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Saúde do adolescente na pandemia de Covid-19: uma construção através do modelo de Nola Pender

RESUMO

Objetivo:

Construir perspectivas de saúde dos adolescentes em face à pandemia de Covid-19, a partir dos diálogos emancipatórios, orientados pelo modelo de Nola Pender.

Método:

Trata-se de uma pesquisa participativa, metodologicamente estruturada com a Pedagogia Psicodramática de María Alicia Romaña, realizada com 17 adolescentes escolares de um município na região Centro-Oeste do Brasil. Utilizou-se como referencial teórico-analítico o Modelo de Promoção da Saúde de Nola Pender, sendo os dados discutidos com base no referencial dialógico de Paulo Freire.

Resultados:

A oficina propiciou o compartilhamento de características e experiências individuais dos adolescentes sobre a realidade vivenciada na pandemia, evidenciando a saúde mental como tema protagônico para a promoção da saúde.

Considerações finais:

Foi possível elaborar com os adolescentes um conhecimento sobre a saúde na pandemia, fundamentando a reflexão temática e a construção de intervenções oportunas de promoção da saúde.

Descritores:
Saúde do Adolescente; Promoção da Saúde; COVID-19; Teoria de Enfermagem; Psicodrama

ABSTRACT

Objective:

To construct perspectives of adolescent health in the face of the Covid-19 pandemic, through emancipatory dialogues guided by Nola Pender’s Model.

Method:

This is a participatory research based on the methodology of Psychodramatic Pedagogy of María Alicia Romaña. The action was carried out with 17 school-aged adolescents from a city in the Center-West Region of Brazil. The theoretical-analytical framework used was Nola Pender’s Health Promotion Model, and the data collected were discussed based on Paulo Freire’s dialogical framework.

Results:

The workshop allowed the sharing of individual characteristics and experiences of adolescents regarding the reality experienced in the pandemic, highlighting mental health as a main theme for health promotion.

Final considerations:

It was construct, along with the adolescents, important knowledge about health in the pandemic, supporting the thematic reflection and the elaboration of timely health promotion interventions.

Descriptors:
Adolescent Health; Health Promotion; COVID-19; Nursing Theory; Psychodrama

RESUMEN

Objetivo:

Construir perspectivas de salud para adolescentes ante la pandemia de Covid-19, a partir de diálogos emancipatorios orientados por el modelo de Nola Pender.

Método:

Se trata de una investigación participativa, estructurada metodológicamente con la Pedagogía Psicodramática de María Alicia Romaña y llevada a cabo entre 17 adolescentes escolares en un municipio de la región Centro-Oeste de Brasil. Se utilizó el Modelo de Promoción de la Salud de Nola Pender como referencial teórico-analítico y los datos se plantearon con base en el referencial dialógico de Paulo Freire.

Resultados:

El taller propició que los adolescentes compartieran sus características y sus experiencias personales sobre la realidad vivida durante la pandemia, destacándose la salud mental como tema principal para la promoción de la salud.

Consideraciones finales:

Fue posible elaborar con los adolescentes un conocimiento sobre la salud en la pandemia, basado en la reflexión temática y en la construcción de intervenciones oportunas para la promoción de la salud.

Descriptores:
Salud del Adolescente; Promoción de la Salud; COVID-19; Teoría de Enfermería; Psicodrama

INTRODUÇÃO

A pandemia causada pelo novo coronavírus (Covid-19) em 2020 permitiu a compreensão de que crianças e adolescentes representam menores proporções entre os casos e óbitos notificados no mundo(11 De Sanctis V, Ruggiero L, Soliman AT, Daar S, Di Maio S, Kattamis C. Coronavirus Disease 2019 (COVID-19) in adolescents: an update on current clinical and diagnostic characteristics. Acta Biomed. 2020;91(2):184-94. https://doi.org/10.23750/abm.v91i2.9543
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). No Brasil, mais de 123 milhões de pessoas residem com pelo menos uma pessoa com idade de até 17 anos, ou seja, em idade escolar(22 Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos. Educação: a pandemia da Covid-19 e o debate da volta às aulas presenciais. Nota Técnica nº 244 de 23 de julho de 2020. Available from: https://www.dieese.org.br/notatecnica/2020/notaTec244covidEducacao/index.html?page=1
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). Logo, a necessidade do isolamento social para evitar a transmissão do vírus levou os adolescentes à falta do convívio social, com disparidades socioeconômicas, violência doméstica, sedentarismo, entre outros(33 Oliveira WA, Silva JL, Andrade ALM, Micheli D, Carlos DM, Silva MAI. Adolescents’ health in times of COVID-19: a scoping review. Cad Saúde Pública. 2020; 36(8):e00150020. https://doi.org/10.1590/0102-311X00150020
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).

A ConVid Adolescentes - Pesquisa de Comportamentos foi um inquérito nacional que teve como objetivo verificar como a pandemia afetou/mudou a vida dos adolescentes, cujos resultados, referentes a uma amostra de quase 10 mil pessoas, demonstraram impactos importantes em relações sociais, atividades escolares, cuidados à saúde e estado de ânimo dos jovens brasileiros no período de isolamento social(44 Malta DC, Gomes CS, Barros MBA, Lima MG, Silva AG, Cardoso LSM, et al. The COVID-19 pandemic and changes in the lifestyles of Brazilian adolescents. Rev Bras Epidemiol. 2021;24: e210012. https://doi.org/10.1590/1980-549720210012
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-55 Fundação Osvaldo Crus (Fiocruz). ConVid adolescentes: pesquisa de comportamentos. [Internet]. Rio de Janeiro: Fiocruz; 2020[cited 2021 Jun 15]. Available from: https://convid.fiocruz.br/index.php?pag=principaladolescentes
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). Nesse cenário de adoecimento iminente, direto ou indireto, são pertinentes as reflexões e práticas de saúde, a fim de que a promoção da saúde favoreça o aumento do cuidado das pessoas sobre seu estado de saúde, coesão social e responsabilidade coletiva pela saúde e bem-estar da população(66 Van Den Broucke, S. Why health promotion matters to the COVID-19 pandemic, and vice versa. Health Promot Int. 2020; 35(2):181-6. https://doi.org/10.1093/heapro/daaa042
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).

