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Participação em grupo de apoio: experiência de mulheres com câncer de mama

Resumos

Procurou-se compreender o significado sobre os grupos de apoio na vida das mulheres com câncer de mama. Trata-se de estudo qualitativo com 30 mulheres mastectomizadas, pertencentes a seis grupos de apoio da cidade de Fortaleza, Ceará. Os dados coletados por meio de entrevista semi-estruturada foram organizados e analisados sob fundamentação interacionista. Os resultados caracterizaram os grupos como mecanismo para o enfrentamento da situação e de superação do sofrimento, oriundo do diagnóstico e tratamento do carcinoma mamário. A socialização das experiências facilitou a busca de auxílio nos grupos de apoio, pois compartilhar problemas entre as mulheres mastectomizadas era uma forma de manter a auto-estima elevada, de acreditar, de confiar e superar algumas dificuldades. A participação no grupo proporcionava bem-estar e cuidado diferenciado, pois foi considerada uma forma de conhecer, aceitar e compreender a doença e cura, facilitando a socialização das idéias.

neoplasias mamárias; mastectomia; estrutura de grupo


The goal of the study was to understand the meaning of support groups in the life of women with breast cancer. It is a qualitative study with 30 mastectomized women who belonged to six support groups in the city of Fortaleza, Ceará. Data were collected with semi-structured interviews, organized and analyzed based on the interactionism concept. The results characterized the support groups as a mechanism to cope with the situation and to overcome the suffering derived from the diagnosis and treatment of the breast carcinoma. The socialization of the experiences facilitated the search for assistance in the support groups, since sharing the problems with mastectomized women was a way to preserve a high self-esteem, have faith and overcome some difficulties. Participating in the group provided well-being and a differentiated care, since it was considered a way to know, accept and understand the disease and its cure, facilitating the socialization of ideas.

breast neoplasms; mastectomy; group structure


En este estudio, se buscó comprender el significado de los grupos de apoyo a las mujeres con cáncer de mama. Se trata de estudio cualitativo con 30 mujeres mastectomizadas pertenecientes a seis grupos de apoyo de la ciudad de Fortaleza-Ceará. Los datos recolectados por medio de entrevista semi-estructurada fueron organizados y analizados bajo el marco teórico interaccionista. Los resultados caracterizaron los grupos como un mecanismo para el enfrentamiento de la situación y de superación del sufrimiento que se originan en el diagnóstico y tratamiento del carcinoma mamario. La socialización de las experiencias facilitó la búsqueda de auxilio en los grupos de apoyo, ya que compartir problemas entre las mujeres mastectomizadas, era una forma de mantener la auto-estima elevada, de creer, de confiar y superar algunas dificultades. La participación en el grupo proporcionaba bienestar y un cuidado diferenciado, ya que fue considerada una forma de conocer, aceptar y comprender la enfermedad y su cura, facilitando la socialización de las ideas.

neoplasias de la mama; mastectomia; estructura de grupo


ARTIGO ORIGINAL

IProfessor da Faculdade Integrada do Ceará, FIC, Brasil, e-mail: cleo@fic.br

IIProfessor Titular da Universidade de Fortaleza, UNIFOR, Brasil, e-mail: rmsilva@unifor.br

IIIProfessor Titular da Escola de Enfermagem de Ribeirão Preto, da Universidade de São Paulo, Centro Colaborador da OMS para o Desenvolvimento da Pesquisa em Enfermagem, Brasil, e-mail: mavima@eerp.usp.br

IVProfessor da Universidade Federal do Ceará, Brasil, e-mail: afcana@ufc.br

RESUMO

Procurou-se compreender o significado sobre os grupos de apoio na vida das mulheres com câncer de mama. Trata-se de estudo qualitativo com 30 mulheres mastectomizadas, pertencentes a seis grupos de apoio da cidade de Fortaleza, Ceará. Os dados coletados por meio de entrevista semi-estruturada foram organizados e analisados sob fundamentação interacionista. Os resultados caracterizaram os grupos como mecanismo para o enfrentamento da situação e de superação do sofrimento, oriundo do diagnóstico e tratamento do carcinoma mamário. A socialização das experiências facilitou a busca de auxílio nos grupos de apoio, pois compartilhar problemas entre as mulheres mastectomizadas era uma forma de manter a auto-estima elevada, de acreditar, de confiar e superar algumas dificuldades. A participação no grupo proporcionava bem-estar e cuidado diferenciado, pois foi considerada uma forma de conhecer, aceitar e compreender a doença e cura, facilitando a socialização das idéias.

