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Nos varadouros das representações: redes etnográficas na Amazônia do início do século XX

Resumos

Os etnógrafos que trabalharam e viveram na bacia Amazônica no começo do século XX são enfocados, neste artigo, como fontes de reflexão para a história da antropologia. Pontos de vista de Tastevin, Koch-Grünberg, Stradelli e Nimuendajú são analisados em suas implicações para o conhecimento local sobre o rio Solimões e para o campo etnológico, focalizando aspectos de sua produção intelectual, bem como de suas biografias e influências, pensadas no quadro da formação de cada um deles. A mais conhecida contribuição destes etnógrafos para a teoria antropológica contemporânea é a interpretação das crenças e representações dos índios da Amazônia. O principal interesse é mostrar como a situação vivida por estes etnógrafos produziu relação entre seus trabalhos, ainda que as circunstâncias de sua interação não fossem claramente explicitadas em documentos escritos, e cada um deles não tenha visto o outro como um verdadeiro interlocutor.

etnógrafos; antropologia; etnologia; história; influências; formação; representações; documentos; interlocutor


The ethnographers who traveled and lived in Amazon basin at the beginning of the twentieth century are focused, in this article, as sources of reflection for the history of anthropology. Points of view of P. Tastevin, Koch-Grünberg, Stradelli and Nimuendajú are analised in their implications for the local knowledge of the Solimões River and for the field of ethology. Some aspects of their intelectual production, in addition to facts of their biographies, considered within the framework of the background of each one of them, are the subject of this inquiry. The best-known contribution of those ethnographers to contemporary anthropological theory is their interpretation of the beliefs and representations of the Amazon Indians. The main interest is to show how the shared situation lived by those ethnographers have produced relation between their works, even though the circumstances of their interaction have not been explicit in written documents, and each one of them have not always seen the other as a true interloctor.

ethnographers; anthropology; ethnology; history; background; representation; documents; interloctor


Nos varadouros das representações: Redes etnográficas na Amazônia do início do século XX

Priscila Faulhaber1 1 Pesquisadora do CNPq/Museu Goeldi.

"Esa trama de tiempos que se aproximan,

se bifurcan, se cortan o que secularmente se

ignoran, abarca todas las posibilidades.

No existimos en la mayoria de esos

tiempos; en algunos existe usted y yo;

en otros, yo, no usted, en otros,

los dos". (Borges, 1974:479)

RESUMO: Os etnógrafos que trabalharam e viveram na bacia Amazônica no começo do século XX são enfocados, neste artigo, como fontes de reflexão para a história da antropologia. Pontos de vista de Tastevin, Koch-Grünberg, Stradelli e Nimuendajú são analisados em suas implicações para o conhecimento local sobre o rio Solimões e para o campo etnológico, focalizando aspectos de sua produção intelectual, bem como de suas biografias e influências, pensadas no quadro da formação de cada um deles. A mais conhecida contribuição destes etnógrafos para a teoria antropológica contemporânea é a interpretação das crenças e representações dos índios da Amazônia. O principal interesse é mostrar como a situação vivida por estes etnógrafos produziu relação entre seus trabalhos, ainda que as circunstâncias de sua interação não fossem claramente explicitadas em documentos escritos, e cada um deles não tenha visto o outro como um verdadeiro interlocutor.

PALAVRAS-CHAVE: etnógrafos, antropologia, etnologia, história, influências, formação, representações, documentos, interlocutor.

Introdução

Serão apresentadas, neste artigo, reflexões dentro do âmbito da história da antropologia, com o objetivo de desenvolver indagações sobre a produção de conhecimento etnográfico, cuja definição supõe a sistematização de conhecimentos locais adquiridos através de observação direta. Sua coleta e ordenação supõem preocupações de ordem etnológica.

Partiu-se de uma pesquisa etnográfica na região de Tefé, na qual tornou-se importante a leitura de trabalhos produzidos pelo missionário e etnólogo Constant Tastevin (Faulhaber, 1993). O exame de sua trajetória, da documentação depositada em arquivos (diários, cartas), e de artigos publicados por ele conduziu a indagações sobre paralelos com outros etnógrafos que também viveram na Amazônia, como Koch-Grünberg, Stradelli, Nimuendajú.

Os trabalhos destes etnógrafos constituem fonte de reflexão para estudos etnológicos atuais, e têm sido interpretados a partir de diferentes perspectivas paradigmáticas. Trata-se, no texto que se segue, de mostrar o que foi observado por estes etnógrafos como um saber constituído dentro de uma teia de relações históricas e políticas, a rede de relações de saber e poder que informava seus itinerários, e a sua contribuição para a pesquisa etnológica. Na primeira parte, será apresentada uma visão da história da antropologia no início do século, para circunstanciar a apresentação da rede de observações constituída pela produção de etnógrafos na Amazônia do início do século XX, e sua relação com o campo de relações entre instituições científicas de diferentes nacionalidades. A atualidade das observações destes etnógrafos vem à tona com o interesse nos dias de hoje pelo conhecimento das populações da Amazônia sobre o meio ambiente e os fenômenos naturais.

Na segunda parte, será estabelecido um recorte no sentido de mostrar como estes etnógrafos interpretavam as crenças e representações indígenas. Ainda que este estudo tenha iniciado com uma pesquisa sobre Tastevin, será dado destaque especial ao trabalho de Koch-Grünberg sobre os desenhos indígenas. Isto porque as observações do pensador e viajante alemão foram o ponto de partida de muitas considerações posteriores sobre a sensibilidade e a visão de mundo dos índios do Amazonas, e foram citadas por Tastevin em sua polêmica com Stradelli. Também será levado em consideração o trabalho de Nimuendajú. Se este último não citou explicitamente a Tastevin, e suas observações estão circunscritas à etnologia Ticuna, o fato de terem produzido investigações etnográficas em áreas geográficas e tempos históricos muito próximas ¾ o alto e o médio rio Solimões no debate da produção e exploração da borracha ¾, leva à opção de olhar os seus trabalhos dentro de um mesmo conjunto de considerações sobre a história da etnografia2 2 Alguns critérios de agrupamento de autores considerando-os como uma "população" foram definidos por Oliveira Filho (1987a e 1987b). .

Antes de tudo, o que parece integrar estes autores é terem vivenciado situações similares. Será considerada aqui sua formação partilhada, na qual aparecem influências heterogêneas que compõem o horizonte de uma determinada época. Embora em tese possam se isolar características específicas da visão de mundo de cada autor, se optou neste texto por enfocar as recorrências de suas trajetórias e de objetos. Pode-se encontrar paralelos entre suas observações, ainda que não se tenha apresentado sempre claramente o registro explícito de que se viam como interlocutores. Aplica-se a noção de "princípio dialógico" (Todorov, 1981), visto que as recorrências de suas observações e o conjunto de seus trabalhos pode ser entendido dentro de um processo comunicativo mais geral que os aproxima entre si, ainda que seu diálogo não seja necessariamente explicitado.

