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Qualidade de vida de pessoas em hemodiálise crônica: relação com variáveis sociodemográficas, médico-clínicas e de laboratório

Resumos

OBJETIVO: determinar a qualidade de vida de pessoas em hemodiálise crônica e sua relação com variáveis sociodemográficas, médico-clínicas e de laboratório. MÉTODO: estudo exploratório, descritivo, transacional com amostragem de probabilidade estratificada. Qualidade de vida foi avaliada mediante o instrumento KDQOL-36TM. Os dados foram analisados com o programa estatístico SPSS. RESULTADOS: 354 pessoas em hemodiálise crônica apresentaram pontuações baixas na maioria das dimensões de qualidade de vida, principalmente carga da doença, componente físico e mental. Foram encontradas associações com idade, sexo, escolaridade, renda, tempo em diálise, etiologia da doença, cigarro, hospitalizações, quantidade de remédios, albumina, creatina e transplantes. Os resultados revelam múltiplos fatores relacionados à qualidade de vida. CONCLUSÃO: existe a necessidade de se investigar outros aspectos que permitam enfocar e otimizar o cuidado da enfermagem dirigido a essas pessoas.

Qualidade de Vida; Hemodiálise; Insuficiência Renal Crônica


AIM: determine the quality of life for people in chronic hemodialysis and its association with sociodemographic, medical-clinical and laboratory variables. METHOD: exploratory, descriptive, cross-sectional study with stratified probability sampling. Quality of life was assessed using the KDQOL-36TM. Data were analyzed using SPSS statistical software. RESULTS: 354 people in chronic hemodialysis had low scores on most dimensions of quality of life, mainly Burden of Disease, Physical and Mental Component. Age, sex, education, income, time on dialysis, etiology of the disease, smoking, hospitalizations, albumin, creatinine and transplants were related. The results reveal multiple factors related to quality of life. CONCLUSION: there is a need to research on other aspects that permit focusing and optimizing the nursing care for these people.

Quality of Life; Hemodialysis; Chronic Renal Failure


OBJETIVO: determinar la calidad de vida de personas en hemodiálisis crónica y su relación con variables sociodemográficas, médico-clínicas y de laboratorio. MÉTODO: estudio exploratorio, descriptivo, transaccional con muestreo probabilístico estratificado. Calidad de vida fue evaluada mediante el instrumento KDQOL-36TM. Los datos fueron analizados con el programa estadístico SPSS. RESULTADOS: 354 personas en hemodiálisis crónica presentaron puntuaciones bajas en la mayoría de las dimensiones de calidad de vida, principalmente Carga de la Enfermedad, Componente Físico y Mental. Edad, sexo, escolaridad, ingresos económicos, tiempo en diálisis, etiología de la enfermedad, cigarrillo, hospitalizaciones, número medicamentos, albúmina, creatinina, trasplantes resultaron relacionados. Los resultados revelan múltiples factores relacionados con la calidad de vida. CONCLUSIÓN: existe necesidad de investigar otros aspectos que permitan enfocar y optimizar el cuidado de enfermería dirigido a estas personas.

Calidad de Vida; Hemodiálisis; Insuficiencia Renal Crónica


ARTIGO ORIGINAL

Qualidade de vida de pessoas em hemodiálise crônica: relação com variáveis sociodemográficas, médico-clínicas e de laboratório

IPhD, Professor, Departamento de Enfermería, Universidad Católica del Maule, Chile

IIPhD, Professor, Departamento de Enfermería, Universidad de Concepción, Chile

IIIMSc, Professor, Departamento de Enfermería, Universidad Católica del Maule, Chile

Endereço para correspondência

RESUMO

OBJETIVO: determinar a qualidade de vida de pessoas em hemodiálise crônica e sua relação com variáveis sociodemográficas, médico-clínicas e de laboratório.

MÉTODO: estudo exploratório, descritivo, transacional com amostragem de probabilidade estratificada. Qualidade de vida foi avaliada mediante o instrumento KDQOL-36TM. Os dados foram analisados com o programa estatístico SPSS.

RESULTADOS: 354 pessoas em hemodiálise crônica apresentaram pontuações baixas na maioria das dimensões de qualidade de vida, principalmente carga da doença, componente físico e mental. Foram encontradas associações com idade, sexo, escolaridade, renda, tempo em diálise, etiologia da doença, cigarro, hospitalizações, quantidade de remédios, albumina, creatina e transplantes. Os resultados revelam múltiplos fatores relacionados à qualidade de vida.

