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A teoria revolucionária de kuhn e sua influência na construção do conhecimento da enfermagem

Resumos

Trata-se de reflexão teórica, formulada a partir das ideias acerca da "teoria da revolução" e sua influência na profissão enfermagem. Segundo autores, várias escolas de enfermagem assimilaram a teoria do progresso, aderiram à posição de que a enfermagem segue o mesmo modelo revolucionário de desenvolvimento como as demais ciências, analisadas por esse modelo. Desse modo, essa reflexão remete à tese de que a existência de apenas um paradigma não é aceitável, principalmente para a enfermagem, que trabalha, assiste e cuida de seres humanos que apresentam diferentes percepções sobre as situações de saúde e doença. Aponta que, para a enfermagem, a existência de múltiplos paradigmas indica uma ciência forte e ativa, que encoraja a criatividade, estimula o debate de ideias e se mostra aberta para questionamentos.

conhecimento; teoria de enfermagem; modelos de enfermagem


This is a theoretical reflection, grounded in the ideas of "revolution theory" and its influence on the nursing profession. According to authors, many nursing schools have assimilated progress theory and embraced the claim that nursing follows the same revolutionary developmental model as the other sciences analyzed by this model. Thus, this reflection addresses the thesis that the existence of a single paradigm is not acceptable, especially in nursing, which works, assists and cares for human beings who present different perceptions of health/illness events. It argues that, for nursing, the existence of multiple paradigms indicate a strong dynamic science that encourages creativity, fosters the debate of ideas and is open to questioning.

knowledge; nursing theory; models, nursing


Se trata de una reflexión teórica formulada a partir de las ideas sobre la "teoría de la revolución" y su influencia en la profesión de enfermero. Según algunos autores, varias escuelas de enfermería asimilaron la teoría del progreso y adhirieron a la posición que afirma que la enfermería sigue el mismo modelo revolucionario de desarrollo que las demás ciencias analizadas por ese modelo. Así, esta reflexión se refiere a la tesis de que la existencia de solamente un paradigma no es aceptable, principalmente para la enfermería, que trabaja, asiste y cuida de seres humanos que presentan distintas percepciones acerca de las situaciones de salud y enfermedad. Señala que, para la enfermería, la existencia de múltiples paradigmas indica una ciencia fuerte y activa, que incentiva la creatividad, estimula el debate de ideas y se muestra abierta a cuestionamentos.

conocimiento; teoría de enfermería; modelos de enfermería


ARTIGO TEÓRICO

IEnfermeira Obstetra, Doutoranda da Universidade Federal de Santa Catarina, Professor da Universidade Federal do Paraná, e-mail: mlwall@uol.com.br

IIEnfermeira, Doutor em Filosofia da Enfermagem, Professor da Universidade Federal de Santa Catarina, e-mail: telmacarraro@nfr.ufsc.br

RESUMO

Trata-se de reflexão teórica, formulada a partir das ideias acerca da "teoria da revolução" e sua influência na profissão enfermagem. Segundo autores, várias escolas de enfermagem assimilaram a teoria do progresso, aderiram à posição de que a enfermagem segue o mesmo modelo revolucionário de desenvolvimento como as demais ciências, analisadas por esse modelo. Desse modo, essa reflexão remete à tese de que a existência de apenas um paradigma não é aceitável, principalmente para a enfermagem, que trabalha, assiste e cuida de seres humanos que apresentam diferentes percepções sobre as situações de saúde e doença. Aponta que, para a enfermagem, a existência de múltiplos paradigmas indica uma ciência forte e ativa, que encoraja a criatividade, estimula o debate de ideias e se mostra aberta para questionamentos.

Descritores: conhecimento; teoria de enfermagem; modelos de enfermagem

INTRODUÇÃO

Ao longo dos tempos, o desenvolvimento científico foi investigado por muitos filósofos e cientistas(1-3). Diferentes teorias foram explicitadas para descrever modelos sobre progressos científicos, baseados em análises retrospectivas sobre avanços, tanto nas ciências físicas e naturais, quanto nas sociais.