1. O pensamento antropológico sobre a Amazônia

Primeiramente, serão fornecidas indicações sobre a relação de P. Tastevin com o saber local e com a história regional, para apresentar logo a seguir um panorama da formação da antropologia, focalizado a partir das principais influências sobre os outros etnógrafos, procurando indicar suas possíveis filiações e situar suas trajetórias.

Além de estar em contato com as instituições políticas e científicas nacionais no Brasil, como o Museu Paraense3 3 O Museu Paraense de Etnografia e História Natural, atualmente Museu Paraense Emílio Goeldi, foi uma instituição de referência para estes etnógrafos, aparecendo de maneira recorrente em suas correspondências e nas biografias citadas neste trabalho. , aqueles etnógrafos estavam se relacionando com o campo geográfico e etnológico internacional em formação. Estes campos científicos alimentavam a institucionalização de um campo editorial, que representou a publicação dos resultados das observações etnográficas, dentro do referencial da etnologia.

1.1. P. Tastevin e o saber local no Médio Solimões

A partir de um estudo etnográfico dos movimentos étnicos no Médio Solimões, foi iniciada uma pesquisa sobre a constituição de um saber etnológico sobre a região. A constituição de um arquivo etno-histórico na cidade de Tefé, que é um pólo regional, data da fundação do Seminário de Missões de Tefé. Este arquivo foi consolidado com a permanência do etnólogo e Missionário Constant Tastevin, de 1906 a 1926. A pesquisa se estendeu ao Arquivo Privado do Seminário de Missões de Chevilly LaRue(França), e ao arquivo Rivet no Museu do Homem (Paris/França), em que também se teve acesso às fontes primárias. A partir daí, foi buscada, na literatura especializada, correspondência entre as observações de etnógrafos que moravam na Amazônia no início do século XX, com a preocupação de indagar a partir do saber local em termos históricos(Biersack, 1995:100).

A nível local, a produção de um conhecimento sobre a ocupação passava pela presença de missionários, os quais, contudo, atuavam dentro de objetivos religiosos4 4 Nas suas "notas e impressões de uma viagem ao Japurá", A.P. Chevilly LaRue (138 AI), em um manuscrito datado de 27 de setembro a 20 de outubro de 1899, o Pe. Augusto Cabrolié, que também era professor e médico, comenta que "ali se abaixa toda religião", descrevendo relações sociais tecidas pelo uso da força ¾ "terror" e "massacre" em suas palavras: No rio Tefé, 30 de setembro encontrou três índios que contam em detalhe o massacre da família Tápia, e que morreram na ocasião dois rapazes que foram alunos do Seminário de Tefé. Na Barreira do Maripira, Paraná do Jacitara, (1º de outubro) visitaram uma antiga maloca de índios Miranhas. Na ponta de Tucaia, um índio tinha matado com um tiro um caboclo, seu patrão e suas plantações eram disputadas por dois cearenses. Podemos notar nas descrições de Cabrolié que o uso da força é uma constante nas relações sociais nesta região, denotada pelo caráter guerreiro pelo qual os índios Macus eram conhecidos no Japurá ("a flecha do Macu protege a floresta virgem"), e pelo terror infundido pelos maus tratos infligidos pelos soldados sobre toda a população, sobretudo aos índios (2 outubro, São João do Príncipe). Este mesmo uso da força para a extorsão, considerada natural, de seringueiros caboclos e nordestinos, os quais, sobre o mero pretexto de dívidas não pagas, podem perder todos os seus pertences nas mãos dos patrões, seringalistas e comerciantes (3 de outubro, Nova Floresta). Banditismo e assassinatos são portanto fatos corriqueiros nos relatos sobre a vida social destas paragens, registrados enquanto o Pe. Cabrolié ministrava batizados, casamentos e missas. Os índios, submetidos também às relações sociais impostas pelos brancos, e recebendo em troca instrumentos de trabalho, eram dizimados por epidemias como a rubéola (9 de outubro, igarapé de São Francisco). . Os relatos humanitários dos missionários espiritanos, em Tefé desde 1907, em sua indignação contra a violência cometida contra os índios, se assemelham às narrativas produzidas do outro lado da fronteira, no Putumayo, que documentaram a exploração e o genocídio dos índios. Dentre estas, é muito citado o informe Putumayo no qual Casement, que foi cônsul da Inglaterra no Peru5 5 Em Hardenburg (1912: 28-9) são descritos atos intraduzíveis de violência, tais como o martírio de pessoas embebidas em petróleo e queimadas vivas, e o decepamento de corpos humanos como se tratasse da derrubada de árvores de caucho. , denunciou, diante do Parlamento Britânico, os crimes contra os índios. Apesar das diferenças de suas práticas, esses agentes sociais documentaram o uso da força nas relações com os índios em espaços em que as relações de apropriação ainda não estavam definidas plenamente em termos jurídicos. A contemporaneidade de tal registro se explica porque a emergência da violência não consistiu um fato isolado mas foi produzida no interior da constituição dos Estados Nacionais na América Latina e da dinâmica político-econômica intercontinental. As denúncias de genocídio e escravidão nos Estados Nacionais nascentes na América do Sul eram difundidas com a ação de instituições humanitárias, tornadas possíveis com a ordem liberal, como a Sociedade Antiescravista e Protetora dos Aborígenes, de Londres, que serviu de suporte à divulgação das denúncias de Casement no informe Putumayo (Hardenburg, 1912)6 6 Sobre a gênese da narrativa humanitária, consultar Laqueur (1995). .

Os trabalhos de Tastevin tiveram repercussão tanto em termos de suas vinculações com o campo etnológico de sua época, quanto da produção de um conhecimento social ¾ e étnico ¾ sobre a Amazônia. Esta região, no início do século XX, representava um desafio tanto em termos do conhecimento científico quanto do ponto de vista da ocupação territorial pelos estados nacionais fronteiriços e pela nova ordem econômica de integração de mercados.

1. 2. A etnografia na história da antropologia

A antropologia, tal como a entendemos hoje, nasceu com relações entre pesquisadores da metrópole e aqueles que colhiam dados etnográficos de primeira mão, sobretudo os missionários. O antropólogo inglês Tylor, por exemplo, assim procedia, e o conhecimento era estabelecido por correspondência (Stocking, 1983:73). As observações dos missionários muitas vezes eram consideradas mais confiáveis que as dos naturalistas, cuja curta estadia em campo não lhes permitia familiarizar-se com os costumes autóctones e aprender sua língua.