De maneira transversal, as práticas educativas participativas do enfermeiro, consideradas também de cuidado, revestem-se de potencial para a execução da promoção da saúde de adolescentes, cuja característica indissociável deve ser a autonomia. Processos de aprendizagem, que envolvem transformação de valores, estilos de vida e emancipação das comunidades, são de longo prazo, auxiliando a exercer o pensamento crítico, a construção de conhecimento transdisciplinar e as experiências transformativas(77 Souza DT, Wals AEJ, Jacobi PR. Learning-based transformations towards sustainability: a relational approach based on Humberto Maturana and Paulo Freire. Environ Educ Res. 2019;25(11):1-15. https://doi.org/10.1080/13504622.2019.1641183
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).

O Modelo de Promoção da Saúde (MPS) desenvolvido por Nola Pender possibilita ao enfermeiro elaborar estratégias de cuidado, permitindo ao profissional planejar, intervir e avaliar suas atividades sob três componentes: 1. Características e experiências individuais; 2. Sentimentos e conhecimentos sobre o comportamento que se quer alcançar; e 3. Comportamento de promoção da saúde desejável(88 Pender NJ, Murdaugh CL, Parsons MA. Health promotion in nursing practice. 7 ed. Boston: Pearson; 2014. 368 p.).

Os adolescentes constituíram foco importante de interesse de Nola Pender e, atualmente, o MPS vem sendo utilizado internacionalmente na pesquisa, educação e prática assistencial junto às mais diversas populações. No entanto, existe uma lacuna de estudos que utilizaram o MPS por meio de estratégias participativas, sugerindo-se que estas possam potencializar a promoção da saúde, pois implicam práticas educativas emancipatórias(99 Santos FNP, Baldissera VDA, Toledo RF. Pub Talk: participation, education and men’s health promotion. Esc Anna Nery. 2019;23(3):e20190006. https://doi.org/10.1590/2177-9465-EAN-2019-0006
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).

Propor o MPS com estratégias participativas para a promoção da saúde do adolescente foi o objetivo deste estudo, tendo como questão norteadora o primeiro componente do modelo: “Quais características e experiências individuais dos adolescentes durante a pandemia podem ser dialogadas com a finalidade de construir conhecimentos emancipatórios por seus pares?”

OBJETIVO

Este estudo objetiva construir perspectivas de saúde dos adolescentes em face à pandemia de Covid-19, por meio de diálogos emancipatórios orientados pelo Modelo de Nola Pender.

MÉTODO

Aspectos éticos

O projeto foi aprovado por Comitê de Ética em Pesquisa, com Certificado de Apresentação para Apreciação Ética (CAAE). Foi solicitado aos pais ou responsáveis o preenchimento do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE) e aos adolescentes, o Termo de Assentimento Livre e Esclarecido (TALE).

Foram observadas as Resoluções nº 466/2012 e 510/2016 do Conselho Nacional de Saúde. Com relação à segurança na produção e no armazenamento de dados mediados por tecnologia, foram cumpridas todas as instruções previstas no documento “Orientações para procedimentos em pesquisas com qualquer etapa em ambiente virtual”, da Comissão Nacional de Ética em Pesquisa (CONEP)(1010 Ministério da Saúde (BR). Ofício Circular nº 2/2021. Orientações para procedimentos em pesquisas com qualquer etapa em ambiente virtual. Brasília: Conep; 2021.).

Com a finalidade de anonimato, os participantes foram identificados por códigos, sendo “E” de estudante, seguido pelo número arábico correspondente à ordem de manifestação na oficina, como, por exemplo, E1, E2, E3 e assim sucessivamente.

Referencial teórico-metodológico e tipo de estudo

Trata-se de um estudo com abordagem participativa, do tipo pesquisa-ação, o que implica a cooperação entre os atores envolvidos (pesquisadores e participantes) sobre um problema coletivo(1111 Thiollent M. Metodologia da pesquisa-ação. 18 ed. São Paulo: Cortez, 2011. 136 p.). A pesquisa-ação pode ser realizada por trabalhos em grupo, jogos e teatro, como recursos técnicos para suscitar o diálogo e o engajamento dos participantes na temática, permitindo maior inclusão e participação, de modo a levar à emancipação de saberes pelo fazer reflexivo(1111 Thiollent M. Metodologia da pesquisa-ação. 18 ed. São Paulo: Cortez, 2011. 136 p.-1212 Freire P. Pedagogia do oprimido. 71 ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra; 2019. 283 p.).

O tema central considerado problema coletivo era a promoção da saúde. Portanto, o referencial teórico-analítico de intervenção foi o Modelo de Promoção da Saúde (MPS) de Nola Pender, em especial, o primeiro componente (“Características e experiências individuais”), que inclui a abordagem dos Fatores Pessoais (biológicos, psicológicos e socioculturais) e do Comportamento Anterior(88 Pender NJ, Murdaugh CL, Parsons MA. Health promotion in nursing practice. 7 ed. Boston: Pearson; 2014. 368 p.). Esse componente foi escolhido porque orienta a análise situacional de saúde dos participantes, através da compreensão das necessidades em saúde e das vivências que afetam ações subsequentes, favorecendo assim a definição do comportamento alvo de intervenção.

