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Economizando mais de R$ 85 bilhões ao Regime Geral de Previdência Social do Brasil: o caso do PRBI

Resumo

O número de benefícios de auxílio-doença vem caindo drasticamente desde 2016. Este artigo mostra que o Programa de Revisão dos Benefícios por Incapacidade (PRBI) é fundamental para entender essa dinâmica, e estima que o Programa seja responsável por uma economia de mais de R$ 85 bilhões ao Regime Geral de Previdência Social.

Palavras-chave:
previdência social; benefícios por incapacidade; auxílio-doença

Abstract

Since 2016, the number of recipients of incapacity allowance in Brazil has been continuously falling. This article presents the program of incapacity benefits assessment (PRBI) to help understand the dynamics around incapacity allowance and similar benefits. The study shows that the PRBI can save more than R$ 85 billion of the budget allocated to social security in the country.

Keywords:
social security; incapacity benefits; program assessment

Resumen

El número de beneficiarios de subsidios por incapacidad laboral ha disminuido drásticamente desde 2016. Este artículo muestra que el Programa para la Evaluación de Subsidios por Incapacidad Laboral (PRBI) es clave para entender esta dinámica y es responsable de una economía de más de R$ 85 mil millones para el Régimen General de Previsión Social de Brasil.

Palabras clave:
seguridad social; subsidios por incapacidad laboral; evaluación de programas

1. INTRODUÇÃO

A Previdência Social no Brasil cresceu em ritmo acelerado nos últimos anos (Gráfico 1), levando o Congresso Nacional a aprovar recentemente, após anos de discussões, uma ampla reforma no sistema. Ainda, o debate público em torno do tema permitiu identificar uma série de ações com potencial de melhorar a eficiência de sua gestão. Um exemplo nesse sentido foi a observação de que nem todos os benefícios por incapacidade estavam passando periodicamente por revisão médico-pericial, ao contrário do previsto pela legislação.

Gráfico 1
Quantidade de benefícios pagos pela Previdência Social (em milhões) de 1999 a 2019 (dezembro)

O sistema de previdência social brasileiro apresenta dois tipos principais de benefícios por incapacidade: o auxílio-doença e a aposentadoria por invalidez. A evolução desses dois benefícios ao longo do tempo é bastante distinta (Gráfico 2), visto que a aposentadoria por invalidez cresce continuamente.

Gráfico 2
Auxílio-doença e aposentadoria por invalidez (número de benefícios, em milhões), 1999-2019 (dezembro)

Uma análise de picos e vales (Gráfico 3) sobre o número de beneficiários do auxílio-doença revela dois picos (outubro de 2005 e fevereiro de 2010) e um vale (agosto de 2016). Esse resultado é um tanto surpreendente, pois esse tipo de oscilação na incidência de incapacidade na população não é algo esperado. Para Marinho, Resende, e Lucas (2017Marinho, H., Resende, M., F F Filho, & Lucas, V. M. (2017). Análise do impacto da alteração normativa na aposentadoria por invalidez no Brasil. Nova Economia, 27(3) 551-576.), o auxílio-doença é um benefício de risco, ou seja, não depende diretamente das escolhas dos beneficiários. A oscilação, portanto, coloca em dúvida a credibilidade do sistema, ensejando discussões sobre a necessidade de reformá-lo, como observado nos artigos de Liebman (2015Liebman, J. (2015). Understanding the Increase in Disability Insurance Benefit Receipts in the United States. Journal of Economic Perspectives, 29(2) 123-150.) e Banks, Blundell, e Emmerson (2015Banks, J., Blundell, R., & Emmerson, C. (2015). Disability Benefit Receipt and Reform: Reconciling Trends in the United Kingdom. Journal of Economic Perspectives, 29(2) 173-190.).

