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Câncer da tiróide: aumento na ocorrência da doença ou simplesmente na sua detecção?

CARTA AO EDITOR

Câncer da tiróide: aumento na ocorrência da doença ou simplesmente na sua detecção?

Laura Sterian WardI; Hans GrafII

ILaboratório de Genética Molecular do Câncer da Faculdade de Ciências Médicas da Universidade Estadual de Campinas (FCM-Unicamp), Campinas, SP, Brasil

IIUnidade da Tiróide da Universidade Federal do Paraná (UFPR), Curitiba, PR, Brasil

Endereço para correspondência Endereço para correspondência: Laura S. Ward Laboratório de Genética Molecular do Câncer da FCM CP 6111, Unicamp 13083-970 Campinas SP E-mail: ward@fcm.unicamp.br

O câncer diferenciado da tiróide (CDT) é o tumor cuja incidência mais cresceu entre os anos de 1992 e 2002 nos Estados Unidos, ocupando atualmente a oitava posição entre as neoplasias mais freqüentes na mulher. Este aumento atingiu níveis de 6,3% ao ano entre 1997 e 2003 [Surveillance, Epidemiology, and End Results Program (SEER) - dados disponíveis no site da American Cancer Society]. Registros nacionais de câncer [Instituto Nacional de Câncer (Inca) - dados dos registros de base populacional] e publicações brasileiras confirmam o aumento na incidência do CDT, particularmente entre as mulheres, embora, à semelhança do registrado em todo o mundo, também no Brasil a mortalidade pelo CDT esteja diminuindo (1).

Não há como negar que estão sendo diagnosticados mais casos e estes estão sendo mais bem tratados (2). A popularização da ultra-sonografia e da citologia aspirativa por agulha fina, métodos simples, de custo relativamente baixo, de ampla disponibilidade e grande sensibilidade é seguramente responsável pelo aumento da incidência que vem sendo registrado em todo o mundo. A diminuição da mortalidade se deve à melhora das condições socioeconômicas e de acesso da população ao sistema de saúde, à ampla divulgação e implantação de diretrizes e normas de conduta, mas também, sem dúvida, ao aumento do número de diagnósticos precoces de CDT de tipo papilífero, cuja evolução é melhor do que o tipo folicular (2). Indubitavelmente, existe aumento evidente do número de tumores pequenos, diagnosticados muitas vezes com menos de 1 cm de diâmetro (2). Estes microcarcinomas talvez nunca evoluíssem para cânceres clinicamente detectáveis ou de comportamento agressivo (3). Mas será o aumento na detecção o único fator responsável pelo marcante aumento na incidência do CDT?

Uma das características dos dados epidemiológicos publicados acerca do CDT é sua associação com uma série de fatores de risco, incluindo a idade, o sexo, a etnia e a geografia.

Embora ocorra raramente na infância, o CDT aparece em idade mais precoce do que outros tumores infantis e atinge igualmente meninos e meninas (4). Caracteristicamente, crianças com CDT são diagnosticadas em estádios mais avançados, mas, apesar disso, tem excelente prognóstico (4).

É notória a predominância de pacientes do sexo feminino e o aumento no número de casos tem sido registrado mais entre as mulheres do que entre os homens (1-3) (SEER, INCA). É possível que fatores hormonais expliquem tal predominância feminina já que antes da puberdade, e após a menopausa, a incidência do CDT tende a ser aproximar da do sexo masculino (1-3).

Além da predisposição genética relacionada à etnia, o local de vida do paciente também parece ser fator importante de suscetibilidade (2,5). Assim, os mais elevados índices de CDT aparecem na Islândia, entre judeus que vivem em Israel, no Havaí, particularmente entre japoneses e filipinos que têm mais CDT quando migram para o Havaí do que em seus países de origem (6).

Como poderíamos explicar estas discrepâncias? Que fatores, além do diagnóstico, teriam influência na elevação do número de CDT?

A radiação ionizante é o único fator reconhecidamente causador de CDT, mas é possível que a exposição à alta voltagem transitória e a outros fatores físicos também seja carcinogênica (7). Existem evidências experimentais, clínicas e, sobretudo, epidemiológicas, de que a ingestão de iodo esteja relacionada ao tipo de CDT e a sua incidência (8). Assim, com a introdução do sal iodado, o carcinoma folicular tem diminuído, enquanto se tem notado grande aumento do número de tumores papilíferos (9). Embora nenhuma substância química tenha sido demonstrada como causadora direta do CDT, nós mostramos uma relação entre o fumo e o risco de CDT e existe uma longa lista de produtos que alteram a função e o ciclo celular da célula folicular tiroidiana, podendo induzir tumores (10-13). A influência da ingestão de alimentos bociogênicos (couve, repolho, brócolis etc.) sobre o CDT é controversa, mas dados recentes mostram relação entre a incidência do CDT e o índice de massa corporal (14,15). Entre outros fatores que podem estar ligados a esta relação estão várias citocinas relacionadas à resposta inflamatória induzida pela obesidade, o estresse oxidativo e as alterações imunológicas. Será que se pode ignorar todos estes dados e afirmar que o aumento do número de casos de CDT que estão sendo constatados é somente conseqüente à primazia diagnóstica?

Agradecimentos: Os autores agradecem o auxílio financeiro da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp), Projeto nº 06/60402-1, e do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), Projeto nº 470317/2006-0, e declaram não possuir qualquer conflito de interesse que possa interferir na imparcialidade deste texto.

Recebido em 30/6/2008

Aceito em 19/8/2008

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  • Endereço para correspondência:
    Laura S. Ward
    Laboratório de Genética Molecular do Câncer da FCM
    CP 6111, Unicamp 13083-970 Campinas SP
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  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      02 Fev 2009
    • Data do Fascículo
      Dez 2008
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