Como o diferencial desta pesquisa seria aplicar o MPS de forma coletiva e participativa, considerando que tanto a pesquisa-ação como o MPS não doutrinam métodos e técnicas, elegeu-se a Pedagogia Psicodramática como referencial metodológico para estruturar a execução da oficina, já que essa proposta busca, de forma prática, proporcionando espontaneidade e reflexões, a emersão do tema protagônico.

A Pedagogia Psicodramática é um modo de pesquisar e intervir, proposto pela educadora argentina María Alicia Romaña, que se fundamenta nos pensamentos de Jacob Levy Moreno, Paulo Freire e Vigotski. A autora propõe que a oficina seja implementada em etapas: (1) aquecimento inespecífico e específico, (2) ação dramática e (3) compartilhamento(1313 Romaña MA. Pedagogia psicodramática e educação consciente: mapa de um acionar educativo. Campo Grande: Entre Nós; 2019. 118 p.).

Assim sendo, o nível de participação, ativa e mútua, aconteceu durante o processo de execução da oficina, que foi fundamentada no primeiro componente do MPS e estruturada com a Pedagogia Psicodramática, favorecendo a construção coletiva do conhecimento e a consciência sobre a promoção da saúde de adolescentes no contexto da pandemia.

Cenário do estudo

O local da pesquisa foi uma instituição de educação rural federal de um município na região Centro-Oeste do Brasil.

Fonte de dados

Foram convidados para participar do estudo 25 adolescentes estudantes de ensino médio integrado ao curso técnico. Os critérios de inclusão foram os seguintes: estar matriculado no segundo ano e ter disponibilidade e acesso à internet. Para exclusão, estabeleceram-se os seguintes critérios: estudantes que estivessem afastados durante a coleta de dados. A abordagem dos pais ou responsáveis, bem como dos adolescentes, ocorreu por meio de contato individual no Whatsapp®. Assim sendo, participaram da pesquisa 17 adolescentes.

O grupo de pesquisadoras foi formado por duas enfermeiras doutorandas em enfermagem, em parceria com uma psicóloga e uma professora da área de Letras, ambas psicodramatistas. Uma das enfermeiras e a professora trabalhavam na instituição, possuindo, assim, vínculo prévio estabelecido com os participantes em outras atividades e atendimentos.

Coleta e organização dos dados

A coleta de dados foi realizada virtualmente no mês de fevereiro de 2021, por meio de um questionário disponibilizado via Google Forms® e de uma oficina realizada na plataforma Zoom®, propiciando a elaboração de perspectivas de saúde individuais e coletivas no período de distanciamento social imposto pela Covid-19.

Considerando o primeiro componente do MPS, um questionário com 24 perguntas foi construído e aplicado pelas pesquisadoras com o propósito de levantar informações sobre os Fatores Pessoais (biológicos, psicológicos e socioculturais). Na oficina, buscou-se agregar e trabalhar as informações obtidas em relação ao Comportamento Anterior. Na execução da oficina, foram seguidas as etapas do método de pesquisa da Pedagogia Psicodramática(1313 Romaña MA. Pedagogia psicodramática e educação consciente: mapa de um acionar educativo. Campo Grande: Entre Nós; 2019. 118 p.), as quais estão descritas abaixo e contempladas na Figura 1:

Figura 1
Percurso metodológico da pesquisa-ação mediado pela Pedagogia Psicodramática para promoção da saúde do adolescente no contexto da pandemia de Covid-19, Brasil, 2021

  • No aquecimento inespecífico, foi proposto um trabalho de grupo, utilizando-se a técnica de escaneamento corporal, um tipo de relaxamento guiado com música que orienta a atenção às partes do corpo;

  • No aquecimento específico, utilizou-se um jogo com objeto simbólico, em que cada estudante deveria escolher e apresentar um objeto que representasse a sua saúde durante a pandemia;

  • Na ação dramática, os adolescentes dividiram-se em grupos segundo afinidade com um dos temas apresentados - “Vida saudável é tudo” ou “Meu estilo de vida é sem limites”. Debateram sobre o tema e, ao final desse momento, foram instruídos a imaginarem-se como candidatos à Ministro da Saúde, propondo, assim, um tema de campanha. A apresentação da proposta se fez com a ocupação de uma cadeira vazia, como se fosse a cadeira do Ministro;

  • No momento de compartilhamento, os adolescentes foram motivados a apresentarem o que foi mais significativo na vivência da oficina.

Análise dos dados

A oficina virtual teve a duração de 2 horas e 30 minutos, sendo gravada e transcrita. Posteriormente, em posse desse material e das respostas do questionário, foi realizada uma análise interpretativa, buscando-se as percepções compartilhadas que correspondessem aos temas do primeiro componente do MPS de Nola Pender, sendo eles: Fatores Pessoais (biológicos, psicológicos e socioculturais) e o Comportamento Anterior(88 Pender NJ, Murdaugh CL, Parsons MA. Health promotion in nursing practice. 7 ed. Boston: Pearson; 2014. 368 p.). Como nesse processo, foram propiciados diálogos críticos e reflexivos, a discussão teve como base o referencial dialógico de Paulo Freire(1212 Freire P. Pedagogia do oprimido. 71 ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra; 2019. 283 p.), como tentativa de apreender os desvelamentos emancipatórios desse percurso com foco na problemática da promoção da saúde.

