

Os materiais reprocessados pelo centro de material e esterilização (CME) e utilizados nas cirurgias canceladas foram classificados em instrumental e rouparia. O custo total do reprocessamento do instrumental foi de R$ 59,32 (aqueles de maior dispêndio foram a caixa de pequena cirurgia, caixa de septoplastia e glossectomia). O reprocessamento da rouparia custou R$ 141,90 à instituição; o pacote de laparotomia geral incorreu em maior custo. Para levantamento do custo da SO e recuperação pós-anestésica, as cirurgias canceladas foram classificadas, segundo o porte anestésico, variando de 0 a 7. As cirurgias que ocorreram com maior freqüência foram as de porte 2. No entanto, aqueles que incidiram em maior custo de oportunidade foram as de porte 5, respondendo por 22,1% (R$ 2.388,08), seguidas de porte 2 com 19% (R$ 2.050,80) e a de menor porte (porte 0) com 0,7% (R$ 78,96). O custo de oportunidade na unidade de centro cirúrgico totalizou R$ 10.782,40.

DISCUSSÃO

Das cirurgias canceladas, 58 incidiram em custos. As principais causas geradoras dos cancelamentos estavam relacionadas ao paciente (53,4%), como condição clínica desfavorável (hipertensão arterial e doenças respiratórias, dentre outras) 29,3% e não comparecimento 17,2%. Estudos realizados no México(5) e na Austrália(3) demonstram igualmente que alterações nas condições clínicas dos pacientes têm sido responsáveis por taxas, respectivamente, de 40 e 17,1%. A avaliação clínica pré-cirúrgica é apontada como fator importante a ser considerado para a redução da taxa de procedimentos cirúrgicos cancelados(6,16).

Em relação ao não comparecimento do paciente à cirurgia programada, investigações em hospitais universitários têm apontado valores de 41% (cirurgia de catarata)(17) e de 54,3% (diversas especialidades)(1), valores superiores aos encontrados neste estudo (17,2%). Os motivos de absenteísmo têm sido associados à condição institucional (desconhecimento e alteração da data da cirurgia, dificuldade de internação, falta de vaga e falta de exame pré-operatório); à condição clínica, condição social (problemas trabalhistas) e ainda condição pessoal(1).

O cancelamento de cirurgia em conseqüência de problemas na organização da unidade (24,2%) mostrou-se principalmente relacionado à falta de leitos na unidade de terapia intensiva e de internação (13,8%). Em investigação realizada na Irlanda(4), a falta de leitos representou 31% dos cancelamentos cirúrgicos enquanto que, na Austrália, 18,1%(3). Os achados desta investigação revelaram, ainda, que os cancelamentos devido a fatores ligados a recursos humanos representaram apenas 13,8% do total, tendo sido o tempo cirúrgico excedido predominante (5,1%). Valores de 18,7% para cirurgias anteriores que ultrapassaram o tempo estimado têm sido relatados na literatura(3), bem como a observação de que os cirurgiões que consistentemente subestimam o tempo necessário têm significantemente maior número de cancelamentos em comparação com aqueles que não subestimam o tempo.

Medidas para minimização da ocorrência de cancelamentos de cirurgia constituem importante atribuição do enfermeiro gerente do centro cirúrgico. Estima-se que cerca de 60% dos cancelamentos dos procedimentos eletivos são potencialmente evitáveis e poderiam ser preveníveis, usando-se técnicas de melhoria de qualidade. Os cancelamentos cirúrgicos deveriam ser vistos como eventos adversos e monitorados rotineiramente nos sistemas clínicos de incidentes hospitalares, uma vez que se constituem na maior causa do uso ineficiente do tempo na SO e desperdício de recursos(3). Esses autores consideram como cancelamentos potencialmente evitáveis: cirurgias anteriores que ultrapassaram o tempo estimado, erros de agendamento, causas administrativas, problemas com equipamentos e transporte, falhas de comunicação, falhas no preparo adequado do paciente e cirurgião não disponível.

A experiência do Reino Unido(7) utilizando a auditoria como processo de intervenção revelou resultados promissores. A primeira auditoria efetuada encontrou taxa de cancelamento de cirurgia de 16,1%, sendo que as razões relacionadas ao hospital (principalmente falta de leitos) representaram 42% do total dos cancelamentos, as razões clínicas 34% (principalmente falta de condições anestésicas e cirúrgicas) e aquelas relacionadas ao paciente 21% (cancelamento e não comparecimento). A segunda auditoria foi realizada 15 meses depois de medidas terem sido implementadas (melhoria na distribuição dos leitos, avaliação clínica prévia ao agendamento e melhoria na comunicação com o paciente, discutindo-se data da cirurgia e sua conveniência e orientação pré-operatória). A taxa de cancelamento apresentou redução de 42,9%.