CONCLUSÃO: existe a necessidade de se investigar outros aspectos que permitam enfocar e otimizar o cuidado da enfermagem dirigido a essas pessoas.

Descritores: Qualidade de Vida; Hemodiálise; Insuficiência Renal Crônica.

Introdução

A insuficiência renal crônica terminal (IRCT) é doença com alta prevalência e incidência em nível mundial(1-2). Nas últimas décadas, no Chile também houve aumento significativo no número de pacientes(3). A doença tem consequências fatais em curto e médio prazo(4) e afeta muitas estruturas do corpo, motivo pelo qual está associada à redução da qualidade de vida (QV)(5-6).

Até o momento não tem cura, mas as terapias desenvolvidas para tratá-la permitem a manutenção e extensão da vida. A hemodiálise (HD) é a terapia mais frequente usada em nível mundial(1,4,7) e no Chile também(2). É tratamento altamente complexo e exigente que pode se tornar muito restritivo e implica profundas mudanças no estilo de vida(5). Além disso, está associado a altos custos sociais e econômicos para os sistemas de saúde(8). Apesar de a terapia dialítica permitir às pessoas prolongarem sua vida e garantirem sua sobrevivência(9), também afeta a realização de atividades da vida cotidiana e, em longo prazo, sua qualidade de vida. A diminuição da qualidade de vida tem sido associada, além disso, ao aumento do risco de morbidade e mortalidade nessa população(6).

A qualidade de vida é um construto amplamente estudado em várias doenças e na IRCT, devido a suas características e tratamento. Representa preocupação permanente dos profissionais de saúde. Em 1994, a Organização Mundial da Saúde a definiu como "a percepção individual da posição na vida no contexto da cultura e do sistema de valores em que se vive e sua relação com as metas, expectativas, normas e interesses"(10). Tem sido estudado recentemente como um dos principais resultados da terapia renal substitutiva em diferentes grupos de pessoas e países, e como um dos principais indicadores de saúde e bem-estar(7-8). Seu estudo e interesse aumentaram nos últimos anos, acompanhando o crescimento progressivo de pessoas com IRCT e a extensão de vida. Os estudos coincidem em apontar pior QV em pessoas sob HD do que na população em geral e, inclusive, em pacientes pós-transplante renal(6-7,11). Também concordam que a dimensão ou área mais deteriorada é a dimensão física, subjacente à dimensão mental(12). Além disso, as investigações tentaram identificar os fatores que influenciam a QV com vistas ao estabelecimento de estratégias de intervenção. Alguns fatores relacionados à QV são o nível de hemoglobina, albumina, creatinina, hematócrito; fatores psicossociais como estado civil, depressão e ansiedade; fatores sociodemográficos e clínicos como idade, gênero, duração da doença renal e da diálise, e doenças concomitantes(12-13).

É um problema real que as doenças crônicas e terminais como a IRCT afetam a QV das pessoas, já que influenciam diversas esferas de sua vida. Assim, sua avaliação proporciona importante medida de resultados, especialmente em enfermidades de longo prazo como a IRCT, que pode ser avaliada através de instrumentos genéricos e específicos(8). Realizar estudos que permitam identificar o estado da QV em pessoas sob HD e quais são os fatores determinantes representam um aspecto fundamental a ser avaliado nessa população, com vistas ao desenvolvimento de intervenções efetivas. Isso é o caso particularmente na área de enfermagem, diretamente relacionada a esse tipo de tratamento, já que a qualidade de vida relacionada à saúde (QVRS) muitas vezes é avaliada para determinar a eficácia dos cuidados dados à saúde e ao tratamento, e também à distribuição dos recursos e ao desenvolvimento de políticas de saúde(7).

Apesar disso, no Chile, a QVRS tem sido estudada de forma incipiente nessa população, e o mesmo vale para sua associação com variáveis sociodemográficas, médico-clínicas e de laboratório. O objetivo deste estudo foi determinar a relação que existe entre essas variáveis e a qualidade de vida em pessoas sob hemodiálise crônica, na Sétima Região do Chile.

