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O estudante de graduação e a assistência em enfermagem tráumato-ortopédica

Resumos

O objetivo deste estudo foi apresentar algumas manifestações do imaginário do estudante de graduação em Enfermagem, sobre si mesmo, ao prestar assistência ao paciente com distúrbios tráumato-ortopédicos. Utilizou-se o método Sociopoético e o grupo pesquisador era composto por quinze estudantes de graduação. Neste artigo estão apresentadas somente as categorias e subcategorias relacionadas exclusivamente ao “estudante”. Os dados demonstram que a assistência prestada pelo estudante em enfermagem tráumato-ortopédica é produto de uma relação de cuidado, que emerge através da sua sensibilidade para com seu paciente, e de seus próprios conhecimentos, habilidades e atitudes. O tratamento, os aparatos e os procedimentos ortopédicos aos quais o paciente é submetido geram, no estudante, importante desgaste emocional, comportamento empático e a busca por mecanismos que minimizem a dor do outro. Todos os aspectos que permeiam a assistência discente em Enfermagem Tráumato-Ortopédica necessitam ser conhecidos, para permitir reavaliação do processo ensino-aprendizagem.

Enfermagem Ortopédica; Cuidados de Enfermagem; Educação Superior


This study identifies some undergraduate nursing students’ imaginary manifestations concerning themselves and care delivered to patients with orthopedic and/or trauma disorders. The Social Poetics method was used and the research group was composed of 15 undergraduate students. Only the categories and subcategories exclusively related to the “student” are presented in this paper. Data revealed that care provided by orthopedic nursing students is the result of a care relationship that emerges from their sensitivity toward patients and their own knowledge, skills and attitudes. The orthopedic treatment, equipment and procedures, to which patients are submitted, cause important emotional distress for students, empathic behavior and encourage them to search for ways to minimize their patients’ pain. All the aspects that permeate care provided by orthopedic nursing students should be identified in order to enable reassessment of the teaching-learning process.

Orthopedic Nursing; Nursing Care; Education; Higher


El objetivo de este estudio es presentar algunas manifestaciones del imaginario del estudiante de graduación en Enfermería, sobre sí mismo, al prestar asistencia al paciente con disturbios traumatológicos ortopédicos. Se utilizó el método Socio-Poético; y el Grupo-Investigador fue compuesto por quince estudiantes de graduación. En este artículo se presentan solamente las categorías y subcategorías relacionadas exclusivamente al “estudiante”. Los datos demuestran que la asistencia prestada por el estudiante de enfermería en traumatología y ortopedia, es producto de una relación de cuidado que emerge a través de su sensibilidad para con su paciente y de sus propios conocimientos, habilidades y actitudes. El tratamiento, los aparatos y los procedimientos ortopédicos a los cuales el paciente es sometido, generan en el estudiante un importante desgaste emocional, un comportamiento empático y la búsqueda de mecanismos que minimicen el dolor del otro. Todos los aspectos que impregnan la asistencia de los alumnos de Enfermería en Traumatología y Ortopedia, necesitan ser conocidos, para permitir una reevaluación del proceso de enseñanza-aprendizaje.

Enfermería Ortopédica; Atención de Enfermería; Educación Superior


ARTIGO ORIGINAL

O estudante de graduação e a assistência em enfermagem tráumato-ortopédica1

Lys Eiras CameronI ; Sílvia Teresa Carvalho de AraújoII

IEnfermeira, Doutor em Enfermagem, Professor Adjunto, Escola de Enfermagem Anna Nery, Universidade Federal do Rio de Janeiro, RJ, Brasil. E-mail: lyscameron@gmail.com

IIEnfermeira, Doutor em Enfermagem, Professor Associado, Escola de Enfermagem Anna Nery, Universidade Federal do Rio de Janeiro, RJ, Brasil. E-mail: stcaraujo@gmail.com

