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Panorama dos protocolos de ensaios clínicos para insônia comportamental em lactentes

RESUMO

Objetivo:

descrever o panorama dos protocolos de ensaios clínicos para insônia comportamental em lactentes.

Métodos:

estudo analítico, que revisou protocolos registrados na International Clinical Trials Registry Platform entre agosto e setembro de 2019, visando identificar as intervenções para insônia comportamental em lactentes, os comparadores, os principais desfechos primários, secundários e suas respectivas mensurações.

Resultados:

incluíram-se 11 protocolos registrados entre 2004 e 2018. Os enfermeiros foram os principais coordenadores dos protocolos (45,5%), com propostas utilizando tecnologias educacionais, consultas de acompanhamento presencial e online, tendo como principal desfecho a melhoria do padrão de sono infantil e materno, e como desfechos secundários, ansiedade, depressão e satisfação sexual parental. Para mensurá-los, foram utilizados o diário do sono (54,5%), o actígrafo (45,4%) e os questionários Pittsburgh Sleep Quality Interview (36,3%) e Extended Brief Infant Sleep Questionnaire (27,2%).

Conclusão:

os protocolos propuseram intervenções para um sono independente, visando qualidade de sono para toda a família.

Descritores:
Sono;; Distúrbios do Início e da Manutenção do Sono;; Lactente;; Ensaio Clínico;; Protocolos Clínicos.

ABSTRACT

Objective:

to describe the overview of clinical trial protocols for behavioral insomnia in infants.

Methods:

an analytical study that reviewed protocols registered with the International Clinical Trials Registry Platform between August and September 2019, aiming to identify the interventions for behavioral insomnia in infants, the comparators, the main primary, secondary outcomes and their respective measurements.

Results:

eleven protocols registered between 2004 and 2018 were included. Nurses were the main coordinators of protocols (45.5%), with proposals using educational technologies, one-to-one and online follow-up consultations. The main outcome was improvement of infant and maternal sleep patterns. Secondary outcomes were anxiety, depression, and parental sexual satisfaction. To measure them, the following were used: sleep diary (54.5%), actigraphy (45.4%), and the Pittsburgh Sleep Quality Interview (36.3%) and Extended Brief Infant Sleep Questionnaire (27.2%) were used.

Conclusion:

the protocols proposed interventions for independent sleep, aiming at quality of sleep for the whole family.

Descriptors:
Sleep; Sleep Initiation and Maintenance Disorders; Infant; Clinical Trial; Clinical Protocols

RESUMEN

Objetivo:

describir el panorama de protocolos de ensayos clínicos para el insomnio conductual en lactantes.

Métodos:

estudio analítico, que revisó los protocolos registrados en la International Clinical Trials Registry Platform entre agosto y septiembre de 2019, con el objetivo de identificar intervenciones para el insomnio conductual en lactantes, los comparadores, los principales desenlaces primarios y secundarios y sus respectivas mediciones.

Resultados:

se incluyeron 11 protocolos registrados entre 2004 y 2018. Las enfermeras fueron las principales coordinadoras de los protocolos (45,5%), con propuestas mediante tecnologías educativas, consultas de seguimiento presencial y online, teniendo como resultado principal la mejora del patrón de sueño infantil y materno, y como resultados secundarios, la ansiedad, la depresión y la satisfacción sexual de los padres. Para medirlos, el diario de sueño (54,5%), el actígrafo (45,4%) y los cuestionarios Pittsburgh Sleep Quality Interview (36,3%) y Extended Brief Infant Sleep Questionnaire (27,2%).

Conclusión:

los protocolos propusieron intervenciones para el sueño independiente, orientadas a la calidad del sueño para toda la familia.

