Acessibilidade / Reportar erro

Perfil dos óbitos femininos por homicídios no município de Goiânia

RESUMO

Objetivos:

identificar o perfil de homicídios femininos no município de Goiânia, Goiás.

Métodos:

estudo transversal, descritivo, que caracterizou os óbitos femininos por homicídios de 2008 a 2015, ocorridos em Goiânia, registrados no Sistema de Informação sobre Mortalidade. Foram elegíveis casos de homicídios de mulheres com idade ≥ 10 anos que residiam em Goiânia. Foram excluídas as outras causas de morte. Análise estatística descritiva com frequências.

Resultados:

376 mulheres morreram por agressão, observando-se um aumento da porcentagem de óbitos anualmente. A maioria das vítimas era jovens (57,5%), solteiras (78,8%), pardas (61,1 %) e de baixa escolaridade (58,4%). O meio de agressão mais frequente foi com arma de fogo (64,0%). Os distritos sanitários com maior registro de óbitos femininos por agressão foram Sudoeste, Centro e Noroeste, respectivamente.

Conclusões:

o perfil predominante das mulheres vítimas de feminicídio foi jovens, pardas, solteiras, com baixo nível de escolaridade e moradoras de regiões menos favorecidas.

Descritores:
Violência de Gênero; Violência contra a Mulher; Homicídio; Violência; Mulheres Maltratadas

ABSTRACT

Objectives:

to identify the female homicide profile in the city of Goiânia.

Methods:

a cross-sectional, descriptive study that characterized female deaths by homicide from 2008 to 2015. They occurred in Goiânia, and registered in the Mortality Information System. Cases of homicide of women aged ≥ 10 years were eligible. Other causes of death were excluded. Descriptive statistical analysis with frequencies.

Results:

three hundred seventy-six women died from assault, with an increase in the percentage of deaths annually. Most of the victims were young (57.5%), single (78.8%), mixed-ethnicity (61.1%) and with low education (58.4%). The most frequent means of assault was firearm (64.0%). The health districts with the highest record of female deaths due to assault were southwest, center and northwest.

Conclusions:

the predominant profile of women victims of femicide was young, mixed-ethnicity, single, with low level of education and living in less favored regions.

Descriptors:
Gender-Based Violence; Violence Against Women; Homicide; Violence; Battered Women

RESUMEN

Objetivos:

identificar el perfil de homicidios femeninos en la cuidad de Goiânia.

Métodos:

estudio descriptivo transversal que caracterizó las muertes de mujeres por homicidios de 2008 a 2015, ocurridas en Goiânia, registradas en el Sistema de Información de Mortalidad. Los casos de homicidio de mujeres ≥ 10 años que vivían en Goiânia eran elegibles. Se excluyeron otras causas de muerte. Análisis estadístico descriptivo con frecuencias.

Resultados:

376 mujeres murieron por agresión, con un aumento en el porcentaje de muertes anuales. La mayoría de las víctimas eran jóvenes (57.5%), solteras (78.8%), mestizas (61.1%) y con baja educación (58.4%). El medio de agresión más frecuente fue con un arma de fuego (64.0%). Los distritos de salud con el mayor número de muertes de mujeres debido a la agresión fueron Suroeste, Centro y Noroeste, respectivamente.

Conclusiones:

el perfil predominante de mujeres víctimas de feminicidio era joven, morena, soltera, con bajo nivel educativo y viviendo en regiones menos favorecidas.

Descriptores:
Violencia de Género; Violencia contra la Mujer; Homicidio; Violencia; Mujeres Maltratadas

INTRODUÇÃO

A violência contra as mulheres é considerada um importante problema de saúde pública, em função da alta prevalência de casos identificados em vários países, principalmente os cometidos por parceiros íntimo(11 World Health Organization. Global and regional estimates of violence against women: prevalence and health effects of intimate partner violence and non-partner sexual violence[Internet]. World Health Organization; 2013[cited 2018 Jun 13]. Available from: https://apps.who.int/iris/bitstream/handle/10665/85239/9789241564625_eng.pdf;jsessionid=C2B1BC6807B33F0E72F3125851BBF935?sequence=1
https://apps.who.int/iris/bitstream/hand...
).

Na América do Norte, estima-se que entre 60% e 70% dos homicídios femininos nos Estados Unidos e Canadá sejam cometidos por parceiros íntimos(11 World Health Organization. Global and regional estimates of violence against women: prevalence and health effects of intimate partner violence and non-partner sexual violence[Internet]. World Health Organization; 2013[cited 2018 Jun 13]. Available from: https://apps.who.int/iris/bitstream/handle/10665/85239/9789241564625_eng.pdf;jsessionid=C2B1BC6807B33F0E72F3125851BBF935?sequence=1
https://apps.who.int/iris/bitstream/hand...
-22 Campbell JC, Glass N, Sharps PW, Laughon K, Bloom T. Intimate partner homicide: review and implications of research and policy. Trauma Violence Abuse. 2007;8(3):246-69. doi: 10.1177/1524838007303505.
https://doi.org/10.1177/1524838007303505...
). Outros investigadores sugerem que o maior risco de homicídios femininos é por companheiros ou ex-companheiros(33 Stöckl H, Devries K, Rotstein A. The global prevalence of intimate partner homicide: a systematic review. Lancet. 2013;382(9895):859-65. doi: 10.1016/S0140-6736(13)61030-2
https://doi.org/10.1016/S0140-6736(13)61...
). De modo semelhante, no Reino Unido, em 2009, 54% de mortes femininas e 5% de mortes masculinas foram cometidas por parceiros íntimos(44 Smith K, Coleman K, Eder S, Hall P. Homicides, firearm offences and intimate violence 2009/10 (Crime in England and Wales). Home Office Statistical Bulletin[Internet]. 2011 [cited 2018 Jun 13]:118 Available from: https://assets.publishing.service.gov.uk/government/uploads/system/uploads/attachment_data/file/116483/hosb0212.pdf
https://assets.publishing.service.gov.uk...
). Outro estudo retrospectivo realizado nos anos de 1999 e 2009, na África do Sul, constatou que cerca de 50% dos homicídios femininos foram cometidos por cônjuges(55 Abrahams N, Mathews S, Martin LJ, Lombard C, Jewkes R. Intimate partner femicide in South Africa in 1999 and 2009. PLoS Med [Internet]. 2013 [cited 2017 Aug 28];10(4):132-8 Available from: https://journals.plos.org/plosmedicine/article?id=10.1371/journal.pmed.1001412
https://journals.plos.org/plosmedicine/a...
).

