Estratégias ativas de ensino melhoram conhecimentos e habilidades de enfermeiros, para atendimento à pessoa com queimaduras

RESUMO

Objetivo:

avaliar o efeito de intervenção educativa, na autopercepção de enfermeiros, sobre conhecimentos e habilidades para atendimento inicial a pessoa que sofreu queimaduras.

Métodos:

estudo quase experimental do tipo antes e depois, com 18 enfermeiros que assistem pacientes que sofreram queimaduras. A intervenção, realizada durante 11 dias em encontros presenciais e atividades on-line, compreendeu as estratégias ativas case-based learning, simulação realística, mapas conceituais e portfólio digital. Utilizou-se um instrumento estruturado para coleta de dados sociodemográficos, e outro referente ao conhecimento e habilidades essenciais ao atendimento inicial a pessoa com queimaduras.

Resultados:

As pontuações médias obtidas antes da intervenção variaram de 2,78 a 3,33 e, após a intervenção variam de 3,89 a 4,72. Observou-se diferenças estatisticamente significantes (p<0,005) em todas as questões abordadas.

Conclusão:

esta intervenção educativa, baseada em métodos de ensino inovadores, mostrou efeito positivo nos conhecimentos e habilidades dos enfermeiros sobre o atendimento inicial a pessoa com queimaduras.

Descritores:
Educação em Enfermagem; Aprendizagem; Conhecimento; Simulação; Queimaduras

ABSTRACT

Objective:

to evaluate the impact of an educational intervention, on nurses’ self-perception, about knowledge and skills for initial care for burn victims.

Methods:

a quasi-experimental study of the type before and after, with 18 nurses who assist burn victims. The intervention was carried out for 11 days in face-to-face meetings and online activities, and comprised active case-based learning strategies, simulation training, concept maps and digital portfolio. A structured instrument was used to collect sociodemographic data, and another one related to the knowledge and essential skills to the initial care for burn victims.

Results:

The average scores found before the intervention ranged from 2.78 to 3.33 and, after the intervention, they ranged from 3.89 to 4.72. Relevant statistical differences (p <0.005) were found in all questions addressed.

Conclusion:

this educational intervention, based on innovative teaching methods, showed a positive impact on nurses’ knowledge and skills on initial care for people with burns.

Descriptors:
Education, Nursing; Learning; Knowledge; Simulation Training; Burns

RESUMEN

Objetivo:

evaluar el efecto de la intervención educativa sobre la autopercepción de los enfermeros sobre los conocimientos y las habilidades para la atención inicial de las personas que sufrieron quemaduras.

Métodos:

estudio cuasi experimental antes-después, con 18 enfermeros que atienden a pacientes que sufrieron quemaduras. La intervención se llevó a cabo durante once días en reuniones presenciales y actividades online y incluyó estrategias de aprendizaje activas basadas en casos, simulación realista, mapas conceptuales y portafolio digital. Se utilizó un instrumento estructurado para la recolección de datos sociodemográficos y otro relacionado con los conocimientos y habilidades esenciales para la atención inicial de las personas con quemaduras.

Resultados:

Las puntuaciones medias obtenidas antes de la intervención oscilaron entre 2,78 y 3,33 y después de la intervención, entre 3,89 y 4,72. Hubo diferencias estadísticamente significativas (p<0,005) en todas las preguntas abordadas.

Conclusión:

esta intervención educativa basada en métodos de enseñanza innovadores mostró un efecto positivo en los conocimientos y las habilidades de los enfermeros en la atención inicial de las personas con quemaduras.

Descriptores:
Educación en Enfermería; Aprendizaje; Conocimiento; Simulación; Quemaduras

INTRODUÇÃO

Globalmente, as queimaduras representam o padrão mais grave de lesão traumática, com importantes desafios em relação à recuperação funcional e psicológica dos pacientes⁽¹⁾. Pessoas que sofreram queimaduras apresentam uma cascata de alterações complexas, com o potencial para sobrecarregar rapidamente equipes de saúde despreparadas e ocasionar desfechos insatisfatórios. Em muitos casos as queimaduras são acompanhadas por outros traumas, como fraturas, traumatismo cranioencefálico e lesões por inalação de fumaça e gases tóxicos, sendo que os cuidados realizados nas primeiras 24 horas após a lesão podem impactar no prognóstico do paciente em longo prazo⁽²⁾.