Os resultados deste estudo mostraram que o cancelamento cirúrgico apresentou custo direto total de R$ R$ 1.713,66, valor reduzido se considerado o porte da instituição hospitalar investigada. Revelou, também, que o custo com recursos humanos representou o maior percentual em relação ao custo total (60,1%). O custo direto gerado pelo cancelamento das cirurgias eletivas indica falhas ocorridas no ambiente interno da UCC com conseqüente não atendimento aos requisitos do planejamento administrativo. Representa prejuízo para a instituição hospitalar uma vez que falhas internas não geram procedimentos a serem faturados.

Uma vez que a maior parte dos cancelamentos eram potencialmente evitáveis, os achados deste estudo evidenciam possibilidades concretas de alcançar redução no índice de cancelamentos cirúrgicos, através da análise das causas geradoras da problemática. Argumenta-se que a mudança de apenas um fator que está liderando as razões para cancelamento, provavelmente não trará melhorias se outros fatores não forem também atrelados(3). Para que o hospital possa reduzir a taxa de cancelamentos, precisa resolver cada problema no processo, começando pelo agendamento da cirurgia, efetiva distribuição na UCC e notificação do paciente. Na abordagem da qualidade, os custos devem ser constituídos, preponderantemente por custos preventivos (enfatizando a educação das diversas categorias em relação a gastos desnecessários) em detrimento dos custos de avaliação ou correção(18).

O montante econômico que compõe o custo de oportunidade das cirurgias canceladas investigadas foi de R$ 10.782,40. A diferença entre a capacidade de utilização da SO e sua utilização efetiva determina o valor econômico que poderia ser obtido e representa a perda econômica relativa ao custo de oportunidade pela não utilização da sala de cirurgia. Esse custo relaciona-se com a ineficiência da gestão, porquanto, é consumo econômico, assim como, também, identifica ineficácia porquê deixou de gerar receitas que contribuiriam para a obtenção do resultado, caso fosse realizada a cirurgia.

Considerando-se que o lucro econômico é obtido a partir da receita, deduzida de todos os custos envolvidos em sua obtenção, a mensuração dos resultados, para fins de avaliação de desempenho dos gestores, deveria ter como pré-requisito a consideração de custos de oportunidade(14). Contudo, observa-se que esse custo é difícil de ser percebido, na instituição investigada, por duas razões. A primeira relaciona-se à alta demanda cirúrgica, com conseqüente lista de espera. Isso impede, por um lado, que o processo ineficiente seja refletido através da ociosidade da SO e RPA e, por outro, o julgamento do acerto ou erro de uma decisão, em função do resultado esperado. A segunda, relaciona-se à comum ocorrência em se deixar pacientes não agendados em jejum para cirurgia.

Dessa forma, a estrutura institucional transfere a ineficiência do processo ao paciente (geralmente pertencente ao SUS), que acaba arcando com os custos relativos do cancelamento cirúrgico (tempo de espera, jejum, custos emocionais). O paciente de outros convênios de saúde que não o SUS, entretanto, não está atualmente disposto a arcar com processos mal elaborados ou gestores ineficientes. Essas características da instituição hospitalar tais como alta demanda cirúrgica e manutenção de pacientes não agendados em jejum podem passar desapercebidas e sem correção por longo tempo, porque se tornaram aceitas como parte natural do trabalho diário.

A aplicação do conceito de custo de oportunidade na mensuração dos custos de um bem é o método que mais reflete a eficácia do gestor no gerenciamento dos recursos utilizados(15). O foco na mensuração econômica por custos de oportunidade constitui um instrumento relevante de feedback para planejamento e controle(16) . A mensuração é a primeira etapa que conduz ao controle e, eventualmente, ao aperfeiçoamento de um processo(19).

CONCLUSÃO

Esse estudo destacou os aspectos microeconômicos do cancelamento cirúrgico, incluindo os custos diretos e custo de oportunidade e possibilitou diagnóstico situacional da unidade de centro cirúrgico. A partir dessas informações, o enfermeiro, em sua atuação gerencial, poderá utilizar estratégias para minimização dessa ocorrência. Planejamento administrativo, redesenho dos processos de trabalho, medidas educativas de pessoal e avaliação clínica prévia constituem estratégias recomendadas.

Embora os resultados reflitam a experiência de um hospital de ensino público e, portanto, pode não ser representativo de outros hospitais, as autoras esperam que os achados possam auxiliar as instituições de cuidados de saúde no desenvolvimento de estratégias para reduzir a ocorrência de cancelamento de cirurgias programadas e seu impacto sobre o gerenciamento de custos.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