As mortes femininas que têm como único motivo a discriminação baseada no gênero foram nomeadas de feminicídios (tradução da palavra inglesa femicide), em 1976, por Diana Russel(66 Russel DEH, Harmes R. Defining Feminicide and related concepts. In: Russel DEH, Harmes R, (eds.). Feminicide in global perspective. New York: Teacher’s College Press, 2001, 12-8 p.). Os óbitos de mulheres, decorrentes de conflitos de gênero, representam a expressão máxima da violência, sendo a violência física do parceiro íntimo contra a mulher, o principal fator de risco para o feminicídio. Estas mortes decorrem de situações de abusos no domicílio, ameaças, violência sexual, ou situações nas quais a mulher tem menos poder ou menos recursos do que o homem(22 Campbell JC, Glass N, Sharps PW, Laughon K, Bloom T. Intimate partner homicide: review and implications of research and policy. Trauma Violence Abuse. 2007;8(3):246-69. doi: 10.1177/1524838007303505.
https://doi.org/10.1177/1524838007303505...
-33 Stöckl H, Devries K, Rotstein A. The global prevalence of intimate partner homicide: a systematic review. Lancet. 2013;382(9895):859-65. doi: 10.1016/S0140-6736(13)61030-2
https://doi.org/10.1016/S0140-6736(13)61...
).

Com relação aos homicídios femininos, o Brasil ocupa o quinto lugar entre 84 países do mundo(77 Waiselfisz JJ. Mapa da Violência 2015: homicídios de mulheres no Brasil[Internet]. 2015[cited 2017 Aug 28]. 79 p. Available from: https://www.mapadaviolencia.org.br/pdf2015/MapaViolencia_2015_mulheres.pdf.
https://www.mapadaviolencia.org.br/pdf20...
). No período de 2009 a 2011, 13.071 feminicídios foram registrados no Sistema de Informação de Mortalidade (SIM), o que equivale a uma taxa bruta de mortalidade de 4,48 óbitos por 100.000 mulheres(88 Garcia LP, Freitas LRS, Silva GDM, Höfelmann DA. Estimativas corrigidas de feminicídios no Brasil, 2009 a 2011. Rev Panam Salud Publica [Internet]. 2015[cited 2017 Aug 28];37:251-7 Available from: https://www.scielosp.org/pdf/rpsp/2015.v37n4-5/251-257/pt
https://www.scielosp.org/pdf/rpsp/2015.v...
). Entre os estados brasileiros, o estado de Goiás representa o sexto lugar, uma vez que foram registrados 6,9 casos de feminicídios por 100 mil de mulheres goianas(88 Garcia LP, Freitas LRS, Silva GDM, Höfelmann DA. Estimativas corrigidas de feminicídios no Brasil, 2009 a 2011. Rev Panam Salud Publica [Internet]. 2015[cited 2017 Aug 28];37:251-7 Available from: https://www.scielosp.org/pdf/rpsp/2015.v37n4-5/251-257/pt
https://www.scielosp.org/pdf/rpsp/2015.v...
).

Nas últimas décadas, várias políticas públicas internacionais e nacionais foram criadas com a finalidade de dar um tratamento diferenciado às questões de gênero, incluindo o feminicídio. Dentre as políticas públicas, destaca-se a criação da ONU Mulheres pelas Nações Unidas, em 2010. Esta entidade cumpre um papel de liderança global em defesa das mulheres de todo o mundo. Busca ampliar os esforços mundiais em defesa dos direitos humanos das mulheres, colocando a igualdade de gênero como uma condição importante para se alcançar o desenvolvimento(99 Organização das Nações Unidas. ONU Mulheres Brasil[Internet]. 2010[cited 2017 Aug 28]. Available from: http://www.onumulheres.org.br/onu-mulheres/sobre-a-onu-mulheres/
http://www.onumulheres.org.br/onu-mulher...
). No Brasil, em 2006, entrou em vigor a Lei 11.340 - conhecida como Lei Maria da Penha - que define como crime a violência doméstica e familiar contra a mulher, possibilitando que agressores de mulheres sejam presos em flagrante ou tenham sua prisão preventiva decretada(1010 Presidência da República (BR). Lei n. 11.340 de 7 de agosto de 2006. Lei Maria da Penha. Dispõe sobre a criação dos Juizados de Violência Doméstica e Familiar contra a mulher, altera o Código de Processo Penal, o Códio Penal e a Lei de Execução Pena e dá outras providências [Internet]. Brasília: Diário Oficial da União, 2006[cited 2017 Aug 28]. Available from: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2004-2006/2006/lei/l11340.htm
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_at...
). No entanto, um estudo de séries temporais, conduzido para avaliar o impacto da Lei Maria da Penha sobre a mortalidade de mulheres por agressões, constatou que não houve impacto, ou seja, não houve redução das taxas anuais de mortalidade(1111 Garcia LP, Freitas LRS, Höfelmann DA. Avaliação do impacto da Lei Maria da Penha sobre a mortalidade de mulheres por agressões no Brasil, 2001-2011. Epidemiol Serv Saude. 2013;22(3):383-94. doi: 10.5123/S1679-49742013000300003
https://doi.org/10.5123/S1679-4974201300...
).

Em uma nova tentativa de reduzir a violência contra a mulher, o governo brasileiro, em 2015, aprovou o projeto de lei de tipificação do feminicídio como crime hediondo e qualificação do assassinato de mulheres por razões de gênero. Assim, o assassinato motivado por razões de gênero passa a ser um homicídio qualificado, com reclusão de 12 a 30 anos(1212 Presidência da República (BR). Lei nº.13.104, de 9 de março de 2015. Altera o art. 121 do Decreto-Lei no 2.848, de 7 de dezembro de 1940 - Código Penal, para prever o feminicídio como circunstância qualificadora do crime de homicídio, e o art. 1o da Lei no 8.072, de 25 de julho de 1990, para incluir o feminicídio no rol dos crimes hediondos. Brasília: Diário Oficial da União, 2015.).

Apesar de a violência de gênero ser um importante problema social e de direitos humanos, ainda são poucas as informações sobre a magnitude desse fenômeno. Busca realizada utilizando a estratégia PICO (P: feminino/mulheres; I: homicídio/feminicídio; CO: brasileiro) em cinco bases de dados (Biblioteca Virtual em Saúde; PubMed; LILACS; BIREME e Scielo) identificou 35 artigos. Destes, quatro estudaram o feminicídio no Brasil(1313 Souza ER, Meira KC, Ribeiro AP. Homicides among women in the different Brazilian regions in the last 35 years: an analysis of age-period-birth cohort effects. Cien Saude Colet. 2017;22(9):2949-62. doi: 10.1590/1413-81232017229.12392017
https://doi.org/10.1590/1413-81232017229...

14 Meneghel SN, Hirakata VN. Femicídios: homicídios femininos no Brasil. Rev Saude Publica. 2011;45:564-74. doi: 10.1590/S0034-89102011000300015
https://doi.org/10.1590/S0034-8910201100...