Descriptores:
Sueño; Trastornos del Inicio y del Mantenimiento del Sueño; Lactante; Ensayo Clínico; Protocolos Clínicos

INTRODUÇÃO

O sono tem consequência direta sobre o desenvolvimento da criança, assim como no comportamento, na aprendizagem, no humor e nas funções cognitivas cerebrais de nível superior11 Smithson L, Tieghan B, Tamana SK, Lau A, Mariasine J, Chikuma J, et al. Shorter sleep duration is associated with reduced cognitive development at two years of age. Sleep Med. 2018,48:131-9. https://doi.org/10.1016/j.sleep.2018.04.005
https://doi.org/https://doi.org/10.1016/...
. Durante o sono, ocorrem importantes atividades neurológicas e fisiológicas do organismo, destacando-se a maturação do sistema nervoso central, a consolidação da memória, a manutenção da energia, a termorregulação, a imunidade, além da produção da síntese proteica e endócrina, recebendo destaque os hormônios do crescimento, tireoestimulante, melatonina, renina e cortisol22 Llaguno NS, Pedreira MLG, Avelar AFM, Avena MJ, Tseunemi MH, Pinheiro EM. Polysomnography assessment of sleep and wakefulness in premature newborns. Rev Bras Enferm. 2015;68(6):799-805. https://doi.org/10.1590/0034-7167.2015680616i
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-33 Maki MT, Orsi KCSC, Tseunemi MH, Hallinan MP, Pinheiro EM, Avelar AFM. The effects of handling on the sleep of preterm infants. Acta Paul Enferm. 2017;30(5):489-96. https://doi.org/10.1590/1982-0194201700071
https://doi.org/https://doi.org/10.1590/...
.

Contudo, são frequentes os distúrbios de sono na infância. Cerca de 15 a 35% das crianças ocidentais apresentam problemas de sono durante os primeiros anos de vida44 Byars KC, Yolton K, Rausch J, Lanphear B, Beebe DW. Prevalence, patterns, and persistence of sleep problems in the first 3 years of life. Pediatrics. 2012;129:e276-84. https://doi.org/10.1542/peds.2011-0372
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. Dentre esses, o mais comum em lactentes (0-2 anos) é a insônia comportamental, a qual pode ser caracterizada como dificuldade para adormecer quando se é colocado na cama ou de permanecer dormindo ao longo da noite, além da ocorrência de vários despertares e resistência para iniciar o sono na ausência dos pais55 Rafihi-Ferreira RE, Silvares EFM, Pires MLN, Assumpção Junior FB, Moura CB. Sleep and behavior in children assisted in a psychology service. Psicol Teor Prat. 2016;18(2):159-72. https://doi.org/10.15348/1980-6906
https://doi.org/https://doi.org/10.15348...
.

Ao reconhecer a dificuldade para lidar com os despertares excessivos de crianças durante a noite, um estudo realizado no Reino Unido constatou a necessidade das mães receberem instruções por parte dos profissionais da saúde acerca do sono infantil66 Halton REM, Gardani M. Maternal perceptions of advice on sleep in young children: how, what, and when? Br J Health Psychol. 2018:23(2):476-95. https://doi.org/10.1111/bjhp.12300
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. Além disso, tem-se verificado que a depressão e a ansiedade são mais alarmantes nas mães quando se encontram em privação de sono77 Erikson L, Mazerolle P, Wortley R, Johnson H. Maternal and paternal filicide: case studies from the Australian Homicide Project. Child Abus Rev. 2016;25(1):17-30. https://doi.org/10.1002/car.2358
https://doi.org/https://doi.org/10.1002/...
.

