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Utilização do Anel de Ferrara na estabilização e correção da ectasia corneana pós PRK

Use of Ferrara's ring in the stabilization and correction of corneal ectasia after PRK

Resumos

Objetivo: Avaliar a ação do anel corneano intra-estromal de Ferrara no tratamento da ectasia corneana pós Excimer Laser. Métodos: O anel de Ferrara, que já vem sendo aplicado no tratamento do ceratocone, alta miopia e astigmatismo irregular, foi utilizado para estabilizar e corrigir a ectasia corneana de dois pacientes submetidos à PRK. Resultados: Após o procedimento cirúrgico, foi observado um aplainamento da córnea central de aproximadamente 6 dioptrias no 1º caso e de 10 dioptrias no 2º, com melhora na acuidade visual. Os resultados vêm se mantendo estáveis até o momento. O tempo de seguimento pós-operatório foi de 3 e 8 meses, respectivamente. Conclusões: Anel de Ferrara obteve sucesso no difícil tratamento desta complicação cirúrgica, permitindo que se retarde ou até mesmo se evite a evolução destes casos para um transplante de córnea com todos os seus riscos, lenta recuperação e dependência da agilidade das filas de doações.

Ectasia; Cirurgia refrativa; Anel de Ferrara


Purpose: To evaluate the action of Ferrara's Ring in the treatment of corneal ectasia after Excimer Laser. Methods: Ferrara's Ring, that is already being applied in the treatment of keratoconus, high myopia and irregular astigmatism, has been used to stabilize and to correct the corneal ectasia of 2 patients submitted to PRK. Results: After the surgical procedure, a flattening of the central cornea was observed, with approximately 6 D (first case) and 10 D in the second, with visual acuity improvement. The results have remained stable until this moment. The postoperative follow-up was of 3 and 8 months, respectively. Conclusions: Ferrara's ring has obtained success in the difficult treatment of this surgical complication, allowing delay of or even avoiding the evolution of these cases to a corneal transplantation with all its risks, slow recovery and dependence on the agility of the donation lines.

Corneal ectasia; Refrative surgery; Ferrara's ring


Utilização do Anel de Ferrara na estabilização e correção da ectasia corneana pós PRK

Use of Ferrara's ring in the stabilization and correction of corneal ectasia after PRK

Frederico Bicalho Dias da Silva (1 (1 ) Especialização em Oftalmologia pela Faculdade de Medicina da UFMG. (2 ) Doutorando em Oftalmologia pela Faculdade de Medicina da UFMG; Especialização em Oftalmologia pela Faculdade de Medicina da UFMG. (3 ) Livre-Docente Hospital São Geraldo da UFMG; Doutor em Oftalmologia pela Faculdade de Medicina da UFMG; Diretor do Centro de Oftalmologia Avançada ¾ Belo Horizonte, MG. )

Eduardo Adan França Alves (2 (1 ) Especialização em Oftalmologia pela Faculdade de Medicina da UFMG. (2 ) Doutorando em Oftalmologia pela Faculdade de Medicina da UFMG; Especialização em Oftalmologia pela Faculdade de Medicina da UFMG. (3 ) Livre-Docente Hospital São Geraldo da UFMG; Doutor em Oftalmologia pela Faculdade de Medicina da UFMG; Diretor do Centro de Oftalmologia Avançada ¾ Belo Horizonte, MG. )

Paulo Ferrara de Almeida Cunha (3 (1 ) Especialização em Oftalmologia pela Faculdade de Medicina da UFMG. (2 ) Doutorando em Oftalmologia pela Faculdade de Medicina da UFMG; Especialização em Oftalmologia pela Faculdade de Medicina da UFMG. (3 ) Livre-Docente Hospital São Geraldo da UFMG; Doutor em Oftalmologia pela Faculdade de Medicina da UFMG; Diretor do Centro de Oftalmologia Avançada ¾ Belo Horizonte, MG. )

RESUMO

Objetivo: Avaliar a ação do anel corneano intra-estromal de Ferrara no tratamento da ectasia corneana pós Excimer Laser. Métodos: O anel de Ferrara, que já vem sendo aplicado no tratamento do ceratocone, alta miopia e astigmatismo irregular, foi utilizado para estabilizar e corrigir a ectasia corneana de dois pacientes submetidos à PRK. Resultados: Após o procedimento cirúrgico, foi observado um aplainamento da córnea central de aproximadamente 6 dioptrias no 1º caso e de 10 dioptrias no 2º, com melhora na acuidade visual. Os resultados vêm se mantendo estáveis até o momento. O tempo de seguimento pós-operatório foi de 3 e 8 meses, respectivamente. Conclusões: Anel de Ferrara obteve sucesso no difícil tratamento desta complicação cirúrgica, permitindo que se retarde ou até mesmo se evite a evolução destes casos para um transplante de córnea com todos os seus riscos, lenta recuperação e dependência da agilidade das filas de doações.