15 Martins-Filho PRS, Mendes MLT, Reinheimer DM. Femicide trends in Brazil: relationship between public interest and mortality rates. Arch Womens Ment Health. 2018;21(5):579-82. doi: 10.1007/s00737-018-0842-1
https://doi.org/10.1007/s00737-018-0842-...
-1616 Meneghel SN, Rosa B, Ceccon RF, Hirakata VN, Danilevicz IM. Femicides: a study in Brazilian state capital cities and large municipalities. Cien Saude Colet. 2017;22(9):2963-70. doi: 10.1590/1413-81232017229.22732015
https://doi.org/10.1590/1413-81232017229...
) e apenas um avaliou a cidade de Goiânia, com o objetivo de analisar as relações entre os feminicídios e diversos indicadores(1616 Meneghel SN, Rosa B, Ceccon RF, Hirakata VN, Danilevicz IM. Femicides: a study in Brazilian state capital cities and large municipalities. Cien Saude Colet. 2017;22(9):2963-70. doi: 10.1590/1413-81232017229.22732015
https://doi.org/10.1590/1413-81232017229...
). Neste cenário, este é o primeiro estudo que propõe contribuir com a visibilidade deste evento por meio da obtenção de dados populacionais sobre o perfil e a distribuição de óbitos femininos por homicídios nos distritos sanitários do município de Goiânia, Goiás.

OBJETIVOS

Identificar o perfil de homicídios femininos no município de Goiânia.

MÉTODOS

Aspectos éticos

Apesar de usar dados secundários disponíveis para a consulta pública, o estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética da Pontifícia Universidade Católica de Goiás - PUC Goiás (Parecer no: 1.616.347), no dia 30 de junho de 2016. Foram seguidas todas as diretrizes éticas estabelecidas pela Resolução CNS nº 466, de 12 de dezembro de 2012, que regulamenta a pesquisa envolvendo seres humanos.

Desenho, local e período do estudo

Trata-se de um estudo transversal e descritivo, norteado pela ferramenta STROBE que analisou o perfil epidemiológico dos casos de mortes de mulheres por homicídio ocorridas em Goiânia, capital do estado de Goiás, localizado na região Central do Brasil, entre 2008 e 2015. O município é dividido em sete distritos sanitários (Norte, Sul, Leste, Oeste, Noroeste, Sudoeste e Campinas-Centro). A base de dados secundária utilizada para a obtenção dos dados foi o SIM.

População, critérios de inclusão e exclusão

A população do estudo foram todas as mulheres com idade igual ou superior a dez anos, residentes no município de Goiânia, que foram a óbito durante o período estudado.

Foram considerados como critérios de inclusão no estudo os homicídios de mulheres com idade igual ou superior a dez anos, cujo endereço de residência era no município de Goiânia. Foram excluídas todas as outras causas de morte no município de Goiânia.

Protocolo do estudo

A distribuição dos óbitos foi realizada com base na variável de local de moradia das vítimas, designado no banco do SIM como CODBAIRRORES (variável de domínio público).

A categoria feminicídio não consta no SIM. Assim, semelhante a outros estudos, foi utilizado o total de homicídios femininos como um “indicador aproximado” de feminicídio, já que 60% a 70% dessas mortes são provocadas pelas desigualdades de gênero(22 Campbell JC, Glass N, Sharps PW, Laughon K, Bloom T. Intimate partner homicide: review and implications of research and policy. Trauma Violence Abuse. 2007;8(3):246-69. doi: 10.1177/1524838007303505.
https://doi.org/10.1177/1524838007303505...
,1414 Meneghel SN, Hirakata VN. Femicídios: homicídios femininos no Brasil. Rev Saude Publica. 2011;45:564-74. doi: 10.1590/S0034-89102011000300015
https://doi.org/10.1590/S0034-8910201100...
). O uso do total de óbitos como uma aproximação dos casos de feminicídios não superestima a mortalidade por esse evento, tendo em vista a compensação de subnotificação ou diagnósticos mal definidos de agressão em mulheres, sobretudo nas regiões mais pobres do país(1717 Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. Estatísticas do Registro Civil 2009[Internet]. 2010[cited 2018 Aug 28]. Available from: https://www.ibge.gov.br/estatisticas/sociais/populacao/9110-estatisticas-do-registro-civil.html
https://www.ibge.gov.br/estatisticas/soc...
).

Para o presente estudo, foram considerados homicídios femininos segundo as categorias da 10ª edição da Classificação Internacional de Doenças (CID-10), no intervalo de X85 a Y09. Esta classificação abrange os homicídios e lesões infligidas por outra pessoa, empregando qualquer meio com a intenção de lesar ou de matar, conforme apresentado no Quadro 1.

Quadro 1
Categorias da 10ª edição da Classificação Internacional de Doenças (CID-10), no intervalo de X85 a Y09

As variáveis foram classificadas em: (i) características sociodemográficas - faixa etária (em anos); raça (branca, negra, amarela, parda); situação conjugal (casada, solteira, viúva, separada); escolaridade (em anos); (ii) características da ocorrência do óbito - ano do óbito (de 2008 a 2015); dias da semana (segunda-feira, terça-feira, quarta-feira, quinta-feira, sexta-feira, sábado e domingo); mês de ocorrência (janeiro a dezembro); meio de agressão (arma de fogo, objeto cortante ou perfurante, enforcamento, sufocação ou estrangulamento, fogo, fumaça ou chamas); local do óbito (hospital, vias públicas, domicílio, outros); bairro de residência das vítimas, agrupado por distrito sanitário.

Análise dos resultados e estatística

Foi construído um banco de dados utilizando o Statistical Package for the Social Science (SPSS), versão 20, em plataforma Windows. A digitação foi realizada por pesquisadoras com experiência em manipulação do sistema DATASUS, com o apoio de um estatístico. Realizou-se análise descritiva para caracterizar o perfil das vítimas por meio de tabelas de distribuição de frequências absolutas e relativas das variáveis para todos os casos de mortes de mulheres por homicídio, declarada pelo SIM.

RESULTADOS

No município de Goiânia, 376 mulheres morreram por agressão entre 2008 e 2015. A Tabela 1 apresenta as características sociodemográficas e as ocorrências dos homicídios femininos neste período.

Tabela 1
Características sociodemográficas e de ocorrência das mulheres vítimas de homicídios residentes no município de Goiânia, Goiás, Brasil, 2008-2015

A maioria das vítimas eram mulheres de 20 a 39 anos (57,5%), solteiras (78,8%), pardas (61,1%) e tinham baixa escolaridade (58,4%). Aproximadamente 20% dos óbitos femininos ocorreram entre adolescentes.

Em relação ao meio de agressão sofrido pelas vítimas, destaca-se o uso de armas de fogo (64,0%), seguido dos objetos penetrantes ou cortantes (25,3%). O local de ocorrência do óbito mais frequente foi a via pública (36,2%), seguido dos hospitais (24,5%) e domicílio (23,9%) (Tabela 1).

Quanto ao ano em que ocorreu o feminicídio, observa-se um aumento da sua proporção durante o período do estudo: 8,2% em 2008, chegando a 20,7% em 2014, e uma discreta queda em 2015, como observado na Figura 1.