A pergunta "como se desenvolve ciência?" que ocupou a reflexão de cientistas e filósofos, também se mostrou presente na busca da construção de um referencial teórico seguro na enfermagem. Qual, ou quais processos, ou caminhos, que a enfermagem percorreu, para alcançar o atual patamar de desenvolvimento? Para responder a essa pergunta, enfermeiras e enfermeiros utilizaram arcabouços epistêmicos, enfim, modelos científicos preexistentes. A utilização desses referenciais teóricos, certamente, influenciou o crescimento e desenvolvimento da disciplina Enfermagem.

Durante as últimas décadas, a enfermagem conseguiu estruturar conhecimento significativo e articulado sobre cuidado, interação, promoção à saúde ou ambiente, por exemplo. Porém, faz-se necessário o contínuo repensar sobre o curso do desenvolvimento das bases da enfermagem, principalmente, sobre o progresso teórico, permitindo a avaliação e organização de futuros conhecimentos.

As teorias tiveram e têm papel importantíssimo no desenvolvimento da enfermagem. Porém, esse conhecimento abrange muito mais que teorias inclui, ainda, pesquisa, senso comum, a filosofia e também a prática da enfermagem. Dessa forma, o desenvolvimento teórico na enfermagem pode ser classificado por meio da teoria da revolução, da teoria da evolução e da teoria da integração(4).

A teoria da evolução aponta para mudanças em uma determinada direção, seguindo do menor para o maior, do mais simples ao complexo. Na teoria da integração, a construção do conhecimento na enfermagem é visto como um processo evolutivo que passou por várias crises, onde as diferentes ideias e teorias podem existir lado a lado(4).

Nesse contexto, esse estudo tem por objetivo propiciar reflexão formulada acerca do desenvolvimento da ciência, descritas no livro A Estrutura das Revoluções Científicas(5), publicado em 1962, e ideias apontadas(4,6) acerca da "teoria da revolução" e sua influência na profissão enfermagem.

Entende-se que as reflexões, aqui colocadas, vão ao encontro das inquietações e sugestões de estudiosos, colaborando para que se assuma novas atitudes, novas condutas, novas formas de pensar e ser, submetendo modelos de enfermagem emergentes ao controle de provas científicas para se alcançar distinção em conhecimento, reconhecido pela comunidade científica, bem como para que se alcance melhores resultados na prática de cuidado(7-9). Enquanto profissionais que cuidam, ensinam e pesquisam, é necessário considerar a diversidade de saberes, de práticas e de culturas, buscando sempre a "habilidade política humana de saber pensar e intervir criticamente, numa busca imanente por autonomia crescente"(10).

METODOLOGIA

Trata-se de estudo reflexivo. Para maior embasamento teórico, realizou-se leitura compreensiva das obras como A Estrutura das Revoluções Científicas(5) e O Caminho desde as Estruturas(11), evidenciando seus conceitos centrais. A seguir, foi lida a obra, tanto no inglês, idioma original(6,12), como na língua alemã, na tradução(4), buscando entender a gênese da enfermagem como ciência, bem como o crescimento teórico da disciplina, a partir da teoria da revolução e como essa influenciou a Enfermagem.

A TEORIA REVOLUCIONÁRIA E SUA INFLUÊNCIA NA ENFERMAGEM

Thomas Kuhn iniciou sua carreira universitária como físico teórico e, ainda na academia, entrou em contato com estudiosos da história da ciência, na qual via um campo de estudos muito fértil. Numa extensa entrevista em 1995, na Universidade de Atenas, ele falava sobre si, "eis aqui um homem que nunca foi treinado como filósofo, que tem sido um amador aprendendo cada vez mais coisas sobre o assunto por si mesmo, de interações etc. - mas não um filósofo. Um físico que se tornou historiador para responder a objetivos filosóficos"(11).

Foi, provavelmente, um dos primeiros cientistas a descrever a evolução do pensamento científico como um processo contraditório, no qual o desenvolvimento científico não se dá apenas pela constante acumulação de conhecimento e, sim, é fundamentalmente evolutivo, através de rupturas, marcado pela revolução. Essa teoria está fundamentada e corresponde a esse conceito, pois "quando os membros da profissão não podem mais esquivar-se das anomalias que subvertem a tradição existente da prática científica - então começam as investigações extraordinárias que finalmente conduzem a profissão a um novo conjunto de compromissos, a uma nova base para a prática da ciência. Os episódios extraordinários nos quais ocorre essa alteração de compromissos profissionais são denominados, neste ensaio, de revoluções científicas"(5).