Gráfico 3
Número de benefícios de auxílio-doença pagos entre 2001 e 2019

A queda no número de benefícios desde 2016 foi tão expressiva que a folha de pagamento do auxílio-doença tem caído todos os anos: o número de benefícios pagos ao final de 2019 foi o menor desde 2003, custando ao sistema de previdência o montante de R$ 20,1 bilhões anuais.

O presente artigo tem por objetivo discutir o quanto o Programa de Revisão dos Benefícios por Incapacidade (PRBI) explica esse movimento. Entendê-lo é importante, especialmente à luz de autores como Coile, Milligan, e Wise (2014Coile, C., Milligan, K., & Wise, D. (2014). Social Security Programs and Retirement Around the World: Disability Insurance Programs and Retirement - Introduction and Summary(NBER Working Paper Series, n. 20120). Cambridge, MA: National Bureau of Economic Research.), Autor, Duggan, Greenberg, e Lyle (2015Autor, D., Duggan, M., Greenberg, K., & Lyle, D. (2015). The Impact of Disability Benefits on Labor Supply: Evidence from the VA’s Disability Compensation Program (NBER Working Paper Series, 21144). Stanford, CA: Stanford Institute for Economic Policy Research.), e Mullen e Staubli (2016)Muellen, K., & Stefan, S. (2016). Disability Benefit Generosity and Labor Force Withdrawal (NBER Working Paper Series n. 22419). Cambridge, MA: National Bureau of Economic Research ., que oferecem evidências de que mudanças na generosidade dos benefícios por incapacidade têm impactos socioeconômicos, afetando o mercado de trabalho e, particularmente, a participação da população na força de trabalho.

Este artigo traz três contribuições principais. Primeiro, fazemos uma extensão do modelo de Liebman (2015Liebman, J. (2015). Understanding the Increase in Disability Insurance Benefit Receipts in the United States. Journal of Economic Perspectives, 29(2) 123-150.), para avaliar o impacto de mudanças não lineares nas regras de duração dos benefícios sobre o número de beneficiários do auxílio-doença. Segundo, demonstramos como o modelo pode ser usado para calcular o impacto econômico do PRBI e, finalmente, aplicamos o modelo ampliado oferecendo, até onde sabemos, a primeira avaliação do Programa.

O artigo está dividido em cinco seções, incluindo essa introdução. Nas próximas duas apresentamos e discutimos o auxílio-doença e o PRBI, bem como a ampliação e calibração do modelo de Liebman (2015Liebman, J. (2015). Understanding the Increase in Disability Insurance Benefit Receipts in the United States. Journal of Economic Perspectives, 29(2) 123-150.). Na quarta parte estimamos o impacto do PRBI no orçamento da Previdência Social brasileira e no número de beneficiários do auxílio-doença, apresentando as conclusões na quinta, e última, seção.

2. O AUXÍLIO-DOENÇA E O PRBI

O contribuinte da previdência social que se considerar incapacitado para o trabalho pode requerer o auxílio-doença. Após o requerimento, o Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) faz uma avaliação médico-pericial, e concede o benefício quando devido, em caráter temporário e com data de rescisão definida. Como é difícil antecipar exatamente a duração da incapacidade, se o segurado não se considerar em condições de retornar ao trabalho na data prevista para o término do benefício, ele pode agendar uma reavaliação médica e solicitar a prorrogação do benefício. O tempo previsto para o cancelamento do benefício não pode ultrapassar dois anos, de maneira que os benefícios concedidos possam ser revisados periodicamente. Os segurados que tiveram requerimentos do auxílio recusados não raramente recorrem da decisão judicialmente e, em muitos casos, conseguem revertê-la.