Figura 1
Percentual dos óbitos por violência contra as mulheres segundo o ano de ocorrência, Goiânia, Goiás, Brasil, 2008-2015

Os distritos sanitários onde mais ocorreram os óbitos femininos por agressão foram o Sudoeste (19,5%), seguido do Campinas-Centro (17,3%), Noroeste (16,7%), Leste (13,5%), Sul (11,4%), Oeste (11,1%) e Norte (10,5%). Dentre os registros de mortes femininas por agressão, 9,3% não tinham registros da região de moradia das vítimas.

A distribuição dos óbitos ocorrida no período do estudo, segundo dias da semana, mostra que 141 óbitos ocorreram durante os finais de semana, sábado e domingo (37,5%). A porcentagem do número de óbitos foi de 18,9% aos domingos, 18,6% aos sábados e 8,5% às segundas-feiras (Figura 2).

Figura 2
Percentual dos óbitos por violência contra as mulheres segundo os dias da semana de ocorrência, em vítimas residentes em Goiânia, Goiás, Brasil, 2008-2015

A Figura 3 relaciona a distribuição dos feminicídios segundo o mês do ano. As maiores porcentagens correspondem aos meses de abril, setembro, outubro e janeiro, respectivamente.

Figura 3
Percentual dos óbitos por violência contra as mulheres segundo os meses do ano de ocorrência, em vítimas residentes em Goiânia, Goiás, Brasil, 2008-2015

DISCUSSÃO

O perfil predominante dos óbitos observados no presente estudo foi de vítimas jovens, solteiras, pardas, de baixa escolaridade e moradoras em regiões menos favorecidas do município. Outros estudos, internacionais e nacionais, também identificaram a relação entre violência contra mulheres com essas características, associando também esse tipo de violência a mulheres negras e desempregadas(1111 Garcia LP, Freitas LRS, Höfelmann DA. Avaliação do impacto da Lei Maria da Penha sobre a mortalidade de mulheres por agressões no Brasil, 2001-2011. Epidemiol Serv Saude. 2013;22(3):383-94. doi: 10.5123/S1679-49742013000300003
https://doi.org/10.5123/S1679-4974201300...
,1818 Vyas S, Jansen H. Unequal power relations and partner violence against women in Tanzania: a cross-sectional analysis. BMC Womens Health. 2018;18(1):185. doi: 10.1186/s12905-018-0675-0
https://doi.org/10.1186/s12905-018-0675-...

19 Meneghel SN, Mueller B, Collaziol ME,Quadros MM. Repercussões da lei Maria da Penha no enfrentamento da violência de gênero. Cien Saude Colet. 2013;18(3):691-700. doi: 10.1590/s1413-81232013000300015
https://doi.org/10.1590/s1413-8123201300...

20 Memiah P, Ah Mu T, Prevot K. The prevalence of intimate partner violence, associated risk factors, and other moderating effects: findings from the Kenya National Health Demographic Survey. J Interpers Violence. 2018:886260518804177. doi: 10.1177/0886260518804177
https://doi.org/10.1177/0886260518804177...

21 Benebo FO, Schumann B, Vaezghasemi M. Intimate partner violence against women in Nigeria: a multilevel study investigating the effect of women's status and community norms. BMC Womens Health. 2018; 18(1): 136. doi: 10.1186/s12905-018-0628-7
https://doi.org/10.1186/s12905-018-0628-...
-2222 Margarites AF, Meneghel SN, Ceccon RF. Feminicides in Porto Alegre: how many? who are they? Rev Bras Epidemiol. 2017;20(2):225-36. doi: 10.1590/1980-5497201700020004.
https://doi.org/10.1590/1980-54972017000...
).

Semelhante aos nossos achados, nos Estados Unidos, foram encontradas relações entre taxas de feminicídios e locais de maior pobreza, instabilidade, população negra, desemprego e taxas de crimes violentos(22 Campbell JC, Glass N, Sharps PW, Laughon K, Bloom T. Intimate partner homicide: review and implications of research and policy. Trauma Violence Abuse. 2007;8(3):246-69. doi: 10.1177/1524838007303505.
https://doi.org/10.1177/1524838007303505...
). Na América Latina, muitas mulheres assassinadas são prostitutas, jovens, de baixo poder aquisitivo, procedentes de áreas favelizadas, que realizam trabalhos precários e estão em situação de elevada vulnerabilidade(2323 Prieto-Carrón M, Thomson M, Macdonald M. No more killings! women respond to femicides in Central America. Gender Developm [Internet]. 2007 [cited 2017 Aug 28];15(1):25-40. Available from: www.jstor.org/stable/20461179
www.jstor.org/stable/20461179...
).

Por outro lado, este estudo identificou que 10% dos óbitos ocorreram entre mulheres com ensino superior, contradizendo a literatura(1111 Garcia LP, Freitas LRS, Höfelmann DA. Avaliação do impacto da Lei Maria da Penha sobre a mortalidade de mulheres por agressões no Brasil, 2001-2011. Epidemiol Serv Saude. 2013;22(3):383-94. doi: 10.5123/S1679-49742013000300003
https://doi.org/10.5123/S1679-4974201300...
,1414 Meneghel SN, Hirakata VN. Femicídios: homicídios femininos no Brasil. Rev Saude Publica. 2011;45:564-74. doi: 10.1590/S0034-89102011000300015
https://doi.org/10.1590/S0034-8910201100...
). A justificativa pode ser a mudança nos papéis tradicionais de gênero. A entrada das mulheres na força de trabalho formal possibilita que muitas alcancem sua independência econômica, que é potencialmente geradora de conflitos. Os homens, ao perderem o papel de provedor e de chefe de família, muitas vezes reagem de modo agressivo, e isso pode aumentar o número de situações de violência entre os gêneros, inclusive feminicídios(1919 Meneghel SN, Mueller B, Collaziol ME,Quadros MM. Repercussões da lei Maria da Penha no enfrentamento da violência de gênero. Cien Saude Colet. 2013;18(3):691-700. doi: 10.1590/s1413-81232013000300015
https://doi.org/10.1590/s1413-8123201300...
).

Apesar de a literatura trazer resultados discrepantes em relação ao estado civil da vítima, um estudo americano, semelhantes aos nossos achados, constatou que mulheres solteiras apresentaram maior risco de homicídio que as casadas(22 Campbell JC, Glass N, Sharps PW, Laughon K, Bloom T. Intimate partner homicide: review and implications of research and policy. Trauma Violence Abuse. 2007;8(3):246-69. doi: 10.1177/1524838007303505.
https://doi.org/10.1177/1524838007303505...
). No Brasil, outros investigadores também evidenciaram um maior risco de feminicídios entre as mulheres solteiras(1414 Meneghel SN, Hirakata VN. Femicídios: homicídios femininos no Brasil. Rev Saude Publica. 2011;45:564-74. doi: 10.1590/S0034-89102011000300015
https://doi.org/10.1590/S0034-8910201100...
). Para as mulheres casadas, o período em que está tentando obter a separação representa uma situação de risco para o femicídio(2424 Dobash RE, Dobash RP, Cavanagh K, Lewis R. Not an ordinary killer-Just an ordinary guy: when men murder an intimate woman partner. Violence Against Women. 2004;10(6):577-605. doi: https://doi.org/10.1177/1077801204265015
https://doi.org/10.1177/1077801204265015...
). No entanto, não está claro se este perigo é maior do que permanecer em um relacionamento abusivo. Assim, é importante que outros estudos sejam realizados para avaliar se existe associação entre situação conjugal e feminicídio.