A literatura apresenta estudos que identificam problemas de sono infantil, principalmente em prematuros33 Maki MT, Orsi KCSC, Tseunemi MH, Hallinan MP, Pinheiro EM, Avelar AFM. The effects of handling on the sleep of preterm infants. Acta Paul Enferm. 2017;30(5):489-96. https://doi.org/10.1590/1982-0194201700071
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e em pré-escolares. Para esta faixa etária, uma revisão sistemática apontou a obesidade, os problemas emocionais e o longo tempo de exposição a eletrônicos como os principais fatores associados à curta duração do sono88 Chaput JP, Grey CE, Poitras VJ, Carson V, Cruber R, Briken CS, et al. Systematic review of the relationships between sleep duration and health indicators in the early years (0-4 years). BMC Public Health. 2017;17(Suppl 5):855. https://doi.org/10.1186/s12889-017-4850-2
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. Para crianças maiores de cinco anos, há enfoque nos estudos para as principais patologias do sono nessa fase, como sonambulismo, apneia do sono e roncos99 Bathory E, Tomopoulos S. Sleep regulation, physiology and development, sleep duration and patterns, and sleep hygiene in infants, toddlers, and preschool-age children. Curr Probl Pediatr Adolesc Health Care. 2017;47(2):29-42. https://doi.org/10.1016/j.cppeds.2016.12.001
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. Todavia, são escassas as produções que buscam intervir na melhoria do sono infantil, principalmente quando os problemas estão no âmbito comportamental.

Tratando-se de intervenções clínicas a partir de ensaios clínicos randômicos, surgiu a necessidade nos últimos anos de oficializar os protocolos deste tipo de pesquisa em plataformas, com vistas a evitar relatórios seletivos e viés de publicação. Em virtude disso, essas plataformas se tornaram cenário fértil para pesquisas prévias e banco de informações para análise a fim de identificar como os pesquisadores em uma determinada área estão intervindo e se de fato realizaram aquilo que se propuseram a fazer no início1010 Freitas GC, Pesavento TFC, Pedrosa MR, Riera R, Torloni MR. Practical and conceptual issues of clinical trial registration for Brazilian researchers. Med J. 2016;134(1):28-33. https://doi.org/10.1590/1516-3180.2014.00441803
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.

Portanto, considerando a relevância da temática e o incipiente quantitativo de protocolos de ensaios clínicos sobre o assunto, torna-se pertinente analisar o que pesquisadores da temática sono infantil têm idealizado para intervir na insônia comportamental.

OBJETIVO

Descrever o panorama dos protocolos de ensaios clínicos para insônia comportamental em lactentes.

MÉTODOS

Aspectos éticos

Este estudo foi realizado em base de domínio público, o que dispensa a submissão a um Comitê de ética em Pesquisa.

Desenho do estudo

Estudo analítico que revisou os protocolos de ensaios clínicos com o propósito de elencar o que os pesquisadores têm utilizado para investigar o sono infantil, bem como listar os desfechos primários, secundários e suas respectivas mensurações, de modo a examinar as lacunas do conhecimento e contribuir com pesquisas futuras, conforme estudo desenvolvido em Fortaleza-Ceará, Brasil1111 Dantas SLC, Oliveira GYM, Costa KF, Barros AA, Chaves EMC, Carvalho REFL. Experimental studies in the gestational period: an overview of scientific production. Rev Esc Enferm USP. 2018; 52:e03325. https://doi.org/10.1590/S1980-220X2017024403325
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. Para guiar a condução deste estudo, seguiram-se as diretrizes do Preferred Reporting Items for Systematic reviews and Meta-Analyses (PRISMA)1212 Moher D, Liberati U, Tetzlaff J, Altman DG, PRISMA Group. Preferred reporting items for systematic reviews and meta-analyses: The PRISMA Statement. PLoS Med. 2009;6(7):e1000097. https://doi.org/10.1371/journal.pmed.1000097
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.

Protocolo do estudo

Para guiar a busca, elaborou-se a seguinte questão norteadora: qual o panorama dos protocolos de ensaios clínicos para insônia comportamental em lactentes? A busca dos protocolos foi realizada por meio da International Clinical Trials Registry Platform (ICTRP), plataforma integrada em portal de pesquisas da Organização Mundial de Saúde (OMS) (www.who.int/ictrp/en/), a qual compila os registros de ensaios clínicos cadastrados por pesquisadores a nível mundial.

O levantamento dos dados ocorreu entre agosto e setembro de 2019, utilizando-se os Descritores em Ciências da Saúde (DeCS), com respectiva correspondência com o Medical Subject Headings (MeSH). Empregando o operador boleano “AND”, a estratégia de busca foi a “Sleep AND Infant”, a qual foi aplicada na página Inicial (home) da ICTRP, utilizando o filtro “todas as fases” (phases are all), sem restrição temporal, sendo analisado os protocolos disponíveis até a data do levantamento.