Apesar dos avanços consideráveis no tratamento intensivo nas unidades de tratamento de queimados (UTQ), queimaduras graves continuam associadas às altas taxas de morbimortalidade em longo prazo. Chama atenção que, dependendo da realidade local, grande parte dos pacientes recebe atendimento inicial em serviços não especializados em queimaduras antes de ser transferida para uma UTQ ou ainda recebe todo o tratamento em serviços não especializados⁽³⁾. Estudo realizado na região Sudeste do Brasil, com profissionais de saúde de serviços de urgência e emergência, verificou que os participantes, mesmo possuindo experiência profissional no atendimento a pessoas que sofreram queimaduras, não tinham conhecimento adequado na área para tomada de decisão, denotando a necessidade de ações educativas para o aprimoramento de suas competências ⁽⁴⁾.

Enfermeiros desempenham um papel significativo no atendimento inicial às pessoas que sofreram queimaduras. Logo, um fator que contribui para um prognóstico desfavorável do paciente, pela equipe de enfermagem, é a falta de competências clínicas baseadas em evidências científicas⁽⁵⁾. A literatura científica nacional e internacional tem mostrado que a assistência de enfermagem ao paciente queimado não é discutida em profundidade nos programas de graduação e educação permanente em enfermagem, consequentemente a maioria dos enfermeiros recebe uma formação pouco aprofundada nesse assunto^(6-7).

A competência clínica é uma das condições que os enfermeiros devem possuir em ambientes clínicos, sendo considerada um componente fundamental da assistência de enfermagem, capaz de influenciar diretamente a qualidade dos serviços prestados pelos enfermeiros. Nesse sentido, competência em enfermagem pode ser definida como a capacidade de utilizar conhecimentos, habilidades, atitudes, julgamentos e valores, os quais aumentam a eficiência e a eficácia em ambientes profissionais de trabalho⁽⁸⁾.

Considerando a necessidade de aprimoramento profissional, pondera-se acerca de ações de educação permanente, as quais constituem ferramentas vitais para o estabelecimento de padrões de assistência, permitindo que os profissionais que atuam no atendimento aos pacientes queimados desenvolvam competências clínicas necessárias para alcançar os padrões desejáveis e oferecer atendimento de boa qualidade. Para serem eficazes, as ações educativas necessitam ser direcionadas para atender aos desafios e às necessidades específicas dos serviços e de profissionais de saúde⁽⁹⁾. Devem ainda assentar-se em métodos que promovam aprendizagem ativa⁽¹⁰⁾ e que permitam que os alunos participem.

As metodologias ativas (MA) consistem em uma nova abordagem de ensino, cujo objetivo é formar profissionais críticos e reflexivos, com capacidade para resolver problemas. O conhecimento é construído a partir da vivência dos educandos, colocando-os na posição de protagonistas durante esse processo. Desse modo, tem como resultado maior motivação, envolvimento com o conteúdo, bem como o desenvolvimento do pensamento crítico e habilidades, resultando em aprendizado profundo⁽¹⁰⁾.

Nesse ínterim, estudos realizados na Itália⁽¹¹⁾, Inglaterra⁽⁶⁾ e Brasil⁽⁷⁾ indicam que são necessários esforços para avançar em relação à qualificação dos profissionais de saúde para o cuidado às pessoas que sofreram queimaduras, melhorando suas competências clínicas. Considerando a relevância desse tema, a escassa produção científica e a proposta de que ações de educação permanente sejam conectadas às necessidades dos serviços de saúde e desenvolvidas a partir de métodos ativos, questiona-se: uma intervenção educativa baseada em MA de ensino e aprendizagem pode impactar no conhecimento e nas habilidades de enfermeiros sobre o manejo inicial de pacientes que sofreram queimaduras?

OBJETIVO

Avaliar o efeito de intervenção educativa, na autopercepção de enfermeiros, sobre conhecimentos e habilidades para atendimento inicial a pessoa que sofreu queimaduras.

MÉTODOS

Aspectos éticos

O estudo seguiu as recomendações da Resolução 466/12 do Conselho Nacional de Saúde, sendo autorizado pelas instituições às quais pertenciam os participantes e, posteriormente, aprovado pelo Comitê Permanente de Ética em Pesquisa com Seres Humanos (COPEP), da Universidade Estadual de Maringá, Brasil. Os participantes foram esclarecidos quanto aos detalhes do estudo e assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido em duas vias.

Desenho, local do estudo e período

Estudo com delineamento quase experimental, do tipo antes e depois, com alocação não randômica e envolvendo dois grupos. A instrução TREND⁽¹²⁾ (Transparent Reporting of Nonrandomized Designs) através de um checklist para o relato de estudos de avaliação de intervenções com desenhos não randomizados, disponibilizada pela rede EQUATOR (https://www.equator-network.org/), foi utilizada como referência no planejamento e descrição do presente estudo.