Neste estudo, houve um aumento na proporção de homicídio de mulheres entre 2008 (8,2%) e 2015 (12,5%). Um estudo realizado com dados de todo o Brasil também identificou um aumento da prevalência do feminicídio ao longo dos anos. Em outros países, a realidade não é diferente, principalmente nos homicídios causados por parceiro íntimo. A prevalência de violência cometida por parceiro íntimo contra mulheres é variável(1111 Garcia LP, Freitas LRS, Höfelmann DA. Avaliação do impacto da Lei Maria da Penha sobre a mortalidade de mulheres por agressões no Brasil, 2001-2011. Epidemiol Serv Saude. 2013;22(3):383-94. doi: 10.5123/S1679-49742013000300003
https://doi.org/10.5123/S1679-4974201300...
), variando de 13% a 71%. Uma revisão sistemática com dados obtidos de 66 países mostrou que, no geral, 13,5% dos homicídios foram cometidos por um parceiro íntimo, e essa proporção foi seis vezes maior para homicídios femininos do que para homicídios masculinos. As porcentagens dos homicídios cometidos por de parceiros íntimos foram mais altas nos países de alta renda e sudeste da Ásia(33 Stöckl H, Devries K, Rotstein A. The global prevalence of intimate partner homicide: a systematic review. Lancet. 2013;382(9895):859-65. doi: 10.1016/S0140-6736(13)61030-2
https://doi.org/10.1016/S0140-6736(13)61...
). No entanto, também foram encontradas altas taxas de feminicídio em países em desenvolviemnto, especialmente nos da América Latina e Caribe(2525 Organização Pan-Americana de Saúde. Violência contra a mulher. Estratégia e Plano de Ação para o reforço do sistema de saúde para abordar a violência contra a mulher[Internet]. 2015 [cited 2018 Nov 10]. Available from: http://iris.paho.org/xmlui/bitstream/handle/123456789/18386/CD549Rev2_por.pdf?sequence=9&isAllowed=y.
http://iris.paho.org/xmlui/bitstream/han...
). Esses resultados evidenciam a necessidade de políticas públicas eficazes para reduzir as taxas de homicídios femininos.

Em Goiânia, no ano de 2014, houve um maior número de homicídios femininos. A justificativa é a figura de um serialkiller, que promoveu um aumento abrupto de mortes femininas no município (20,7%) neste período. O serial killer foi preso em outubro de 2014, quando confessou ter assassinado 39 pessoas, a maioria mulheres, entre os anos de 2011 e 2014. Das mulheres, duas seriam garotas de programa. Entre os homens, alguns seriam moradores de rua e homossexuais. A partir do final de 2013, passou a matar apenas mulheres, a maioria jovem, escolhidas aleatoriamente enquanto ele pilotava uma motocicleta(2626 Lara R. Serial Killer de Goiânia é condenado a vinte anos de prisão. Veja [Internet]. Editora Abril, 16 Feb 2016[cited 2018 Nov 10]. Available from: https://veja.abril.com.br/brasil/serial-killer-de-goiania-e-condenado-a-20-anos-de-prisao/
https://veja.abril.com.br/brasil/serial-...
). Catástrofes como essa poderiam ser evitadas com uma vigilância epidemiológica atuante para monitorizar a taxa de homicídio feminino e atuar oportunamente em prol de evitar surtos como este.

Três regiões se destacaram em relação à frequência de homicídios femininos no município de Goiânia (Noroeste, Sudoeste e Centro), correspondendo a mais da metade dos feminicídios (53,5%), distribuída nos sete distritos sanitários. Essa disparidade na distribuição de óbitos femininos identificada enfatiza a grande desigualdade espacial intraurbana evidenciando altas concentrações de mortes em regiões menos favorecidas do município.

A literatura também mostra que regiões economicamente desfavorecidas têm um maior índice de homicídios relacionado ao gênero(55 Abrahams N, Mathews S, Martin LJ, Lombard C, Jewkes R. Intimate partner femicide in South Africa in 1999 and 2009. PLoS Med [Internet]. 2013 [cited 2017 Aug 28];10(4):132-8 Available from: https://journals.plos.org/plosmedicine/article?id=10.1371/journal.pmed.1001412
https://journals.plos.org/plosmedicine/a...
,1111 Garcia LP, Freitas LRS, Höfelmann DA. Avaliação do impacto da Lei Maria da Penha sobre a mortalidade de mulheres por agressões no Brasil, 2001-2011. Epidemiol Serv Saude. 2013;22(3):383-94. doi: 10.5123/S1679-49742013000300003
https://doi.org/10.5123/S1679-4974201300...
,2727 Leites GT, Meneghel SN, Hirakata VN. Female homicide in Rio Grande do Sul, Brazil. Rev Bras Epidemiol [Internet]. 2014[cited 2017 Aug 28];17(3):642-53 Available from: http://www.scielo.br/pdf/rbepid/v17n3/1415-790X-rbepid-17-03-00642.pdf
http://www.scielo.br/pdf/rbepid/v17n3/14...
). No Brasil, um estudo desenhado para verificar as principais causas de morte identificou um acréscimo nas taxas de feminicídio nas regiões com os piores indicadores socioeconômicos(2828 Franca EB, Passos VMA, Malta DC. Cause-specific mortality for 249 causes in Brazil and states during 1990-2015: a systematic analysis for the global burden of disease study 2015. Popul Health Metr. 2017;15(1):39. doi: 10.1186/s12963-017-0156-y
https://doi.org/10.1186/s12963-017-0156-...
). Tais regiões estão vinculadas com áreas de maior violência com grande número de homicídios masculinos que faz aumentar os homicídios por gênero, já que prevalecem os comportamentos agressivos e machistas nestes ambientes(2727 Leites GT, Meneghel SN, Hirakata VN. Female homicide in Rio Grande do Sul, Brazil. Rev Bras Epidemiol [Internet]. 2014[cited 2017 Aug 28];17(3):642-53 Available from: http://www.scielo.br/pdf/rbepid/v17n3/1415-790X-rbepid-17-03-00642.pdf
http://www.scielo.br/pdf/rbepid/v17n3/14...
). Portanto, onde a sociedade é mais violenta, as mulheres são mais penalizadas(1919 Meneghel SN, Mueller B, Collaziol ME,Quadros MM. Repercussões da lei Maria da Penha no enfrentamento da violência de gênero. Cien Saude Colet. 2013;18(3):691-700. doi: 10.1590/s1413-81232013000300015
https://doi.org/10.1590/s1413-8123201300...
,2727 Leites GT, Meneghel SN, Hirakata VN. Female homicide in Rio Grande do Sul, Brazil. Rev Bras Epidemiol [Internet]. 2014[cited 2017 Aug 28];17(3):642-53 Available from: http://www.scielo.br/pdf/rbepid/v17n3/1415-790X-rbepid-17-03-00642.pdf
http://www.scielo.br/pdf/rbepid/v17n3/14...
,2929 Munévar DI. Delito de feminicidio. Muerte violenta de mujeres por razones de género. Estud Soc Jur [Internet]. 2012[cited 2017 Aug 28];14(1):135-75 Available from: http://www.corteidh.or.cr/tablas/r28986.pdf
http://www.corteidh.or.cr/tablas/r28986....
).