Na elaboração deste manuscrito, foram contemplados os itens previstos para estudos qualitativos conforme o COnsolidated criteria for REporting Qualitative research (COREQ)(1414 Tong A, Sainsbury P, Craig J. Consolidated criteria for reporting qualitative research (COREQ): a 32-item checklist for interviews and focus groups. Int J Qual Health Care. 2007;19(6):349-57. https://doi.org/10.1093/intqhc/mzm042
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).

RESULTADOS

O questionário, preenchido pelos estudantes, permitiu a apreensão de dados individuais e as suas singularidades. Já na oficina virtual, foi possível (re)conhecer, no âmbito coletivo, as características e experiências no contexto da pandemia, a partir do compartilhamento de vivências e construção de perspectivas de saúde, conforme o MPS, sendo elencadas as seguintes categorias: Fatores Pessoais (biológicos, psicológicos e socioculturais) e Comportamento Anterior.

Fatores pessoais, biológicos, psicológicos e socioculturais

O MPS esclarece que esses fatores podem ser herdados ou adquiridos(88 Pender NJ, Murdaugh CL, Parsons MA. Health promotion in nursing practice. 7 ed. Boston: Pearson; 2014. 368 p.). Assim, o questionário individual foi fundamental para uma avaliação detalhada. Os dados quanto aos fatores pessoais investigados são apresentados na Tabela 1.

Tabela 1
Fatores pessoais, biológicos e socioculturais de estudantes de uma instituição pública federal de um município na região Centro-Oeste, Brasil, 2021

Quanto aos fatores biológicos, houve equiparação de sexos, com predominância de adolescentes mais velhos (16-18 anos), de etnia branca ou parda, declaração unânime de não pertencimento ao grupo de risco e maioria sem histórico de diagnóstico confirmado ou suspeita de Covid-19 (n=13). Ainda quanto ao cuidado da saúde, declararam conhecimento sobre a situação vacinal (n=13) e avaliação médica anual (n=8). Destaca-se a relevância de alterações de peso e da alimentação com significativa composição de alimentos processados (n=8).

Na oficina virtual, ratificaram-se as repercussões físicas de uma rotina mais inativa e a falta de atenção com o corpo.

Eu fiquei sedentário nessa quarentena, fiquei cheio de dor. (E8)

Às vezes, a gente está tão, é, com a cabeça focada em tantas outras coisas que a gente nem lembra que tem um corpo pra cuidar, e também só vai fazendo o que a rotina manda e esquece do próprio corpo, sabe?! (E3)

Em relação aos fatores psicológicos, no questionário, os estudantes responderam questões abertas sobre a autopercepção da autoestima, a motivação, o sono e o cuidado com a saúde mental. No compilado dessas respostas, apreende-se que houve mudanças significativas, sendo pontuadas como causas as incertezas do momento pandêmico e a falta de rotina.

No início, era meio chato ficar parado [...] quando a aula passou a ser on-line, eu comecei a dormir mais tarde, já que não precisava ir pra escola. (E5)

Antes da pandemia, meu sono era muito regulado. Atualmente, durmo muito tarde e acordo muito tarde. (E14)

No início, passei algumas noites sem dormir por estar muito preocupada, com medo. Demorei um pouco até me acostumar com toda a situação e algumas vezes ainda tenho dificuldade para ter sono, mesmo cansada. (E11)

Como estratégias para o cuidado com a saúde mental, os estudantes relataram atividades de leitura, jogos, assistir séries, diálogo, meditação, artesanato e atividade física. Para a compreensão dos sentimentos vivenciados, uma questão solicitava que assinalassem os sentimentos com os quais mais se identificassem. Essa lista de sentimentos, advinda do referencial da Comunicação Não-Violenta, como tecnologia leve de cuidado, permite reconhecer as necessidades humanas atendidas ou não(1515 Fernandes H, Horta ALM. Nursing and light technologies for a peace culture within the family. Rev Bras Enferm. 2018;71(Suppl 6):2854-7. https://doi.org/10.1590/0034-7167-2017-0756
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). Dessa forma, a maioria dos estudantes (n=11) assinalou sentimentos relacionados às necessidades atendidas (calmo, feliz, esperançoso, satisfeito) e seis assinalaram apenas aqueles que dizem respeito às necessidades não atendidas (triste, ansioso, exausto, sozinho).

Na oficina virtual, os efeitos psicológicos dessa rotina foram confirmados em relatos que compartilham experiências de sentimentos extremos.

Eu senti ter a energia pra fazer as coisas, pra estar ali com as pessoas, mas não poder. Eu ficava com a hiperatividade. (E10)

Às vezes, eu tô agitada, sem ter o que fazer, e, às vezes, eu começo a pensar coisa inútil. (E12)

Mesmo que passou por momentos difíceis, tá passando, eu acredito que a vitória não tá perdida. (E6)

Tem uns sentimentos que tá rodando minha cabeça, que eu sinto que tem um vazio. Acabou aquela movimentação da minha vida, acabou totalmente. Eu fazia um monte de coisa, agora eu só faço poucas coisas. E isso afeta, me deixa meio na bad vibe. (E2)

A gente tá vivendo um período muito complicado e a nossa saúde mental tá um turbilhão. (E13)

A gente fica meio confuso nesse momento, que nem eu falei, nessa questão de saúde mental a gente fica meio louco. Parece que é só com a gente. (E3)

No que diz respeito aos fatores socioculturais relacionados à Covid-19, apesar de nenhum dos estudantes se declarar com fator de risco, a maioria deles (n=09) relatou residir com alguém enquadrado como tal. Na oficina virtual, os estudantes compartilharam os desafios do isolamento social que impôs uma rotina em casa: a organização do tempo, a convivência familiar e a restrição de contatos sociais. Tais desafios são apresentados nas falas a seguir:

Dentro de casa, percebe que o tempo não vai rápido quanto espera, ele vai curto. (E16)

O tempo demorava demais pra passar. Eu ficava sem saber o que fazer. Não tinha ninguém pra conversar, me sentia bem solitária. (E15)

Foi bem difícil ficar sozinho em casa e, óbvio, tem meus pais e tal, mas não é a mesma coisa que ter os amigos por perto. (E1)

Guardada nessa quarentena, quietinha na minha casa, guardada. (E13)

A gente tá distante, cada um na sua casa, e principalmente do meu pai, porque agora ele não tá em casa e muita coisa aconteceu no final do ano. (E11)

Sempre que eu tô me sentindo pra baixo assim, meu irmão está do meu lado, sempre. (E9)

Em relação às atividades escolares não presenciais, os estudantes expressaram o sentimento de frustração e preocupação, uma vez que, na sua percepção, a presença na escola é importante para o aprendizado efetivo.

Eu acho que o que mais estragou e que dificultou é a minha aprendizagem na escola, porque, pra mim, eu sou uma pessoa que tem dificuldade. Eu preciso tá lá, prestando a atenção, de ajuda, e eu acho que esse tempo passou rápido. Não deu pra eu aprender tanta coisa que nem eu aprenderia na escola. (E14)

Aconteceu tanta coisa e, ao mesmo tempo, a gente ficou estacionado, sabe?! (E3)

Comportamento anterior

No MPS, esse componente propõe uma análise situacional dos hábitos e das condições de vida(88 Pender NJ, Murdaugh CL, Parsons MA. Health promotion in nursing practice. 7 ed. Boston: Pearson; 2014. 368 p.). Assim, pode-se apreender, principalmente a partir da técnica do objeto intermediário, que os estudantes relacionam as percepções de saúde com práticas de entretenimento que os auxiliam nos desafios vivenciados com o isolamento social.

Eu gosto de ouvir música, eu fico o dia todo ouvindo. A música eu acho muito da hora, acalma demais ou, às vezes, anima, depende da música. (E8)

Toda vez que eu colocava uma música animada, eu conseguia me sentir animado, independente do que estivesse acontecendo ao meu redor. (E7)

Música me acalma, me tranquiliza e consigo pensar melhor. (E12)

Assistir Fórmula 1, é um esporte que meu pai gosta, que é sagrado todo domingo de manhã assistir Fórmula 1 junto, porque era pra gente fugir da realidade. Me ajudou. (E1)

Ficar jogando com meus amigos era o que gastava meu tempo. (E5)

Fazer artesanato foi uma coisa que me distraiu bastante [...] e o celular pelo fato de ajudar eu me aproximar das pessoas, já que a gente está tão distante. (E11)

Desse modo, nas manifestações feitas no debate, principalmente a partir do grupo “Meu estilo de vida é sem limites”, o período anterior à pandemia sobressaiu-se como referência de aproveitamento da vida. Por sua vez, a experiência da realidade pandêmica, (i)limitada, emergiu como justificativa na construção de propósitos supostamente inconsequentes.

Antes da pandemia a gente, tipo, aproveitava muito e não sabia, a gente era, por exemplo, entre aspas, bem mais feliz do que agora que a gente não pode sair. Então, acho que a gente tem aquele pensamento, tipo, ah queria ter aproveitado mais, devia ter aproveitado mais e agora não tem tanto... não tem muito o que a gente aproveitar mais... entenderam?! [risos]. (E14)

A gente tem que aproveitar pra gente não se arrepender depois, é... não deixar pra depois o que a gente pode fazer agora [risos]. (E3)

A gente aproveita o que a gente tem agora, o que a gente tem hoje, porque amanhã é uma incerteza, né?! Então, a gente vive tudo muito intenso porque a gente não sabe o que pode ou não acontecer amanhã. (E12)

A fim de apreender as perspectivas dos estudantes no cenário vivenciado, foi proposta a técnica da cadeira vazia, na qual cada estudante promoveu um tema como candidato a Ministro da Saúde. Nessa etapa, destacaram-se a vacinação e a prioridade com a qualidade de vida.

Vacinas para todos e vidas acima de qualquer quantia. (E12)

Vacine-se, proteja quem você ama. (E11)

Aproveitar e viver intensamente pra fazer valer a pena e não ser mais só um número. (E3)

Faça tudo o que você tenha vontade e aproveite o hoje. (E13)

Não deixe de espalhar amor, o tempo é curto. (E14)

Viva intensamente, mas com responsabilidade. (E16)

O importante não é quantos anos de vida, mas sim quantos anos de saúde. (E15)

DISCUSSÃO

A análise de saúde do adolescente por meio do MPS mostrou-se profícua, principalmente porque, ao utilizar de estratégias participativas, expressou, na perspectiva dos próprios adolescentes, os significados dos impactos vivenciados na pandemia, demonstrados quantitativamente no inquérito ConVid Adolescentes(44 Malta DC, Gomes CS, Barros MBA, Lima MG, Silva AG, Cardoso LSM, et al. The COVID-19 pandemic and changes in the lifestyles of Brazilian adolescents. Rev Bras Epidemiol. 2021;24: e210012. https://doi.org/10.1590/1980-549720210012
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). A intervenção via questionário e oficina foi abrangente e complementar, pois, para a promoção da saúde comunitária, a mudança deve ocorrer nos diferentes níveis, começando pelos indivíduos e se deslocando para a comunidade como um todo(88 Pender NJ, Murdaugh CL, Parsons MA. Health promotion in nursing practice. 7 ed. Boston: Pearson; 2014. 368 p.).

