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Estudo dos movimentos torcionais em cirurgia refrativa

Study of torsional movements in refractive surgery

Resumos

OBJETIVO: Verificar a ocorrência de movimentos torcionais do globo ocular no momento da cirurgia refrativa em pacientes astigmatas e suas possíveis conseqüências no resultado da cirurgia. MÉTODOS: Estudo prospectivo de 49 olhos de 40 pacientes atendidos no Hospital de Olhos do Paraná, portadores de astigmatismo, e que seriam submetidos à cirurgia refrativa. A técnica cirúrgica utilizada em todos os pacientes foi o LASIK. Os pacientes foram divididos em dois grupos, de acordo com o poder do astigmatismo, que variou no primeiro grupo 0,25 a 2,00D; e no segundo grupo de 2,25 a 6,00D. Todos os pacientes foram examinados para avaliar a ocorrência de torção do globo ocular no momento da cirurgia, e com base nestes dados foi corrigido o eixo do tratamento por meio de programa específico do aparelho de laser. Os resultados dos dois grupos foram analisados e comparados estatisticamente. Os resultados foram relacionados com os dados existentes sobre influência da variação do eixo do tratamento com o resultado da cirurgia. RESULTADOS: Observou-se torção média de 3,5º+/- no grupo A; e de 4,5º+/- no grupo B. Não houve diferença estatística significativa entre os grupos. CONCLUSÕES: Os movimentos torcionais ocorrem de forma significativa em quase todos os pacientes submetidos à cirurgia refrativa e portanto, devem ser sempre corrigidos para se evitar redução na eficiência do tratamento. Isto é especialmente importante nos casos de cirurgia personalizada.

Astigmatismo; Movimentos oculares; Postura; Rotação; Erros de refração; Reflexo vestíbulo-ocular


PURPOSE: To observe torsional movements of the eye in refractive surgery, and their possible consequences in the surgery outcome. METHODS: In a prospective study, 49 eyes of 40 patients were submitted to surgical correction of astigmatism, by the LASIK technique. Patients were divided in two groups based on the cylindric power. Group A from -0.25 to -2.00D; group B from -2.25 to -6.00D. The occurrence of torsional movements was recorded in all patients, and based on this, the axis of treatment was corrected. RESULTS: Mean torsion was 3.5º+/- in group A; and 4.5º+/- in group B. There was no statistical difference between the two groups. CONCLUSION: Torsional movements occurred in almost all cases, and therefore should be corrected if one desires best results. This is specially important in matching personalized data captured in wave front analyzers for the eye at the time of surgery.

Astigmatism; Eye movements; Posture; Rotation; Refractive errors; Reflex, vestibulo-ocular


ARTIGO ORIGINAL

Estudo dos movimentos torcionais em cirurgia refrativa

Study of torsional movements in refractive surgery

Guilherme José Nunes Marques RochaI; Otávio Siqueira BisnetoII; Hamilton MoreiraIII

IPós-graduando nível mestrado pelo Hospital Evangélico de Curitiba e Médico do Hospital de Olhos do Paraná. Curitiba (PR)

IIPós-graduando nível mestrado pela Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP). Campinas (SP) e Preceptor do Serviço de Cirurgia Refrativa do Hospital de Olhos do Paraná e Hospital Evangélico de Curitiba. Curitiba (PR)

IIIProfessor Adjunto da Universidade Federal do Paraná (UFPR). Curitiba (PR)

Endereço para correspondência Endereço para correspondência Rua Cel. Dulcídio, 199 - 4º andar Curitiba (PR) CEP 80420-170 E-mail: guigojnmr@hotmail.com

RESUMO

OBJETIVO: Verificar a ocorrência de movimentos torcionais do globo ocular no momento da cirurgia refrativa em pacientes astigmatas e suas possíveis conseqüências no resultado da cirurgia.

MÉTODOS: Estudo prospectivo de 49 olhos de 40 pacientes atendidos no Hospital de Olhos do Paraná, portadores de astigmatismo, e que seriam submetidos à cirurgia refrativa. A técnica cirúrgica utilizada em todos os pacientes foi o LASIK. Os pacientes foram divididos em dois grupos, de acordo com o poder do astigmatismo, que variou no primeiro grupo 0,25 a 2,00D; e no segundo grupo de 2,25 a 6,00D. Todos os pacientes foram examinados para avaliar a ocorrência de torção do globo ocular no momento da cirurgia, e com base nestes dados foi corrigido o eixo do tratamento por meio de programa específico do aparelho de laser. Os resultados dos dois grupos foram analisados e comparados estatisticamente. Os resultados foram relacionados com os dados existentes sobre influência da variação do eixo do tratamento com o resultado da cirurgia. RESULTADOS: Observou-se torção média de 3,5º+/- no grupo A; e de 4,5º+/- no grupo B. Não houve diferença estatística significativa entre os grupos.