Endereço para correspondência

RESUMO

O objetivo deste estudo foi apresentar algumas manifestações do imaginário do estudante de graduação em Enfermagem, sobre si mesmo, ao prestar assistência ao paciente com distúrbios tráumato-ortopédicos. Utilizou-se o método Sociopoético e o grupo pesquisador era composto por quinze estudantes de graduação. Neste artigo estão apresentadas somente as categorias e subcategorias relacionadas exclusivamente ao "estudante". Os dados demonstram que a assistência prestada pelo estudante em enfermagem tráumato-ortopédica é produto de uma relação de cuidado, que emerge através da sua sensibilidade para com seu paciente, e de seus próprios conhecimentos, habilidades e atitudes. O tratamento, os aparatos e os procedimentos ortopédicos aos quais o paciente é submetido geram, no estudante, importante desgaste emocional, comportamento empático e a busca por mecanismos que minimizem a dor do outro. Todos os aspectos que permeiam a assistência discente em enfermagem tráumato-ortopédica necessitam ser conhecidos, para permitir reavaliação do processo ensino-aprendizagem.

Descritores: Enfermagem Ortopédica; Cuidados de Enfermagem; Educação Superior.

Introdução

A enfermagem tráumato-ortopédica é uma área especializada, relacionada à assistência em situações de doenças, processos congênitos e do desenvolvimento, traumas, distúrbios metabólicos, doenças degenerativas, infecções e outros comprometimentos que atingem o sistema musculoesquelético, articular e o tecido conjuntivo de suporte. Essa área compreende problemas de saúde clínicos, cirúrgicos e de reabilitação, que podem ser classificados em agudos, crônicos ou inabilitantes(1).

A doença ortopédica tem evolução lenta, geralmente dolorosa, e compromete as atividades diárias e a qualidade de vida do seu portador. Os traumas ortopédicos têm surgimento súbito e podem trazer grandes comprometimentos físicos, emocionais e sociais. Essas injúrias ao sistema musculoesquelético podem desencadear eventos que comprometem direta ou indiretamente outros sistemas e, por isso, devem sofrer intervenção imediata(2).

Nesse contexto, a situação dessa clientela produz importante impacto no estudante, o que interfere na prestação da assistência e no desenvolvimento de habilidades específicas. De forma geral, esse impacto é expresso verbalmente ou não verbalmente e tem se mostrado como interventor da aprendizagem e da qualidade da assistência prestada. Nem sempre a análise da trajetória dos estudantes revela, de modo nítido, os problemas que realmente interferem na aprendizagem e no cuidado ao paciente nessa especialidade, principalmente quando se leva em conta o ser humano com anseios, necessidades, sentimentos, medos e desconhecimento.

O objetivo deste estudo é apresentar algumas manifestações do imaginário do estudante de graduação em Enfermagem, ao prestar assistência ao paciente com distúrbios tráumato-ortopédicos.

Conhecer os aspectos que podem influenciar a aprendizagem e a qualidade da assistência de enfermagem tráumato-ortopédica permitirá reavaliação do processo ensino-aprendizagem no curso de graduação, a partir das reais necessidades do estudante e da assistência na especialidade.

Método

Utilizou-se o método Sociopoético para a produção dos dados desta pesquisa, no qual os sujeitos são elaboradores do conhecimento, através da livre expressão dos seus potenciais cognitivos, das sensações, das emoções, da imaginação, da intuição e da razão; promovem a criatividade artística no aprender, no conhecer, no pesquisar e no cuidar(3).

Foi desenvolvido um ciclo de oficinas, mas os dados aqui apresentados dizem respeito somente àquela intitulada "estudante", realizada no dia 27 de abril de 2007. Essa oficina foi gravada e fotografada digitalmente.

Os dados foram produzidos por um grupo pesquisador composto por quinze estudantes, sendo quatorze do sexo feminino, que, no período da produção dos dados, cursavam o sexto período curricular do curso de graduação em Enfermagem e Obstetrícia de uma universidade pública na cidade do Rio de Janeiro.

O desenvolvimento deste projeto foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa do Hopistal Escola São Francisco de Assis da Escola de Enfermagem Anna Nery (HESFA-EEAN), sob o Protocolo no025/07. O anonimato dos sujeitos da pesquisa foi garantido pelo uso de uma ou duas letras maiúsculas ao final de seus depoimentos.