Descritores: neoplasias mamárias; mastectomia; estrutura de grupo

INTRODUÇÃO

No Brasil, o câncer de mama é a maior causa de morte entre as mulheres. Dos 467 440 novos casos de diagnóstico de câncer previsto para 2006, o câncer de mama foi o segundo mais incidente entre a população feminina, sendo responsável por 48 930 casos novos. Estima-se, no Estado do Ceará, 34,82 casos para cada 100 000 mulheres, sendo 1 460 casos no Estado e 660 na cidade de Fortaleza(1).

O câncer de mama é caracterizado como doença lenta, silenciosa e furtiva, mas, sendo diagnosticada precocemente e com intervenção terapêutica adequada, poderá diminuir os mitos, tristezas e incertezas oriundas da patologia e tratamento. Nos grupos sociais populares, a conotação moral/religiosa do câncer, como doença punitiva e fatal, é reafirmada pelas mulheres(2).

Independentemente do procedimento terapêutico, o "câncer" provoca sentimentos negativos, fazendo com que a mulher se perceba diferente e excluída da sociedade, quando acometida por essa enfermidade. Para que a pessoa minimize esse quadro, é possível que sua inserção em grupos de apoio possibilite vivência com outras mulheres que estão passando pela mesma experiência e, assim, reconheça que poderá juntamente com as demais enfrentar barreiras e superar limites. Possibilita ainda que ela perceba não estar só, que pode trocar experiências e com isso redescobrir a vontade de viver.

Apesar dos benefícios comprovados sobre a participação em grupos de apoio, percebe-se que há poucos espaços que propõem essas atividades e que, quando existem, nem sempre há envolvimento por parte daquelas que necessitam. Há vários questionamentos sobre as reais razões para tais atitudes, mas especificamente é inquietante saber o que significa para as mulheres com câncer de mama participar de grupos de apoio e como essas percebem os grupos.

Alguns fatores podem inibir a inserção da mulher nos grupos de apoio, dentre os quais considera-se os diferentes procedimentos invasivos, seja no ambiente hospitalar ou ambulatorial, e o temor das conseqüências/implicações físicas e sociais decorrentes da mastectomia e, ainda, as condições socioeconômicas, muitas vezes, desfavoráveis, o que as impossibilita de participar do grupo com certa freqüência.

Algumas mulheres submetidas a procedimentos terapêuticos, que levam à mutilação, procuraram formas de conviver mais dignamente com a nova condição de saúde. Para isso, buscam possibilidades de ajuda em instituições como associações, serviços de saúde, grupos de apoio ou mesmo na família(3).

No convívio com mulheres participantes de um grupo de apoio, observa-se em diversas ocasiões que, no momento de inserção no grupo, as mulheres se mostram solitárias, isoladas, constrangidas, especialmente para falar de seus problemas quanto à imagem corporal, saúde e doença. Foi durante essa experiência com um grupo de apoio, ouvindo seus relatos, que foram despertados os seguintes questionamentos: o que esses grupos oferecem às mulheres para sua socialização? Que conteúdos estruturam o universo simbólico sobre a participação em grupos de apoio por mulheres com câncer de mama? Por que buscam e participam das atividades oferecidas pelos grupos de apoio?

Com a finalidade de encontrar respostas para os questionamentos, o estudo objetivou compreender o significado sobre os grupos de apoio na vida de mulheres com câncer de mama.