Métodos

Trata-se de estudo exploratório, descritivo, correlacional e transversal. Foi realizada a amostragem probabilística estratificada em função dos centros de diálise no número total de pessoas com IRCT sob HD, em 11 dos 13 centros de diálise da Sétima Região do Chile, equivalente a 763 pessoas, até agosto de 2010. Participaram deste estudo os centros de Talca (Unidad de diálisis y Trasplante Hospital Regional de Talca: 27 de 50 participantes; Enferdial: 42 de 83 participantes; Hemodiálisis Talca: 47 de 92 participantes; Intermédica Diálisis Talca: 42 de 82 participantes); Linares (Nefrodial Linares: 31 de 60 participantes: Hemodiálisis Linares: 45 de 86 participantes); Curicó (Diálisis Curicó Limitada: 46 de 83 participantes); Constitución (Intermédica Diálisis Constitución: 11 de 22 participantes; Servicios Hospitalarios del Centro: 7 de 11 participantes); Parral (Hemodiálisis Parral: 43 de 83 participantes) e San Javier (Nefrodial San Javier: 13 de 21 participantes). A amostra incluiu pessoas acima de 18 anos de idade, submetidas a diálise três vezes por semana, com, no mínimo, três meses de tratamento dialítico, medicações estáveis, sem deterioração mental ou cognitiva diagnosticada e que concordaram em participar voluntariamente.

Após a avaliação ética pela Faculdade de Medicina da Universidad de Concepción, a aprovação do Comitê de Ética Científico do Servicio de Salud del Maule e a autorização de cada centro de diálise, iniciou-se a coleta de dados. Todos os participantes foram informados sobre a investigação, voluntariamente assinaram o termo de consentimento livre e informado e concordaram em participar.

Para avaliar a QV, foi utilizado o instrumento Kidney Disease Quality of Life (KDQOLTM), desenvolvido pelo Kidney Disease Quality of Life Working Group como medida autoaplicável da qualidade de vida, relacionada à saúde, em pessoas com doença renal e sob diálise(14). O KDQOLTM tem uma versão abreviada que foi aplicada neste estudo: o KDQOL-36TM. Esse instrumento contém 36 itens ou perguntas, divididos em dois componentes: um componente geral com 12 perguntas sobre qualidade de vida, baseadas no SF-12 (versão abreviada do SF-36), e um componente específico com 24 perguntas sobre a doença renal. Ao mesmo tempo, cada item ou pergunta é reagrupado em cinco subescalas ou dimensões, em que o componente geral agrupa as subescalas SF-12 componente físico (perguntas 1-12) e SF-12 componente mental (perguntas 1-12); o componente específico, por outro lado, agrupa as subescalas carga da doença renal (perguntas 13-16), sintomas e problemas (perguntas 17-28) e efeitos da doença renal na vida diária (perguntas 29-36)(15). As notas dos itens variam entre 0 e 100, em que 0 indica a pior qualidade de vida e 100 a melhor qualidade de vida. O El KDQOL-36TM foi validado em uma população chilena(16) e está disponível em espanhol para uso público(17). Os dados sociodemográficos, médico-clínicos e de laboratório foram coletados em uma ficha individual, a partir do arquivo clínico, ficha de diálise, registros de enfermagem e base de dados existentes em cada centro. Foram considerados os registros dos três meses anteriores à coleta de dados. Os dados foram coletados mediante entrevistas estruturadas, realizadas enquanto os pacientes estavam na sua sessão de diálise entre agosto e novembro de 2010.

Os dados foram ordenados, codificados e processados computacionalmente. O programa estatístico SPSS, versão 15.0, para Windows, foi usado para a análise. Para calcular as notas de QV alcançadas, utilizou-se a planilha de cálculo dos autores(17). A análise descritiva das amostras foi realizada mediante a distribuição de frequências, medidas de tendência central e medidas de dispersão. As associações entre as subescalas de qualidade de vida relacionada e as variáveis sociodemográficas, médico-clínicas e de laboratório, e também a comparação das médias foram calculadas através do coeficiente de correlação de Pearson (variáveis numéricas), ANOVA e t de Student (variáveis categóricas). Foi estabelecido como nível de significância estatística o valor de p<0,05. O resultado da análise de consistência interna do instrumento KDQOL-36TM, foi de 0,80.

Resultados

Do total de participantes selecionados, três se recusaram a participar do estudo. A amostra final foi composta por 354 participantes, correspondendo a 50,7% da população total de pessoas sob hemodiálise crônica, da Sétima Região do Chile. A Tabela 1 mostra as características sociodemográficas da população sob hemodiálise. A média de idade foi de 58,82 anos, a maioria do sexo masculino (57,9%), casados (53,7%), com parceiro (68,6%), vivia com a família (89%), com residência urbana (69,2%). A duração média dos estudos foi de 7,84, a maioria se declarou religiosa (91%), inativa profissionalmente (77,1%) e com renda mensal abaixo de cem mil pesos chilenos (53,1%), ou menos que 200 dólares americanos mensais.