A oficina foi iniciada com o "café afetivo", um café da manhã que se caracterizou como momento de encontro que promoveu a aproximação física e emocional entre os membros. Após período de relaxamento, durante o qual foi solicitado que pensassem em si mesmos como estudantes no setor de tráumato-ortopedia, fazendo livres associações, ofereceu-se material para desenho e colagem (cartolina branca, lápis de cera, lápis de cor, canetas hidrográficas, colas coloridas, guache e pincel, papel colorido, revistas, tesouras, cola branca, parafusos, pregos, arames etc.) para o desenvolvimento individual da "técnica de criação livre"(4) visando a expressão das imagens e pensamentos que emergiram durante o relaxamento.

Em seguida, os dados produzidos foram imediatamente explicitados e analisados a partir dos significados individuais e coletivos, de forma a permitir a descoberta da estrutura do pensamento do grupo na sua heterogeneidade(5).

Essa oficina produziu cartazes com riqueza de imagens, palavras e expressões, refletindo atmosfera positiva e acolhedora, durante a qual os estudantes concordaram em mostrar, escrever e dizer o que é autêntico para eles, permitindo a integração de pensamentos e falas em um processo coletivo.

As gravações foram transcritas e seguiu-se à análise dos dados que foram reunidos, integrando os desenhos, os registros escritos e as expressões individuais e discussões coletivas. Esse material foi reunido, segundo convergência, e localizado em categorias temáticas que, por sua vez, foram divididas em subcategorias, com o objetivo de agrupar mais finamente os dados.

Resultados

Pode-se perceber que os estudantes, ao projetarem seu imaginário sobre eles mesmos, não o fazem dissociados da imagem do paciente que eles cuidam. Eles só são os estudantes que cuidam porque existe o paciente que é cuidado e a quem eles se dedicam. A partir daí, uma primeira classificação foi feita, selecionando-se os dados relacionados exclusivamente ao estudante, separando-os daqueles que estão relacionados diretamente ao paciente da tráumato-ortopedia. Isso foi necessário, uma vez que apresentam situações, significações e compreensões distintas entre eles.

A seguir, serão apresentadas somente algumas das categorias e subcategorias relacionadas exclusivamente ao estudante. Em itálico, estão exemplificados alguns depoimentos dos sujeitos, identificados por letras ao final do depoimento.

Categoria 1: cuidado ao paciente

Prestação de cuidado de qualidade

Nesta subcategoria, estão relacionados os dados que apontam para experiências que são produtos de relação do cuidado humanizado e compromissado que promovem a seus pacientes e familiares.

(...) ela chorando [a paciente] no final do estágio porque não tinha doído! Nós tínhamos dado o banho, manipulado, virado de lado para trocar o lençol e ela não tinha sentido dor. Ela estava chorando porque não tinha sentido dor... Na verdade, o grupo todo começou a chorar, o olho encheu de água, todo mundo saiu, assim, meio que de fininho, para não chorar ali na frente dela, é muito bom ter essa recompensa de saber que a gente faz a diferença. (G).

Reconhecimento, pelo paciente, da qualidade do cuidado prestado

Os estudantes apontam o reconhecimento do paciente, em relação à qualidade do cuidado prestado, e relatam a importância das suas presenças para ele.

(...) ela falava no final "muito obrigada, muito obrigada, muito obrigada". A gente não fez nada, nada! Uma medicação, um banho, uma mudança de lençol, mas a gente não fez nada de especial! Mas para aquela pessoa que perdeu totalmente a perspectiva de vida, aquilo era tudo (G).

Sofrimento do estudante pela condição do paciente

Aqui se mostra que os estudantes, em solidariedade, experimentam padecimento ao perceber o sofrimento do paciente.

(...) quando eu olhei para aquela pessoa [paciente] e disse assim: olha, se para curar a minha perna eu tivesse que passar por esse procedimento [tração] para ir embora para casa, eu não sofreria tanto. Mas se eu tivesse que passar por esse sofrimento e ficar por 2 meses, como ele está aqui no hospital, eu não ia aguentar ... Gente, eu não suportaria. Eu acho que não (P).