METODOLOGIA

Trata-se de estudo do tipo descritivo com abordagem qualitativa, sob uma perspectiva sociocultural que favoreceu a compreensão do mundo subjetivo das ações, reações, aspirações, crenças, experiências de vida de mulheres com câncer de mama que participaram de grupos de apoio(4).

Participaram trinta (30) mulheres mastectomizadas por câncer de mama, assistidas nos seis grupos de apoio existentes na cidade de Fortaleza. Cada grupo foi representado por cinco (5) mulheres, com até cinco anos de mastectomia, aptas para a entrevista e participando de grupos de apoio há pelo menos três meses (12 sessões, quando o grupo era semanal ou três vezes quando mensal).

Os seis grupos de apoio à mulher com câncer de mama caracterizam-se como organizações não-governamentais e/ou associados a instituições públicas e particulares, oferecendo apoio psicológico e recuperação física da paciente. Alguns contam com a participação de equipe voluntária, formada por médicos, assistentes sociais, enfermeiras, terapeutas ocupacionais e fisioterapeutas.

A coleta de dados foi realizada por meio de entrevistas semi-estruturadas, agendadas previamente, com duração de aproximadamente 20 minutos, em clima de harmonia e descontração. Utilizou-se uma questão norteadora: o que significa para a senhora participar de grupos de apoio? Essa indagação funcionou como estímulo para o início da entrevista e facilitou a socialização das experiências de vida.

As relações dialogais foram gravadas, com autorização das entrevistadas, e em local adequado e de escolha da participante. O conteúdo das entrevistas foi transcrito na íntegra, tendo sido anotadas expressões de sentimentos, choros e entonações, com a finalidade de captar todas as informações, pausas e ruídos contidos na gravação.

Essa abordagem deu suporte para ampliar a relação pesquisadoras-pesquisada e criar questionamentos quanto às experiências vivenciadas no grupo e suas repercussões na vida familiar e social. A coleta de dados foi interrompida após entrevista com cinco mulheres de cada grupo, por ter sido observado coincidências nas respostas, as quais responderam satisfatoriamente o objetivo proposto.

As entrevistas transcritas foram lidas repetidas vezes, com a finalidade de proceder à ordenação das idéias e dos conteúdos convergentes e divergentes, capazes de atender à compreensão sobre o significado dos grupos de apoio, na perspectiva das mulheres, e o significado dos agrupamentos para suas vidas.

Para a organização sistemática dos dados e a busca de uma descrição coerente de todo o material levantado, optou-se por usar a análise de conteúdo na modalidade temática apresentada por Bardin(5). Dessa forma, procedeu-se à pré-análise das entrevistas, buscando assinalar os discursos semelhantes e os diferenciados, mas que representavam unidades de significado dos grupos como suporte na visão das entrevistadas.

Na exploração do material coletado, identificou-se unidades de significados, agregando falas semelhantes e simbolizando a relação interpessoal e intergrupal atribuídas pelas participantes como significativas para o seu desenvolvimento pessoal, familiar e social. A análise fundamentou-se em uma abordagem interacionista com ênfase na interpretação consciente de cada mulher e no significado da interação grupal(6).

Conforme a Resolução 196/96, a pesquisa foi aprovada pelo Comitê de Ética da Universidade de Fortaleza/UNIFOR. As participantes do estudo foram informadas sobre a importância de sua participação na pesquisa, assegurando-lhes o anonimato e a liberdade de desistir sem perda de participação no grupo ou de outra forma de assistência. As que participaram da pesquisa assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido e ficaram cientes de que os dados seriam agrupados e apresentados para elas mesmas e publicados em veículos de propagação científica.

RESULTADOS E DISCUSSÃO

A análise do conteúdo das entrevistas e observações efetuadas com as mulheres estudadas permitiu apreender que a participação em grupos de apoio significava para elas a possibilidade de troca de experiências, de receber e oferecer suporte social, sair da exclusão social, receber informações e atividades de lazer.