A intervenção educativa foi realizada em sala didática e laboratório de ensino prático de enfermagem de uma universidade pública estadual, no município de Maringá, estado do Paraná, Brasil. A coleta de dados ocorreu nos meses de novembro de 2017 e outubro de 2018, no Grupo Intervenção I (GI) e Grupo Intervenção II (GII), respectivamente. O período de realização dessas intervenções respeitou as solicitações do serviço de educação permanente das instituições das quais pertenciam os participantes, justificando-se, assim, a realização em datas distintas, seguindo as mesmas diretrizes e estrutura para ambos os grupos.

População ou amostra: critérios de inclusão e exclusão

Previamente à intervenção educativa, divulgada à população alvo como “Curso teórico-prático de atendimento inicial ao queimado”, foi apresentado e autorizado pelo Núcleo de Educação Permanente (NEP) dos respectivos serviços e pela coordenação da residência multiprofissional e, posteriormente, divulgada aos enfermeiros por meio de cartazes e redes sociais, com 15 dias de antecedência. A seleção dos sujeitos ocorreu a partir da intencionalidade dos mesmos em participarem da pesquisa, respeitando-se o número de vagas disponibilizado para intervenção educativa.

Participaram dessa investigação 18 enfermeiros, que compuseram a amostra intencional deste estudo por atenderem aos seguintes critérios de inclusão: atuar por um período superior há um ano, como enfermeiro intervencionista no atendimento pré-hospitalar (APH) ou enfermeiro assistencial no Pronto Socorro (PS), ou estar regularmente matriculado na residência multiprofissional em urgência e emergência. Considerou-se como critério de exclusão a interrupção da participação na intervenção educativa e a não aceitação em participar da pesquisa, ainda durante o preenchimento do formulário de inscrição on-line. Todos os profissionais inscritos participaram da intervenção do início ao fim e aceitaram participar do estudo, não havendo, portanto, recusas.

Consequentemente, organizaram-se os grupos GI e GII, com no máximo dez participantes cada, considerando o referencial teórico e os métodos de ensino empregados, permitindo assim garantir o diálogo e reflexão. O GI foi composto por seis residentes e dois enfermeiros atuantes em um serviço de APH móvel. O GII foi constituído por dez enfermeiros, dois residentes, quatro atuantes no PS de um hospital de ensino e quatro em serviço de APH.

Protocolo do estudo

A intervenção educativa teve duração de onze dias e foi constituída por quatro oficinas pedagógicas presenciais e atividades de dispersão on-line, cujo planejamento e condução foram norteados pelo referencial teórico de Paulo Freire⁽¹³⁾, totalizando 30 horas, sendo 20 horas presenciais e 10 horas à distância.

A concepção pedagógica sociocultural de Paulo Freire, ancorada no materialismo histórico-dialético, propõe uma ação pedagógica que promova a articulação entre teoria e prática (práxis). Permite que os educandos ultrapassem a visão imediata dos fenômenos e compreendam que se trata de um projeto cujo compromisso é a transformação social, a partir de uma prática educativa problematizadora, crítica e emancipatória⁽¹³⁾.

Foi centrada em MA de ensino-aprendizagem, de caráter participativo e problematizador. Buscou-se a variação e a inovação de métodos de ensino, resultando na combinação de quatro: Case-based Learning (CBL), simulação realística, mapas conceituais e portfólio digital.

O Portfólio digital consistiu em um espaço virtual, utilizando a ferramenta Google Drive^®, destinado ao compartilhamento de bibliografias, construção colaborativa de conhecimentos e reflexões individuais sobre o processo de ensino-aprendizagem. Para a estratégia CBL, que permeou o curso do início ao fim, utilizou-se um caso clínico noticiado nas mídias locais; os participantes elaboravam questões de aprendizagem durante as oficinas e as respondiam criticamente nas atividades on-line, intercaladas com as presenciais. A construção do MC foi realizada na segunda e terceira oficina, com auxílio de notebook, utilizando-se o software CMap Tools^®. Já a simulação realística contou com um cenário, com duração de 15 minutos, e um debriefing, de 30 minutos. Optou-se pela simulação com atores moulaged – técnica que usa maquiagem e outros materiais para simular lesões.

Os encontros tiveram duração de cinco horas/aula e contaram com a presença dos educandos, do professor-tutor, com formação prévia no Atendimento Inicial ao Queimado (AIQ) e em MA, e com uma equipe de monitores, formada por duas enfermeiras doutorandas em enfermagem e quatro alunos de graduação em enfermagem. Em cada oficina pedagógica foram trabalhadas temáticas específicas, com vistas à construção do conhecimento e ao desenvolvimento de habilidades para o atendimento à pessoa com queimaduras, com ênfase na ação, sem deixar de considerar, porém, a base teórica. Os temas, os conhecimentos e as habilidades desenvolvidas estão apresentados no Quadro 1.