Respeito ao paciente

Relaciona-se a todos os sentimentos e comportamentos do paciente e sua família, que são respeitados pelos estudantes, e relaciona-se, também, às necessidades do paciente.

É do respeito que começa tudo. É respeitando a pessoa que você começa a tratá-la bem, que você dá conforto a ela (...) Eu acho que o respeito é a melhor coisa que a gente pode fazer por uma pessoa. É ter respeito por ela (MS).

Morte

O enfrentamento da situação de fim de vida e morte é apontado pelos estudantes como momento profundamente difícil e impactante.

(...) a gente tem medo daqueles fios. Eu botei um monte de sangue no meu cartaz, mas não é assim claro que a pessoa vá morrer. Então, você se dedica... Eu acho que você sofre muito com essa morte (G).

Categoria 2: conhecimento e experiência

Conhecimento e experiência como fonte de segurança para cuidar

Os estudantes apontam a competência técnico-científica e a experiência como fundamentais para cuidar.

(...) eu percebi a preocupação que eu tinha de estudar, que realmente tinha de estudar, que se eu chegasse lá sem ter lido, sem ter visto alguma coisa, teria sido muito pior. Teria sido impossível eu realizar algum procedimento sem estudar (...) Aí eu percebi que estudando, participando, que o meu cuidado era diferente (L).

Deficiência no conhecimento e pouca experiência

Aqui se encontram as dificuldades que os estudantes têm de lidar com a falta de conhecimento, falta de experiência e falta de habilidades necessárias na especialidade.

(...) depois, na aula em que a professora falou das férulas e das coisas, aí eu fiquei com medo do que fazer com o paciente, né. Eu falei "não adianta estudar, eu vou chegar lá e não vou saber o que fazer". E aí é um momento de angústia (L)

Categoria 3: impacto da especialidade

Afinidade pela especialidade

Mostra as relações que se estabelecem entre a presença ou ausência de afinidade com relação à especialidade, e a necessidade de competências específicas da área de conhecimento e da clientela.

Quem escolher para fazer ortopedia, faça porque gosta, e faça com amor a quem está precisando, a quem está ali dependendo da gente (...), que façam esses dois, oito meses, não vou dizer agradáveis, mas suportáveis para o paciente (MS).

Especialidade com boas experiências de aprendizagem

Os estudantes reconheceram que o estágio em enfermagem tráumato-ortopédica teve importância para a sua formação.

Foi muito ruim até passar pelo estágio. Até que, quando já estava acabando, eu estava quase chorando: "Não! Já está acabando? Agora que eu comecei? Agora que ficou legal?" (...) Foi bom depois do primeiro dia, depois que passou o susto, deu certo (...) (L).

Discussão

No ambiente hospitalar, o encontro dos estudantes com o paciente de tráumato-ortopedia, ambos desconhecidos até então, requer habilidade para lidar não só com suas emoções e conhecimentos, mas também com as do outro; nesse momento, muitos estão sujeitos a se sentirem despreparados para enfrentar determinadas situações. O fazer é uma ação que instiga o processo reflexivo, e o cuidado deve emergir de prática eminentemente dialógica e mutuamente educativa, por meio da conscientização e transformação individual e coletiva(6).

A convivência e a observação cuidadosa das condições de vida dos pacientes com distúrbios tráumato-ortopédicos servem como aprendizagem para a vida e para mudanças positivas de comportamento. Isso mostra a importância desse evento para os estudantes, pois expandem sua compreensão e responsabilidade com a Enfermagem. Essas experiências são produtos de relação de cuidado que desenvolvem com seus pacientes, quando o conhecimento deixa de ser finalidade do processo de aprendizagem para ser instrumento a serviço dos estudantes, de forma a ajudá-los a identificar as variáveis presentes na situação e possíveis formas de controlá-las(7).