Em 1981, vinte anos após a publicação de sua obra(5), escreveu em um artigo no qual mostra que as mudanças revolucionárias são diferentes e mais problemáticas, pois envolvem descobertas que não podem ser acomodadas nos limites dos conceitos que estavam em uso até então. "Não se pode passar do velho ao novo simplesmente por um acréscimo ao que já era conhecido [...] nem se pode descrever inteiramente o novo no vocabulário do velho e vice-versa"(11).

Na filosofia, o termo revolução pode ser entendido como "mudança radical de qualquer situação cultural"(13). Afirmava que "a mudança central não pode ser experienciada de modo fragmentado, ela envolve uma transformação relativamente súbita"(11).

A ciência evolui em saltos, e as "crises são uma pré-condição necessária para a emergência de novas teorias", que competem entre si, identificando-se anomalias e inadequações, conduzindo à rejeição de uma teoria ou na adoção de outra(5). As crises "precisam apenas ser o prelúdio costumeiro, proporcionando um mecanismo de autocorreção, capaz de assegurar que a rigidez da ciência normal não permanecerá para sempre sem desafio"(5).

Apesar de existirem outros fatores básicos que podem ser abordados para se entender a organização da atividade científica desse autor, destaca-se, neste estudo, o conceito de paradigma e de comunidade científica, bem como os cinco períodos, propostos na Estrutura das Revoluções Científicas(5), que caracterizam o desenvolvimento científico. O autor denomina os períodos de pré-paradigmático, de ciência normal, de anomalias e de crises, o revolucionário e o novo período de ciência normal, também denominado pós-revolucionário.

A fase que precede a formação da ciência é caracterizada por diferentes atividades e por toda desorganização que se estrutura mediante a adoção de um paradigma. Ciência normal será o período em que se atua dentro de um dado paradigma que é aceito por uma comunidade científica. Os cientistas avançam, nesse período, dentro dos problemas que o paradigma adotado permite detectar, experimentando várias dificuldades, as chamadas anomalias, que esse paradigma não consegue resolver. Quando essas anomalias ultrapassam o controle, instala-se uma crise, que é resolvida pela emergência de um novo paradigma, ou seja, a revolução científica, iniciando-se um novo período de ciência normal.

Durante a leitura da obra, depara-se, logo nas primeiras páginas, com o conceito de paradigma. Um paradigma constitui "as realizações científicas universalmente reconhecidas que, durante algum tempo, fornecem problemas e soluções modelares para uma comunidade de praticantes de uma ciência"(5). Segundo o próprio autor, esse termo aparece de forma "intrinsecamente circular", pois é aquilo que estudiosos compartilham numa comunidade científica e, inversamente, uma comunidade científica consiste de homens que compartilham um paradigma(5). Numa de suas últimas obras, comenta que "paradigma era uma palavra perfeitamente boa, até que eu a estraguei"(11).

Assim, após várias críticas, adiciona à sua obra um posfácio, escrito em 1969, onde registra, "percebe-se rapidamente que na maior parte do livro o termo paradigma é usado em dois sentidos diferentes. De um lado indica toda a constelação de crenças, valores, técnicas etc., partilhadas pelos membros de uma comunidade determinada. De outro, denota um tipo de elemento dessa constelação: as soluções concretas de quebra-cabeças que, empregadas como modelos, ou exemplos, podem substituir regras explícitas como base para a solução dos restantes quebra-cabeças da ciência normal"(5).

O termo paradigma foi, então, substituído pelo termo "matriz disciplinar: disciplinar porque se refere a uma posse comum aos praticantes de uma disciplina particular, é composta por elementos ordenados de várias espécies [...], funcionam como conjunto"(5).