Incluíram-se protocolos que abordassem intervenções comportamentais para melhoria do sono em lactentes (crianças de 0 a dois anos) ou lactentes e mães. Excluíram-se os registros de intervenções comportamentais para melhoria do sono de prematuros, os que abordassem apenas o sono materno e registros de intervenções comportamentais para transtornos neurológicos.

Em face dos protocolos, extraíram-se as seguintes informações: título público, ano de registro, país e instituição, objetivo, intervenção, comparador, medidas para o desfecho primário, e medidas para desfechos secundários.

Análise dos dados

A busca e a seleção dos protocolos foram realizadas por dois pesquisadores independentes. Inicialmente, procedeu-se à pré-seleção dos registros localizados por meio da leitura do título e das informações básicas contidas na plataforma ICTRP, e quando surgiram dúvidas em relação à elegibilidade do conteúdo dos trabalhos, esses foram pré-selecionados para posterior análise na íntegra, sendo incluídos ou excluídos por meio de consenso. Após definição da amostra e extração dos dados, realizou-se a descrição dos mesmos e a análise junto à literatura na busca de possíveis lacunas sobre a temática.

RESULTADOS

A busca captou 107 protocolos, dos quais pré-selecionaram-se 24 a partir dos critérios de elegibilidade, os quais foram analisados na página do ICTRP e na base de registro do país de cadastro, sendo excluídos 13, de modo que a amostra final resultou em 11 registros. A Figura 1 mostra o processo de seleção dos estudos.

Figura 1
Fluxograma do processo de triagem dos protocolos de ensaios clínicos para seleção final, 2019

Nota: ICTRP - International Clinical Trials Registry Platform; EC - Ensaio clínico.


Os protocolos incluídos tiveram cadastros desde o ano de 2004 até 2018, tendo apenas um registro nos anos de 2005, 2012, 2015 e 2017; dois em 2004 e 2016; e três no ano de 2018. Quanto aos países de origem, os protocolos foram oriundos da Austrália (n=3/27,3%), Canadá (n=2/18,2%), Estados Unidos (n=2/18,2%), Irã (n=2/18,2%), Reino Unido (n=1/9,1%) e Brasil (n=1/9,1%).

A categoria profissional que mais registrou ensaios clínicos com propostas de intervenções para o sono de lactentes foi a enfermagem (n=5/45,5%), de modo que quatro destas foram apenas por esta categoria e uma foi em parceria com a psicologia. Em seguida, a categoria profissional com mais propostas de intervenção foi a medicina (n=3/27,3%), seguida da psicologia (n=1/9,1%). Em dois registros, não foi possível identificar a categoria profissional da qual os coordenadores do estudo faziam parte.

Para compor as intervenções, os protocolos apresentaram 12 diferentes tipos de tecnologias isoladas, as quais foram divididas, neste estudo, em duas categorias: tecnologias duras (n=7/58,3%) e tecnologias leves (n=5/41,7%). Compuseram as tecnologias duras a utilização de folhetos (n=2), manual (n=1), Protocolo Operacional Padrão (POP) (n=1), aplicativo (n=1), jogo educativo (n=1), compact disc (CD) (n=1). Nas tecnologias leves, elencaram-se a visita domiciliar (n=1), o treinamento presencial com os pais (n=1), a presença de profissional especialista de sono durante a intervenção (n=2), o acompanhamento por mensagem de texto (n=3) e a utilização de técnicas de extinção gradual com orientações para colocar o bebê ainda sonolento no berço, sair do quarto e ficar retornando em tempos periódicos (n=6).