Quadro 1
Títulos de oficinas pedagógicas e conhecimentos e habilidades desenvolvidos na intervenção educativa. Maringá, Paraná, Brasil, 2017-2018

Oficina	Conhecimentos e habilidades desenvolvidos
“Um olhar para além das lesões”	Avaliação e cuidados iniciais na abordagem pré-hospitalar. Classificação da gravidade clínica da queimadura no paciente adulto. Avaliação de vias aéreas e tratamento das lesões por inalação de gases tóxicos. Avaliação do choque e infusão de fluidos no paciente queimado.
“Lidando com situações especiais”	Avaliação e tratamento das lesões por produtos químicos. Avaliação e tratamento das lesões por eletricidade. Assistência de enfermagem inicial à criança com queimaduras.
“Desafios diante da dor e do sofrimento do outro”	Avaliação, acompanhamento e controle da dor no paciente queimado. Cuidados com a lesão e prevenção de infecção. Lidar com aspectos emocionais do paciente queimado e de seus familiares.
“A ciência e a arte do cuidado ao paciente queimado”	Cuidados de enfermagem com o paciente queimado no pronto-socorro. Avaliação clínica do paciente queimado e capacidade de tomar decisões imediatas. Estabilização, encaminhamento e transporte.

As atividades de dispersão foram realizadas de forma virtual, no intervalo entre uma oficina e outra, por meio da utilização do portfólio digital, utilizado para o compartilhamento de arquivos e resolução de atividades de forma colaborativa, em que respondiam a questões de aprendizagem a respeito de um caso clínico, sendo permitido aos educandos fazerem edições e acrescentarem informações ao texto. A ferramenta virtual utilizada para essa finalidade foi o Google Drive^®. O tutor acompanhou as colaborações dos participantes na atividade, bem como realizava apontamentos pertinentes nas suas produções.

Na Figura 1, apresenta-se o desenho do estudo, com a descrição de cada parte executada do método e seu respectivo detalhamento.

Figura 1
Desenho do estudo. Maringá, Paraná, Brasil, 2017-2018

GI: Grupo Intervenção I; GII: Grupo Intervenção II; CBL: Case-based Learning

Para coleta dos dados, utilizaram-se dois instrumentos: um formulário ad-hoc, de características sociodemográficas e profissionais, e um instrumento estruturado para avaliação da autopercepção dos profissionais sobre seus conhecimentos e habilidades acerca do atendimento inicial ao queimado. O primeiro teve o objetivo de caracterizar os participantes. Contemplou 11 questões e foi estruturado no formato de formulário on-line, no Google Forms,

Durante a inscrição no curso, os participantes realizaram o preenchimento deste e do instrumento de autopercepção sobre seus conhecimentos e habilidades acerca do atendimento inicial ao queimado, como um pré-teste. Em um segundo momento, responderam novamente, como um instrumento de medição pós-teste, logo após a última oficina pedagógica.

Os conhecimentos e habilidades avaliados nos participantes seguiram as recomendações da Rede Internacional de Treinamento, Educação e Pesquisa em Queimaduras (International Network for Training, Education and Research in Burns – Interburns^®)⁽⁹⁾, voltadas às necessidades de serviços classificados como básicos e intermediários, excluindo os de nível avançado, visto que são relativos a ações desempenhadas em serviços especializados em queimaduras. Levou-se em consideração, também, um instrumento de estudo italiano⁽¹¹⁾ que avaliou o desempenho de participantes de um curso de suporte avançado de vida em queimaduras.

Então, foi elaborado, pela equipe de pesquisa, um instrumento composto por 13 questões (Q1, Q2... Q13), que avaliaram a autopercepção dos profissionais sobre seus conhecimentos e habilidades acerca do AIQ. As questões foram divididas em dois blocos, o primeiro relativo aos conhecimentos e habilidades de nível básico e o segundo de nível intermediário. Para avaliar cada proposição, utilizou-se escala tipo Likert com cinco intervalos de resposta, variando de um (discordo totalmente) a cinco (concordo totalmente). A pontuação de cada questão poderia variar de um a cinco pontos, quanto maior a pontuação, melhor a percepção dos participantes em relação aos seus conhecimentos e habilidades para desempenhar determinada função. Desse modo, o instrumento foi submetido a um painel de especialistas em urgência e emergência, para validação aparente e de conteúdo, sendo avaliado quanto à objetividade, simplicidade, clareza, relevância, precisão, credibilidade e adequação da linguagem à população alvo. Após avaliação dos juízes, que ocorreu em um período de três meses, foram realizados pequenos ajustes, mantendo-se a quantidade de questões.