Hospitais são bons espaços de aprendizagem, pois articulam processos de aprendizagem e de trabalho. O estágio hospitalar é uma ótima fonte de conhecimentos científicos e de ferramentas para cuidar e aprender a se relacionar com os pacientes e os membros da equipe(8-9). Os estudantes reconhecem seus compromissos com o paciente e com um cuidado ético, de qualidade, responsável e solidário. Cuidar com qualidade é compreendido pelos estudantes como a capacidade para atender às diferentes necessidades do paciente e de sua família, ao planejar e executar a sua assistência em enfermagem tráumato-ortopédica. Eles se mostram capazes de, mesmo de forma intuitiva, estabelecer prioridades nessa assistência e incluir não só o sistema biológico, mas, também, o psicossocial e o espiritual. Trata-se de perceber a sua responsabilidade no cuidar, considerando as consequências de seus atos, assegurando a integridade, a coerência, a harmonia daquilo em que acreditam, como também de procurar e se pautar nos propósitos éticos e educativos da sua conduta e da sua prática(10).

Em um movimento de profunda solidariedade, os estudantes experimentam o padecimento com o sofrimento do paciente. Essa solidariedade é entendida como forma de solicitude e de compromisso de um ser com o outro, e requer disponibilidade, espontaneidade, interesse, e permite que o outro se sinta seguro. Nessas condições, os estudantes estão abertos para compreender, identificar ou aderir às suas referências. Apoiam-se na empatia, no saber sentir, reconhecendo a aceitação incondicional do outro. Nesse exercício, eles levam um tempo escutando o doente e acompanham a evolução do seu estado. A partir do diálogo, é possível o encontro com o outro, permitindo a reflexão, a ação e a orientação para se viver em um mundo que é preciso transformar e humanizar.

Existe forte tendência dos estudantes para se colocarem na situação daqueles de quem cuidam. O que se percebe é que eles cuidam, vivendo e se apropriando do mundo do paciente e, de alguma forma, se situando nesse mesmo mundo, em um movimento de ação e reação: cuidam como gostariam de ser cuidados, ou fazem o que gostariam que se fizesse por eles, se estivessem na mesma situação. É parte do processo pedagógico fazer os estudantes interagirem com a realidade na qual estão inseridos, e transformarem-se a partir das experiências vividas, fazendo com que se enriqueçam como pessoas e futuros profissionais. Esse sentimento de empatia, produto de um impulso de se colocar na situação de alguém, é um modo terapêutico de ser e favorece a recuperação e o bem-estar, por fazer emergir o compromisso com a vida e com o outro.

A possibilidade de morte no setor de tráumato-ortopedia que, tanto ocorre subitamente quanto por evolução lenta, parece surpreender os estudantes. Essas situações de fim de vida e morte produzem grande sofrimento e inconformidade, e são apontadas como momentos profundamente difíceis, pois despertam sentimentos intensos, principalmente de impotência e incapacidade para impedi-las. Para esses jovens, é difícil compreender a terminalidade, pois veem a morte como um castigo ou injustiça, e não como uma etapa do processo de vida do ser humano. Doenças graves, terminais e de morte iminente são uma realidade do paciente na tráumato-ortopedia e põem em relevo a personalidade dos estudantes, levando-os a rever conceitos e valores pessoais e práticas acadêmicas. Apesar da falta de experiência e por ainda não saberem lidar com seus próprios sentimentos, compreendem que o diálogo, o acolhimento, o conforto e o esclarecimento são o melhor e mais correto caminho para o paciente e sua família enfrentarem o problema da terminalidade. É importante a introdução de visão crítico-reflexiva para o processo de morte e morrer na formação acadêmica, a fim de que esses profissionais sejam capazes de aceitar a morte, de forma natural, sem a sensação de fracasso e frustração pessoais(11).