A revisão periódica do benefício é importante, pois muitos dos determinantes de incapacidade são temporários, e a concessão do auxílio pode ser subjetiva - como mostram os estudos de Okpatu, Sibulkin, e Schenzler (1994)Okpaku, S., Sibulkin, A. E., & Christoph, S. (1994). Disability determinations for adults with mental disorders: Social Security Administration vs independent judgments. American Journal of Public Health, 84(11) 1791-1795. e Marasciulo (2004Marasciulo, A. C. (2004). Performance assessment of the program of incapacity benefits of the Instituto Nacional do Seguro Social /INSS, management branch of Florianópolis, SC, 2000-2002 (Doctoral Dissertation). Faculdade de Medicina, Universidade de São Paulo, São Paulo, SP.) - uma vez que ‘incapacidade’ é um conceito muito mais subjetivo do que o de doença. Além disso, causas de incapacidade de difícil diagnóstico têm se tornado cada vez mais comuns nos últimos anos, como é o caso das dores nas costas (Meziat & Silva, 2011Meziat Filho, Ney and Silva, Gulnar. (2011). Invalidez por dor nas costas entre segurados da Previdência Social do Brasil. Revista de Saúde Pública, 45(3) 494-502.).

Conforme discutido anteriormente, não há uma explicação óbvia para a alta oscilação dos números do auxílio-doença no Brasil. Embora mais frágeis, a partir dos anos 1990 (Mueller, Rothstein, & Watcher, 2016Mueller, A., Rothstein, J., & Watcher, T. (2016). Unemployment Insurance and Disability Insurance in the Great Recession. Journal of Labor Economics, 34(S1) S445-S475.) surgiram evidências de que, em alguns países, os pedidos de auxílio-doença são anticíclicos e relacionados às taxas de desemprego (Coe, Haverstick, Munnell, & Webb, 2011Coe, N., Haverstick, K., Munnell, A., & Webb, A. (2011). What Expains State Variation in SSDI Application Rates? (CRR WP 2011-23). Newton, MA: Center for Retirement Research at Boston College.; Duggan & Imberman, 2009Duggan, M., & Imberman, S. (2009). Why are the Disability Rolls Skyrocketing? The Contribution of Population Characteristics, Economic Conditions, and Program Generosity. In: D. Cutler, & D. Wise (Ed.), Health at Older Ages: The Causes and Consequences of Declining Disability among the Elderly. Chicago, IL: University of Chicago Press.; Mueller et al., 2016Muellen, K., & Stefan, S. (2016). Disability Benefit Generosity and Labor Force Withdrawal (NBER Working Paper Series n. 22419). Cambridge, MA: National Bureau of Economic Research .; Von Watcher, Song, & Manchester, 2011Von Watcher, T., Song, J., & Manchester, J. (2011). Trends in Employment and Earnings of Allowed and Rejected Applicants to the Social Security Disability Insurance Program. American Economic Review, 101, 3308-3329.). Contudo, para Maestas, Mullen, e Strand (2015Maestas, N., Mullen, K., & Strand, A. (2015). Disability Insurance and the Great Recession. American Economic Review: Papers & Proceedings, 105(5) 177-182.), apesar de os períodos de recessão aumentarem essas requisições, a maior parte delas é rejeitada. Além disso, Liebman (2015Liebman, J. (2015). Understanding the Increase in Disability Insurance Benefit Receipts in the United States. Journal of Economic Perspectives, 29(2) 123-150.) e Banks et al. (2015Banks, J., Blundell, R., & Emmerson, C. (2015). Disability Benefit Receipt and Reform: Reconciling Trends in the United Kingdom. Journal of Economic Perspectives, 29(2) 173-190.) sugerem que as tendências demográficas, as condições médicas da população e as regras aplicadas à concessão dos benefícios são os fatores que melhor explicam a variação da incidência do auxílio-doença entre os países. Reforçando essa visão, para Coile et al. (2014Coile, C., Milligan, K., & Wise, D. (2014). Social Security Programs and Retirement Around the World: Disability Insurance Programs and Retirement - Introduction and Summary(NBER Working Paper Series, n. 20120). Cambridge, MA: National Bureau of Economic Research.) a generosidade na concessão dos benefícios pode explicar a maior parte da variação observada na quantidade de pessoas recebendo benefícios por incapacidade nos diferentes países.