Segundo relato das mulheres estudadas, a participação em grupos de apoio a portadoras de câncer de mama promove a troca de experiências com outras que convivem com problemas semelhantes, o que lhes possibilita a constatação de que não estão sozinhas nesta jornada: a gente vê que não foi só comigo, que existem muitas com o mesmo problema.

As mulheres revelam que a oportunidade de partilhar experiências com pessoas que sofrem dos mesmos problemas é forma de se sentirem incluídas no grupo, apoiadas, e, a partir daí, conseguirem externar sentimentos(6). No grupo a gente observa e vê que aquela amiga também teve e está ali forte, quer dizer, trocar idéias, você chora, você discute os problemas que são comuns, a gente se fortifica.

Fazer parte de grupos de apoio a mulheres com câncer de mama foi também considerado como fonte de suporte social, ao se perceber que, para elas, os grupos funcionaram como sustentáculo para dar continuidade ao processo de recuperação e adaptação à nova condição, e ainda como ambiente de transformação psicofísico e psicossocial. Para tanto, as mulheres acrescentaram que são pessoas que passaram a mesma coisa que eu e que hoje eu estou convivendo, tem todo um suporte para lhe apoiar na hora em que você tiver querendo fraquejá.

O câncer é visto como doença imprevisível, que traz incertezas diante da cura total e esse sentimento é compartilhado com outras mulheres em consultas médicas, entre o grupo de auto-ajuda e nos encontros de mulheres mastectomizadas(7).

As mulheres evidenciaram a importância dessa convivência grupal, pois identificam formas de superação que cada uma utiliza, além da liberdade de expressão, uma vez que, nesse ambiente criado nos grupos de apoio, as mulheres podem expressar o que pensam, sentem, desejam, e você não tem constrangimento em falar sobre o seu problema, todas estão ali para li ouvir.

Estudiosos do assunto esclarecem que a procura direcional de pessoas na mesma situação de ansiedade decorre da necessidade de estabelecer uma realidade social que sirva de base para avaliar a justificação da ansiedade em que se encontram(8).

Observa-se nos relatos das participantes a noção de que muitas mulheres identificavam o grupo como espaço onde habitam pessoas que para elas eram identidades consideradas de referência, exemplo e modelo inspirador para a elaboração de sua imagem e história: é o espelho que a gente tem do outro, se a gente consegue ver outra pessoa que passou pelo problema, que a gente passou bem, então, eu vou dizer para mim mesmo amanhã vou estar igual a ela vou acreditar e vou lutar para chegar lá.

No transcorrer do processo de socialização, há a exposição a pessoas ou grupos que assumem papel de referência positiva ou negativa para si próprias. No presente estudo, foi observado que as mulheres buscam referências e identidades positivas que as motivem para a superação das dificuldades enfrentadas.

O valor dos grupos de auto-ajuda está no fato de compartilhar experiências comuns, em proporcionar aos seus integrantes enorme energia que pode ser carreada para as exigências da vida, para a ressocialização e para a recuperação(7). Portanto, uma das coisas que me ajudou muito foi ver que tinha outras mulheres com a mesma doença e que estava bem ajudando as outras.

A totalidade das mulheres estudadas ressaltou o quanto é significativo participar de grupos de apoio, não apenas pelo suporte emocional e social que recebem, mas também pela possibilidade de saírem da situação de exclusão social e perceberem-se incluídas, igualando-as umas às outras: aqui, apesar das diferenças, umas usam prótese, outras têm a cirurgia de reconstrução, todas são iguais.

O universo simbólico representado pela convivência com outras mulheres, com a mesma experiência de conviver com câncer de mama e passar pelos mesmos processos terapêuticos, é representado, na visão das mulheres, por uma realidade vivida nos grupos de ajuda que auxilia na redução do sofrimento e do isolamento social. Tal fato pode ser evidenciado na seguinte expressão: todas falam a mesma língua, o mesmo problema, as mesmas coisas, parece assim: quando a gente tá com uma dor, e a outra tem uma dor parecida, a gente fica mais calma.