A difusão da pesquisa de campo como trabalho acadêmico deve-se em grande parte a Franz Boas (1858-1942), que utilizou a metodologia de formar pesquisadores dirigindo-os em trabalhos de campo. Além de suas atividades administrativas como prático e teórico de museus, organizador de expedições e publicações em série, comparecia regularmente a congressos científicos(Lowie, 1946:159).

A diferenciação entre trabalho intelectual e trabalho de campo não implica necessariamente que as observações sejam confiáveis a priori. Lowie, que trabalhou sob sua influência, evoca informações confusas de Koch-Grünberg e Farabee, considerando os relatos dos primeiros viajantes e missionários ao Brasil, os quais forneceram informações mais detalhadas e precisas que a de etnógrafos prestigiados. Destaca, no entanto, que o conhecimento da "etnografia profissional" associada ao "talento observador", circunstanciado por longas estadias em campo, possibilitou a construção de etnografias exemplares. Lowie cita especificamente Nimuendajú, que foi seu colaborador (Lowie, 1946:17), e com quem manteve correspondência regular, traduzindo trabalhos seus e publicando em co-autoria com ele. Discípulo de Boas, Lowie destaca em sua História da Etnologia a importância da pesquisa de campo para a coleta sistemática de narrativas contadas na própria língua nativa, referidas a todo um contexto histórico e geográfico. São citados os estudos pioneiros de Von Den Stainen sobre desenhos indígenas, e os estudos sistemáticos sobre arte primitiva realizados na segunda metade do século XIX(Lowie, 1946:119).

Diferentes vertentes do pensamento alemão do século XIX tiveram grande influência na formação da antropologia. Schleiermacher codificou a crítica hermenêutica de textos. A partir da diferenciação de diferentes níveis de compreensão, eram valorizados os processos criativos em diferentes contextos. A partir de Ranke, fazer história podia ser mostrar o que ocorreu. Dilthey fundamentou a crítica da razão histórica a partir da noção de formação vivida (Bildung). Os dois irmãos Humboldt pesquisaram antinomias da oposição clássica entre ciências da natureza e ciências da linguagem. Para os dois, cada povo individual seria um momento na plenitude da humanidade. Alexander von Humboldt criticou a tentativa iluminista de reduzir o mundo a princípios abstratos de acordo com linhas newtonianas. Rechaçou também a classificação positivista dos fenômenos exclusivamente com referência aos princípios de gradação no seu desenvolvimento, construindo a concepção de cosmografia. William Hunboldt desenvolveu sistematicamente a noção de relação entre linguagem e caráter nacional . A humanidade teria se originado da "necessidade de linguagem" (Sprachbedurfnis) , desenvolvendo-se a partir dela a habilidade de linguagem (Sprachvermogen) (Stocking, 1996).

A obra de Bastian, com suas idéias anti-darwinistas e preocupações com o pensamento e a memória do povo(Volkergedanken), foi de grande importância para o desenvolvimento de estudos etnográficos. Seu assistente no Real Museu Etnográfico de Berlim, Boas insistiu na necessidade de "descrição sistemática de todos os dados culturais" (Lowie, 1946:162), valorizando a interpretação "de dentro" e as biografias. O investigador de campo, para ele, deve conseguir dados autênticos "acerca do pensamento indígena mediante transcrição fonética de relatos, orações, poesias e alocuções de texto fixo, que deveria ler depois para seus informantes e voltar a lê-los para que revissem, e finalmente traduzir cuidadosamente, com a ajuda de um intérprete"(: 164). Para ele, as canções e as narrativas indígenas eram uma "forma primária de atividade literária", e deveriam ser tão valorizadas quanto as provas arqueológicas(:186). Estes princípios excluem da prática científica atividades de registro assistemático guiado por intuições românticas, consideradas como informando uma observação alheia à cultura em observação.

Na trilha do difusionismo tyloriano, foram desenvolvidos estudos sobre sociedade e religiões comparadas. Em 1890 é publicado The Golden Bough de Frazer. Apesar de admirar e encorajar trabalhos de campo, Frazer pouco saía de seu gabinete(Stocking, 1983:79). Na época, eram apresentadas visões divergentes sobre a "mentalidade primitiva". O geógrafo anarquista Eliseo Réclus define assim as superstições dos aborígenes australianos: "são conseqüências raciocinadas e logicamente deduzidas de premissas certamente equivocadas as quais no entanto se encontram justificadas pelas aparências; tratam-se de ilusões óticas devidas a uma câmara ainda imperfeita"7 7 Élisée Réclus, citado por Lowie (1946:132). . Réclus era basicamente um pesquisador de gabinete, tirando suas conclusões a partir da leitura de viajantes.

Friedrich Ratzel (1844-1904), zoólogo de formação, relativizou a influência do clima como fator determinante, destacando a importância do tempo de adaptação, os efeitos da vontade humana e a limitação do espírito inventivo humano(Lowie, 1946:149). Este último fator já havia sido apontado por Tylor como princípio da difusão. Ratzel destacou a importância dos aspectos culturais, ainda que aceitasse a idéia de unidade psíquica da humanidade(:153).

A cosmografia é definida por Boas a partir dos recursos para compreender o fenômeno concreto, prescindindo das generalizações, pois este autor não acredita que os fenômenos culturais possam ser explicados por leis gerais básicas. O meio ambiente é visto mais em sua função limitativa que criadora, sobrepondo-se os fatores históricos aos geográficos (Ratzel, apud Lowie, 1946:178). Boas se distancia, no entanto, dos pressupostos possibilistas de Ratzel, interessado mais na "demonstrabilidade do contato cultural"(Lowie, 1946:183). Suas conclusões são tiradas a partir de investigações concretas, cujo objetivo era sistematizar com rigor o conhecimento etnográfico.

Os deslocamentos espaciais foram equacionados pela escola inglesa como um processo intrincado historicamente, sendo que cada povo, ao entrar em contato com seus vizinhos, recebia um conjunto de influências diferentes (:193).

Para Graebner (1911, apud Lowie, 1946:143), seguindo os passos de Tylor, o problema metodológico inicial era determinar a natureza do intercâmbio. Para Boas, o principal problema consistia em analisar a interação e não a busca de explicações simplistas e míticas sobre a relação direta com a natureza a partir do local onde se encontram os povos observados (:193). No entanto, em alguns casos, como o cultivo da mandioca amarga no Novo Mundo, é uma demonstração da antigüidade da cultura naquele sítio (:203). O difusionismo de Graebner e de alguns seus contemporâneos mostrou "a complexidade da verdadeira história em termos de uma metamorfose por contato"(:218).