Recebido em: 21.2.2006

Aprovado em: 14.6.2007

  • 1. Paschoal MLH. Taxa de suspensão de cirurgia em um hospital universitário e os motivos de absenteísmo do paciente à cirurgia programada. [dissertação]. São Paulo (SP): Escola de Enfermagem/USP; 2002.
  • 2. Cavalcanti JB, Pagliuca LMF, Almeida PC. Cancelamento de cirurgias programadas em um hospital-escola: um estudo exploratório. Rev Latino-am Enfermagem 2000 julho-agosto; 8(4):59-65.
  • 3. Schofield WN, Rubin GL, Piza M, Lai YY, Sindhusake D, Fearnside MR, Klineberg PL. Cancellatoin of operations on the day of intended surgery at a major Australian referral hospital. Med J Aust 2005 June 20; 182(12):612-5.
  • 4. Robb WB, O'Sullivan MJ, Brannigan AE, Bouchier-Hayes DJ. Are elective surgical operations cancelled due to increasing medical admissions? Ir J Med Sci 2004 July-September; 173(3):129-32.
  • 5. Aguirre-Cordova JF, Chavez-Vazquez G, Huitron-Aguillar GA, Cortes-Jimenez N. Why is surgery cancelled? Causes, implications, and bibliographic antecedents. Gac Med Mex 2003 November-December; 139(6):545-51.
  • 6. Tait AR, Voepel-Lewis T, Munro HM, Gutstein HB, Reynolds PI. Cancellation of pediatric surgery: economic and emotional implications for patients and their family. J Clin Anesth 1997 May; 9(3):213-9.
  • 7. Abdellaoui A, Addison A. A study of cancelled operations in an orthopaedics department. Clin Gov Bull 2005 March; 5(6):6-9.
  • 8. Gatto MAF, Jouclas VMG. Otimizando o uso da SO. Rev SOBECC 1998 janeiro-março; 3(1):23-8.
  • 9. Silva SH da. Controle da qualidade assistencial: implementação de um modelo. [tese]. São Paulo (SP): Escola de Enfermagem/USP; 1994.
  • 10. Robles A Junior. Custos da qualidade: uma estratégia para a competição global. São Paulo (SP): Atlas; 1994.
  • 11. Souza D de LE. CCQ - Fazendo acontecer. Belo Horizonte: Christiano Ottoni/Escola de Engenharia/UFMG; 1996.
  • 12. Pereira GBS, Baraúna MLPS de. Custo de oportunidade sob o enfoque do modelo gestão econômica. In: 9ş Congresso Brasileiro de Custos; 2002. Outubro 13-15; São Paulo, São Paulo. [citado 2004 setembro 21]. Disponível em: URL: http://www.abccustos.org.br/texto/viewpublic?ID_TEXTO= 1443
  • 13. Silva AS, Reis EA dos, Leão LCG. Custo de oportunidade. In: 4ş Congresso Brasileiro de Custos; 1997. Novembro-Dezembro 28-01; Belo Horizonte, Minas Gerais. [citado 2004 setembro 21]. Disponível em: URL: http://www.abccustos.org.br/texto/viewpublic?ID_TEXTO= 205
  • 14. Nascimento AM, Souza MA de. Custos de oportunidade: evolução e mensuração. In: 10ş Congresso Brasileiro de Custos; 2003. Outubro 15-17; Guarapari, Espírito Santo. [citado 2004 setembro 21]. Disponível em: URL: http://www.abccustos.org.br/texto/viewpublic?ID_TEXTO= 1729
  • 15. Catelli A. Custos de oportunidade na gestão da cadeia de valor. In: 9ş Congresso Brasileiro de Custos; 2002. Outubro 13-15; São Paulo, São Paulo. [citado 2004 setembro 21]. Disponível em: URL: http://www.abccustos.org.br/texto/viewpublic?ID_TEXTO= 1421
  • 16. Arieta CEL, Taiar A, Kara-José N. Utilização e causas de suspensão de intervenções cirúrgicas oculares em Centro Cirúrgico ambulatorial universitário. Rev Assoc Med Bras 1995; 41(3): 233-5.
  • 17. Lira RPC, Nascimento MA, Temporini ER, Kara-José N, Arieta CEL. Suspensão de cirurgias de catarata e suas causas. Rev Saúde Pública 2001; 35(5): 487-9.
  • 18. Pinho RCS, Pessoa MNM, Peter MGA, Cochrane TMC, Peter FA. Custos da qualidade na atividade de auditoria. In: 10ş Congresso Brasileiro de Custos; 2003. Outubro 15-17; Guarapari, Espírito Santo. [citado 2004 setembro 21]. Disponível em: URL: http://www.abccustos.org.br/texto/viewpublic?ID_TEXTO= 1683
  • 19. Maia JRC, Nascimento M do, Kielwagen KE, Costa FA. A gestão dos custos da qualidade otimizando o processo de garantia da qualidade. In: 8ş Congresso Brasileiro de Custos; 2003. Outubro 3-5; São Leopoldo, Rio Grande do Sul. [citado 2004 setembro 21]. Disponível em: URL: http://www.abccustos.org.br/texto/viewpublic?ID_TEXTO= 2109
  • 1
    Extraído de Projeto de Pesquisa
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      17 Dez 2007
    • Data do Fascículo
      Out 2007

    Histórico

    • Aceito
      14 Jun 2007
    • Recebido
      21 Fev 2006
    Escola de Enfermagem de Ribeirão Preto / Universidade de São Paulo Av. Bandeirantes, 3900, 14040-902 Ribeirão Preto SP Brazil, Tel.: +55 (16) 3315-3451 / 3315-4407 - Ribeirão Preto - SP - Brazil
    E-mail: rlae@eerp.usp.br