A Tabela 2 mostra as características médico-clínicas e de laboratório. A principal causa de doença renal foi de origem desconhecida e a duração média do tratamento de hemodiálise era de 47,62 meses. Além disso, 90,1% não fumava e 92,7% nunca havia sido transplantado. A duração média de cada sessão de diálise foi 3,66 horas e o nível médio da diurese residual 477,71ml. Também, 86,4% não havia sido hospitalizado nos últimos três meses, 54,8% tomava diuréticos, e o consumo médio de medicamentos por dia foi de 8,2. No que diz respeito aos parâmetros de laboratório, o nível médio de hematócritos foi de 28,33%, Kt/V 1,46, albumina 4,11mg/dl, creatinina 7,72mg/dl, PTH 414,04pg/ml, ferritina 392,2ng/mL, potássio 4,74mEq/l, nitrogênio ureico 57,65mg/dl, cálcio 8,74md/d e fósforo 5,13mg/dl.

Os resultados da QV avaliada com as cinco subescalas do instrumento KDQOL-36TM aparecem na Tabela 3. As subescalas carga da doença do rim (C), SF-12 componente físico (PCS) e SF-12 componente mental (MCS) revelaram as notas médias mais baixas 31,88, 37,63 e 43,49, respectivamente. As subescalas sintomas/problemas (S) e efeitos da doença (E), pelo contrário, mostraram as notas médias mais altas, com 74,61 e 56,92, respectivamente.

A Tabela 4 mostra a correlação entre características sociodemográficas, médico-clínicas, de laboratório (variáveis numéricas) e qualidade de vida avaliada mediante o instrumento KDQOL-36TM. Foi encontrada correlação entre as variáveis idade, duração dos estudos, duração do tratamento dialítico, horas de diálise, diurese residual, número de medicamentos, pressão arterial sistólica, albumina, creatinina, ferritina e nitrogênio ureico (valor p≤0,005).

Na Tabela 5 mostra-se a relação entre características sociodemográficas, médico-clínicas, de laboratório (variáveis categóricas) e QVRS. Foi encontrado que somente algumas subescalas da QV estão relacionadas às características sociodemográficas: sexo, tipo de relação, situação familiar, residência, ocupação, renda econômica, com diferenças estatisticamente significativas entre as médias. As variáveis médico-clínicas foram a etiologia da doença, cigarro, hospitalizações e transplantes.

Discussão

Em relação à QV, foi encontrada alta porcentagem de pessoas com notas abaixo do valor de referência de 50 pontos (escala de 1 a 100 pontos) em três das cinco subescalas do instrumento KDQOL-36TM. A carga da doença foi a subescala na qual os participantes apresentaram a nota média menor e 76% das pessoas obtiveram notas abaixo de 50 pontos. O mesmo aconteceu com as subescalas componente físico e mental, já que mais que 50% das pessoas alcançaram notas abaixo de 50 pontos em ambas. No que diz respeito às subescalas efeitos da doença e sintomas/problemas, em que os pacientes apresentaram média superior a 50 pontos, a porcentagem das pessoas que alcançou essa nota também foi alta. Além disso, 88,7% alcançou notas acima de 50 pontos na subescala sintomas/problemas e 57,6% na subescala efeitos da doença do rim. Destaca-se a alta porcentagem de pessoas na Sétima Região com notas baixas em todas as dimensões de QV, o que está de acordo com outros estudos(18-19). O componente físico, avaliado nessa escala, também se mostrou mais alterado que o componente mental, conforme foi descrito em outras investigações(12,18,20). Isso poderia refletir a habilidade das pessoas para se adaptarem psicologicamente à sua situação ao longo do tempo, já que o tempo leva à diminuição no aspecto físico da QV, mas não no aspecto mental(12).

No que diz respeito à correlação com as variáveis numéricas, foi encontrada uma relação com idade, duração dos estudos, horas em diálise, diurese residual, número de medicamentos, pressão arterial sistólica, albumina, creatinina, nitrogênio ureico e ferritina. As variáveis categóricas relacionadas à QV foram sexo, tipo de relacionamento, situação familiar, residência, ocupação, renda proveniente de benefícios sociais, etiologia da doença, cigarro, hospitalizações e transplantes.