A influência de Boas, que se estendeu não só à América como à Europa, difundiu os procedimentos de treinamento de pesquisadores de campo, e isto representou uma realimentação e uma reavaliação do fazer e do saber antropológico. As técnicas de pesquisa de campo propriamente ditas foram desenvolvidas na Inglaterra por Rivers (1910), que combinou a biografia, a genealogia e a etnografia. As dificuldades da "tradução cultural" passaram a impor ao antropólogo longos períodos de estudo intensivo no campo (Stocking, 1983:89). Tratava-se de captar o ponto de vista nativo sem perturbá-lo com as turbulências da teoria . A trajetória de Rivers implicou uma convergência com o ponto de vista histórico-difusionista.

Opondo-se a Rivers, Malinowski diferenciou as opiniões individuais das idéias sociais, ou seja, o contexto cultural (Stocking, 1983:99). A magia do etnógrafo malinowskiano passou a consistir em encontrar um ponto de transposição entre a experiência do etnógrafo, a experiência do nativo e a experiência do leitor (:106).

A fundação da Escola Sociológica Francesa data de 1898, com a Fundação de L'Année Sociologique, precedida pela publicação, em 1894, do clássico Les règles de la Méthode Sociologique, de Durkheim. Dentro de uma perspectiva racionalista, o pensamento nativo é visto como distinto do pensamento analítico: as explicações dos aborígenes são vistas como reflexões para justificar suas práticas sociais.

Em 1901, Mauss assina com Paul Faulconet o verbete "Sociologia" da Grande Encyclopédie, no qual as representações coletivas são distintas, sociologicamente, das representações individuais (Mauss, 1969:160).

Em sua aula inaugural na cátedra de "História das Religiões de Povos não Civilizados" na École Pratique de Hautes Études, em 1902, Mauss contestou a hipótese do "homem natural", afirmando: "Com efeito, não existem povos não civilizados. Existem apenas povos de civilizações diferentes" (Mauss, 1969:30). Apesar de se restringir ao trabalho de gabinete, Mauss trabalhava comparativamente, a partir de dados etnográficos, incentivando os estudantes para o trabalho de campo.

Dentro da tradição racionalista francesa, tanto Durkheim quanto Mauss trabalhavam no sentido da explicação sociológica dos fatos. Na obra Esquisse d'une théorie générale de la magie (L'AS 7, 1904:1-146), a ciência e a magia se confundem, ainda que sejam práticas distintas. O "mana" é considerado uma "categoria", ou seja , uma representação coletiva que se atualiza no agente individual (Cardoso de Oliveira, 1979:36). Em 1909 é publicado em Paris o trabalho de Van Gennep sobre os "ritos de passagem", em que o autor enfoca a liminaridade e os processos de separação (fronteira) e reagregação (margem), abordando a dramaticidade dos rituais sociais (Van Gennep, 1978). Note-se certa convergência com Rivet, cujos estudos se voltavam para as transformações nas línguas pelas aproximações entre os povos. Rivet teve intensiva atuação institucional, tendo se correspondido com os mais influentes antropólogos de sua época, inclusive Boas (Duarte,1960).

Os etnógrafos que viveram na Amazônia no início do século XX eram informados pelas idéias em gestação no campo etnológico europeu. Serão elencados a seguir elementos biográficos destes autores. Para além do lado pitoresco destas trajetórias, o interesse é mostrar a teia de relações institucionais que circunscrevia suas observações e suas práticas.

1.2.1. Os etnógrafos

Tastevin nasceu dia 21 de fevereiro de 1890, na Bretanha, e morreu em 1962, no Seminário de Missões de Chevilly LaRue. Foi missionário na Amazônia, sediado na Missão da Boca de Tefé, entre 1906 e 1926. Este período foi interrompido por quatro anos durante a guerra, na qual serviu à França inicialmente como cabo de artilharia, enfermeiro, intérprete, dela saindo como sub-oficial (Berger, 1984:520). Em sua estadia na França, conheceu Paul Rivet, com quem já havia entrado em contato através do Diretor do Museu do Pará, Sr Hubert (Cunha, 1976). Após sua volta à Amazonia, Tastevin manteve correspondência e intercâmbio com Rivet, confidenciando-lhe detalhes de suas descobertas e enviando, por seus intermédios, objetos arqueológicos ao Museu do Homem. Correspondeu-se também com Lévy-

Bruhl, Koch-Grünberg e Nimuendajú. Em 1926, deixou a Amazônia, inicialmente para seguir cursos oferecidos pelo Instituto de Etnologia da Universidade de Paris. Ocupou por três anos a cadeira de Titular do Instituto Católico de Paris, e passou a trabalhar como missionário na África. Seus trabalhos em lingüística africanista, contudo, não tiveram aceitação, ao contrário de suas pesquisas em etnologia americana, pelas quais recebeu muitas condecorações e distinções.

Theodor Koch nasceu em Grünberg dia 9 de abril de 1872, e adotou como sobrenome o nome desta região. De formação em filosofia clássica e estudos em humanidades, foi iniciado em etnologia a partir do contato com o Dr. Herrmann Meyer. Participou da expedição que, em 1889, sob a chefia deste último, partiu de Leipzig e foi às cabeceiras do Xingu, percorrendo o mesmo caminho de Von den Steinen. Doutorou-se em filosofia em Wunsburg com um trabalho lingüístico sobre os Guaicuru. A convite de Bastian, que interessou-se por suas teses sobre o animismo, tornou-se membro do Museu de Etnologia de Berlim (Reichel-Dolmatoff, 1995:13). Em uma segunda viagem ao Brasil, onde ficou por dois anos (de 1903 a 1905), deteu-se na região dos rios Negro e Uaupés. Interessou-se principalmente pelos índios Tukano, Maku, Uitoto e Miranha. Foi professor das universidades de Freiberg e Heidelberg e diretor do (Real) Museu Etnográfico de Stuttgart. No decorrer de sua trajetória como etnólogo e geógrafo, forneceu contribuições à antropologia, à sociologia, à história e à psicologia. Publicou o resultado de suas observações em diferentes artigos destinados especialmente a etnógrafos, condensando posteriormente seus trabalhos em uma única obra (1995). Foi pioneiro em fazer notar a importância do cinema como meio de registro etnográfico. Entre seus colaboradores, destacam-se Paul Eherenreich e Karl v.d. Steinen. Morreu dia 8 de outubro de 1924, em Monte Alegre (Médio Rio Branco), vítima8 8 Ver Pastori, L., 1979:16 , segundo consta, de malária. Participava de uma expedição científica a convite do geógrafo americano Hamilton Rice, que conhecera em suas primeiras viagens etnográficas pela região (Zerries, 1995:20). Em fontes orais e escritas, é registrado que foi enterrado em Manaus por sua própria vontade.