CONCLUSÕES: Os movimentos torcionais ocorrem de forma significativa em quase todos os pacientes submetidos à cirurgia refrativa e portanto, devem ser sempre corrigidos para se evitar redução na eficiência do tratamento. Isto é especialmente importante nos casos de cirurgia personalizada.

Descritores: Astigmatismo; Movimentos oculares; Postura; Rotação; Erros de refração/cirurgia; Reflexo vestíbulo-ocular

ABSTRACT

PURPOSE: To observe torsional movements of the eye in refractive surgery, and their possible consequences in the surgery outcome.

METHODS: In a prospective study, 49 eyes of 40 patients were submitted to surgical correction of astigmatism, by the LASIK technique. Patients were divided in two groups based on the cylindric power. Group A from -0.25 to -2.00D; group B from -2.25 to -6.00D. The occurrence of torsional movements was recorded in all patients, and based on this, the axis of treatment was corrected.

RESULTS: Mean torsion was 3.5º+/- in group A; and 4.5º+/- in group B. There was no statistical difference between the two groups.

CONCLUSION: Torsional movements occurred in almost all cases, and therefore should be corrected if one desires best results. This is specially important in matching personalized data captured in wave front analyzers for the eye at the time of surgery.

Keywords: Astigmatism; Eye movements; Posture; Rotation; Refractive errors/surgery; Reflex, vestibulo-ocular

INTRODUÇÃO

O astigmatismo é a condição óptica na qual o olho não consegue trazer uma imagem a um ponto focal porque o poder refrativo varia nos diferentes meridianos. É um erro de refração comum que pode ter origem na córnea, na face anterior ou posterior do cristalino, ser decorrente de inclinações do cristalino ou de lente intra-ocular e, ainda, de cirurgia de retina ou tumores(1).

É classificado em regular, irregular; simétrico ou assimétrico; miópico simples, miópico composto, hipermetrópico simples, hipermetrópico composto, e misto. Pode ser primário ou ser causado por: doenças corneanas; compressões externas; ou cirurgia ocular(1).

As cirurgias para correção de astigmatismo datam de 1869, quando Snellen propôs incisões corneanas para diminuir os altos astigmatismos após cirurgias oculares. As várias técnicas evoluíram e se tornaram mais previsíveis na década de 70 com Fiodorov e a realização de ceratotomias anteriores; e posteriormente com uso do excimer laser na ceratectomias fotorrefrativas(1).

Os movimentos torcionais do globo ocular são realizados pelos múscuos extra-oculares, girando o globo em torno do eixo Y de Fick, e assim dirigindo o limite superior do meridiano vertical da córnea medialmente, intorção ou inciclodução; ou lateralmente, extorção ou exciclodução. O oblíquo superior e o reto superior são responsáveis pela intorção, e oblíquo inferior e reto inferior pela extorção. Esses movimentos ocorrem quando a cabeça está inclinada sobre um dos ombros ou quando o paciente deita(2).

A barra de ciclotorção é um recurso presente no excimer laser Ladarvision4000, que permite ao cirurgião corrigir eventuais movimentos torcionais do globo ocular no momento em que o paciente deita para a realização da cirurgia refrativa. Esta consiste em uma barra horizontal que é vista no monitor do Ladarvision4000, que pode ser girada em sentido horário ou anti-horário, para ser deste modo alinhada com o eixo horizontal do olho. Este movimento da barra é controlado pelo cirurgião, através de um programa no computador fornecido pelo fabricante (Alcon labs), e seu percurso rotacional é registrado pelo aparelho em graus.

O objetivo deste estudo é avaliar o quanto o eixo do astigmatismo variou no momento da cirurgia devido aos movimentos torcionais, nos pacientes submetidos à cirurgia refrativa no CEO Prof. Moreira.

MÉTODOS

Foram estudados prospectivamente 40 pacientes que seriam submetidos à cirurgia refrativa, portadores de astigmatismo. Os pacientes foram operados no CEO Prof. Moreira no período de fevereiro a junho de 2003, sendo realizada a cirurgia pela técnica do LASIK, utilizando-se microceratótomo Hansatome, e excimer laser Ladarvision4000.