Palavras-chave: Ectasia; Cirurgia refrativa; Anel de Ferrara.

INTRODUÇÃO

Há mais de 15 anos, o excimer laser entrou para o mundo oftalmológico e iniciou uma verdadeira revolução. Iniciaram, na década de 80, estudos utilizando essa nova tecnologia para cirurgias corneanas com finalidade curativa ("phototherapeutic keratectomy", ou PTK) e refrativa ("photorefractive keratectomy", ou PRK). Durante esses estudos, aprendeu-se que o PRK não era adequado para correção da alta miopia 5, o que culminou com o desenvolvimento de uma técnica híbrida entre a keratomileusis convencional e o próprio PRK, chamada de LASIK ("laser in situ keratomileusis"). De fato, a ablação excessiva da córnea gera complicações que variam desde o "haze" até a ectasia 4. Esta última provoca o retorno da miopia de forma progressiva sendo paliativamente controlada com o uso de óculos ou lentes de contato, podendo ainda evoluir para a ceratoplastia penetrante como solução definitiva, levando-se em conta todos os riscos e problemas inerentes a este procedimento.

Em 1986, foi desenvolvido o anel corneano intraestromal (ACI) chamado Anel de Ferrara que passou a ser utilizado para a correção de ceratocone, alta miopia e astigmatismo irregular. Neste trabalho, mostraremos uma nova aplicação do Anel de Ferrara: a estabilização e correção da ectasia corneana após a ceratectomia fotorefrativa.

MATERIAL E MÉTODO

Caso 1

Trata-se de J.A.C., 49 anos, masculino, mecânico, residente em Contagem - MG.

Portador de alta miopia em OE tratada cirurgicamente com PRK em dezembro de 1995, tendo como exame pré-operatório:

Refração: OD= plano (AV=20/20) OE= -12,5D (AV=20/40)

Ceratometria: OD= 44,50D x 44,50D OE= 44,50D x 44,50D

Evoluiu com regressão do resultado refracional e "haze", estando em abril de 1996 com 5,50D esféricas negativas no OE e acuidade visual corrigida de 20/100. A biomicroscopia mostrava a existência de "haze" 3+/4+. Foi então submetido a nova sessão de PRK.

Em agosto de 1996, apresentava novamente "haze" 3+/4+ e acuidade visual de 20/100 (refração do OE = plano). Optou-se por nova sessão de PRK seguida da utilização de corticosteróide tópico na forma de colírio (dexametasona 0,1%) cinco vezes ao dia.

Foi então encaminhado até o nosso serviço em setembro de 1997, com o seguinte exame:

Refração: OD= plano (AV=20/20) OE= -6,00esf. (AV=20/200)

A biomicroscopia mostrava a presença de "haze" 4+/4+ em OE. Foi iniciado o uso de colírio de Oncotiotepa 0,06% 4 vezes ao dia.

Em outubro de 1997, permanecia com AV cc = 20/200 e "haze" 4+/4+, sendo então realizada escarificação da córnea do OE com lâmina de bisturi nº 15 e PRK, visando correção de ¾1,00D e polimento. Duas semanas após, encontrava-se com -0,50D esf. e AV = 20/50+.

Já em janeiro de 1998, teve nova regressão do estado refracional (AV cc = 20/200) e aumento do haze (4+/4+), sendo feito fotoablação para polimento da córnea com equipamento NIDEK.

Em novembro de 1998, encontrava-se com o seguinte exame:

Refração: OE = -7,25D (AV = 20/80)

Biomicroscopia: OE = "haze" 1+/4+

Paquimetria computadorizada (ORBSCAN) central = 259 micra

Uma vez reduzido o "haze", restava a correção da ectasia corneana. Assim, em novembro de 1998, optamos pelo implante do Anel de Ferrara. Trata-se de dois segmentos de anel de PMMA de secção transversal triangular, diâmetro de ápice de 6 mm e comprimento de 150º. Em cada extremidade destes segmentos existe um orifício que permite sua manipulação durante o procedimento de implantação. A técnica cirúrgica consistiu na utilização de instrumento que possui dupla lâmina semicircular, sendo capaz de confeccionar de maneira fácil e simultânea os dois túneis corneanos estromais. Nestes, foram introduzidos os dois segmentos de anel citados anteriormente. A cirurgia foi realizada sob anestesia tópica. No pós-operatório, foi prescrito FML 4 vezes ao dia durante o primeiro mês.