Os conhecimentos e habilidades classificados como básicos dizem respeito: a avaliação e estabilização inicial da pessoa que sofreu queimaduras, considerando medidas de primeiros socorros; a avaliação da gravidade clínica, incluindo aspectos como profundidade, localização e extensão das lesões e fatores associados; manejo adequado da dor (avaliação, medidas de controle e monitoramento); manejo das lesões com vistas, cicatrização e prevenção de infeção; identificação de critérios para transferência para uma UTQ; transporte terrestre do paciente queimado; e comunicação efetiva, com passagem correta de informações sobre o paciente e a injúria.

Já, os conhecimentos e habilidades classificados como intermediários, relacionavam-se: à avaliação e ao tratamento de pacientes pediátricos; às queimaduras especiais (químicas e elétricas); à avaliação da necessidade de via aérea avançada; à reposição volêmica ideal, considerando a fórmula de Parkland e avaliação do débito urinário; e ao apoio emocional aos pacientes e seus familiares. Não foram trabalhados conhecimentos e habilidades para serviços de nível avançado, visto que são relativos a ações desempenhadas em serviços especializados em queimaduras.

Análise dos resultados e estatística

Para a análise dos dados foi utilizado o programa SPSS, versão 15.0, sendo realizada análise descritiva das variáveis sociodemográficas através da média, desvio-padrão, frequências absoluta e relativa. Para verificar a distribuição das variáveis quantitativas contínuas, utilizou-se o teste de normalidade Shapiro-Wilk. Todos os 13 itens testados, do instrumento de autopercepção sobre conhecimentos e habilidades, apresentaram normalidade de sua distribuição, sendo realizado o teste t pareado para avaliação das diferenças de médias intragrupos. Os resultados foram considerados estatisticamente significativos se p<0,05, com intervalo de confiança de 95%.

RESULTADOS

A caracterização dos participantes mostrou prevalência do sexo feminino (88,89%). A idade variou de 22 a 40 anos, sendo a maioria solteira. Em relação à formação continuada, a metade possuía curso de pós-graduação, destes apenas uma era stricto sensu (doutorado). Dentre aqueles que tinham vínculo institucional (66,67%), seis trabalham em serviços de APH móvel e quatro no PS de um Hospital de ensino. O tempo na atividade atual (residência ou serviço de saúde) variou de um a 12 anos completos.

Nos resultados apresentados nas Tabelas 2 e 3, verificaram-se os valores de média e desvio padrão para todas as questões do instrumento, com valor p, relativos aos dois momentos pré e pós-intervenção.

Tabela 1
Caracterizações sociodemográfica e profissional dos enfermeiros participantes da intervenção, Maringá, Paraná, Brasil, 2017-2018

Variáveis	n (%)	Média (desvio padrão)
Sexo
Feminino	16 (88,89)
Masculino	2 (11,11)
Faixa etária
20-30	12 (66,67)	29 (6,77)
30-40	6 (33,33)
Maior grau de escolaridade
Graduação*	9 (50,00)
Especialização lato sensu	8 (44,44)
Doutorado	1 (5,56)
Atividade atual
Pré-hospitalar móvel	6 (33,33)
Pronto-socorro	4 (22,22)
Residência em urgência e emergência	8 (44,44)
Tempo de formação
1-10	13 (72,22)	6,63 (6,53)
>10	5 (27,78)
Tempo na atividade atual
1-5	15 (83,33)	3 (3,69)
>5	3 (16,67)

• Nota:
• ^*
  Oito participantes estavam no segundo ano de residência multiprofissional em urgência e emergência.

Tabela 2
Questões de conhecimentos e habilidades de enfermeiros sobre o atendimento inicial ao queimado - nível básico, Maringá, Paraná, Brasil, 2017-2018

Conhecimentos e habilidades – nível básico	Pré-intervenção	Pós-intervenção	p
	Média (dp)	Média (dp)
Q1. Estabilização inicial no local onde ocorreu a queimadura.	3,00 (0,97)	4,33 (0,49)	<0,001
Q2. Realizar a classificação de gravidade em pacientes adultos.	3,00 (1,14)	4,39 (0,61)	<0,001
Q3. Realizar o manejo da dor em um paciente queimado.	3,11 (0,76)	4,61 (0,61)	<0,001
Q4. Realizar o manejo correto das lesões visando à prevenção de infecção.	3,06 (0,87)	4,56 (0,62)	<0,001
Q5. Avaliar a necessidade de encaminhamento para um centro especializado.	2,67 (1,09)	4,61 (0,50)	0,002
Q6. Realizar o transporte terrestre para um centro especializado.	2,89 (1,41)	4,39 (0,61)	<0,001
Q7. Coordenar a transferência com passagem clara e precisa de informações.	3,06 (1,16)	4,22 (0,64)	<0,001

• Nota: dp: desvio padrão. p <0,05.