Quanto aos Fatores Pessoais biológicos, foi significante a percepção referida de mudança de peso e aumento na frequência de consumo de alimentos processados, adicionada com os relatos na oficina quanto ao sedentarismo dos participantes. Os achados do estudo corroboram o inquérito, que comparou hábitos antes e durante a pandemia, evidenciando aumento nas prevalências de consumo de pratos congelados, chocolates e doces, do tempo em frente às telas, bem como a consequente diminuição da prática de atividade física(44 Malta DC, Gomes CS, Barros MBA, Lima MG, Silva AG, Cardoso LSM, et al. The COVID-19 pandemic and changes in the lifestyles of Brazilian adolescents. Rev Bras Epidemiol. 2021;24: e210012. https://doi.org/10.1590/1980-549720210012
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).

A falta de rotina, apontada pelos adolescentes, ocorre devido a não precisarem ir à escola, o que interfere na construção de hábitos como sono e alimentação. Estudo que utilizou o MPS com adolescentes egípcias mostrou que o determinante do consumo de café da manhã mais poderoso foi relacionado à atividade, como ir para escola, sendo afetado direta e indiretamente, de modo a reduzir as barreiras percebidas(1616 Mehrabbeik A, Mahmoodabad SSM, Khosravi HM, Fallahzadeh H. Breakfast consumption determinants among female high school students of Yazd Province based on Pender's Health Promotion Model. Electron Physician. 2017;9(8):5061-7. https://doi.org/10.19082/5061
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).

Barreiras percebidas e influências situacionais, também componentes do MPS, favorecem a redução dos níveis de atividade física entre adolescentes, conforme ratificou outro estudo com adolescentes iranianas(1717 Borhani M, Sadeghi R, Shojaeizadeh D, Harandi TF, Vakili MA. Teenage girls' experience of the determinants of physical activity promotion: a theory-based qualitative content analysis. Electron Physician. 2017;9(8):5075-82. https://doi.org/10.19082/5075
https://doi.org/10.19082/5075...
). Antes da pandemia, tais barreiras e influências eram relacionadas ao excesso de atividades escolares ou à falta de instalações para tais práticas(1717 Borhani M, Sadeghi R, Shojaeizadeh D, Harandi TF, Vakili MA. Teenage girls' experience of the determinants of physical activity promotion: a theory-based qualitative content analysis. Electron Physician. 2017;9(8):5075-82. https://doi.org/10.19082/5075
https://doi.org/10.19082/5075...
). No atual contexto, a necessidade de isolamento social impõe condições como uso de máscara, proibição de práticas grupais e fechamento de escolas e clubes, o que pode inibir ou desestimular a atividade física. Isso pode ser confirmado no inquérito ConVid Adolescentes, o qual revelou que a maioria dos adolescentes brasileiros (71,5%) aderiu às medidas de restrição social, principalmente de modo total ou intenso, saindo só para supermercados, farmácias ou casa de familiares(55 Fundação Osvaldo Crus (Fiocruz). ConVid adolescentes: pesquisa de comportamentos. [Internet]. Rio de Janeiro: Fiocruz; 2020[cited 2021 Jun 15]. Available from: https://convid.fiocruz.br/index.php?pag=principaladolescentes
https://convid.fiocruz.br/index.php?pag=...
).

Assim, na análise dos fatores psicológicos, obtidos no questionário e na oficina, os estudantes compartilharam sentimentos e experiências desafiadoras, ratificando o potencial terapêutico da oficina, na qual puderam compartilhar e reconhecer as vivências de seus pares, bem como compararam o momento educativo propiciado com outras experiências virtuais não satisfatórias restritas às atividades pedagógicas. Para Paulo Freire, a essência da verdadeira educação é o diálogo, pois é por meio deste que o mundo é significado e transformado, sendo possível entre os atores envolvidos sob as premissas que respaldam a horizontalidade e a intencionalidade de construção de saberes(1212 Freire P. Pedagogia do oprimido. 71 ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra; 2019. 283 p.). Desse modo, concebido pela palavra no ato de pronunciar o mundo, o autêntico diálogo é possível e deve ser estimulado, mesmo na modalidade remota imposta, principalmente porque reflete a aproximação da realidade contemporânea permeada por tecnologias, agregando tanto os estudantes(1818 Monteiro RJS, Oliveira MPCA, Belian RB, Lima LS, Santiago ME, Gontijo DT. Decidix: meeting of the Paulo Freire pedagogy with the serious games in the field of health education with adolescents. Cien Saude Colet. 2018;23(9):2951-62. https://doi.org/10.1590/1413-81232018239.12782018
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-1919 Labegalini CMG, Nogueira IS, Rodrigues DMMR, Almeida EC, Bueno SMV, Baldissera VDA. Educational action research on Facebook®: combining leisure and learning. Rev Gaúcha Enferm. 2016;37:e64267. https://doi.org/10.1590/1983-1447.2016.esp.64267
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) quanto os professores, que também enfrentam desafios desse contexto(2020 Souza JB, Heidemann ITSB, Bitencourt JVOV, Aguiar DCM, Vendruscolo C, Vitalle MSS. Coping with Covi-19 and possibilities to promote health: dialogues with teachers. Rev Enferm UFSM. 2021;11, e12, 1-24. https://doi.org/10.5902/2179769261363
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).