Essas ideias influenciaram o desenvolvimento do conhecimento na enfermagem, principalmente o conceito de paradigma, entendido como um repertório abrangente de crenças, valores, leis, princípios, metodologias teóricas, caminhos para aplicação e instrumentalização. Tendo a função de orientar suposições teóricas, sobre o ser da disciplina e sobre estratégias metodológicas, assim como um grau de consenso sobre métodos teóricos e técnicas. O paradigma contém questionamentos de uma área de conhecimento e soluções "quebra-cabeça", que irão auxiliar a comunidade científica na solução dos problemas da disciplina, bem como servirão de exemplos para seu amadurecimento(4,6).

Outra estudiosa de enfermagem, ao trazer a representação do conhecimento contemporâneo da enfermagem, utiliza o termo paradigma da enfermagem, acreditando que o paradigma funciona como uma moldura que limita a unidade, o conjunto, no interior do qual as estruturas podem se desenvolver. Assim, cientistas e teóricos de enfermagem podem utilizar referenciais teóricos de outra ciência, mas, precisam citar seu entendimento sobre: ser humano, ambiente, saúde e enfermagem, podendo acrescentar outros, que se considere necessários. Os conceitos e suposições de um paradigma, por serem amplos e globais, não oferecem orientação alguma para atividades concretas, tanto na pesquisa quanto na prática da enfermagem. Diferentes teorias têm pontos-chave que convergem e as teorias mais recentes, ou seja, novas teorias, não têm o objetivo de refutar ou derrubar as teorias mais antigas(14-15).

O paradigma tem várias funções, entre elas a de identificar o domínio da enfermagem, para que os conceitos e suposições utilizados ofereçam perspectiva própria para a pesquisa e a prática da disciplina, distinguindo-se dos domínios das demais disciplinas. O paradigma precisa envolver precisamente todos os fenômenos que são relevantes para uma disciplina - esse requisito só é validado quando os conceitos e proposições são globais e não existe redundância em suas informações(14-15).

O paradigma precisa ter uma perspectiva neutra - esse requisito só é válido quando os conceitos e suposições não representam uma perspectiva específica, ou seja, quando não favorecem um determinado modelo. Precisa ter validade internacional - esse requisito só é válido quando os conceitos e suposições não representam nenhuma particularidade nacional, cultural ou crença e valor étnico. Enfim, o paradigma da enfermagem é como uma moldura de referência, para que as(os) enfermeiras(os) se concentrem na saúde integral do ser humano, cientes de que esse interage de forma progressiva com o ambiente, já o paradigma da medicina, orienta médicos para diagnosticar e tratar doenças(14-15).

O paradigma encontra-se presente em todos os períodos da atividade científica, na qual a comunidade faz suas pesquisas e investigações. Esse paradigma anteriormente aceito, e que os guiava, pode apresentar falhas ou deparar-se com anomalias, desencadeando crises. A crise pode estar próxima de um período revolucionário, momento em que ocorre a passagem de um paradigma para outro. Esses períodos são chamados pré-paradigmáticos, pois a comunidade ainda não possui novas teorias que orientem as atividades científicas e que possam estabelecer uma proposta de trabalho sistemático(5).

Para que um paradigma seja aceito, ele deve parecer melhor que seus competidores, mas não precisa explicar todos os fatos com os quais foi confrontado. Após a revolução, surge um novo paradigma que volta a orientar novamente toda a prática científica de uma determinada comunidade. A comunidade científica é "formada pelos praticantes de uma especialidade científica. Esses foram submetidos a uma iniciação profissional e uma educação similares, numa extensão sem paralelos na maioria das outras disciplinas [...] em geral cada comunidade possui um objeto de estudo próprio [...] estão sempre em competição e na maioria das vezes essas competições terminam rapidamente [...] veem a si próprios e são vistos pelos outros como únicos responsáveis pela perseguição de um conjunto de objetivos comuns, que inclui o treino de sucessores [...] no interior do grupo a comunicação é relativamente ampla e os julgamentos profissionais relativamente unânimes [...] já a comunicação profissional entre grupos é algumas vezes árdua, resultando em mal-entendidos, evoca desacordos significantes e previamente insuspeitados"(5).