Tabela 3
Questões de conhecimentos e habilidades de enfermeiros sobre o atendimento inicial ao queimado - nível intermediário, Maringá, Paraná, Brasil, 2017-2018

Conhecimentos e habilidades – nível intermediário	Pré-intervenção	Pós-intervenção	P
	Média (dp)	Média (dp)
Q8. Realizar a classificação de gravidade em crianças.	2,78 (1,11)	4,06 (0,53)	<0,001
Q9. Realizar o atendimento inicial em paciente com queimadura elétrica.	2,83 (1,20)	3,94 (0,73)	<0,001
Q10. Realizar o atendimento inicial em paciente com queimadura química.	2,89 (0,96)	4,67 (0,49)	<0,001
Q11. Avaliar necessidade de via aérea avançada.	3,33 (1,33)	4,56 (0,66)	0,001
Q12. Fornecer apoio emocional ao paciente e familiares.	2,83 (0,86)	3,89 (0,68)	0,001
Q13. Realizar reposição volêmica de maneira adequada.	3,22 (1,01)	4,72 (0,58)	<0,001

• Nota: dp: desvio-padrão. p < 0,05.

Na Tabela 2, estão apresentados os valores das questões relativas aos conhecimentos e habilidades nível básico. Ao comparar as pontuações antes e após à intervenção, nas sete questões avaliadas, verifica-se que houve aumento das médias estatisticamente significativo (p<0,05) após a intervenção. Dentre as questões que obtiveram menores médias no momento pré-intervenção, destacaram-se aquelas relacionadas à avaliação de critérios de transferência para centros especializados e ao transporte terrestre dos pacientes até essas unidades, ambas com média inferior a 3. As pontuações prévias à intervenção variaram de uma pontuação média de 2,67 a 3,11 e após a intervenção todas as questões apresentaram média superior a 4, variando de 4,22 a 4,61.

Na Tabela 3, estão apresentados os valores das questões referentes aos conhecimentos e habilidades em nível intermediário. Nesse grupo também foi verificado que todos os itens apresentaram diferenças estatisticamente significantes (p<0,05). As pontuações médias, antes da intervenção, variaram de 2,78 a 3,33. Nesse momento, apenas as questões 11 e 13, relativas à avaliação da necessidade de via aérea avançada e realização de reposição volêmica, respectivamente, apresentaram média > 3. Após a intervenção, as médias variaram de 3,89 a 4,72.

De maneira global, os valores estatísticos descritivos e de dispersão referentes à pontuação dos participantes nos momentos pré-intervenção e pós-intervenção, considerando as 13 questões do instrumento, apresentaram média de autopercepção de conhecimentos e habilidades inicialmente de 2,97, atingindo 4,38, após a intervenção.

DISCUSSÃO

As investigações indicam que este é o primeiro estudo brasileiro voltado para a concepção, implementação e avaliação do efeito de uma intervenção educativa com métodos de ensino inovadores, voltada ao AIQ, para enfermeiros atuantes em serviços de urgência pré e intra-hospitalares. A presente intervenção educativa, embasada no referencial teórico de Paulo Freire e operacionalizada por meio de metodologias ativas de ensino-aprendizagem, mostrou-se efetiva, visto que houve aumento significativo na autopercepção dos enfermeiros acerca de seus conhecimentos e habilidades para o atendimento à pessoa que sofreu queimaduras.

Estudo, realizado em uma UTQ no sul da Alemanha, comparou o prognóstico de pacientes que deram entrada diretamente no serviço de referência em queimaduras, com aqueles que receberam o atendimento inicial em serviços não especializados, com posterior transferência para UTQ. Verificaram-se diferenças estatisticamente significativas em relação à gravidade, tempo de ventilação mecânica e tempo para realização da primeira excisão cirúrgica, sendo observados valores menores no grupo de pacientes que internaram diretamente na UTQ. Ainda, evidenciou menor tempo de permanência hospitalar nos pacientes admitidos primariamente na UTQ⁽³⁾. Esses resultados contribuem para reflexões acerca do primeiro atendimento realizado nos serviços de urgência, apontando para possíveis déficits de recursos humanos e materiais nestes locais, o que provavelmente contribui para um pior prognóstico das vítimas e reforça a necessidade de ações de EPS efetivas, capazes de aumentar as competências dos profissionais da ponta.