Pender destacava, mesmo antes da pandemia, a importância do uso da tecnologia para a promoção da saúde, já que essa tem sido cada vez mais intrínseca ao cotidiano dos adolescentes(88 Pender NJ, Murdaugh CL, Parsons MA. Health promotion in nursing practice. 7 ed. Boston: Pearson; 2014. 368 p.). Assim, as redes sociais, por exemplo, podem auxiliar no combate às barreiras internas e externas. Ademais, os efeitos dessas vivências mediadas por tecnologias no desenvolvimento neurológico e nas interações humanas só poderão ser considerados no longo prazo(2121 Figueiredo CS, Sandre PC, Portugal LCL, Mázala-de-Oliveira T, Chagas LS, Raony I, et al. COVID-19 pandemic impact on children and adolescents' mental health: biological, environmental, and social factors. Prog neuro-psychopharmacol biol psychiatr. 202;106(2):110171. https://doi.org/10.1016/j.pnpbp.2020.110171
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).

Nesse ínterim, sobressaem os fatores sociais, em que os estudantes relataram os desafios: a restrição a contatos e das vivências compartilhadas familiares. Pender traz estratégias instrutivas, da listagem de pessoas no convívio da criança e adolescente, que lhes possibilitem suporte social, seja informativo, emocional, de avaliação e instrumental, bem como a frequência e o tipo de contato desses que podem ser fontes de apoio(88 Pender NJ, Murdaugh CL, Parsons MA. Health promotion in nursing practice. 7 ed. Boston: Pearson; 2014. 368 p.).

É válido dizer que os seres humanos são inerentemente sociais e, portanto, a adolescência é uma época de mudanças psicossociais entre a infância e a idade adulta, sendo a escola um dos ambientes sociais mais importantes. Assim, é evidente a situação preocupante que muitas crianças e adolescentes se viram, privadas desse contexto(2121 Figueiredo CS, Sandre PC, Portugal LCL, Mázala-de-Oliveira T, Chagas LS, Raony I, et al. COVID-19 pandemic impact on children and adolescents' mental health: biological, environmental, and social factors. Prog neuro-psychopharmacol biol psychiatr. 202;106(2):110171. https://doi.org/10.1016/j.pnpbp.2020.110171
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). No tocante aos desafios, muitas dificuldades foram encontradas para acompanhar as aulas no ensino a distância: 59% relataram falta de concentração, 38,3% falta de interação com os professores e 31,3% falta de interação com os amigos(55 Fundação Osvaldo Crus (Fiocruz). ConVid adolescentes: pesquisa de comportamentos. [Internet]. Rio de Janeiro: Fiocruz; 2020[cited 2021 Jun 15]. Available from: https://convid.fiocruz.br/index.php?pag=principaladolescentes
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).

No entanto, esse impacto psicossocial ainda é pouco reconhecido pela sociedade e pelos próprios adolescentes. Afirma-se isso quando estes expressam os prejuízos de não estarem na escola apenas pelo reconhecimento de déficit de conhecimento e assimilação de conteúdo, que também é uma questão que não pode ser negligenciada.

Em relação ao Comportamento Anterior, a percepção de saúde relacionada às possibilidades de entretenimento durante o isolamento social, ou na comparação com a vivência anterior à pandemia, remonta à aproximação da essência do objeto saúde através da articulação dialética sócio-histórica, bem como à produção de saúde como a produção da própria vida e das subjetividades(2222 Silva MJS, Schraiber LB, Mota A. The concept of health in collective health: contributions from social and historical critique of scientific production. Physis. 2019;29(1):e290102. https://doi.org/10.1590/S0103-73312019290102
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). Pender destaca que as percepções e interpretações dos indivíduos sobre o que vivenciam afetam diretamente seus comportamentos(88 Pender NJ, Murdaugh CL, Parsons MA. Health promotion in nursing practice. 7 ed. Boston: Pearson; 2014. 368 p.). Por isso, é importante esclarecer o valor e o significado da saúde antes de desenvolver um plano de mudança.

No âmbito coletivo, Paulo Freire respalda que o compartilhamento da realidade permite a consciência dos enfrentamentos vivenciados, as “situações-limite”, ora despercebidas ou encaradas como barreiras insuperáveis. A partir do diálogo como encontro efetivo dos homens para ser mais, é possível descobrir o inédito viável, sobre o qual se define a ação(1212 Freire P. Pedagogia do oprimido. 71 ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra; 2019. 283 p.).

No inquérito brasileiro, 30% dos participantes referiram piora de sua saúde durante a pandemia(55 Fundação Osvaldo Crus (Fiocruz). ConVid adolescentes: pesquisa de comportamentos. [Internet]. Rio de Janeiro: Fiocruz; 2020[cited 2021 Jun 15]. Available from: https://convid.fiocruz.br/index.php?pag=principaladolescentes
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). Logo, conhecer as estratégias que os adolescentes identificam como salutares é importante, vez que representam pontos fortes a serem utilizados para implementar as intervenções educacionais, favorecendo o acesso e a adesão dos jovens ao que for proposto no ambiente escolar(88 Pender NJ, Murdaugh CL, Parsons MA. Health promotion in nursing practice. 7 ed. Boston: Pearson; 2014. 368 p.).

A partir da análise de diversos estudos, autores corroboram que impactos negativos como os relatados são esperados no curto prazo da vivência do isolamento social, sendo premente agir sobre eles a fim de mitigá-los, pois podem repercutir em efeitos de longo prazo, com comprometimentos neurológicos, psiquiátricos, psicológicos, hormonais e suas correlações, aspectos fundamentais para esses que se encontram numa fase de pleno desenvolvimento dessas funções - a adolescência(2323 Naeem SB, Bhatti R, Khan A. An exploration of how fake news is taking over social media and putting public health at risk. Health Info Libr J. 2020;25:e72627. https://doi.org/10.1111/hir.12320
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).