Caso 2

E. A., 33 anos, masculino, comerciante, com diagnóstico de ceratocone há 5 anos. Foi submetido, bilateralmente, a tratamento com PRK há 3 meses. Embora tenha obtido um resultado satisfatório a princípio, iniciou rapidamente com lenta e progressiva piora da AV acompanhado de miopização de ambos os olhos. Foi então encaminhado a este serviço com o seguinte exame:

AVcc: OD= 20/30 (-14,00) - OE= 20/40 (-16,00)

Ceratometria: OD>52,00Dx >52,00D - OE>52,00Dx >52,00D

Biomicroscopia: córnea afilada AO com opacidades endoteliais.

Biomicroscopia ultra-sônica: Espessura corneana no ápice do cone: OD = 365 µm - OE = 365 µm

Cirurgia:

Em 17/08/98, foi submetido a implante de Anel de Ferrara no OE (AF5-60-150) (diâmetro de ápice = 5 mm; largura da base = 60 micra; comprimento de arco = 150º)

RESULTADOS

Caso 1

Na próxima página estão as topografias do pré- e do pós-operatório do implante do Anel de Ferrara, respectivamente, figuras 1 e 2.



Seu último retorno ao Centro de Oftalmologia Avançada ocorreu no dia 26 de fevereiro de 1999, após 3 meses do implante do ACI, tendo o seguinte exame:

Ceratometria: 38,03D x 34,23D (astig.:3,80D). Refração: +1,50 -2,50 x 90º (AV= 20/40).

Biomicroscopia: Conjuntivas calmas, segmentos de anel bem implantados no estroma médio, câmara anterior sem células ou "flare". Não ocorreu alteração na transparência corneana central, permanecendo o pequeno "haze" de 1+/4+ do pré-operatório.

Caso 2

Na próxima página estão as topografias do pré- e do pós-operatório do implante do Anel de Ferrara, respectivamente, figuras 3 e 4.



Em 18/08/98 (1º dia pós-op), encontrava-se com AV do OE sc = 20/50, mas o segmento temporal do anel sofreu um deslocamento superior de forma que sua extremidade alcançava a incisão. Este quadro foi acompanhado até o dia 27/08/98, quando se optou pelo reposicionamento do segmento temporal.

Em 30/08/98 (13 dias pós-op), estava com o seguinte exame:

Ceratometria: 37,00D x 37,00D com miras mais ou menos regulares.

Biomicroscopia: Conjuntivas normocrômicas, anel bem posicionado, com discreto edema na incisão superior.

Em 08/10/98 (51 dias pós-op), estava assintomático, com o exame:

Em 13/04/99 (8 meses pós-op):

DISCUSSÃO

Percebe-se, avaliando as figuras topográficas anteriores, um nítido aplainamento do ápice das córneas de aproximadamente de 6 dioptrias no caso 1 e de 10D no caso 2. O astigmatismo corneano resultante também foi de pequena monta, não ultrapassando 4,00 dioptrias no caso 1 e 5,60D no caso 2. A acuidade visual vem mantendo-se boa até a última consulta em ambos os casos (3 meses pós-op no primeiro caso e 8 meses no segundo), sendo necessárias avaliações posteriores para observarmos sua evolução de longo prazo.

A regressão de algumas dioptrias após a cirurgia da alta miopia com PRK é, até certo ponto, explicada por uma combinação entre hiperplasia epitelial e um rearranjo que ocorre na arquitetura do estroma 4. Devemos excluir a possibilidade de estarmos diante de uma refração pré-operatória pouco cuidadosa, podendo envolver até algum distúrbio de acomodação. O problema se torna grave quando se trata de uma ablação excessiva da córnea, desestabilizando sua arquitetura e permitindo a sua ectasia. Como esta complicação tende a ser progressiva, a correção com óculos ou lentes de contato são apenas paliativas. Resta o transplante de córnea como último recurso para restabelecer as características ópticas do olho, mesmo sendo um procedimento de significativo risco, recuperação lenta e dependente das filas de doação. O mais importante é a prevenção e, para isso, temos alguns princípios de Machat para a manutenção da estabilidade corneana 5:

• a profundidade da ablação não deve exceder a 50% da espessura da córnea.