Considerando a realidade brasileira, e da maioria dos países do mundo, em que há uma quantidade insuficiente e distribuição iníqua de UTQs, pessoas com queimaduras recebem os cuidados iniciais em serviços de atenção às urgências, por profissionais não especializados, anteriormente ao tratamento especializado e definitivo⁽¹⁴⁾. No entanto, mesmo sendo um tipo de injúria frequente nas unidades de urgência, os profissionais apresentam dificuldades no manejo das vítimas⁽⁴⁾. Uma vez que a morbimortalidade por queimaduras é reduzida nos pacientes que foram manejados adequadamente na fase aguda. Os profissionais de saúde da linha de frente necessitam adquirir competências necessárias para o atendimento inicial ao paciente com queimaduras⁽⁷⁾.

Para tanto, a promoção de conhecimentos e habilidades em enfermeiros de serviços de urgência e emergência, através de ações de educação permanente que problematizem a realidade dos profissionais e os permita (re)construir o conhecimento de forma ativa, como realizado nesta intervenção, é relevante. Considerando que competência pode ser concebida pelo conjunto de conhecimentos, habilidades e atitudes, e que se aceita que o seu desenvolvimento é escalonar, a atitude observada na performance, elemento determinante da avaliação de presença ou ausência de competência, tende a ocorrer quando o profissional avalia que possui recursos próprios para agir⁽¹⁵⁾.

Para o direcionamento de ações de Educação Permanente em Saúde (EPS), no AIQ, é essencial que sejam estabelecidos padrões operacionais bem definidos. Nesta intervenção educativa foram seguidas as diretrizes da Interburns^{® (9)} e da International Society for Burn Injuries (ISBI), uma vez que são imperativos para profissionais que atuam na Rede de Atenção às Urgências. A Interburns^® desenvolveu, em 2012, um conjunto de padrões operacionais para os serviços que realizam atendimento a pacientes queimados. Além disso, foram elencados conhecimentos e habilidades essenciais aos profissionais de saúde, para garantir desfechos clínicos favoráveis⁽⁹⁾. Em 2016, a ISBI lançou o ISBI Practice Guidelines for Burn Care, contendo recomendações para o diagnóstico e tratamento das queimaduras. O diferencial desse material consiste em uma abordagem que leva em consideração as características locais de países em desenvolvimento e com limitações de recursos, como é o caso do Brasil⁽¹⁾.

Cabe destacar que no Brasil, no ano de 2012, foi lançada a “Cartilha para tratamento de emergência das queimaduras”, pelo Ministério da Saúde, um material conciso e de fácil manuseio, com o propósito de ser um instrumento orientador aos profissionais de saúde no AIQ, considerando variados graus de complexidade das lesões⁽¹⁶⁾. Esse material, embora de maneira bastante sintética, aborda vários dos conteúdos discutidos na presente intervenção, sendo apresentado aos participantes e indicado aos mesmos como relevante material de consulta.

Um aspecto fundamental para o sucesso terapêutico em queimaduras é a reposição volêmica ideal. Nesse sentido, a estimativa da porcentagem de superfície corporal queimada (%SCQ) é fundamental, pois é considerada de acordo com as fórmulas que calculam o volume de líquidos a serem infundidos no paciente. Estudo, conduzido por médicos e enfermeiros durante dois eventos científicos internacionais sobre queimaduras, revelou altos desvios na avaliação da %SCQ e na indicação do volume inicial de líquidos administrado. A avaliação precisa da %SCQ é crucial no AIQ. Erros nas estimativas podem levar a transferências inapropriadas para UTQs; sobrecarga de líquidos, que pode resultar em síndrome compartimental e edema cerebral; e/ou reposição volêmica inferior às necessidades do paciente⁽¹⁷⁾.

Tendo em vista as inúmeras fragilidades correlacionadas a essa temática, as ações de educação permanente direcionadas à realidade de cada serviço de saúde e pautadas em referenciais políticos-ideológicos, alinhadas às diretrizes das redes de atenção à saúde, constituem uma estratégia favorável para ampliar as práticas educativas e podem potencializar a motivação e participação ativa dos profissionais⁽¹⁸⁾. Estudos, realizados nos Estados Unidos da América⁽²⁾, na Inglaterra⁽⁶⁾ e na Itália⁽¹⁹⁾, demonstraram que intervenções educativas sobre o atendimento a pacientes queimados, que superem os métodos de ensino tradicionais e promovam a participação efetiva dos profissionais, podem contribuir de maneira mais significativa com o aprimoramento desses profissionais e, por conseguinte, melhorar a assistência a esses pacientes.