Esse sentimento de compartilhar sofrimentos é comum nas falas das mulheres com câncer de mama, e a dor física é tida como percepção sensorial relacionada a fenômenos emocionais e a componentes da personalidade(9).

A sensação de dor, comumente sentida pelas mulheres, não retrata apenas o sofrimento físico, mas também a auto-estima e a auto-imagem, modificadas em decorrência do problema causador de tanto sofrimento, ou seja, ter se submetido a uma cirurgia de retirada de mama - a mastectomia. A consciência de não ser a única a ter tais sentimentos, a possibilidade do diálogo, a partilha de sentimentos e reações, bem como a exploração de idéias são formas de terapia e de minimizar o sofrimento partilhado em grupos de ajuda(9).

A interação pessoal viabiliza mudanças que favorecem maior desenvolvimento individual e o fato de compartilharem experiências nos grupos de apoio funciona como facilitador de suporte físico, emocional e social(10). Constatou-se que, das trinta entrevistadas, 17 fizeram referência à importância de um momento de compartilhar experiências, pois, segundo elas, facilita a comunicação interpessoal, possibilita a interação grupal e proporciona meios de auto-ajuda e auxílio mútuo. Deixam em evidência que a finalidade do grupo é completar-se mútua e constantemente e aprender com os demais membros, mediante experiências pessoais(10). Nesse sentido, os momentos de troca de experiências são tidos como de valor para as integrantes desses grupos, independentemente de sua maneira de ser, viver e conviver consigo e com os outros.

As informações recebidas e compartilhadas sobre a doença, seus tratamentos, reações e efeitos colaterais e a maneira de lidar com cada situação fazem parte do universo simbólico das mulheres estudadas sobre a importância do grupo como suporte social. O ato de ajudar, esclarecer, informar aquelas mulheres que ainda irão se submeter ao tratamento, provavelmente, diminuirá a expectativa e as tensões oriundas do próprio desconhecimento. Esse ato deve ser humanizado, valorizando um processo pessoal interno, estimulado por um espaço de reflexão, confronto e mobilização coletiva(11).

De acordo com as mulheres estudadas, dentre as atividades propostas pelos grupos, também se incluíam ações educativas e informativas, viabilizando conhecimento sobre a doença e tratamentos. Tais atividades, para elas, reforçam o domínio do corpo e adoção de medidas preventivas ou de diagnóstico precoce, por meio do ensino do auto-exame para a mama preservada(12). A necessidade de informação foi representada quando as mulheres divulgaram que no grupo têm várias coisas, palestras, cursos e agora vai ter um curso lá, e tudo isso acaba esclarecendo a gente sobre muita coisa.

Relataram que o grupo possibilita a aprendizagem sobre as possíveis complicações, exposição a fatores de risco e esclarecimentos quanto aos seus direitos como mastectomizadas e de acesso aos serviços de saúde. Esse poder, oriundo do conhecimento adquirido, também alivia os medos vivenciados por muitas delas, visto que o desconhecido as assusta: a gente tinha várias perguntas que a gente não sabia, aí numa conversa esclarecia muita coisas com os profissionais.

Os assuntos assimilados conscientemente fornecem a capacidade de estabelecer reflexões e decisões mais justas e minimizar trajetórias erráticas tão comuns na natureza humana. O senso comum, dentro de um processo crítico e plural, responsável, pode então evoluir para o bom senso. O cidadão informado passa a ser o transformador de sua vida e isso também é valorizado pelas mulheres, como observado nestes discursos: aqui ensinam a gente muita coisa, ensina a gente a se cuidar. Venho participar dos cursos, das falas do povo que vem muito aqui. Aqui também tem umas aulas a gente aprende muita coisa sobre essa doença, alivia um pouco o medo, e sempre tem gente nova.