O Quadro 1 apresenta as tecnologias combinadas para compor as intervenções e os comparadores para cada uma. Apresenta, também, os desfechos e as formas de mensurações para cada proposta, destacando-se o desfecho primário mais frequente, o qual foi a melhoria da qualidade do sono infantil e materno, mensurado pela diminuição de despertares, duração total do sono noturno. Dos 11 protocolos, os desfechos secundários mais frequentes foram nível de estresse, depressão, fadiga e ansiedade dos pais. Quanto às mensurações, o uso de diário do sono (n=6/54,5%), do actígrafo (n=5/45,4%) e dos questionários Pittsburgh Sleep Quality Interview (n=4/36,3%) e Extended Brief Infant Sleep Questionnaire (n=3/27,2%) foram os mais frequentes.

Quadro 1
Caracterização dos protocolos quanto às intervenções, ao comparador e às medidas de desfecho, 2019

DISCUSSÃO

Este estudo apresentou síntese dos protocolos na plataforma internacional de ensaios clínicos acerca do sono infantil, cujas propostas de intervenção utilizaram técnicas e tecnologias com o objetivo de melhorar a qualidade de sono. Apesar da dimensão da plataforma, observou-se que as intervenções voltadas para lactentes nascidos a termo e sem comorbidades ainda são incipientes. No Brasil, há apenas uma proposta de intervenção registrada.

Identificou-se, neste estudo, que entre as tecnologias duras utilizadas para compor as intervenções, prevaleceram as tecnologias educacionais, as quais, no âmbito da saúde, têm desenvolvido importante papel para auxiliar profissionais de saúde, principalmente enfermeiros, e os próprios clientes no cuidado e na compreensão de algum agravo. Tratando-se do público pediátrico, a literatura apresenta diferentes tecnologias educacionais destinadas a pais e cuidadores, com objetivo de auxiliar nos cuidados com crianças1313 Silva OAM, Aredes NDA, Bicalho MB, Delácio NCB, Mazzo LL, Fonseca LMM. Booklet on premature infants as educational technology for the family: quasi-experimental study. Acta Paul Enferm. 2018;31(4):334-41. https://doi.org/10.1590/1982-0194201800048
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14 Javorski M, Rodrigues AJ, Dodt RCM, Almeida PC, Leal LP, Ximenes LB. Effects of an educational technology on self-efficacy for breastfeeding and practice of exclusive breastfeeding. Rev Esc Enferm USP. 2018;52:e03329. https://doi.org/10.1590/s1980-220x2017031803329
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-1515 Pinto TRC, Castro DS, Bringuente MEO, Sant’ Anna HC, Souza TV, Primo CC. Educational animation about home care with premature newborn infants. Rev Bras Enferm.2018;71(Suppl 4):1604-10. https://doi.org/10.1590/0034-7167-2017-0401
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.

No que diz respeito às tecnologias leves, voltadas principalmente para relação entre paciente e profissional, constata-se que as consultas presenciais são consolidadas na área da saúde1616 Poli Neto P, Tesser CD, Monteiro GH, Boso PFM, Lemos G. O uso do correio eletrônico na comunicação entre usuários e uma equipe de saúde da família: relato de experiência. Rev Bras Med Fam Comunidade. 2015;10(37);1-9. https://doi.org/10.5712/rbmfc10(37)1167
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. Porém, algumas das intervenções analisadas neste estudo propuseram, além da consulta, acompanhamentos realizados por meio de visitas domiciliares ou mensagem de texto. Essas estratégias são relevantes, por proporcionar maior aproximação entre profissional e cliente, além de corroborar para que a intervenção seja executada da forma que foi idealizada1717 Flores TR, Gomes AP, Spares ALG, Nunes BP, Assunção MCF, Gonçalves H, et al. Counseling by health professionals and healthy behaviors among the elderly: population-based study in Pelotas, South of Brazil, 2014. Epidemiol Serv Saude. 2018;27(1):e201720112. https://doi.org/10.5123/s1679-49742018000100012
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. Além disso, intervenções destinadas a melhorar o sono infantil tendem a gerar insegurança e ansiedade em pais, o que pode ser amenizado pelo acompanhamento periódico de profissional qualificado1818 Bamber D, Powell C, Long J, Garratt R, Brown J, Rudge S, et al. Parental and health professional evaluations of a support service for parents of excessively crying infants. BMC Health Serv Res. 2019;19:592. https://doi.org/10.1186/s12913-019-4430-5
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.