Em relação ao Centro de Goiânia, apesar de ser uma região economicamente mais favorecida, também é marcada por uma desestabilização social, já que é uma região caracterizada por locais de prostituição. Um estudo conduzido em Goiânia, para caracterizar o perfil das mulheres profissionais do sexo utilizando o Respondent-Driven Sampling (RDS), uma metodologia de amostragem, identificou a região central de Goiânia como um dos locais de prostituição de mulheres. Goiânia também é apontada como uma importante rota de prostituição e turismo sexual nacional e internacional(3030 Matos MA, Caetano KA, Franca DD, Pinheiro RS, Moraes LC, Teles SA. Vulnerability to sexually transmitted infections in women who sell sex on the route of prostitution and sex tourism in central Brazil. Rev Latino-Am Enfermagem. 2013;21(4):906-12. doi: 10.1590/s0104-11692013000400011
https://doi.org/10.1590/s0104-1169201300...
). Outros investigadores mostraram feminicídios em populações estigmatizadas, cujas vítimas pertencem a populações marginalizadas como os moradores de rua e as profissionais do sexo(3131 Jovanovski N, Tyler M. "Bitch, You Got What You Deserved!": violation and violence in sex buyer reviews of legal brothels. Violence Against Women. 2018;24(16):1887-908. doi: 10.1177/1077801218757375
https://doi.org/10.1177/1077801218757375...
). Por outro lado, existe um discurso que minimizam os crimes quando as mulheres assassinadas são viciadas em drogas ou prostitutas levando à naturalização da violência. Um estudo que analisou o comportamento de homens que pagam para ter relações sexuais conduzido nos Estados Unidos concluiu que os compradores de sexo eram mais propensos a relatar agressão sexual e estupro(3232 Farley M, Golding JM, Matthews ES, Malamuth NM, Jarrett L. Comparing sex buyers with men who do not buy sex: new data on prostitution and trafficking. J Interpers Violence. 2017;32(23):3601-25. doi: 10.1177/0886260515600874
https://doi.org/10.1177/0886260515600874...
). Para esta população, o espaço geográfico surge como potencial ameaça para casos de feminicídio.

Com relação ao tipo de ocorrência, a arma de fogo foi o meio de agressão mais utilizado contra as vítimas (64,0%) nesta pesquisa. A maioria das mortes é praticada por parceiro íntimo e envolve armas de fogo(3333 Geneva Declaration on Armed Violence and Development. Global burden of armed violence 2015: every body counts. Periodical Global burden of armed violence 2015: every body counts [Internet]. 2015[cited 2019 Jan 28]. Available from: http://www.genevadeclaration.org/measurability/global-burden-of-armed-violence/global-burden-of-armed-violence-2015.html
http://www.genevadeclaration.org/measura...
). Portanto, uma arma que pode ter sido adquirida para a defesa familiar pode se tornar uma ameaça onde há casos de violência doméstica.

Os resultados do presente estudo identificaram que a maioria dos homicídios femininos ocorreu nos finais da semana e nos meses de férias. Este achado é consistente com um estudo brasileiro em que mais de um terço dos óbitos femininos ocorreu durante os finais de semana(1111 Garcia LP, Freitas LRS, Höfelmann DA. Avaliação do impacto da Lei Maria da Penha sobre a mortalidade de mulheres por agressões no Brasil, 2001-2011. Epidemiol Serv Saude. 2013;22(3):383-94. doi: 10.5123/S1679-49742013000300003
https://doi.org/10.5123/S1679-4974201300...
). Uma possível explicação para isso é de que esse pode ser o período em que o agressor passa mais tempo com a mulher, já que na maioria dos casos, não está em horário de trabalho. Outro fator pode se referir ao consumo maior de bebidas alcóolicas nesse período da semana, que leva ao aumento da violência doméstica(3434 Naved RT, Mamun MA, Parvin K. Magnitude and correlates of intimate partner violence against female garment workers from selected factories in Bangladesh. PLoS One. 2018;13(11):e0204725. doi: 10.1371/journal.pone.0204725
https://doi.org/10.1371/journal.pone.020...
).

A via pública destacou-se como o local de óbito mais frequente no presente estudo. No entanto, a maioria dos estudos que correlaciona os homicídios femininos com a questão de gênero apresenta uma prevalência maior de óbitos domiciliares(1919 Meneghel SN, Mueller B, Collaziol ME,Quadros MM. Repercussões da lei Maria da Penha no enfrentamento da violência de gênero. Cien Saude Colet. 2013;18(3):691-700. doi: 10.1590/s1413-81232013000300015
https://doi.org/10.1590/s1413-8123201300...
). Porém, não foi encontrado na literatura uma discrepância significativa entre as variáveis vias públicas, domicílio e estabelecimentos de saúde(1111 Garcia LP, Freitas LRS, Höfelmann DA. Avaliação do impacto da Lei Maria da Penha sobre a mortalidade de mulheres por agressões no Brasil, 2001-2011. Epidemiol Serv Saude. 2013;22(3):383-94. doi: 10.5123/S1679-49742013000300003
https://doi.org/10.5123/S1679-4974201300...
).

Limitações do estudo

Uma das limitações deste estudo é o uso de dados secundários para o estudo de homicídios contra mulheres, uma vez que pode haver problemas no diagnóstico e no preenchimento das declarações de óbito, já que muitos homicídios são considerados acidentes ou suicídios(77 Waiselfisz JJ. Mapa da Violência 2015: homicídios de mulheres no Brasil[Internet]. 2015[cited 2017 Aug 28]. 79 p. Available from: https://www.mapadaviolencia.org.br/pdf2015/MapaViolencia_2015_mulheres.pdf.
https://www.mapadaviolencia.org.br/pdf20...
). Outra limitação foi a identificação de valores ignorados ou dados em branco na base de dados (“missing data”) em algumas variáveis, com destaque para a situação conjugal e a escolaridade das vítimas, prejudicando o conhecimento das características das vítimas.

Contribuições para políticas públicas

Este estudo pode contribuir para ampliar atividades de vigilância da qualidade do registro dos óbitos de mulheres, permitindo dar maior visibilidade dessas mortes no Brasil. Auxilia também na compreensão do perfil de mulheres que têm sofrido violência e morrido em decorrência desse fato, para conhecer qual a população de mulheres mais vulneráveis à essa fatalidade.