Essas informações sobre a doença e os esclarecimentos sobre a patologia e o tratamento favorecem a promoção da saúde, tornando-as mais independentes para o cuidado de si mesmas, para a realização de outras atividades relacionadas ao ambiente e à família. Possibilitam, ainda, que cada mulher se transforme em um agente multiplicador. A gente tenta fazer isso um trabalho, de levar informações para as pessoas, que a gente consiga cada vez mais detectar o câncer cedo.

As experiências positivas constituem força no encaminhamento de ações necessárias para o tratamento e servem para minimizar tensões e medos sempre presentes nesses casos, além de favorecer o ego e reanimá-las para a formulação de um projeto de vida(13).

Ao expressarem as significações, foi marcante a satisfação com que cada qual falava sobre a importância em participar do grupo: conhecer outras mulheres que tinham o mesmo problema do meu, só isso ajuda muito. Eu precisava conviver com pessoas que tinham o mesmo problema que eu, para me sentir mais segura, então. Melhorei muito ao me vincular no grupo me sinto mais útil, posso ajudar a outras pessoas.

Os grupos de auto-ajuda procuram auxiliar a pessoa na resolução de seus problemas, pois, por serem homogêneos em termos de possuírem membros que convivem com problemas similares, é o que caracteriza os grupos de apoio a mulheres mastectomizadas.

Outro elemento presente no universo simbólico das mulheres estudadas sobre o significado dos grupos de mastectomizadas referiu-se àintegração social. Isso porquê grande parte delas deixa em evidência a idéia de que, ao se acharem integradas ao meio comunitário, retomam suas atividades sociais, o que as faz produtivas, com capacidade de ajudar os outros e de autovalorização. O grupo possibilitou algumas tomadas de decisões que foram mostradas dessa forma: eu ainda tenho muito receio de sair, mas o grupo me ajudou muito, depois que ouvi algumas eu criei coragem e já vou até o supermercado, participo das festinhas do grupo e dos passeios.

A participação em grupos de mulheres com câncer de mama significou para elas habitar um espaço que propicia momentos de alegria, de prazer, à medida que realizam atividades de lazer, como passeios e viagens. As atividades grupais reduzem o isolamento social e muitas vezes melhoram a auto-estima(14), portanto, foi expresso que: fui para a viagem no Rio Grande do Sul, nunca tinha andado de avião e no grupo fiz essa viagem. A gente ficar só em casa a gente não cresce, eu estava muito em casa, mas aí em casa a gente acaba tomando conta só da casa, aqui a gente se renova.

O lazer, configurado como atividade que visa o divertimento, entretenimento e distração, foi destacado como elemento de grande importância e repercussão em suas vidas, agindo como poderoso recurso terapêutico.

Para elas, o lazer é uma forma de buscar a cura da doença, visto que, ao se distrair, a mente é ocupada de forma prazerosa, afastando os pensamentos persistentes e negativos quanto à doença(13). Em relação à descontração, as mulheres revelaram que: venho pra cá, passo a tarde aqui, passo a tarde no toque de vida, a gente conversa muito, joga muita conversa fora, mas é muito bom, me faz muito bem. Passeamos, brincamos, nos divertimos muito, conhecemos muita gente, é sempre assim no grupo. Aqui eu não me sinto sozinha, tenho muito que conversar e também gosto de ouvir.

Configura, ainda, o diálogo entre elas como forma de lazer e de passar o tempo, reforçando a idéia de que o grupo é percebido como espaço de prazer, encontros e reencontros que favorecem o bem-estar geral de cada uma delas. É nesse convívio que o espaço físico dos grupos de apoio se transforma em um locus social destinado a possibilitar que cada uma delas procure se ocupar consigo mesma. A convivência em grupo de pessoas com problemas semelhantes proporciona experiência que pode desenvolver um valor terapêutico e novas maneiras de lidar com a doença(13).