No Brasil, não há associação clara entre o ciclo econômico e os pedidos por auxílio-doença: não há correlação entre emprego formal e as tendências sobre o auxílio (Gráfico 4), nem entre os pedidos e a taxa de desocupação (Gráfico 5).

Gráfico 4
Pedidos de auxílio-doença e número de trabalhadores formais (2012 a 2018)

Gráfico 5
Pedidos de auxílio-doença e desocupação (2012 a 2018)

Além disso, o número de requerimentos não parece ter mudado antes, durante ou depois das quatro crises econômicas ocorridas no Brasil desde 2001 (CODACE, 2017), como mostra o Gráfico 6.

Gráfico 6
Pedidos de auxílio-doença antes, durante ou depois de momentos de recessão no Brasil

Por outro lado, os requerimentos de auxílio-doença (canal pelo qual se observa como o ciclo econômico afeta o número de benefícios concedidos), bem como o seu número de concessões e cancelamentos, oscilam em torno da mesma média desde 2005 (Gráfico 7).

Gráfico 7
Pedidos de auxílio-doença, benefícios concedidos e cancelados (2001-2017)

Com essas evidências, é difícil explicar a oscilação nos números referentes ao auxílio-doença, ou sua recente queda, com base apenas no ciclo econômico.

A trajetória mais recente de queda nos benefícios do auxílio-doença se iniciou por volta de agosto de 2016, quando o Ministério do Desenvolvimento Social (MDS) identificou, de um total de 1.827.225 benefícios, 563.771 auxílios-doença concedidos há mais de dois anos e sem data de rescisão programada (Ministério do Desenvolvimento Social, 2018Ministério da Previdência Social. (2014). 2° Boletim Quadrimestral sobre Benefícios por Incapacidade. Brasília, DF.).

Obtivemos esse banco de dados no MDS (Ministério do Desenvolvimento Social, 2018Ministério do Desenvolvimento Social. (2018). PRBI, o maior programa de revisão de benefícios por incapacidade da história do INSS (Caderno de Estudos, 33). Brasília, DF: Author.) e, após a exclusão de dados ausentes, inconsistentes ou incompletos, encontramos 476.163 benefícios (Gráfico 8). Desses, 99,7% haviam sido concedidos mais de quatro anos antes da data de lançamento do PRBI (agosto 2016) e 238.902 haviam sido concedidos por decisão judicial (50,2%). Tais números chamam a atenção, uma vez que a média mensal de concessões de auxílio-doença nos dez anos anteriores à data de início do PRBI (entre setembro de 2004 a agosto de 2014) foi de 189.145, sendo apenas 2,23% delas judiciais.

Gráfico 8
Duração de todos os 476.163 benefícios de auxílio-doença (número de anos)

Análises posteriores revelaram a causa do problema: as decisões judiciais normalmente não especificam a duração dos benefícios de auxílio-doença que concedem e, portanto, esses segurados nunca solicitaram reavaliação médica do INSS, já que poderiam manter seus benefícios sem fazê-lo. Muitos desses trabalhadores continuaram recebendo o auxílio por vários anos, mesmo depois de recuperados da sua condição inicial.

Como resultado, uma parcela dos segurados com o auxílio recebia o benefício por, em média, menos de um ano (Ministério do Trabalho e da Previdência Social, 2014Ministério do Trabalho e da Previdência Social. (2014). Anuário Estatístico da Previdência Social Suplemento Histórico. Brasília, DF: Author .), enquanto o grupo que obteve a concessão via decisão judicial recebia os valores por tempo indeterminado.

O Programa de Revisão dos Benefícios por Incapacidade (PRBI) foi lançado em agosto de 2016 para lidar com essa questão. Ele permitiu ao INSS pagar horas extras aos médicos peritos para a realização das perícias médicas dos segurados do auxílio-doença que não eram examinados há mais de dois anos (um grupo de 563.771, o “grupo PRBI”). Além disso, o programa determinou que novos segurados que obtivessem o auxílio por decisão judicial sem datas de término estabelecidas deveriam ter o benefício rescindido ou revisto 120 dias após a concessão.