Ao reconhecer a importância das tecnologias leves e duras na assistência, enfermeiros brasileiros construíram plano de cuidados como intervenção para orientar consultas de enfermagem para crianças de 12 a 18 meses, com padrão de sono alterado. Entre as intervenções listadas, destacam-se rituais antes de sono, ajustes da rotina durante o dia o incentivo, para que as crianças iniciem o sono de forma independente1818 Bamber D, Powell C, Long J, Garratt R, Brown J, Rudge S, et al. Parental and health professional evaluations of a support service for parents of excessively crying infants. BMC Health Serv Res. 2019;19:592. https://doi.org/10.1186/s12913-019-4430-5
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.

Diante das formas de conduzir a criança ao sono, observam-se discrepâncias na literatura, tanto de autores nacionais1919 Rodrigues SE, Viana TRF, Martins MC, Cardoso MVLL. Plano de cuidados de enfermagem para o sono em lactentes. O Braz J Nurs [Internet]. 2015 [cited 2020 Aug 2];(1):534-42. Available from: http://www.objnursing.uff.br/index.php/nursing/article/view/5245/html_942
http://www.objnursing.uff.br/index.php/n...
como internacionais2020 Gradisar M, Jackson K, Spurrier NJ, Gibson J, Whitham J, Williams AS, et al. Behavioral interventions for infant sleep problems: a randomized controlled trial pediatrics. 2016;137(6):e20151486. https://doi.org/10.1542/peds.2015-1486
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, pois existem linhas de pensamento que defendem independência para o sono infantil, com foco na qualidade de sono de toda família e outras que enfatizam o sono com apego, a exemplo da cama compartilhada, embasando-se na formação de crianças emocionalmente saudáveis2121 Barry ES. Co-sleeping as a proximal context for infant development: the importance of physical touch. Infant Behav Dev. 2019;57:e101385. https://doi.org/10.1016/j.infbeh.2019.101385
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.

As intervenções dos protocolos analisados no presente estudo apresentaram propostas com enfoque na independência para o sono, evidenciadas pela técnica de extinção gradual e por orientações de colocar o bebê ainda sonolento no berço como estratégias mais prevalentes. A técnica de extinção gradual consiste em colocar o bebê para dormir no local escolhido pelos pais, ignorar o choro e ficar retornando para acalmar o bebê em tempos periódicos. Conforme estudo realizado na Austrália, essa técnica não eleva os níveis de cortisol salivar, indicando que não gera estresse nos bebês2020 Gradisar M, Jackson K, Spurrier NJ, Gibson J, Whitham J, Williams AS, et al. Behavioral interventions for infant sleep problems: a randomized controlled trial pediatrics. 2016;137(6):e20151486. https://doi.org/10.1542/peds.2015-1486
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.

Em contrapartida, um estudo reflexivo, embasado em diversas ciências (enfermagem, psicologia, antropologia, entre outras), apresenta conclusões subsidiadas em aspectos culturais e evolutivos, defendendo o toque e a presença dos pais junto ao bebê na hora do sono. Afirma-se que práticas de co-leito (cama compartilhada) contribuem para melhoria e duração do sono, prolongamento do tempo de amamentação e diminuição dos níveis de cortisol. Além disso, suscitam reflexões de que a independência que os bebês precisam ter para adormecer são reflexos do desejo dos pais que almejam algum tempo livre para si2121 Barry ES. Co-sleeping as a proximal context for infant development: the importance of physical touch. Infant Behav Dev. 2019;57:e101385. https://doi.org/10.1016/j.infbeh.2019.101385
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.