• a espessura total da córnea deve ser de 400 micra ou maior.

• a espessura do estroma residual deve ter no mínimo de 200 micra, embora o ideal é que seja pelo menos 250 micra.

Embora o uso de anéis intraestromais para correção de erros refrativos não seja um conceito novo 1, 2, a técnica, instrumental e próteses ainda estão sob investigação. O aplainamento corneano com o ACI já foi demostrado em outros trabalhos 3, mas não encontramos nenhuma referência quanto à sua utilização em córneas ectásicas. Este procedimento refrativo ainda não é amplamente difundido no mundo para a correção do ceratocone, alta miopia e astigmatismo irregular.

A recuperação pós-cirúrgica é rápida, já se percebendo melhoras no dia seguinte, embora mudanças refrativas levem 3 meses para estabilizar. É comum que ocorra alguma fotofobia que pode durar algumas semanas, e visão de halos que podem durar aproximadamente 3 meses.

Os pacientes foram alertados sobre a natureza experimental da cirurgia e seus riscos inerentes.

CONCLUSÕES

Este estudo preliminar mostra que o implante intraestromal do Anel de Ferrara pode obter sucesso no tratamento da ectasia corneana pós PRK, aplainando sua área central e evitando sua progressão. Sendo assim, permite que se retarde ou até mesmo evite a evolução destes casos para um transplante de córnea com todos os seus riscos, lenta recuperação e dependência da agilidade das filas de doações.

SUMMARY

Purpose: To evaluate the action of Ferrara's Ring in the treatment of corneal ectasia after Excimer Laser. Methods: Ferrara's Ring, that is already being applied in the treatment of keratoconus, high myopia and irregular astigmatism, has been used to stabilize and to correct the corneal ectasia of 2 patients submitted to PRK. Results: After the surgical procedure, a flattening of the central cornea was observed, with approximately 6 D (first case) and 10 D in the second, with visual acuity improvement. The results have remained stable until this moment. The postoperative follow-up was of 3 and 8 months, respectively. Conclusions: Ferrara's ring has obtained success in the difficult treatment of this surgical complication, allowing delay of or even avoiding the evolution of these cases to a corneal transplantation with all its risks, slow recovery and dependence on the agility of the donation lines.

Keywords: Corneal ectasia; Refrative surgery; Ferrara's ring.

Apresentado no XXX Congresso Brasileiro de Oftalmologia, em Recife (PE), setembro de 1999.

Autor (1) possui patente do instrumento referido no estudo e autores (2) e (3) declaram não possuir interesse financeiro no desenvolvimento ou "marketing" dos instrumentos referidos no estudo.

Endereço para correspondência: Centro de Oftalmologia Avançada. Rua Grão Pará, 737 - Sl. 201 - Santa Efigênia - Belo Horizonte (MG) CEP 30150-341. Tel.: (031) 241-6347. E-mail: ferrara@biominas.org.br

  • 1. Barraquer JL. Modification of refraction by means of intracorneal inclusion. Int Ophth Clin 1996;6:53.
  • 2. Belau PG, Dyer JA, Ogle KN, Henderson JW. Correction of ametropia with intra-corneal lenses: An experimental study. Arch Ophthalmol 1964;72:541.
  • 3. Neves RA, Nosé W, Belfort Jr. R, Burris TE, Schanzlin DJ. Intrastromal Corneal Ring. Arq Bras Oftalmol 1996;59:224.
  • 4. Goodman GL, Trokel SL, Stark WJ. Corneal healing following laser refractive keratectomy. Arch Ophthalmol 1989;107:1799.
  • 5. Machat JJ. PRK complications and their management. In: Excimer laser refractive surgery: practice and principles. Thorofare, Slack Incorporated, 1996;169-210.
  • (1
    ) Especialização em Oftalmologia pela Faculdade de Medicina da UFMG.
    (2
    ) Doutorando em Oftalmologia pela Faculdade de Medicina da UFMG; Especialização em Oftalmologia pela Faculdade de Medicina da UFMG.
    (3
    ) Livre-Docente Hospital São Geraldo da UFMG; Doutor em Oftalmologia pela Faculdade de Medicina da UFMG; Diretor do Centro de Oftalmologia Avançada ¾ Belo Horizonte, MG.
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      22 Maio 2007
    • Data do Fascículo
      Jun 2000
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