Atividades de desenvolvimento teórico-científicas não são novidade para a enfermagem. Muitas vezes, essa atividade científica aconteceu de forma inconsciente e informal, não só por meio de pesquisa e teorização. Também, durante a prática da enfermagem, deu-se o desenvolvimento de conceitos e teorias, ou seja, a estruturação do conhecimento da enfermagem. Existe, na enfermagem, uma produção científica razoável, gerada a partir dos processos de trabalho e das realidades concretas, permitindo a apreensão de contradições e dinâmicas que contribuem com estratégias de mudança da realidade(16).

O exemplo ocidental mais antigo de teorização é encontrado na história da enfermeira, que se utilizou da experiência acumulada na guerra da Crimeia, relacionando saúde e fatores ambientais, entre cuidado e coleta sistemática de dados, entre higiene e bem-estar. A partir de seus esforços, resultou uma visão conceitual sobre pacientes como ser físico, espiritual e intelectual, que necessita de calor, alimentação e ambiente calmo. Ela observava o ambiente como um fator externo relacionado ao paciente, composto por ar, água, esgoto, luz e limpeza. Seus escritos contêm componentes sobre teorias de coleta de dados, e análises com gráficos e estatísticas, assim como teorias sobre saúde e doença, que foram avaliadas por epidemiologistas. Apesar das críticas feitas, vários aspectos como, por exemplo, a relação entre saúde e ambiente saudável, descritos por essa enfermeira, foram utilizados no desenvolvimento de outras teorias(4,6,14).

Ao longo do tempo, vários autores têm lançado críticas ao pensamento revolucionário paradigmático e todas convergem para a ideia de que possa existir uma convivência harmoniosa entre diferentes paradigmas que concorrem entre si. Concorrência é um processo contínuo e, nas ciências, várias tradições da pesquisa coexistem. Surgem algumas indagações: não seria possível que a cada momento histórico, numa determinada disciplina, houvesse similaridades e diferenças, bem como concorrências e colaborações? Paradigmas que concorrem entre si sempre apresentam extremos, ou seja, uma crise, diferenças absolutas, enfim, uma revolução, seguido de um período de ciência normal(4).

No posfácio de sua obra, o autor registra que "diversos críticos puseram em dúvida se as crises (consciência comum de que algo saiu errado) precedem as revoluções tão invariavelmente como dei a entender no meu texto original. Contudo, nenhuma parte importante da minha argumentação depende da existência de crises como um pré-requisito essencial para as revoluções; precisam apenas ser o prelúdio costumeiro, proporcionando um mecanismo de autocorreção"(5).

Várias escolas de enfermagem assimilaram a teoria do progresso, aderiram à posição de que a enfermagem segue o mesmo modelo revolucionário de desenvolvimento como as demais ciências analisadas por ele. Assim o progresso da enfermagem foi medido a partir dos critérios por ele estabelecidos, tendo como resultado uma avaliação crítico-negativa, com a percepção de desenvolvimento revolucionário, onde predominava um paradigma que deveria ser assimilado por toda a enfermagem(4).

Baseados apenas nessa premissa, a enfermagem, como ciência, não evoluirá, permanecendo no período pré-paradigmático, uma vez que não teria períodos de ciência normal. Surge então a tese de que, para a ciência, a existência de apenas um paradigma não é aceitável, principalmente para a enfermagem, que trabalha, assiste e cuida de seres humanos que apresentam diferentes percepções sobre as situações de saúde e doença(6,17).

Essa tese de que apenas um paradigma não é aceitável para a enfermagem, também é discutida e exemplificada por autores quando referem que a integração dos métodos qualitativos e quantitativos de pesquisa é um avanço para a ciência da enfermagem. Argumentam que a existência de múltiplos paradigmas na enfermagem indica uma ciência forte e ativa. Revelam uma comunidade científica saudável, que encoraja a criatividade, estimula o debate à mudança de ideias, promove a diversidade de visões, ideias, bem como a produtividade e sempre se mostra aberta para questionamentos(18).