O PRBI teve início com a Medida Provisória 739/2016. A medida acabou não sendo votada a tempo pelo Congresso e acabou tendo que ser reeditada em 2017 (Medida Provisória 767/2017). Após intensas discussões, o Congresso votou a nova Medida Provisória (quase idêntica à primeira) e a converteu na Lei 13.457/2017. No processo, o Congresso não fez grandes alterações no texto original.

Mesmo assim, o programa enfrentou resistências dentro do INSS. Os funcionários administrativos exigiam pagamento pelas horas extras trabalhadas (sem sucesso) e os médicos precisavam de motivação para fazer as avaliações, pois podiam optar por não as fazer (o pagamento das horas extras foi um incentivo importante, assim como o engajamento da Associação Nacional dos Peritos Médicos Federais).

Como apontado por Liebman (2015Liebman, J. (2015). Understanding the Increase in Disability Insurance Benefit Receipts in the United States. Journal of Economic Perspectives, 29(2) 123-150.), os Estados Unidos tentaram fazer um programa semelhante, que acabou descontinuado porque a rescisão dos benefícios foi considerada injusta. Nessa perspectiva, um dos elementos centrais para o sucesso do PRBI foi a comunicação: foram preparadas reportagens mensais disseminadas pela imprensa demonstrando os resultados do PRBI e expondo as situações mais marcantes, como segurados que estavam recebendo auxílio por mais de 10 anos em razão de gestação de risco ou beneficiários supostamente cegos que foram flagrados trabalhando como motoristas (Ministério do Desenvolvimento Social, 2018). A comunicação foi fundamental para a sustentação política do programa.

Apesar das resistências, entre agosto de 2016 e outubro de 2018, 91,7% do grupo PRBI foi avaliado (436.642 benefícios) e 74,8% dos benefícios avaliados foram rescindidos (Tabela 1).

Tabela 1
Resultados do PRBI

3. METODOLOGIA

Para avaliar os impactos do PRBI, essa seção apresenta uma extensão do modelo de Liebman (2015Liebman, J. (2015). Understanding the Increase in Disability Insurance Benefit Receipts in the United States. Journal of Economic Perspectives, 29(2) 123-150.).

3.1 Modelo

O número de beneficiários recebendo auxílio-doença no instante t (B(t)) é função de novas concessões (C(t)) e cancelamentos (R(t)), como observado na equação (1).

B ( t ) = B ( t - 1 ) + C ( t ) - R ( t ) (1)

Liebman (2015Liebman, J. (2015). Understanding the Increase in Disability Insurance Benefit Receipts in the United States. Journal of Economic Perspectives, 29(2) 123-150.) assume que os cancelamentos dependem de taxas fixas de mortalidade e recuperação (MT ), como na equação (2) .

R ( t ) = M T B ( t - 1 ) (2)

No entanto, o uso da equação (2) não permite compreender os efeitos de mudanças não lineares na duração dos benefícios. Para isso, é preciso ampliar o modelo em questão.

Sendo p(i) a probabilidade de um benefício ser rescindido i meses após sua concessão, e P(i) a distribuição cumulativa de p(i), assumimos que n seja o menor número para o qual P(i) = 1, para todo i ≥ n. Portanto, o número de cancelamentos no instante t é expresso pela equação (3) e o número de benefícios ativos pela equação (4). A duração média (D) dos benefícios é expressa pela equação (5).

T ( t ) = i = 1 n C ( t - i ) p ( i ) (3)

B ( t ) = C ( t ) + i = 1 n C ( t - i ) ( 1 - P ( i ) ) (4)

D = n - i = 1 n - 1 P ( i ) (5)

O modelo original de Liebman (2015Liebman, J. (2015). Understanding the Increase in Disability Insurance Benefit Receipts in the United States. Journal of Economic Perspectives, 29(2) 123-150.) é um caso particular das equações (3), (4) e (5) em que as equações (2) e (6) são válidas.