Os estudantes compreendem que o bom cuidado é respeitoso, e o respeito ao paciente refere-se à pessoa e à qualidade do cuidado, numa condição de estar por inteiro com o outro, numa presença dinâmica, que transforma e ajuda o outro a transcender sua condição de dor e sofrimento(6). Essa sabedoria se aplica à sensibilidade que se encaixa na perspectiva do cuidar, que reconhece o que cuida e o que recebe o cuidado, numa relação de troca constante(12). É essa sensibilidade que faz com que eles associem os mais variados sentimentos às atitudes e aos comportamentos que visam o bem-estar do paciente. Ao perceberem que fazem diferença na vida daquelas pessoas, produz-se um estímulo para a busca de qualidade de assistência cada vez maior. Conseguem localizar o paciente no seu contexto de vida subjetivo e social, o que nem sempre é valorizado no ambiente hospitalar, e são reconhecidos pelo conhecimento, pela habilidade técnica e pela complexidade do seu fazer nas diferentes habilidades.

O estágio em enfermagem tráumato-ortopédica foi apontado como tendo importância significativa na formação do futuro enfermeiro. Entre os diversos aspectos da aprendizagem do estudante universitário destacam-se o desenvolvimento de suas capacidades intelectuais, de suas habilidades humanas e profissionais, bem como de atitudes e valores integrantes à vida profissional(13). Assim, se estabelece que uma base bem estruturada de conhecimento é fundamental para cuidar, com segurança e eficiência, em enfermagem tráumato-ortopédica, significando que não é possível o desempenho do cuidado a esse tipo de clientela, sem preparação prévia.

O encontro dos estudantes de Enfermagem com as diversas faces do cuidar permite a inserção do novo, pela aquisição de conhecimentos, até nos momentos de apreensão e medo relacionados ao seu enfrentamento(12). Sem que eles percebam, as experiências boas e as ruins os enriquecem como pessoas e futuros profissionais. A internalização do cuidado como valor requer progresso sequencial que se desenvolve com o tempo, enquanto os estudantes evoluem na sua formação, de prática guiada a uma prática de cuidado independente.

O conhecimento e a experiência são fontes de segurança fundamentais para um bom cuidado, segundo os estudantes. Sem dúvida, a aprendizagem mais útil no mundo moderno é a que proporciona abertura contínua para a experiência e a incorporação de processos de mudanças. Ao adquirir experiência, obtêm-se conquistas que se expressam em atitudes seguras, demonstradas através de ações nas quais se inserem os conhecimentos apreendidos, de forma a permitir que os estudantes se tornem, gradualmente, autônomos(12). Numa educação libertadora, formam-se indivíduos críticos, independentes, questionadores, capazes, instrumentalizados para refletir e intervir sobre suas realidades(14). Portanto, compete aos alunos orientarem a sua vontade de aprender, tendo em vista as suas potencialidades e aptidões.

Desenvolver habilidades tão complexas para cuidar em enfermagem tráumato-ortopédica exige a capacidade de utilização e manipulação de habilidades cognitivas que possam auxiliar na reflexão sobre diferentes situações, de forma a analisar, examinar, criticar e sistematizar informações(7). Isso significa que, para atingir assistência de qualidade, foi necessário o frequente exercício de reflexão pelos estudantes sobre seus próprios conhecimentos, habilidades e atitudes, tornando-os capazes de maximizar estratégias para a resolução dos problemas que lhes foram apresentados.

Ao iniciar sua formação, os estudantes começam a definir cuidado a partir de uma base pessoal. Com a evolução do curso, desenvolvem ampla definição de cuidado aplicado a seus pacientes, servindo a prática como reforço positivo, quando demonstram comportamento apropriado de cuidado. Assim, as experiências em enfermagem tráumato-ortopédica expandem sua compreensão do papel do cuidado na Enfermagem, e desenvolvem qualidades e habilidades para identificar como o paciente define e recebe esse cuidado. Nesse momento da sua formação, já estão estabelecidas as relações que os estudantes fazem entre o que é Enfermagem, ser enfermeiro e sua função em relação ao ser humano, identificando a importância do cuidado de qualidade em enfermagem tráumato-ortopédica e as suas deficiências.