Ao considerar o apego, intervenção para mães de bebês em risco de apego inseguro constatou que a regulação do cortisol de bebês de 12 meses melhorou significativamente depois que as mães foram ensinadas a aumentar a sensibilidade e capacidade de resposta às necessidades dos bebês2222 Berlin L, Martoccio TL, Bryce CL, Harden BJ. Improving infants’ stress-induced cortisol regulation through attachment-based intervention: a randomized controlled trial. Psychoneuroendocrinol. 2019;103:225-32. https://doi.org/10.1016/j.psyneuen.2019.01.005
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. De modo semelhante, um estudo realizado com bebês de um a três meses evidenciou menor atividade de cortisol quando as mães estavam mais disponíveis emocionalmente (calmas, não hostis e sensíveis aos sinais do bebê) durante as rotinas de dormir2323 Philbrook LE, Hozella AC, Kim BR, Jian N, Shimizu M, Teti DM. Maternal emotional availability at bedtime and infant cortisol at 1 and 3 months. Early Hum Dev. 2014;90(10):595-605. https://doi.org/10.1016/j.earlhumdev.2014.05.014
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Contudo, para que a mãe esteja calma, tranquila e disponível para atender ao bebê, também é preciso que esta não esteja em privação de sono, pois isso pode interferir drasticamente no autocontrole e, assim, repercutir negativamente na regulação do estresse no bebê. Em adultos saudáveis, a privação parcial do sono de cinco a seis horas pode resultar em sonolência diurna e humor negativo, e, quando continuada por uma a duas semanas, pode acarretar comprometimentos cognitivos equivalentes aos de privação de sono por 48 horas seguidas2424 Haddad S, Dennis CL, Shah P, Stremler R. Sleep in parents of preterm infants: a systematic review. Midwifery. 2019;73;35-48. https://doi.org/10.1016/j.midw.2019.01.009
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Isso pode ser corroborado por estudo realizado com 10 mil mulheres inglesas no pós-parto, o qual mostrou que as participantes com depressão, ansiedade, problemas de sono e que amamentavam com frequência possuíram risco significativamente maior (OR 2,99) para desenvolver fadiga2525 Henderson J, Alderdice F, Redshaw M. Factors associated with maternal postpartum fatigue: an observational study. BMJ Open. 2019;9:e025927. https://doi.org/10.1136/bmjopen-2018-025927. Além disso, uma revisão sistemática evidenciou potencial associação entre privação de sono e pensamentos suicidas2626 Porras-Segovia A, Pérez-Rodríguez MM, López-Esteban P, Courtet P, Barrigón MML, López-Castromán J, et al. Contribution of sleep deprivation to suicidal behaviour: a systematic review. Sleep Med Rev. 2019;44:37-47. https://doi.org/10.1016/j.smrv.2018.12.005
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.

Diante do exposto, compreender as interfaces de aspectos psíquicos em relação ao sono infantil se torna pertinente para elucidar as melhores estratégias de intervenção para cada contexto familiar. Neste sentido, os protocolos de ensaio clínico apresentados neste estudo sinalizaram a necessidade de avaliar escores de ansiedade, depressão e nível de satisfação conjugal como desfechos secundários, além da melhoria da qualidade de sono infantil e parental.