CONCLUSÕES

Este estudo identificou o perfil de mortes violentas de mulheres no município de Goiânia, distribuídas por distritos sanitários, a partir da base de dados do SIM. A população investigada era formada predominantemente por mulheres jovens, pardas, solteiras, com baixo nível de escolaridade e moradoras em regiões periféricas do município. As maiores porcentagens de feminicídios ocorreram nos finais da semana e nos meses de férias. Cabe destacar que ainda é necessário ampliar a compreensão da violência de gênero no município através de novos estudos que obtenham informações qualitativas para a compreensão desta realidade complexa em que interagem etnia, classe social e gênero.

REFERENCES

  • 1
    World Health Organization. Global and regional estimates of violence against women: prevalence and health effects of intimate partner violence and non-partner sexual violence[Internet]. World Health Organization; 2013[cited 2018 Jun 13]. Available from: https://apps.who.int/iris/bitstream/handle/10665/85239/9789241564625_eng.pdf;jsessionid=C2B1BC6807B33F0E72F3125851BBF935?sequence=1
    » https://apps.who.int/iris/bitstream/handle/10665/85239/9789241564625_eng.pdf;jsessionid=C2B1BC6807B33F0E72F3125851BBF935?sequence=1
  • 2
    Campbell JC, Glass N, Sharps PW, Laughon K, Bloom T. Intimate partner homicide: review and implications of research and policy. Trauma Violence Abuse. 2007;8(3):246-69. doi: 10.1177/1524838007303505.
    » https://doi.org/10.1177/1524838007303505
  • 3
    Stöckl H, Devries K, Rotstein A. The global prevalence of intimate partner homicide: a systematic review. Lancet. 2013;382(9895):859-65. doi: 10.1016/S0140-6736(13)61030-2
    » https://doi.org/10.1016/S0140-6736(13)61030-2
  • 4
    Smith K, Coleman K, Eder S, Hall P. Homicides, firearm offences and intimate violence 2009/10 (Crime in England and Wales). Home Office Statistical Bulletin[Internet]. 2011 [cited 2018 Jun 13]:118 Available from: https://assets.publishing.service.gov.uk/government/uploads/system/uploads/attachment_data/file/116483/hosb0212.pdf
    » https://assets.publishing.service.gov.uk/government/uploads/system/uploads/attachment_data/file/116483/hosb0212.pdf
  • 5
    Abrahams N, Mathews S, Martin LJ, Lombard C, Jewkes R. Intimate partner femicide in South Africa in 1999 and 2009. PLoS Med [Internet]. 2013 [cited 2017 Aug 28];10(4):132-8 Available from: https://journals.plos.org/plosmedicine/article?id=10.1371/journal.pmed.1001412
    » https://journals.plos.org/plosmedicine/article?id=10.1371/journal.pmed.1001412
  • 6
    Russel DEH, Harmes R. Defining Feminicide and related concepts. In: Russel DEH, Harmes R, (eds.). Feminicide in global perspective. New York: Teacher’s College Press, 2001, 12-8 p.
  • 7
    Waiselfisz JJ. Mapa da Violência 2015: homicídios de mulheres no Brasil[Internet]. 2015[cited 2017 Aug 28]. 79 p. Available from: https://www.mapadaviolencia.org.br/pdf2015/MapaViolencia_2015_mulheres.pdf
    » https://www.mapadaviolencia.org.br/pdf2015/MapaViolencia_2015_mulheres.pdf
  • 8
    Garcia LP, Freitas LRS, Silva GDM, Höfelmann DA. Estimativas corrigidas de feminicídios no Brasil, 2009 a 2011. Rev Panam Salud Publica [Internet]. 2015[cited 2017 Aug 28];37:251-7 Available from: https://www.scielosp.org/pdf/rpsp/2015.v37n4-5/251-257/pt
    » https://www.scielosp.org/pdf/rpsp/2015.v37n4-5/251-257/pt
  • 9
    Organização das Nações Unidas. ONU Mulheres Brasil[Internet]. 2010[cited 2017 Aug 28]. Available from: http://www.onumulheres.org.br/onu-mulheres/sobre-a-onu-mulheres/
    » http://www.onumulheres.org.br/onu-mulheres/sobre-a-onu-mulheres/
  • 10
    Presidência da República (BR). Lei n. 11.340 de 7 de agosto de 2006. Lei Maria da Penha. Dispõe sobre a criação dos Juizados de Violência Doméstica e Familiar contra a mulher, altera o Código de Processo Penal, o Códio Penal e a Lei de Execução Pena e dá outras providências [Internet]. Brasília: Diário Oficial da União, 2006[cited 2017 Aug 28]. Available from: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2004-2006/2006/lei/l11340.htm
    » http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2004-2006/2006/lei/l11340.htm
  • 11
    Garcia LP, Freitas LRS, Höfelmann DA. Avaliação do impacto da Lei Maria da Penha sobre a mortalidade de mulheres por agressões no Brasil, 2001-2011. Epidemiol Serv Saude. 2013;22(3):383-94. doi: 10.5123/S1679-49742013000300003
    » https://doi.org/10.5123/S1679-49742013000300003
  • 12
    Presidência da República (BR). Lei nº.13.104, de 9 de março de 2015. Altera o art. 121 do Decreto-Lei no 2.848, de 7 de dezembro de 1940 - Código Penal, para prever o feminicídio como circunstância qualificadora do crime de homicídio, e o art. 1o da Lei no 8.072, de 25 de julho de 1990, para incluir o feminicídio no rol dos crimes hediondos. Brasília: Diário Oficial da União, 2015.
  • 13
    Souza ER, Meira KC, Ribeiro AP. Homicides among women in the different Brazilian regions in the last 35 years: an analysis of age-period-birth cohort effects. Cien Saude Colet. 2017;22(9):2949-62. doi: 10.1590/1413-81232017229.12392017
    » https://doi.org/10.1590/1413-81232017229.12392017
  • 14
    Meneghel SN, Hirakata VN. Femicídios: homicídios femininos no Brasil. Rev Saude Publica. 2011;45:564-74. doi: 10.1590/S0034-89102011000300015
    » https://doi.org/10.1590/S0034-89102011000300015
  • 15
    Martins-Filho PRS, Mendes MLT, Reinheimer DM. Femicide trends in Brazil: relationship between public interest and mortality rates. Arch Womens Ment Health. 2018;21(5):579-82. doi: 10.1007/s00737-018-0842-1
    » https://doi.org/10.1007/s00737-018-0842-1
  • 16
    Meneghel SN, Rosa B, Ceccon RF, Hirakata VN, Danilevicz IM. Femicides: a study in Brazilian state capital cities and large municipalities. Cien Saude Colet. 2017;22(9):2963-70. doi: 10.1590/1413-81232017229.22732015
    » https://doi.org/10.1590/1413-81232017229.22732015
  • 17
    Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. Estatísticas do Registro Civil 2009[Internet]. 2010[cited 2018 Aug 28]. Available from: https://www.ibge.gov.br/estatisticas/sociais/populacao/9110-estatisticas-do-registro-civil.html
    » https://www.ibge.gov.br/estatisticas/sociais/populacao/9110-estatisticas-do-registro-civil.html
  • 18
    Vyas S, Jansen H. Unequal power relations and partner violence against women in Tanzania: a cross-sectional analysis. BMC Womens Health. 2018;18(1):185. doi: 10.1186/s12905-018-0675-0
    » https://doi.org/10.1186/s12905-018-0675-0
  • 19
    Meneghel SN, Mueller B, Collaziol ME,Quadros MM. Repercussões da lei Maria da Penha no enfrentamento da violência de gênero. Cien Saude Colet. 2013;18(3):691-700. doi: 10.1590/s1413-81232013000300015
    » https://doi.org/10.1590/s1413-81232013000300015
  • 20
    Memiah P, Ah Mu T, Prevot K. The prevalence of intimate partner violence, associated risk factors, and other moderating effects: findings from the Kenya National Health Demographic Survey. J Interpers Violence. 2018:886260518804177. doi: 10.1177/0886260518804177
    » https://doi.org/10.1177/0886260518804177
  • 21
    Benebo FO, Schumann B, Vaezghasemi M. Intimate partner violence against women in Nigeria: a multilevel study investigating the effect of women's status and community norms. BMC Womens Health. 2018; 18(1): 136. doi: 10.1186/s12905-018-0628-7
    » https://doi.org/10.1186/s12905-018-0628-7
  • 22
    Margarites AF, Meneghel SN, Ceccon RF. Feminicides in Porto Alegre: how many? who are they? Rev Bras Epidemiol. 2017;20(2):225-36. doi: 10.1590/1980-5497201700020004.
    » https://doi.org/10.1590/1980-5497201700020004
  • 23
    Prieto-Carrón M, Thomson M, Macdonald M. No more killings! women respond to femicides in Central America. Gender Developm [Internet]. 2007 [cited 2017 Aug 28];15(1):25-40. Available from: www.jstor.org/stable/20461179
    » www.jstor.org/stable/20461179
  • 24
    Dobash RE, Dobash RP, Cavanagh K, Lewis R. Not an ordinary killer-Just an ordinary guy: when men murder an intimate woman partner. Violence Against Women. 2004;10(6):577-605. doi: https://doi.org/10.1177/1077801204265015
    » https://doi.org/10.1177/1077801204265015
  • 25
    Organização Pan-Americana de Saúde. Violência contra a mulher. Estratégia e Plano de Ação para o reforço do sistema de saúde para abordar a violência contra a mulher[Internet]. 2015 [cited 2018 Nov 10]. Available from: http://iris.paho.org/xmlui/bitstream/handle/123456789/18386/CD549Rev2_por.pdf?sequence=9&isAllowed=y
    » http://iris.paho.org/xmlui/bitstream/handle/123456789/18386/CD549Rev2_por.pdf?sequence=9&isAllowed=y
  • 26
    Lara R. Serial Killer de Goiânia é condenado a vinte anos de prisão. Veja [Internet]. Editora Abril, 16 Feb 2016[cited 2018 Nov 10]. Available from: https://veja.abril.com.br/brasil/serial-killer-de-goiania-e-condenado-a-20-anos-de-prisao/
    » https://veja.abril.com.br/brasil/serial-killer-de-goiania-e-condenado-a-20-anos-de-prisao/
  • 27
    Leites GT, Meneghel SN, Hirakata VN. Female homicide in Rio Grande do Sul, Brazil. Rev Bras Epidemiol [Internet]. 2014[cited 2017 Aug 28];17(3):642-53 Available from: http://www.scielo.br/pdf/rbepid/v17n3/1415-790X-rbepid-17-03-00642.pdf
    » http://www.scielo.br/pdf/rbepid/v17n3/1415-790X-rbepid-17-03-00642.pdf
  • 28
    Franca EB, Passos VMA, Malta DC. Cause-specific mortality for 249 causes in Brazil and states during 1990-2015: a systematic analysis for the global burden of disease study 2015. Popul Health Metr. 2017;15(1):39. doi: 10.1186/s12963-017-0156-y
    » https://doi.org/10.1186/s12963-017-0156-y
  • 29
    Munévar DI. Delito de feminicidio. Muerte violenta de mujeres por razones de género. Estud Soc Jur [Internet]. 2012[cited 2017 Aug 28];14(1):135-75 Available from: http://www.corteidh.or.cr/tablas/r28986.pdf
    » http://www.corteidh.or.cr/tablas/r28986.pdf
  • 30
    Matos MA, Caetano KA, Franca DD, Pinheiro RS, Moraes LC, Teles SA. Vulnerability to sexually transmitted infections in women who sell sex on the route of prostitution and sex tourism in central Brazil. Rev Latino-Am Enfermagem. 2013;21(4):906-12. doi: 10.1590/s0104-11692013000400011
    » https://doi.org/10.1590/s0104-11692013000400011
  • 31
    Jovanovski N, Tyler M. "Bitch, You Got What You Deserved!": violation and violence in sex buyer reviews of legal brothels. Violence Against Women. 2018;24(16):1887-908. doi: 10.1177/1077801218757375
    » https://doi.org/10.1177/1077801218757375
  • 32
    Farley M, Golding JM, Matthews ES, Malamuth NM, Jarrett L. Comparing sex buyers with men who do not buy sex: new data on prostitution and trafficking. J Interpers Violence. 2017;32(23):3601-25. doi: 10.1177/0886260515600874
    » https://doi.org/10.1177/0886260515600874
  • 33
    Geneva Declaration on Armed Violence and Development. Global burden of armed violence 2015: every body counts. Periodical Global burden of armed violence 2015: every body counts [Internet]. 2015[cited 2019 Jan 28]. Available from: http://www.genevadeclaration.org/measurability/global-burden-of-armed-violence/global-burden-of-armed-violence-2015.html
    » http://www.genevadeclaration.org/measurability/global-burden-of-armed-violence/global-burden-of-armed-violence-2015.html
  • 34
    Naved RT, Mamun MA, Parvin K. Magnitude and correlates of intimate partner violence against female garment workers from selected factories in Bangladesh. PLoS One. 2018;13(11):e0204725. doi: 10.1371/journal.pone.0204725
    » https://doi.org/10.1371/journal.pone.0204725

Editado por

EDITOR CHEFE: Antonio José de Almeida Filho
EDITOR ASSOCIADO: Cristina Parada

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    31 Jul 2020
  • Data do Fascículo
    2020

Histórico

  • Recebido
    20 Fev 2019
  • Aceito
    09 Mar 2020
Associação Brasileira de Enfermagem SGA Norte Quadra 603 Conj. "B" - Av. L2 Norte 70830-102 Brasília, DF, Brasil, Tel.: (55 61) 3226-0653, Fax: (55 61) 3225-4473 - Brasília - DF - Brazil
E-mail: reben@abennacional.org.br