Os períodos do desenvolvimento científico "podem ser produtivos em sua capacidade de exercitar o questionamento e a lógica do movimento crítico, traduzido nos conceitos de crise e ruptura". Os modelos propostos devem respeitar cada realidade para atender as necessidades do ser humano, sendo coerentes e abertos para que as falhas possam ser reconhecidas, enfrentadas e reorganizadas(19).

Vale observar que o desenvolvimento do saber da enfermagem deve estar baseado na cooperação, evitando a visão reducionista e postura dogmática, ao se competir pelo domínio de um paradigma em detrimento de outro. A criação de novos paradigmas de ciência deve possibilitar a livre expressão da arte, da ciência e do conhecimento com vistas ao resgate da essência dos fenômenos em enfermagem(20).

ALGUMAS CONSIDERAÇÕES

Com base no exposto, permitiu-se, aqui, fazer algumas considerações. O caminho da teoria revolucionária no desenvolvimento da enfermagem preocupou-se em trazer o status dessa disciplina enquanto ciência, porém, ela não abrange a descrição da magnitude da ciência - Enfermagem. Se se analisar, percebe-se que a teoria da revolução assinala à comunidade científica um sentimento agressivo com crises, a interação acontece por meio de concorrências, o objetivo é o domínio por meio da derrota, o processo desenvolve-se por substituição, eliminação e descontinuidade, o desenvolvimento do conhecimento acontece por aproximação, a argumentação é o confronto, trazendo o recuo de uma das partes, a avaliação é crítica e destrutiva, resultando num ambiente competitivo e crítico.

Não se deve estimular, entre os profissionais da enfermagem, a competição pela competição, mas, sim, e necessário estimular a cooperação para que o desenvolvimento do seu saber alcance o objetivo maior, que é a transformação multidimensional do contexto ao qual pertence.

A enfermagem, enquanto ciência, disciplina e profissão, busca a verdade, no sentido de construir um referencial teórico consistente, contribuindo para a evolução, tanto no campo individual, quanto no coletivo, pertencentes, ou não, a uma comunidade científica. A comunidade científica, comprometida com a mudança de um determinado paradigma, ou referencial na enfermagem, pode ser identificada nos grupos de enfermeiras e enfermeiros que atuam na prática, ou na academia - por meio do ensino, da pesquisa, atuando em grupos multiprofissionais, uma vez que o conhecimento de diferentes ciências pode ser aplicado pela enfermagem.

Essas comunidades científicas buscam a maturidade, que não precisa ser a presença de um paradigma, pois a transição permite chegar a uma ciência desenvolvida, que possui paradigmas que identificam o quebra-cabeça desafiador, proporcionando pistas para a solução, garantindo a prática inteligente.

Uma revolução é uma espécie de mudança envolvendo certo tipo de reconstrução dos compromissos de grupo, que não precisa ser, necessariamente, uma grande mudança, mas precisa ser entendida enquanto oposta às mudanças cumulativas.

Muitos dos conflitos gerados, atualmente, resultam de choques entre pessoas que veem a realidade de maneiras antagônicas, pois, quando se está prisioneiro de um paradigma, dificilmente se consegue aceitar outro paradigma que compita com ele. Vale ressaltar que é importante ganhar-se flexibilidade intelectual para ser capaz de mudar de paradigma, analisando-o cuidadosamente, buscando a capacidade para se optar, de forma apropriada, pelos universos nos quais estamos inseridos.

A Enfermagem busca, além de outros, a integralidade, a percepção, as experiências, as múltiplas realidades, o surgimento e a existência de vários fenômenos, assim, cabe à enfermagem, enquanto ciência, continuar em busca do conhecimento, lembrando que "o que um homem vê depende tanto daquilo que ele olha como daquilo que sua experiência visual-conceitual prévia o ensinou a ver. Na ausência de tal treino, somente pode haver [...] confusão atordoante e intensa"(5).

REFERÊNCIAS

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  • A teoria revolucionária de Kuhn e sua influência na construção do conhecimento da enfermagem

    Marilene Loewen WallI; Telma Elisa CarraroII
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      03 Ago 2009
    • Data do Fascículo
      Jun 2009

    Histórico

    • Recebido
      14 Abr 2008
    • Aceito
      03 Mar 2009
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