Imediatamente antes da cirurgia, foi realizada, em todos os pacientes, marcação do eixo horizontal do globo ocular. Para isso, foram utilizadas duas marcas arredondadas, uma na conjuntiva nasal e outra na conjuntiva temporal, feitas na lâmpada de fenda com caneta de hidrocor azul, com o paciente fixando com o olho a ser marcado. Estas duas marcações sinalizam o eixo horizontal do olho a ser operado no paciente em posição ortostática. Após posicionamento do paciente na mesa cirúrgica em posição de decúbito dorsal, procedeu-se a verificação da ocorrência de movimento torcional do globo ocular, utilizando-se para isso a barra de ciclotorção, presente no software do Ladarvision4000. Pelo monitor, com a barra de ciclotorção selecionada e visível na tela sobre a imagem em tempo real do globo ocular alinha-se a barra com as duas marcas feitas previamente na conjuntiva e que sinalizam o eixo horizontal daquele olho em posição ortostática. No momento do alinhamento e durante toda a cirurgia, o paciente fixa com o olho que foi marcado e que está sendo operado, visto que o olho adelfo está ocluído, e portanto não há mudança de olho fixador. O valor do quanto a barra foi girada para alinhar-se ao eixo horizontal do globo ocular é registrado em graus pelo aparelho, o qual faz automaticamente o ajuste do eixo do tra tamento de acordo com a torção apresentada. Posteriormente o valor da torção foi anotado na ficha cirúrgica do paciente.

Os pacientes foram divididos em dois grupos de acordo com a intensidade do astigmatismo: grupo A de 0,25 a 2,00D; grupo B de 2,25D em diante. Estes dados foram submetidos à análise estatística, sendo calculados média e desvio padrão, para cada grupo, e para o total de pacientes.

RESULTADOS

Foram estudados 49 olhos de 40 pacientes, sendo 22 (55%) do sexo masculino e 18 (45%) do sexo feminino. O astigmatismo variou: de 0,50D a 2,00D no grupo A (média de 1,029); de 2,25D a 6,00D no grupo B (média 2,8) (Quadro 1).


A média geral da torção foi de 3,592º, para mais ou para menos, desvio padrão de 1,999, sendo que o maior valor de torção encontrado foi de 9,0º, e o menor valor foi zero (não houve movimento torcional) (Gráfico 1).


A média de torção no grupo A foi de 3,5º, para mais ou para menos (desvio padrão 2,078); e do grupo B 4,5º, para mais ou para menos (desvio 1,853). Não houve diferença estatística significativa entre os grupos (p=0,333) (Gráfico 2).


DISCUSSÃO

Sabe-se que as mudanças de astigmatismo induzidas cirurgicamente podem ser analisadas vetorialmente por cálculos trigonométricos já descritos na literatura(3). Esta análise mostra que o correto alinhamento do tratamento do astigmatismo é importante para seu sucesso. Ainda de acordo com dados da literatura, pequenos erros de alinhamento induzem uma redução significativa da eficiência da correção do astigmatismo, de modo que um desalinhamento entre o eixo da correção programada e o eixo do tratamento efetivamente realizado de apenas 3º reduz a eficiência do tratamento em 10%, e um desalinhamento de 7º produz uma redução de 25% na eficiência. Com uma rotação de 30º a eficiência da cirurgia é nula, e acima de 30º o astigmatismo pós-operatório será maior que o pré-operatório. Além disso, pequenos erros de alinhamento produzem grandes diferenças entre o eixo pré-operatório do astigmatismo e o eixo do astigmatismo residual pós-operatório(3-5).

De acordo com os dados obtidos neste trabalho, com média de torção de 3,6º e chegando até 9º (para mais ou para menos), observa-se que a eficiência do tratamento ficaria em torno de 90% do possível, podendo ser em alguns casos de apenas 70%, caso a rotação não fosse corrigida, tornando-se assim imperativo o uso de mecanismos para o alinhamento correto do eixo do tratamento.

Este trabalho vem demonstrar que apesar de alguns trabalhos negarem a existência dos movimentos torcionais do globo ocular na mudança de decúbito(6-8), eles não só ocorrem, como são de magnitude expressiva (com média de 3,5º; desvio padrão 1,9º; variando de zero grau no mínimo a 9º no máximo). Isto é especialmente relevante quando se analisa o exposto anteriormente em relação à eficácia do tratamento. Não fica claro, nem é objetivo do estudo, qual a causa destes movimentos e nem sua exata função na mudança da posição ortostática para decúbito dorsal.