Outro itinerário que desperta a atenção é o de Stradelli. Na segunda metade do século XIX, afastou-se da Europa, mergulhando em pesquisas e viagens no mundo misterioso da Amazônia. Manejava recursos modernos, como máquina fotográfica e microscópio (Cascudo, 1936:55). Deixou a Itália, onde tinha o título de conde e diploma universitário. Em 1893 foi naturalizado cidadão brasileiro, em 1895 foi nomeado promotor público em Manaus e em 1902 nomeado para a mesma função em Tefé. Viveu até o fim de seus dias na Amazônia, tendo morrido em um leprosário em Manaus em 24 de março de 1926 (:32).O seu vocabulário português-nheengatu e nheengatu-português foi publicado três anos depois, em 1929.

A trajetória de Nimuendajú também é objeto de controvérsias. A sua biografia mais suscinta foi fornecida por ele mesmo a Herbert Baldus: "Quer que eu lhe mande uma história de minha vida? É simples ¾ nasci em Jena, no ano de 1883, não tive instrução universitária de espécie alguma, vim ao Brasil em 1903, tinha como residência permanente até 1913 em São Paulo e depois Belém do Pará, e em todo o resto foi, até hoje, uma série ininterrupta de explorações, das quais enumerei na lista anexa aquelas de que me lembro. Fotografia minha não tenho" (Faria, 1981:13)10 10 Consultar também Oliveira Filho (1986). . Desde 1905, Nimuendajú realizou pesquisas na Amazônia. Nos seus trabalhos está embutida a teoria antropológica que para ele deveria ser resultado de reflexão junto aos povos indígenas e não nos gabinetes burocráticos. Morreu dia 10 de dezembro de 1945, entre os índios Ticuna, quando realizava pesquisa sobre a língua e mitologia Ticuna sob os auspícios do Museu Goeldi e do Museu Nacional (Arnaud, 1984:59).

A visão dos etnógrafos que viveram no Solimões no início do século não coincidia completamente, pois seus trabalhos se enraizavam em tradições diferentes. Compete indagar em que medida estes autores poderiam romper com sua formação e com sua episteme. Tastevin dialogava com o racionalismo francês, Stradelli com o romantismo eurocentrado. Koch-Grünberg pode ser visto com relação ao romantismo alemão do século XIX e com o evolucionismo da virada do século. Apesar de Nimuendajú ter vivido muito tempo na Amazônia, e adotado o modo de viver nativo, sua obra e sua trajetória não deixaram de ter raízes no pensamento alemão.

1.2.2. Os Museus e os objetos étnicos

Em fins do século XIX e início do século XX, verificou-se a institucionalização do campo científico a partir de uma rede de relações entre museus, associações científicas e o campo editorial. Para Boas, que teve influência marcante neste processo, os objetos da pesquisa antropológica consistem nas relações históricas e psicológicas entre culturas (Boas, 1907:928). Os grupos étnicos e seus objetos culturais não podem ser considerados como espécies naturais. No entanto, Boas considerava que com as transformações sofridas pelos povos autóctones e suas culturas, eles estariam fadados a desaparecer. Os Museus seriam um lócus privilegiado para a preservação de peças etnográficas e para a pesquisa científica (Stocking, 1974; Handler, 1985:193). É produzida assim uma descontextualização e uma ruptura com os sistemas culturais dos quais são extraídos os objetos transformados em peças museográficas .

Dentro da influência do evolucionismo, os objetos etnográficos eram colecionados dentro de uma postura salvacionista. Por trás das vitrines de uma exposição, a arte indígena era dissociada do uso que lhe davam estas sociedades na sua interpretação da vida cotidiana. O conhecimento objetivista, para o qual a teoria deve atuar no sentido de reproduzir os fatos, é assim "produzido dentro de uma tradição operatória, e transformado num saber esterilizado que transforma a história num museu" (Habermas, 1983:311).

Os etnógrafos do início do século participavam desta descontextualização, fornecendo objetos para museus e reconstituições lingüísticas e culturais para os antropólogos de gabinete. Tastevin forneceu listas léxicas e objetos arqueológicos para Rivet, em troca de subvenções do governo e das instituições de pesquisa francesas. Nimuendajú forneceu objetos para um "mercado competitivo, cujos lugares eram museus" da Alemanha e também de museus brasileiros, como o Museu Nacional e o Museu Goeldi, que seguiam o padrão europeu (Faria, 1981:14-5).Os objetos etnográficos eram deslocados de seus contextos locais, retirados dos nativos e colocados no circuito internacional das relações científicas e simbólicas entre os antropólogos dos países centrais.

No Arquivo do Conselho de Fiscalização das Expedições Artísticas e Científicas no Brasil, depositado no Museu de Astronomia (Rio de Janeiro), existe um dossiê relativo às viagens de Nimuendajú. Nestas cartas está registrada a polêmica sobre as peças artísticas e etnográficas Ticuna vendidas a Museus no Brasil e no exterior. Em carta a Francisco de Assis Iglésias, em 12 de junho de 1940, o etnógrafo retrucou a uma petição de Flexa Ribeiro sobre material fornecido de 1934 a 1940, demonstrando que a maior parte das peças ficara com instituições brasileiras: 1154 peças foram fornecidas ao Museu Nacional, 1448 ao Museu Paraense, 323 ao Instituto de Educação de São Paulo. Uma menor parte teria sido destinada a Museus da Alemanha: 226 peças ao Museu de Gotemburgo e 225 ao Museu de Berlim. Flexa Ribeiro retorquiu questionando o critério quantitativo, argumentando que as peças de maior qualidade e interesse científico teriam sido enviadas para o exterior. Esta polêmica, ocorrida no período imediatamente anterior à eclosão da segunda guerra mundial, mostra que os ânimos nacionalistas estavam exaltados, e indica que o campo de relações indigenistas não pode ser dissociado das tramas políticas entre nações.

O exame da trajetória de Tastevin também indica sua posição no campo de relações internacionais caracterizado pela divisão de trabalho entre os antropólogos instalados na França (Rivet, Métraux) e as peripécias do etnógrafo. Tastevin não se satisfez com o papel de mero "coletor de dados" e se atreveu a seguir uma carreira no campo científico francês. Deixou sua vida paroquial de missionário na Amazônia e, convidado por Paul Rivet, decidiu seguir cursos de formação de antropólogos nas instituições antropológicas francesas.