Para que essas mensurações fossem procedidas, os protocolos elencaram diferentes instrumentos e estratégias a serem utilizadas. Entre esses, destacaram-se o Pittsburgh Sleep Quality Interview e o Extended Brief Infant Sleep Questionaire, ambos já traduzidos e adaptados para o português do Brasil2727 Sadeh A. A brief screening questionnaire for infant sleep problems: validation and findings for an internet sample. Pediatrics.2004;113(6):e570-7. https://doi.org/10.1542/peds.113.6.e570
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-2828 Bertolazi NA, Fagondes SC, Hoff LS, Dartora EG, Miozzo ICS, Barba MEF, et al. Validation of the Brazilian Portuguese version of the Pittsburgh Sleep Quality Index. Sleep Med. 2011;12(1):70-5. https://doi.org/10.1016/j.sleep.2010.04.020
https://doi.org/https://doi.org/10.1016/...
. Além dos instrumentos apresentados no presente estudo, uma revisão publicada no Brasil apontou compilado de instrumentos disponíveis e utilizados em âmbito internacional para mensurar alterações de sono infantil2929 Andrade RS, Santos RSFV, Santos AEV, Andrade NL, Macedo IF, Nunes DR. Instrumentos para avaliação do padrão de sono em crianças com doenças crônicas: revisão integrativa. Rev enferm UERJ. 2018;26:e31924. https://doi.org/10.12957/reuerj.2018.31924
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Além das medidas psicométricas, os protocolos apresentaram o actígrafo e o diário de campo como alternativa para acompanhar o padrão de sono infantil. O actígrafo sugere mensuração objetiva do sono, pois, a partir de sua interpretação, é possível estimar tempo total, início e fim do sono e tempo de vigília, enquanto que o diário do sono se configura como estratégia qualitativa de anotações sistemáticas realizadas por pais e outros cuidadores acerca do que ocorre com a criança durante o dia relacionado ao sono3030 Dias CC, Figueiredo B, Pinto TM. Children’s sleep habits questionnaire: infant version. J Pediatr. 2018;94:146-54. https://doi.org/10.1016/j.jped.2017.05.012
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Diante dos achados deste artigo, compreende-se que existem diferentes abordagens para o sono infantil, assim como distintas maneiras de mensurar o padrão de sono. No entanto, a completude do sono infantil, que perpassa por questões autorregulatórias, precisa ser estudada, considerando os hábitos paternos no que tange à saúde mental e aos hábitos culturais. Logo, para intervir neste prisma, é necessário profundo conhecimento acerca da situação familiar.

A partir disso, sugerem-se mais estudos que tentem intervir na melhoria do padrão de sono infantil, considerando apego, desenvolvimento neurológico e psíquico, além da dinâmica familiar. Acredita-se que as melhores estratégias são as que consideram a necessidade de sono infantil de acordo com as fases do desenvolvimento infantil, primando pelo fortalecimento de vínculos entre cuidadores e crianças, sendo essa a principal lacuna observada pelo presente estudo.

Limitações do estudo

Este estudo se limitou a analisar protocolos que correspondem a propostas de ensaios clínicos, cuja finalidade foi conhecer o que pesquisadores da temática sono infantil idealizaram. Contudo, não se mensuraram os resultados desses estudos nem a qualidade metodológica deles.

Contribuições para a área da enfermagem

O enfermeiro da atenção básica, durante sua prática assistencial, lida com inquietações por parte das mães acerca do sono de seus filhos, os quais, geralmente, não possuem nenhuma alteração de cunho neurológico que os impeça de ter um sono de qualidade. A grande parte das queixas são associadas aos comportamentos. Diante disso, este estudo visou levantar as principais intervenções utilizadas a fim de guiar a prática e também instigar pesquisadores da área da saúde da criança a realizarem mais pesquisas considerando este aspecto do desenvolvimento infantil.

CONCLUSÃO

Este estudo mostrou que a enfermagem foi a profissão com maior expressividade nos protocolos de ensaios clínicos que se propuseram a intervir na insônia comportamental de lactentes, utilizando, principalmente, tecnologias educacionais e consultas seguidas de acompanhamento periódico. O principal desfecho primário abordado nas propostas de intervenções foi melhoria do padrão de sono infantil e/ou materno, e os secundários se relacionaram às questões psíquicas, como ansiedade, depressão e satisfação sexual parental. As medidas desses desfechos se deram, principalmente, por instrumentos psicométricos, actigrafia e diário do sono. Tais achados sinalizaram que os protocolos propuseram intervenções para que o bebê adormecesse de forma independente de modo que este e os demais membros da família tivessem melhores padrões de sono. Contudo, a literatura já apresenta abordagens controversas, o que suscita desenvolvimento de mais estudos sobre o tema.

  • EDITOR CHEFE: Antonio José de Almeida Filho
  • EDITOR ASSOCIADO: Hugo Fernandes

REFERENCES

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    28 Jun 2021
  • Data do Fascículo
    2021

Histórico

  • Recebido
    12 Ago 2020
  • Aceito
    26 Nov 2020
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