Outro fator a ser considerado, diz respeito à correta aferição do cilindro no pré-operatório, tanto o seu poder quanto o seu eixo. Visto que de acordo com os dados demonstrados, ainda que a rotação do globo ocular no momento em que o paciente deita para a cirurgia seja corrigida, se o eixo medido no pré-operatório não estiver correto, mesmo que por poucos graus, como já demonstrado, pode haver um resultado muito além do esperado, e até mesmo uma inversão de eixo com aumento do poder no caso de erro maior que 30º.

Isto é particularmente importante em casos nos quais se usam dados de análise de frente onda (wavefornt) para personalizar a cirurgia. Pois nesses casos, o tratamento das aberrações ópticas é individualizado para cada olho, portanto a precisão do laser é fundamental. E caso não haja a correção da torção, perde-se a precisão e, portanto todas as vantagens da cirurgia personalizada.

CONCLUSÃO

Conclui-se que houve rotação do globo ocular em praticamente todos os pacientes estudados, e que foram submetidos à cirurgia refrativa. E que esta torção foi significativa, podendo alterar o resultado da cirurgia se não corrigida.

Considerando-se estes dados percebe-se a importância de um mecanismo de acompanhamento da torção do globo ocular e correção do eixo do tratamento, em cirurgia refrativa, para que esta possa atingir os resultados planejados. Não só nos pacientes com astigmatismo, mas também para qualquer tratamento assimétrico, como os tratamentos personalizados de aberrações ópticas diversas.

Com o desenvolvimento da cirurgia personalizada torna-se cada vez mais claro que os aparelhos de excimer laser precisam de instrumentos que compensem a torção e, no futuro, rastreadores que possam compensar esses movimentos também durante a cirurgia, visto que os aparelhos atuais não compensam a torção de uma maneira dinâmica.

Recebido para publicação em 25.05.2004

Versão revisada recebida em 07.03.2005

Aprovação em 20.07.2005

Trabalho realizado no Hospital de Olhos do Paraná e no Centro de Excelência em Oftalmologia Prof. Moreira (CEO). Curitiba (PR).

Nota Editorial: Depois de concluída a análise do artigo sob sigilo editorial e com a anuência do Dr. Ronaldo Boaventura Barcellos sobre a divulgação de seu nome como revisor, agradecemos sua participação neste processo.

  • 1. Kwitko S, Belfort Jr. R. Correção cirúrgica do astigmatismo. In: Belfort Jr. R, Kara-José N. editores. Córnea clínica-cirúrgica. São Paulo: Roca; 1996. p.559-73.
  • 2. Dias CS. Estrabismo. Rio de Janeiro: Cultura Médica; 1998.
  • 3. Helena MC. Análise vetorial do astigmatismo. In: Alves MR, Chamon W, Nosé W, editors. Cirurgia refrativa. Rio de Janeiro: Cultura Médica; 2003.
  • 4. Swami, Steinert RF, Osborne WE, White AA. Rotational malposition during laser in situ keratomileusis. Am J Ophthalmol. 2002;133(4):561-2.
  • 5. Alpins NA, Goggin M. Practical astigmatism analysis for refractive outcomes in cataract and refractive surgery. Surv Ophthalmol. 2004;49(1):109-22.
  • 6. Kingma H, Stegeman P, Vogets T. Ocular torsion induced static and dynamic visual stimulation and static whole body roll. Eur Arch Otorhinolaryngol. 1997;(Suppl. 254):61-3.
  • 7. Yashiro T, Ishii M, Igarashi M, Kobauashi T, Moriyama H, Sekiguchi C. Effects of 10 min tilt and visual directional information on counterrolling. ORL J Otorhinolarylgol Relat Spec. 1996;58(6):301-3.
  • 8. Suzuki Y, Kase M, Kato H, Fukushima K. Stability of ocular counterrolling and listing's plane during static roll-tilts. Invest Ophtalmol Vis Sci. 1997; 38(10):2103-11.
  • Endereço para correspondência
    Rua Cel. Dulcídio, 199 - 4º andar
    Curitiba (PR) CEP 80420-170
    E-mail:
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      26 Jan 2006
    • Data do Fascículo
      Dez 2005

    Histórico

    • Revisado
      07 Mar 2005
    • Recebido
      25 Maio 2004
    • Aceito
      20 Jul 2005
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