A afinidade em relação à enfermagem tráumato-ortopédica influencia diretamente o cuidado e a satisfação pessoal. Apesar de reconhecerem sua complexidade e o desgaste físico, os estudantes se entendem capazes de cuidar de pacientes com distúrbios tráumato-ortopédicos, após a experiência proporcionada pelo estágio curricular. Entendem que, na ausência de interesse pela especialidade, a assistência e o exercício da profissão são acompanhados de tensões, angústias e sofrimento frente à responsabilidade que se impõe ao enfermeiro, e reconhecem que o conhecimento específico sobre a especialidade tem impacto na qualidade da assistência. Essa afinidade é identificada a partir de interesses pessoais, técnicos e de saberes específicos relacionados à clientela assistida. Como a formação de conceitos e concepções é processo que acontece ao longo da formação, a partir da realidade cotidiana, quando o indivíduo reconhece o interesse pela área – segundo os estudantes – , a tendência natural é que eles ajam com competência técnica, se manifestem reflexivos, críticos, criativos e busquem aprofundamento constante de seus conhecimentos.

A educação dos futuros enfermeiros deve garantir formação voltada para a cidadania e o discernimento, de forma a garantir aos pacientes assistência humanística e de qualidade. Deve-se repensar a maneira de formar os profissionais de Enfermagem, percebendo os estudantes como seres com capacidade para imaginar, criar e recriar sua realidade conforme suas necessidades, numa busca de prática pedagógica que leve em conta suas potencialidades, contribuindo para a formação de profissionais mais bem qualificados e mais humanos. Visualiza-se prática pedagógica que possibilite a esses profissionais o resgate de suas necessidades, valorize seu contexto, sua individualidade, minimizando as falhas e desigualdades das políticas de saúde e de educação, bem como, contribuindo para a melhoria da qualidade da assistência de Enfermagem e para o aprimoramento do ensino universitário(15).

Conclusão

Este estudo revelou que a assistência prestada por estudantes de graduação em Enfermagem é produto de uma relação de cuidado, que emerge através da sensibilidade em face dos seus pacientes. É produto da reflexão permanente sobre as diferentes situações que vivenciam, sobre seus próprios conhecimentos, habilidades e atitudes, tornando-os capazes de estabelecer estratégias para a resolução de problemas. Esses estudantes prestam cuidado de qualidade, humanizado, que transcende o físico e inclui o psicossocial, o espiritual e o ambiente, além de ser comprometido, ético, responsável e solidário. O reconhecimento à qualidade do cuidado prestado pelos estudantes tem importância fundamental, pois produz satisfação e reforço positivo à dedicação e aos esforços empreendidos. O tratamento, os aparatos e os procedimentos ortopédicos que produzem grande sofrimento, a possibilidade de morte, de comprometimento físico e das atividades de vida do paciente e sua família geram, nos estudantes, desgaste emocional importante, desencadeiam comportamentos empáticos e a busca de mecanismos que minimizem a dor do outro, para assegurar assistência de qualidade aos pacientes, na especialidade.

Ficou demonstrado que as estratégias clássicas do ensino bancário não reduzem os medos e inseguranças para cuidar em enfermagem tráumato-ortopédica, durante o ensino de graduação, e, por isso, necessitam ser revistas. Todos esses aspectos que permeiam a assistência discente em enfermagem tráumato-ortopédica necessitam ser conhecidos, para permitir reavaliação do processo ensino-aprendizagem, baseado nas reais necessidades dos estudantes e da assistência na especialidade.

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  • Corresponding Author:
    Lys Eiras Cameron
    Universidade Federal do Rio de Janeiro. Escola de Enfermagem Anna Nery
    Departamento de Enfermagem Médico-Cirúrgica
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  • 1
    Paper extracted from Doctoral Dissertation “O imaginário do estudante de graduação sobre a assistência em Enfermagem Traumato-Ortopédica”, presented to Escola de Enfermagem Anna Nery, Universidade Federal do Rio de Janeiro, RJ, Brazil.
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      16 Jan 2012
    • Data do Fascículo
      Dez 2011

    Histórico

    • Recebido
      11 Jul 2010
    • Aceito
      20 Set 2011
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