Os homens obtiveram melhores notas que as mulheres nas subescalas sintomas, efeitos da doença e componente mental. Como em outros estudos(7,21) que descrevem essas diferenças, as mulheres alcançaram notas inferiores, provavelmente devido ao aspecto psicológico que alguns autores propõem como determinante dessa condição(15). Porém, outros estudos também descrevem que essa relação não existe(2,18,22).

Considerando-se a idade, uma relação negativa foi encontrada em todas as subescalas avaliadas, exceto na dimensão efeitos da doença. As pessoas com idade superior a 60 anos alcançaram notas de QV mais baixas do que aquelas com menos de 60 anos, mas somente nas subescalas sintomas, carga da doença e componente físico. Esse último aspecto seria determinante, já que, como alguns autores indicam, a QV é mais baixa nos idosos devido à relação com maior deterioração na atividade física(21). Os achados diferem(2,13,21) e coincidem(11,23) com a literatura, mostrando também notas mais altas no componente físico e mental em pacientes mais jovens com menor duração do tratamento, nível educacional inferior e profissionalmente ativos. Os resultados do presente estudo sugerem que a idade avançada é muito importante na percepção da QV, correspondendo a um grupo vulnerável que precisa ser estudado mais a fundo. Por outro lado, as pessoas com parceiro obtiveram melhor QV que aquelas sem, mas somente na subescala sintomas e problemas da doença.

As pessoas que vivem sozinhas também alcançaram notas mais baixas na subdimensão sintomas da doença, quando comparadas às que vivem acompanhadas. Porém, no presente estudo não foram encontradas diferenças significativas entre pessoas casadas, solteiras, separadas ou em outro estado civil, conforme o que foi descrito em outros estudos(11,21). Outro estudo, porém, também encontrou QV superior no componente mental entre pessoas casadas ou com um relacionamento fixo e profissionalmente ativas(12). Autores(21) têm relacionado a situação de viver só como fator de predição independente no componente de saúde mental ao longo do tempo. Neste estudo, os resultados revelam que as pessoas que vivem na companhia de alguém tendem a demonstrar melhor percepção da QV com relação aos sintomas da doença. A condição de estar acompanhada por alguém tem influência mais determinante na QV percebida do que o estado civil das pessoas.

De acordo com alguns autores(21), a carga da doença e as limitações que seu tratamento impõe afetam também os cuidadores ou quem acompanha o paciente e podem ter influência significativa na QV percebida. O grau de apoio recebido no contexto familiar também foi descrito como importante fator de predição da QV mental(12). Também foi descrito, porém, que os efeitos do envolvimento familiar nem sempre têm se mostrado benéficos aos pacientes, devido à variação entre ambos os extremos, entre não dar assistência e exercer controle demasiado na vida das pessoas(2,12).

Sobre a residência, foram encontradas notas mais baixas entre pessoas com residência rural na subescala carga da doença do que entre as que vivem em setores urbanos. Não foram encontrados estudos que avaliam essa variável e sua relação com o nível de QV, mas é provável que a subescala carga da doença seja determinada pelas distâncias que as pessoas devem viajar desde a residência, localizada em setores rurais, até os centros de diálise na cidade. O tempo do traslado, as condições de transporte e, em algumas situações, a necessidade de um acompanhante podem representar fatores negativos na QV percebida. Por outro lado, foi encontrada correlação positiva entre a duração dos estudos e todas as subescalas. As pessoas com mais de oito anos de escolaridade alcançaram melhores scores de QV do que aquelas de nível educacional inferior. Essa situação coincide com o que outros autores descreveram(19) , mas difere de estudos nos quais não foi encontrada nenhuma relação(13), também foi encontrada uma correlação positiva com a variável ocupação. As pessoas inativas ou sem atividade profissional remunerada e de baixa renda revelaram QV inferior àquelas empregadas ou desempenhando algum trabalho remunerado em todas as subescalas avaliadas.

As notas das pessoas com renda superior foram mais altas nas subescalas sintomas, carga da doença e componente mental do que entre aquelas com renda abaixo de 200 dólares americanos mensais. Alguns autores(21) indicam que fatores sociais como desemprego, baixo nível educacional e baixo poder aquisitivo estão associados a piores níveis de QV, especialmente no que diz respeito ao funcionamento social e às limitações no papel devido a problemas emocionais. Isso é devido ao fato de que somente uma pequena quantidade de pessoas continua trabalhando e tendo renda, preservando, assim, sua condição anterior. Estar desempregado contribui à carga atribuída à doença renal, especialmente se o paciente for o principal provedor da família ou o chefe do lar. O papel do trabalho vai além do nível financeiro.