Foi possível também perceber, entre os benefícios oriundos da convivência em grupos de apoio, a melhora da auto-estima e da própria imagem corporal, recobrando-as para a vida, para o prazer de viver. Esses estímulos surgiram quando observaram que a vida não acaba, continua, e a gente encontrando um grupo desses que dá apoio então incentiva mais a auto-estima da gente apesar que a minha auto-estima não está baixa, sempre eu fui muito otimista. Pra mim, eu participar de um grupo desse, faz eu viver mais uma vida, que eu tava louca pra ajudar alguém, incentivar as pessoas, tem muitas pessoas que ficam só.

A constituição de uma sociedade se faz inicialmente pelo entendimento de suas relações. A linguagem, a formulação de conceitos e a definição clara do pensamento são elementos que facilitam a compreensão das informações e proporcionam a ação cidadã(6). Assim, foi notória a linguagem usada pelas mulheres como ferramenta para facilitar a interação e a relação entre elas, mudando comportamentos e aliviando seus sofrimentos com base na convivência com as demais do grupo: a gente fica conversando e às vezes dizendo até o jeito que a gente ficou, dando às vezes até depoimento. Quando a gente participa de um grupo, conhece as pessoas com o mesmo sofrimento e a gente se comunica uma com a outra e vai aceitando mais.

A convivência em grupo propicia em cada indivíduo uma modificação constante, que por meio da interação com os demais, se mostra dinâmica e contínua(10); mudam-se os hábitos, os pensamentos, os sentimentos e transformam-se comportamentos numa relação amigável e não de imposição. Essas mudanças foram identificadas de forma salutar: eu estava ficando muito em casa, me amarrando, cuidando da casa e tudo, e eu dando essa saída pra cá, a gente se anima mais, muda sua vida para melhor. Participar de um grupo assim, é fantástico!

A troca de experiências no grupo leva as mulheres a adquirirem maior habilidade para enfrentar as dificuldades relacionadas com o câncer, estimulandoas a modificar atitudes e reações, além de favorecer o conhecimento de si.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Os resultados deste estudo permitiram compreender que, para as mulheres participantes de grupos de apoio a mastectomizadas, esses grupos são de importância fundamental na socialização das participantes uma vez que possibilitam a troca de experiências, oferecimento de suporte social, de informações e orientações sobre a doença e seus tratamentos, o desenvolvimento de atividades de lazer, melhorando a auto-imagem, auto-estima e comunicação interpessoal.

O espaço físico organizado por profissionais, que tenham interesse em ajudar no processo de recuperação e reabilitação de mulheres com câncer de mama, pode ser transformado em um espaço social repleto de possibilidades de transformações humanas que levem ao bem-estar do grupo que se está assistindo.

Constata-se como fundamental a implantação de grupos de apoio nos serviços de saúde pública, nos planos municipal e estadual do Ceará, a exemplo das cidades de Sobral e Juazeiro do Norte, pois se registra o fato de que, além da incidência desse tipo de câncer, as mulheres revelaram satisfação e necessidade da continuidade do grupo tendo em vista a melhoria da saúde.

Esforços multiprofissionais, com realização de eventos, campanhas e encontros que despertem a atenção das autoridades governamentais locais e estaduais, para valorização e reconhecimento da importância de grupos de apoio às mulheres com câncer de mama, devem ser envidados, uma vez que é uma forma de reduzir as barreiras de acesso a serviços de recuperação e reabilitação dessas mulheres.

Outros estudos devem ser desenvolvidos no sentido de identificar e validar os resultados quanto às mudanças na qualidade de vida, nas condições favoráveis para a recuperação da saúde e a prevenção de agravos, junto às mulheres que participam de grupos de apoio dessa natureza.

REFERÊNCIAS

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  • Participação em grupo de apoio: experiência de mulheres com câncer de mama

    Cleoneide Paulo Oliveira PinheiroI; Raimunda Magalhães da SilvaII; Marli Villela MamedeIII; Ana Fátima Carvalho FernandesIV
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      29 Set 2008
    • Data do Fascículo
      Ago 2008

    Histórico

    • Recebido
      13 Fev 2007
    • Aceito
      15 Jun 2008
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