2. Os autores e as representações

Existem correspondências entre os etnógrafos que viviam na Amazônia e que pensavam sobre as crenças e representações autóctones inseridos em uma mesma rede de relações existenciais e intelectuais. Não se entrará em muitos detalhes quanto à trajetória e à produção de cada um destes etnógrafos, optando-se por trilhar um percurso nas suas interpretações dos desenhos, inscrições e crenças dos índios que conheceram.

2.1. Koch-Grünberg e os desenhos dos índios do Amazonas.

Destes autores, quem primeiro se ocupou das representações dos índios da Amazônia foi Koch-Grünberg. Segundo o título de seu livro sobre os desenhos feitos à mão pelos índios, tratavam-se de "começos" da arte, de seus princípios. No livro, ele comenta desenhos colecionados em suas viagens ao Brasil no Japurá, Apaporis, Uaupés e adjacências, nos quais são retratados detalhes de moradias e indumentárias. Ele considerava que com o desenvolvimento da etnologia, aumentara também o interesse pela arte e pela sensibilidade daqueles que chamou de "povos da natureza"9 9 Embora seja comentado em versões pouco documentadas da história oral da Amazônia que também tenha morrido envenenado, como Nimuendajú. . No entanto, observava que eles simbolizavam, em seus desenhos, as suas relações com o mundo dos brancos: não registravam apenas o meio natural da floresta, mas signos do contato como embarcações, bandeiras, incluindo o próprio Koch-Grünberg em seus desenhos.

O autor classifica os desenhos seja como séries de animais, seja como idéia de metamorfose gráfica: veado, tamanduá bandeira e jaguar (1905:29), as diferentes formas de pássaros- pescoços e bicos longos do Maguari e Colibri, cujo delineamento é dificilmente distinguível do papa-formiga (tamanduá) . Enumera uma série de peixes que se distinguem uns dos outros pelos diferentes desenhos da pele e das escamas, e traça outras analogias entre seres de espécies diferentes. A disposição em séries dá idéia não tanto de classificação taxinômica quanto da dinâmica cinematográfica do pensamento dos índios que o naturalista conheceu. Parece dialogar com idéias que estavam sendo desenvolvidas na época. Em um curso no Collège de France sobre a "História da Idéia de Tempo" (1902-1903), Bergson havia comparado o mecanismo do pensamento conceitual com o mecanismo do cinematógrafo (Bergson, 1948:273).

Enumera séries de arraias, cotejando-as a seguir com tartarugas. Ao final desta série, é indicado o casco em relevo do jacaré ¾ o nosso leviatã ¾ que aparece lado a lado com um peixe de barba e com um navio cujos detalhes são visibilizados como se tratasse de uma radiografia. O mesmo desenho das nervuras do casco aparece nas cobras, e ainda mais detalhadamente em uma cobra grande barriguda, cujo torso é colocado de modo não natural, deslocado de seu lugar. As cobras grandes obedecem tanto ao desejo estético quando ao senso de fidelidade.

Compara desenhos do jacaré e da queixada, fazendo notar detalhes como rabo serrilhado e dentes característicos dos monstros (Koch-Grünberg, 1905:4). Nos desenhos de cobras o movimento é denotado por voltas regulares. Algumas recebem dentes caninos e em outras é acentuada a barriga inchada de monstro devorador que mantém viva a vítima engolida. Indica que a única diferença entre um desenho do cão e lagarto é um anel da cauda. Um desenhista Tukano mostra em seus desenhos uma analogia entre o jaguar, o jacaré (um maguari sem pernas e sem asas), uma cobra grande com olhos arregalados e um barco com leme, banco para piloto, bandeira e duas coberturas, ora mais detalhado, ora mais estilizado.

É destacado o elemento de fantasia dos desenhistas indígenas, cujas imagens representam animais fantásticos. Extrapolam a cópia de animais reais, acrescentando características não naturais. Em um desenho Bakairi o Tuiuyú tem o olho na cabeça e um comprido focinho desenhado na pata redonda. O desenhista juntou dois olhos arregalados acima e abaixo do pescoço alongado do jaguar. "Ao desenhista primitivo não importa desenhar partes do corpo separadas do corpo"(Koch-Grünberg, 1905:20).

As espinhas dos peixes e as costelas dos outros animais e mesmo do homem são radiograficamente colocadas à vista. Na figura do tamanduá vê-se, além das costelas, os ossos da bacia e do coração. O mesmo método radiográfico aparece nas gravuras de navios. Ambos os desenhos representam grandes batelões, utilizados no Orinoco e Rio Negro. O batelão tem um elegante talhamar e 4 mastros, de onde pendem bandeiras. De ambos os altos mastros descem ao convés. O piloto vestido permanece no leme. A construção das vigas do convés é nitidamente visível. O batelão tem mais detalhes e áreas tornadas transparentes. Ao lado do mastro b, as duas bandeiras são tão estilizadas que sem a explicação do autor seria difícil de identificá-las. O leme, a quilha e a espia são tornados visíveis. Os quatro arcos duplos na coberta indicariam a entrada do barco. O desenhista representa as aberturas redondas do telhado, cujo andaime consiste em paus redondos. Dois riscos horizontais seriam de paxiúba. Várias riscas verticais indicam folhas de carará utilizadas para cobertura de telhado, sustentado por 4 pilares de escoras. Pequenos semicírculos visibilizam os porões de carga (:25).

O autor mostra como os "artistas primitivos" utilizam-se de artifícios como pintar de preto só a cabeça de um lagarto ou de uma queixada, ou tracejar o resto do corpo e deixar o rosto livre para colocar nariz, boca e olhos. Faz notar sofisticações artísticas como o contraste entre dois cães invertidos, qual uma imagem especular, dando a idéia de luta. O homem soprando uma espécie de flauta desenhada dentro de sua boca e os membros crispados e os pés alternados do Dr. Koch sentado na rede dando idéia de movimento.

O tracejado é utilizado com requintes de estilo quando expressa o movimento de jacaré agarrando um peixe.É manejado com talento no desenho de um homem preso dentro de sua própria rede. É expressa, concomitantemente, analogia com uma canoa como instrumento de manejo do mundo aquático e armadilha na qual o próprio homem jaz aprisionado.

O interesse dos índios é mais intenso para as feras que lhes servem de alimento diário, ou as que a ele se opõem no campo da existência (:33). Animais como as borboletas azuis, que despertam nos poetas ocidentais o deleite dos devaneios propícios ao mergulho na linguagem da poesia , quase lhes passam despercebidos, a não ser em alguns poucos desenhos, um dos quais ressalta os olhos atrás das asas destes coloridos insetos. Eles são detalhistas, no entanto, quando delineiam os piuns, insetos que amargam a vida dos seres humanos, o vaga-lume considerado o "mais venenoso dos seres", a centopéia, que permanece escondida debaixo das folhas secas e causa com sua picada venenosa uma ferida difícil de se curar. O escaravelho do esterco, cujas costas têm desenhos de losangos usados nas mascaradas Kobewas (:35), é descrito como um dos "inimigos secretos" desta "gente despida".