Para as pessoas sob hemodiálise, independente do nível de renda, estar empregado representa um aspecto mais importante que o dinheiro percebido(12). O tempo de tratamento, ou as horas passadas em hemodiálise, demonstrou uma correlação positiva com a subescala componente mental, e a quantidade de horas em hemodiálise mostrou correlação negativa com o componente físico. De acordo com alguns autores, o tempo de tratamento pode influenciar negativamente a QV. Foram encontradas melhores notas entre pessoas com tempo de tratamento mais curto(12,21-22). No presente estudo, porém, as pessoas com menor tempo de tratamento dialítico obtiveram notas inferiores no componente mental do que aquelas com menor tempo de tratamento. Para alguns autores(21), o fato de estar mais tempo sob tratamento poderia ajudar a perceber que a QV melhora porque as pessoas conseguem adaptar sua vida à diálise e, possivelmente, porque os níveis de uremia diminuem com o tempo, e também os sintomas da doença. Foi encontrada correlação positiva entre a diurese residual e as subescalas sintomas, efeitos da doença e componente físico. As pessoas com diurese superior a 1.000ml revelaram melhor QV do que aquelas com diurese residual menor. Os resultados estão de acordo com outro estudo(11), quando propõe que a deterioração na função renal residual pode levar a pior percepção da QV, devido à crescente conscientização sobre a dependência completa da diálise.

No presente estudo, não foi possível identificar associação com doenças concomitantes e o nível de QV. Apesar disso, foi encontrada QV inferior no componente físico entre pessoas que tiveram nefropatia diabética como causa da sua doença quando comparada com outras etiologias. Essa situação é semelhante a outros estudos(11-12,21), em que foi encontrada uma correlação forte entre as doenças associadas, especialmente a diabetes mellitus, e pior QV, apesar de descrições no sentido oposto(13).

Com relação ao cigarro, foram encontrados melhores níveis de QV entre fumantes do que não fumantes nas subescalas carga da doença e componente físico. Do mesmo modo, as pessoas que haviam recebido transplante em algum momento de sua vida revelaram melhores notas do que aquelas que nunca haviam sido transplantadas em quatro das cinco subescalas avaliadas (sintomas/problemas, carga da doença, componente físico e componente mental).

Também foram encontradas diferenças entre pessoas que não haviam sido hospitalizadas e aquelas com algum tipo de hospitalização nos últimos três meses. Quanto aos níveis de albumina, foi encontrada uma correlação positiva com as subescalas carga da doença e componente mental. Essa correlação positiva coincide com outros estudos(15,21), em que se encontrou que, de forma isolada ou em conjunto, a hipoalbuminemia e a creatinemia afetam a QV. A albumina foi descrita(12,21) como importante fator de influência na morbidade, mortalidade e QV das pessoas sob hemodiálise. Altos níveis foram associados a melhores níveis de QV(20). A creatinina sérica também apresentou uma correlação positiva com a subescala componente mental. Pessoas com creatinina superior a 9,41mg/dL alcançaram melhores notas nas subescalas sintomas e componente mental. O nível de creatinina também tende a ser associado com melhor CV(20).

Conclusão

O perfil sociodemográfico, junto com as características médico-clínicas e de laboratório dos pacientes sob tratamento dialítico, na Sétima Região do Chile, são aspectos que contribuem para o baixo nível de QV. Idade mais alta, baixa escolaridade, alta ruralidade, baixa renda, duração do tratamento, hospitalizações e ausência de transplantes representam alguns dos aspectos relacionados. As estratégias para melhorar o nível de saúde nessa população provavelmente devem focar esses aspectos. O presente estudo tem um enfoque quantitativo, motivo pelo qual seus resultados centram-se somente nos aspectos objetivos das pessoas. Sugerem-se outras pesquisas que envolvam a subjetividade das pessoas para compreender outros aspectos relacionados à qualidade de vida mais a fundo, permitindo, assim, à equipe de saúde prestar assistência integral a essa população.

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    Verónica Guerra-GuerreroI; Olivia Sanhueza-AlvaradoII; Mirtha Cáceres-EspinaIII
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      20 Nov 2012
    • Data do Fascículo
      Out 2012

    Histórico

    • Recebido
      03 Fev 2012
    • Aceito
      09 Abr 2012
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