Na ação dramática realizada, na qual os estudantes promovem suas propostas sob o imaginário de candidato a Ministro da Saúde, foi possível dar voz a esses atores sociais que pouco têm sido escutados sobre suas necessidades. O empoderamento, possibilitado pela expressão do imaginário, favorece o enfrentamento e a promoção da saúde, pois ambos se baseiam no pressuposto de que os indivíduos têm capacidade de generalização, de planejar e de promover mudanças(88 Pender NJ, Murdaugh CL, Parsons MA. Health promotion in nursing practice. 7 ed. Boston: Pearson; 2014. 368 p.,1313 Romaña MA. Pedagogia psicodramática e educação consciente: mapa de um acionar educativo. Campo Grande: Entre Nós; 2019. 118 p.).

Nesse momento, as falas que sobressaíram sobre vacinas e qualidade de vida fizeram frente ao cenário de Infodemia, que consiste na superabundância de informações, precisas ou não, durante uma epidemia(2323 Naeem SB, Bhatti R, Khan A. An exploration of how fake news is taking over social media and putting public health at risk. Health Info Libr J. 2020;25:e72627. https://doi.org/10.1111/hir.12320
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), em direção à desmitificação da realidade, que corresponde ao desvelamento crítico(1212 Freire P. Pedagogia do oprimido. 71 ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra; 2019. 283 p.). Segundo Freire, interessa aos opressores mitificar o mundo para manter a dominação, no entanto, ninguém pode desvelar o mundo ao outro(1212 Freire P. Pedagogia do oprimido. 71 ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra; 2019. 283 p.). Por isso, a promoção da saúde é potencializada em relações dialógicas, pois possibilita romper com as mazelas da mitificação a partir dos próprios sujeitos.

O MPS é uma ferramenta importante para a promoção da saúde de crianças e adolescentes no contexto da pandemia, principalmente porque tem a proposta de orientar, identificar e medir resultados influenciados pelas ações de enfermagem, sendo a nível individual, da família ou comunidade, bem como nas projeções a curto, médio ou longo prazo(88 Pender NJ, Murdaugh CL, Parsons MA. Health promotion in nursing practice. 7 ed. Boston: Pearson; 2014. 368 p.). Tais achados ratificam as conclusões de outros estudos que compararam essa intervenção, apresentando melhoras significativas dos hábitos saudáveis e dos índices corporais em relação a grupos controle, que não utilizaram o MPS(2424 Elseifi OS, Abdelrahman DM, Mortada EM. Effect of a nutritional education intervention on breakfast consumption among preparatory school students in Egypt. Int J Public Health. 2020;65(6):893-903. https://doi.org/10.1007/s00038-020-01439-7
https://doi.org/10.1007/s00038-020-01439...
-2525 Fidanci BE, Akbayrak N, Arslan F. Assessment of a health promotion model on obese turkish children. J Nurs Res. 2017;25(6):436-46. https://doi.org/10.1097/JNR.0000000000000238
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).

Limitações do estudo

Como limitações desta pesquisa, pode-se apontar o recorte de uma parcela da população formada por estudantes que dispunham de recursos como computador e internet, balizando as perspectivas de um contexto socioeconômico diferenciado da realidade de muitos adolescentes brasileiros.

Por ser uma vivência virtual, têm-se também as restrições impostas por esse formato que limita a apreensão da linguagem corporal. Nessas situações, é importante que os pesquisadores/educadores estejam atentos aos outros tipos de linguagem e formas de interação, bem como aos silêncios epistemológicos e seus significados representados na falta de interação, câmera fechada ou perda de conexão, que podem ser intencionais.

Contribuições para a área da Enfermagem

Esta pesquisa ratifica o MPS como uma ferramenta que propicia ao enfermeiro uma prática orientada sobre a situação de saúde, com levantamento de aspectos fundamentais para a promoção da saúde. Demonstra, assim, a possibilidade da elaboração desses aspectos, por meio de estratégias participativas e de tecnologias que favorecem o engajamento do grupo e o compartilhamento das vivências nos diversos momentos planejados.

Contribui para o meio científico, com a emersão das perspectivas dos adolescentes no contexto da pandemia, as quais devem constituir foco das ações voltadas à saúde do adolescente. Representa, ainda, a importância da Enfermagem Escolar como espaço de atuação profissional determinante para a promoção da saúde.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Foi possível construir um conhecimento sobre as vivências e perspectivas de saúde dos adolescentes em face à pandemia de Covid-19. Pode-se conceber o tema da saúde mental como protagônico na oficina, permeando a realidade dos adolescentes na condição de distanciamento social. Além disso, destaca-se que a própria oficina foi por sua natureza uma vivência coletiva e, portanto, terapêutica no sentido de que permitiu o encontro para além das rotinas escolares e os atravessamentos de cada história singular identificada como coletiva.

Sugere-se, como complemento à presente investigação, a realização de estudos e programas participativos com vistas ao acolhimento e à saúde mental, considerando ainda as muitas possibilidades do MPS, dos referenciais emancipatórios e das tecnologias de informação e comunicação.

  • FOMENTO
    O presente trabalho foi realizado com apoio da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior - Brasil (CAPES) - Código de financiamento 001.

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Editado por

EDITOR CHEFE: Antonio José de Almeida Filho
EDITOR ASSOCIADO: Alexandre Balsanelli

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    29 Jul 2022
  • Data do Fascículo
    2022

Histórico

  • Recebido
    01 Out 2021
  • Aceito
    16 Fev 2022
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