D T = 1 D (6)

Aplicando o operador de expectativa (E[■]) nas equações (1), (4) e (5), é possível obter o número esperado de beneficiários de auxílio-doença (B), como demonstra a equação (7).

B = D C (7)

3.2 Impactos econômicos do PRBI

Após a implantação do PRBI, a distribuição de probabilidade cumulativa de cancelamento dos benefícios concedidos mudou de P(i) para P’(i). Tal mudança implica que novos benefícios seguem outra tendência (B’(t)) e duração (D’). Nesse caso, as equações (1), (4) e (5) levam à equação (8), cujo primeiro termo é exatamente o impacto de longo prazo da mudança na regulamentação de benefícios, como se todos eles fossem instantaneamente afetados por essas novas condições, e cujo segundo termo representa o custo de transição causado pelo fato de os benefícios já ativos ainda estarem atrelados às normas antigas.

E [ B t - B ' t ] = C ( D - D ' ) - C i = t - k + 1 n ( P ' ( i ) - P ( i ) ) (8)

Para estimar o impacto das perícias médicas, é necessário comparar os custos da perícia (α) com o fluxo de caixa esperado dos auxílios-doença rescindidos, considerando sua probabilidade de rescisão (P(i)). Vale ressaltar que as perícias podem aumentar o gasto, caso elas apenas encerrem os benefícios com alta probabilidade de rescisão. A probabilidade (Lt,j ) de um benefício concedido na data cj ainda estar ativo na data t, considerando que ele esteja ativo no momento da realização da perícia médica (dj), é expressa na equação (9).

L t , j = 1 - P t - C j - P ( d j - C j ) 1 - P ( d j - c j ) (9)

Sendo V(t) o valor médio dos auxílios-doença no tempo t , r a taxa de juros real, e k o momento em que o PRBI foi implementado, a equação (10) mede o valor presente líquido do impacto do PRBI no orçamento da Previdência Social.

j k = V ( k ) j ϵ P R B I t = d j 1 ( 1 + r ) t - k 1 - P t - c j - P ( d j - c j ) 1 - p ( d j - c j ) + C ( D - D ' ) r - t = k + 1 j = t - k + 1 n p ' j - P ( j ) ( 1 + r ) t - k - α (10)

3.3 Calibração do modelo

Para simular o modelo, os parâmetros da equação (10) foram calibrados com o banco de dados de benefícios anteriormente mencionado. A menos que explicitamente declarado, todas as estimativas são baseadas nos 238.902 auxílios-doença concedidos por decisões judiciais. Seja A(i,t) a quantidade de benefícios concedidos na data t - i e ainda ativos na data t; e t- a data de lançamento do PRBI. A partir de A(i,t-) e C(t) , é possível calcular a proporção dos benefícios efetivamente rescindidos concedidos há i meses, μ(i), usando a equação (11).

μ i = C t _ - i - A ( i , t _ ) C ( t _ - i ) (11)

Como P(i) é uma distribuição de probabilidade cumulativa, é necessário que os dados sejam filtrados para que se obtenha uma função em que P(i) ≤ P(i + 1). O Gráfico 9 mostra que nossos dados têm um padrão linear. Portanto, filtraremos μ(i) estimando a tendência linear (12)por mínimos quadrados ordinários, em que u(i) é um erro aleatório.

μ i = a + b i + u i (12)

Os resultados da estimativa são mostrados na Tabela 2. Como esperado, o valor estimado para b é maior que zero, o que significa que E[μ(i)] ≤ E[μ(i + 1)]. As estimativas sugerem que a probabilidade cumulativa de rescisão do benefício aumenta em 0,3 ponto percentual a cada mês.