Nas suas caçadas, os índios observam os hábitos das feras da floresta e reproduzem artisticamente detalhes de cenas e cenários por eles presenciados: um mutum que se abana balançando as asas sobre um ramo, um jacaré que apanha um peixe num regato cuja posição feroz é destacada por dois traços, um quatipuru que rói uma noz. As dimensões do jaguar são super mensuradas em relação ao porco e o veado, em sinal de ferocidade e superioridade em força física. Em uma cena de dança, são mostrados os joelhos dobrados. O desenhista tenta exprimir o movimento da parte de cima do corpo (para frente e para trás) na dança, pela inclinação da cabeça enfeitada com uma coroa de feras (:38).

Muitos desenhos mostram que seus autores já estão em contato antigo com os brancos, como o desenhista que já trabalhou nas florestas de borracha do baixo Rio Negro e teve oportunidade de ver pequenos barcos fluviais a vapor. No desenho do motor América, ao lado da grande roda traseira pela qual este motor era movido, ele acrescenta outra roda lateral, como já tinha visto em outros vapores. Indica também 4 remos, apresentando sua versão em perspectiva do movimento pela força das máquinas. No restante o artista guarda bem todas as particularidades registradas na memória. No convés gradeado, percebem-se diversas redes de passageiros. Espesso fumo saindo da chaminé é desenhado inclinado em relação com o navio, indicando a direção da viagem. Três guarda-ventos cuidam do ar fresco no compartimento da máquina. Algumas feras são intencionalmente arranjadas no plano espacial, mostrando um esboço de perspectiva. Embora em proporções despropositadas para uma visão realista, o arranjo é apresentado criativamente. São desenhadas a arara no ar, e o peixe e o jacaré na água. O enfoque de um detalhe indica a representação do conjunto, quando o artista desenha apenas a parte de cima do corpo do pescador ¾ que flecha um pirarucu em uma pequena canoa ¾ como se as pernas do homem sentado estivessem escondidas pelas paredes do barco. O espírito inventivo passa dos esboços para as radiografias, das radiografias para a idéia de movimento e desenvolve requintes de genialidade para expressar cenas dramáticas (:41).

Alguns imprimem humor na recriação de cenas da vida cotidiana, como uma pescaria Kobewa no rio Negro e seus afluentes. O remo do leme pende de sua posição na água, sem encontrar apoio, em uma representação simplificada de barco suspenso. Enquanto pesca, é ultrapassado por um vespeiro, sendo picado no joelho. O sangue corre. Espantado, procura seu demônio e coça seu corpo ferido. Um jovem está ao lado dele na água e lança um peixe apanhado no barco enquanto segura o outro peixe na mão esquerda. O desenhista suprime a água e desconsidera as proporções e a perspectiva (:46). O mesmo desenhista Kobewa do quadro anterior atira com zarabatana em pequenos macacos trepados em alto cipó. A aljava do atirador ¾ na qual eles guardam flechinhas envenenadas ¾ está pendurada no braço enquanto o atirador a traz dependurada por um cordão às costas. Um outro índio atira com o arco os peixes, reconhecíveis pela forma do desenho da pele: surubim, pacú e uiuarana. São destacadas como características o bocal da zarabatana, as extremidades das flechas, as formas das lanças, o arrendondado das frutas, o enrolado dos cipós, as barbas do surubim. As costelas são visíveis no atirador e em ambos os macacos.

Nota que espíritos também desempenham um importante papel na vida do indígena, que ele retrata nos desenhos. "O Kamini vive em densas florestas debaixo de árvores altas. Ele é como uma sombra, sem nariz e cabelo ¾ e por isso mesmo [foi] desenhado diretamente como esqueleto" (:49). Esta crença inspirou ao desenhista seu Kamini, que ele representou em rápido esboço e sem braços dando a idéia de esqueleto . Em outro Kamini o corpo já é desenhado, conforme explicado pelo informante (:49). A forma de medusa da figura representa o espírito da morte tucano. O desenhista exprimiu principalmente o sem ser (Vesenlose no original, :50). Em outras figuras, temos a alma do feiticeiro Umauá. Depois da morte de um feiticeiro, o corpo separa-se de sua alma. Enquanto a metade inferior permanece no túmulo, a parte superior não vai para o outro lado dos comuns mortais, mas para o "Olimpo especial", este mediador entre a humanidade e o mundo do espírito, em uma "casa de pedra" no rio Macaya em que estes preferidos sentam-se em banquinhos esmaltados" (:51). Estes espíritos comem seres humanos, como ocasionalmente, segundo Koch-Grünberg, também os Karihonas talvez o façam, em alusão a um costume tradicional.

É criado artisticamente o efeito de monstros medonhos devoradores ao mostrar os dentes nas bocas abertas de figuras cuja expressão, no entanto, é inofensiva. Os Umauás trazem em suas cintas desenhos como os que expressam a alma de um feiticeiro.

Os Umauá usam um pilão para matar os inimigos, como o que é segurado pelo fantasma da floresta. Em algumas figuras, os membros têm posição irrealizável, como um pênis na parte superior do tronco. É desenhado só o torso do Makuke, um demônio barbado da floresta cuja pintura losangular do corpo representa um importante papel nas danças de máscaras. O Makuke é um dos piores entre os espíritos: troça do caçador, fazendo-lhe atirar longe da caça, e usa a zarabatana para matar as pessoas. Sua dança é uma pantomina da caça com esta arma, na qual são usadas a máscara da donzela (solteirona) da água , das grandes borboletas azuis, dos demônios perniciosos do mundo dos espíritos. Sua casa é na cachoeira Jurupari (Caiarí-Uaupés), em que existe um grande pote de malária no qual todos que dele bebem adoecem de forte febre, análogo à imagem da borboleta vista pelos Kobewa como portadora do germe da malária. O modo de pensar dos índios é visto como diferente do dos bacteriólogos que já haviam identificado na época os mosquitos como os agentes transmissores da doença.

Ao ressaltar o valor artístico dos desenhos e pantominas dos Tukanos e Kobewas, as observações de Koch-Grünberg não dialogava apenas com princípios do naturalismo científico, mas com as colocações inovadoras do expressionismo alemão (Reichel-Dolmatoff, 1995:17), que se encontravam com a antropologia ao pregar a busca das fontes da imaginação criadora.