Essa intervenção educativa teve como um de seus diferenciais o fato de combinar a aprendizagem de novas informações com a prática de habilidades baseadas em situações reais, através de métodos de ensino inovadores (CBL, MC, portfólio digital e simulação realística). Esses métodos apresentam caráter ativo, dialógico e crítico. Destarte, buscou-se uma educação emancipatória e transformadora, balizada pelo diálogo entre o educador e os educandos, em uma relação horizontal⁽¹³⁾. Essa estratégia possivelmente auxiliou na motivação dos educandos para o aprendizado, corroborando para a melhora na autopercepção sobre conhecimentos e habilidades dos participantes da intervenção.

No cenário do estudo, assim como em outras instituições com limitação de recursos, a utilização de métodos de ensino como a simulação realística pode constituir uma limitação em razão do alto custo dos manequins de alta fidelidade e sua dificuldade de acesso pela maioria das instituições de ensino. Muitos cursos envolvendo simulação realística têm optado pela utilização de manequins de baixa fidelidade. No entanto, tal fato pode comprometer a qualidade do ensino, uma vez que os educandos apresentam dificuldades em suspender a descrença e são incapazes de praticar muitas habilidades, que são críticas em situações da vida real. Por exemplo, os participantes não podem se envolver continuamente avaliando, fornecendo intervenções de enfermagem e reavaliando um paciente durante um cenário de rápida evolução⁽²⁾. A realização de simulação com atores, para driblar essas dificuldades, já vem sendo utilizada em estudos internacionais⁽²⁰⁾, sendo essa modalidade de simulação também adotada nesta intervenção.

Dessa forma, os esforços foram concentrados no desenvolvimento de uma estratégia inovadora, baseada em simulação realística com atores e utilização da técnica Moulage, que consiste na aplicação de maquiagem autêntica e outros materiais para simular uma variedade de lesões por queimaduras. Essa técnica vem sendo utilizada em estudos internacionais e tem mostrado resultados promissores no desenvolvimento de habilidades necessárias em situações de urgência e emergência, como no caso das queimaduras⁽²⁰⁾.

A simulação de situações de urgência e emergência, além de possibilitar a atuação conjunta dos profissionais de saúde, é capaz de fortalecer a articulação entre teoria e prática dos temas abordados, e o desenvolvimento de habilidades necessárias à assistência nos cenários desenvolvidos. Ainda, é capaz de possibilitar a participação ativa de todos integrantes do grupo, o compartilhamento de saberes e experiências, bem como a reflexão sobre áreas de melhorias⁽¹⁴⁾.

Limitações do estudo

Como limitações do estudo, destaca-se que a amostra não foi aleatorizada, o que significa que os resultados não podem ser generalizados para populações com características diferentes. Além disso, embora se possa dizer que a intervenção educativa contribuiu para a melhoria dos conhecimentos e habilidades dos participantes, não foi possível medir a retenção de competência dos profissionais e sua capacidade de transferi-la para a prática clínica. Portanto, não se pode garantir se os ganhos educacionais dos participantes, após a intervenção educativa, serão mantidos ao longo do tempo.

Contribuições para a área da enfermagem, saúde ou política pública

O presente estudo contribui para qualificação da assistência de enfermagem dispensada ao paciente com queimaduras em serviços urgência e emergência não especializados, uma vez que potencializou os conhecimentos e habilidades de enfermeiros atuantes nesses cenários. Esse fato, possivelmente, refletirá em um melhor prognóstico e qualidade de vida desses pacientes. Além disso, traz contribuições aos serviços de saúde, ao nortear a elaboração de ações de educação permanente efetivas.

CONCLUSÃO

A intervenção educativa, com métodos de ensino ativos (Case-based Learning, simulação realística, mapas conceituais e portfólio digital), mostrou-se efetiva, visto que impactou positivamente nos conhecimentos e habilidades dos enfermeiros, voltados ao atendimento inicial à pessoa com queimaduras. Assim, ações de EPS, com métodos de ensino ativos, de caráter participativo e problematizador, demonstraram ter implicações positivas para a educação em enfermagem.

Por fim, cabe destacar que os conhecimentos e habilidades dos enfermeiros foram autorreferidos, ou seja, partiram da percepção de cada profissional acerca da evolução que obtiveram durante a intervenção. Dessa forma, sugere-se a realização de novos estudos com a perspectiva de avaliar as competências clínicas de enfermeiros no AIQ, bem como a eficácia de métodos de ensino específicos.

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Editado por

EDITOR CHEFE: Dulce Barbosa

EDITOR ASSOCIADO: Álvaro Sousa

Datas de Publicação

• Publicação nesta coleção
  19 Mar 2021
• Data do Fascículo
  2021

Histórico

• Recebido
  02 Abr 2020
• Aceito
  07 Set 2020