Como P(i) também deve respeitar as relações P(i) ≤ 1 e P(n) = 1, supomos que P(i) segue uma tendência linear entre o maior i para o qual P(i) < 1 e n. Sendo j o maior parâmetro para o qual E[μ(j)] ≤ 1, P(i) segue a equação (13).

P i = m i n ( μ i , 1 - n - 1 n - j ( 1 - E μ j , 1 ) (13)

Nossos dados indicam que j = 195. Existem apenas 104 benefícios concedidos por decisão judicial em que i > 195. Uma vez que n é a maior duração possível observada para o auxílio-doença, todo o conjunto de 476.163 benefícios será usado para calibrá-lo: n = 463. O Gráfico 9 apresenta μ(i) e P(i) para i < j.

Gráfico 9
μ(i) e P(i) para i < j

Tabela 2
Estimativas

A Tabela 3 mostra os valores para os outros parâmetros da equação (10).

Tabela 3
Calibração do modelo

4. RESULTADOS

Os valores de P(i) e a equação (5) sugerem que a duração média dos benefícios concedidos por decisão judicial é de 67,83 meses. Portanto, a probabilidade de um auxílio-doença ser pago ao longo de 10 anos é significativa. Ainda, a média mensal de auxílios-doença concedidos judicialmente, de setembro de 2004 a agosto de 2014 (exatamente dois anos antes do início do PRBI), foi de 4.226. A equação (7), portanto, indica que o grupo PRBI deveria ter cerca de 286.650 benefícios concedidos por decisão judicial. Como a base de dados do PRBI que obtivemos junto ao MDS contava 238.902 benefícios concedidos nessas circunstâncias, pode-se dizer que o modelo replica bem os dados reais.

A equação (7) indica que o crescimento no número de benefícios obtidos por via judicial (de 4.226, entre setembro de 2004 e agosto de 2014, para 8.654, durante 2016 e 2017) levaria o estoque total de benefícios concedidos judicialmente a 586.963 - uma tendência de alta que já vinha sendo observada ao longo do ano de 2016.

Além disso, de 2011 a 2016, o total mensal de auxílios-doença concedidos foi de 200.766 e o número total de benefícios por incapacidade variou de 1.374.454 a 1.827.225. Esses dados e a equação (7)sugerem que a duração geral dos benefícios do auxílio-doença variou entre 6,8 e 9,1 meses. Portanto, pode-se concluir que a duração média dos auxílios-doença concedidos judicialmente é pelo menos oito vezes maior do que a duração média dos benefícios de auxílio-doença concedidos administrativamente.

No caso mais extremo, o PRBI reduz a duração dos benefícios judiciais para quatro meses (120 dias). Nessas condições, a equação (10) mostra que ele seria capaz de reduzir os gastos com previdência social em R$ 124,2 bilhões e a equação (7) sugere que, no longo prazo, ele reduziria o número de benefícios em 552.348.

Entretanto, pode haver casos em que os benefícios concedidos por decisão judicial acabem sendo prorrogados após perícia médica. Assim, é possível que a duração desses benefícios se aproxime da duração média daqueles concedidos administrativamente. Para avaliar a robustez de nossos resultados, o Gráfico 10 mostra o impacto estimado do PRBI nos orçamentos da Providência Social quando a duração do benefício fica entre quatro e vinte meses. Os impactos variam de R$ 87,9 a R$ 124,2 bilhões, favorecendo o argumento de que o PRBI economizou mais de R$ 85 bilhões do orçamento da Previdência Social do Brasil.

Gráfico 10
Impacto do PRBI no orçamento da Previdência Social

A equação (7) ainda sugere que a redução na duração dos benefícios concedidos judicialmente de 68,73 para algo entre 4 e 20 meses fez com que o número de auxílios-doença ativos no longo prazo caísse, em todos os cenários (Gráfico 11), entre 413.887 e 552.348. Portanto, o número de benefícios concedidos por decisão judicial cai, no longo prazo, de 586.963 para uma faixa entre 34.615 e 173.076, permanentemente.

Os resultados são comparáveis à queda efetiva dos auxílios-doença (723.050 benefícios entre 2016 e 2019), reforçando a correspondência entre nossas simulações e os dados.

Gráfico 11
Impacto do PRBI no número de auxílios-doença concedidos (no longo prazo)

Usando a equação (10), é possível decompor o impacto do PRBI em três elementos: a) efeito de longo prazo (LP(k)), ou seja, o impacto da mudança nas regras de duração do auxílio, ao longo dos anos; b) custos de transição (CT(k)), que buscam ajustar o modelo ao fato de que as regras do PRBI se aplicam apenas aos novos benefícios concedidos; e c) perícias médicas (EM(k)), que reduzem os custos de transição ao revisar os antigos benefícios, eventualmente os rescindindo. A decomposição é explicada nas equações (14) a (17).

J k = M E k + L R k + T C ( k ) (14)

M E k = V ( k ) j ϵ P R B I t = d j 1 1 + r t - k 1 - P t - c j - P d j - c j 1 - P d j - c j - α (15)

L R = V k C ( D - D ' ) r (16)

T C k = - V k C t = k + 1 k = t - k + 1 n P ' j - P ( j ) 1 + r t - k (17)

As perícias médicas respondem por R$ 13,9 bilhões da economia geral, enquanto os efeitos de longo prazo variam entre R$ 114,6 e R$ 152,9 bilhões e os custos de transição ficam entre R$ 40,6 e R$ 42,6 bilhões (Gráfico 12). Portanto, as perícias médicas reduziram os custos de transição em aproximadamente um terço e foram responsáveis por 11% a 16% do impacto financeiro geral.

Gráfico 12
Decomposição do impacto do PRBI no orçamento da Previdência Social

Os resultados indicam que o PRBI reduziu a desigualdade na aplicação do auxílio-doença entre os segurados, estabelecendo regras de rescisão similares para segurados que obtiveram o benefício por meio de protocolos administrativos e os que o conseguiram por decisão judicial. A redução das distorções nos benefícios pode melhorar a racionalidade e promover maior justiça no sistema de Previdência Social.

5. CONCLUSÃO

Embora observe-se um constante aumento nos benefícios da Previdência Social, os números do auxílio-doença seguem um caminho inverso, com queda sustentada desde 2016 e chegando, em dezembro de 2019, ao menor patamar desde outubro de 2003. Entre 2016 e 2019, o número de benefícios do auxílio-doença diminuiu em 723.050.

Nossa análise sugere que essa queda não é explicada pelos ciclos econômicos, mas por mudanças nas regras de concessão e manutenção do auxílio. A adaptação e ampliação de um modelo para avaliação do auxílio-doença permitiu medir o impacto do PRBI no orçamento da seguridade social brasileira. A estimativa é de que o programa tenha gerado uma economia entre R$ 87,9 e R$ 124,2 bilhões, com redução entre 413.887 e 552.348 no número de benefícios.

Esse resultado indica que grande parte da redução dos auxílios-doença desde 2016 pode ser explicada pelo PRBI, que combinou a revisão dos benefícios por incapacidade com alterações nas regras de concessão do auxílio, equalizando critérios de rescisão de novos benefícios concedidos judicial ou administrativamente. A alta taxa de rescisão de benefícios após revisão médica no âmbito do PRBI sugere que muitos deles deveriam ter sido terminados vários anos antes do início do programa. Portanto, o PRBI não só tem economizado recursos significativos da previdência social, como também parece contribuir para um aumento na equidade do sistema.

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  • [Versão traduzida]

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    16 Dez 2020
  • Data do Fascículo
    Nov-Dec 2020

Histórico

  • Recebido
    08 Mar 2019
  • Aceito
    02 Set 2020
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