Citando diretamente o autor: "Os indígenas também têm sua `poesia do céu', como Byron denomina as imagens das estrelas. Sua fantasia povoa o céu com seres humanos e animais, formas freqüentes de sua saga. Vêem nas constelações semelhanças com objetos da vida cotidiana. Vistas na perspectiva de que estão em íntima conexão com seus mitos, as estrelas têm para os indígenas um interesse prático particular. Elas servem para eles como medidoras do tempo, como guia dos caminhos; de acordo com a posição de algumas constelações em relação a outras, eles contam as estações do ano e determinam o trabalho em suas plantações. Por isso, se alegram se partilha com eles este interesse. Meus amigos morenos sempre demonstraram grande solicitude em mostrar-me e explicar-me suas estrelas. Em noites claras, após o dia duro e calorento, gozando a brisa refrescante, nos acocóravamos juntos no pátio da aldeia e [discorriam] sobre astronomia. O que eu tanto aprendi através das aulas práticas, era `repetido' durante o dia pela memória e esclarecido e aprofundado através de desenhos na areia e no livro de anotações e esboços" (Koch-Grünberg, 1905:58).

Fizeram para ele dois mapas das estrelas: de um Miriti-Tapuyo do rio Tiquié e de um Kobewa do Cuduiary. O desenhista do quadro representa as estrelas de modo natural, como as vê (a olho nu), e as enquadra ingenuamente no céu. O artista Kobewa as mostra na forma que a elas tem dado a fantasia indígena, mas com o custo da clareza e da ordenação correta dos locais, como é conduzida pelo primeiro. É destacada, por sua grandeza e esplendor, a constelação do Escorpião, chamada de "cobra grande" ¾, que assume esta forma especialmente em outubro, quando está no alto do céu. Próximo ao fim da cauda está o "ovo da serpente", a estrela de terceira grandeza.

Koch-Grünberg diferencia a criatividade do espírito observador nos desenhos que os índios fizeram para ele. Ao tratar das representações indígenas expressa a visão de um pensador em diálogo tanto com o romantismo alemão, quanto com a prática classificatória das ciências naturais da virada do século. Ao falar, no entanto, dos índios, "não fala de abstrações, mas de indivíduos, não se dedica ao estudo de coletividades, estruturas ou modelos mas à descrição de situações reais, de objetos e seus significados, de emoções e sua expressão" (Reichel-Dolmatoff, 1995:14). Nas suas elaborações sobre os desenhos dos índios fala mais alto o escritor e viajante emotivo, interessado nas formas de expressão artística, apresentando uma noção de animismo que parece contrária ao espírito classificatório do naturalismo científico.

2.2. Koch-Grünberg, Stradelli e Tastevin : Crenças, desenhos e inscrições

Também motivado pela temática das representações dos aborígenes, Stradelli parecia seduzido pela idéia que as inscrições em pedras eram uma forma de escrita. Em depoimento colhido por Max e Stradelli, um índio dissera: "vocês têm o papel para escrever e nós as pedras" (Cascudo, 1936:81). Koch-Grünberg não compartilhava esta opinião, e segundo Cascudo (Id., ibid.) ele teria afirmado que não passavam de distração para os índios. Na opinião de Tastevin, as interpretações dadas usualmente às inscrições nas pedras seriam ilusórias, e estas não passariam de figuras feitas por distração por pessoas (ou povos) que talvez quisessem deixar um traço de sua passagem11 11 Agradeço a minha mãe pela tradução, e a Ernani Chaves por rever a versão final. Será dado destaque a este texto, citado por Tastevin (1923:118), por seu caráter de exemplaridade, e por não ser publicado em línguas próximas ao português. .

Em uma interpretação dos petroglifos de uma localidade do baixo Caquetá denominada La Pedrera, na Colômbia, Tastevin (1923c) mostrou que tais inscrições expressariam formas humanas, seres animados e inanimados, constelações; podiam ainda tomar a forma de entidades míticas, como a Cobra Grande, ou de máscaras como o Jurupari (:113). Estes petroglifos são conhecidos pelos índios do Médio Solimões dos dias de hoje, cujas excursões para a Pedrera feita para lá se proverem de "pedras de amolar", foram registradas nesse artigo por Tastevin (:110), no qual ele mostrou a imemorialidade destes itinerários nativos12 12 APC, 294-A-V- Les langues Américaines, p. 2. .

Neste texto, Tastevin comentou os petroglifos, dizendo que "figuras humanas estilizadas podem representar máscaras ou figuras de gênios". "Na figura, acreditamos ver uma serpente que devora um macaco, a menos que seja uma representação do Boiassu, a cobra grande, gênio ao mesmo tempo homem e serpente, filho da mulher e de uma cobra grande gigantesca" (Tastevin, 1923:115). Comparou os petroglifos com os desenhos de um artista Karihona. Neste texto, Tastevin (:118) cita o trabalho de Koch-Grünberg (1905), especificamente no que se refere a ter indicado a significação das máscaras do Jurupary.

Stradelli, como Tastevin, contribuiu para uma visão da Amazônia, a partir de Tefé no início do século XX . Registrou em mapas, artigos e, sobretudo, em um vocabulário Nheêngatu-Português suas impressões acumuladas entre 1887 e 1926, anos em que viveu radicado na Amazônia. Interpretou crenças e práticas religiosas dos índios, tais como as relativas ao Anhangá (Stradelli, 1929:370), ao Curupira e ao Jurupari (Stradelli, 1964), sem os preconceitos religiosos que repudiavam as concepções nativas, classificando-as como satanismo (Cascudo, 1936:52).

O principal ensinamento do Jurupari, segundo Stradelli, é a prescrição de guardar segredo. O Jurupari foi definido por Stradelli (1929:497) como "o Legislador, filho da virgem, concebido sem cópula pela virtude do sumo da cucura do mato e que veio mandado pelo Sol para reformar os costumes da terra, a fim de poder encontrar nela uma mulher perfeita, com que o sol possa casar". Tastevin (1923a) define o Jurupari como: "nome próprio de um antigo legislador índio, de quem conservam ainda os usos, leis e tradições lembradas nas danças mascaradas de Jurupari. O nome parece significar máscara, pari, da boca ou do rosto: iu-ru-pari: meter um pari no próprio rosto. O demônio para os cristãos e, por extensão, animal feroz, pessoa malvada."

O uso pelo naturalista italiano da máquina fotográfica como técnica de registro não passou despercebida pelos índios que, segundo Coudreau (Cascudo, 1936:54), diziam que ao estalar das mãos ¾ para bater a foto ¾ fazia nascer os homens ¾ nas fotografias. Os etnólogos, no entanto, o criticaram por imprimir um tom fantasioso nas crônicas por ele escritas. De fato, a leitura do texto português do seu vocabulário produz a impressão de que o autor deleitava-se na entrega romântica a exercícios imaginosos na tentativa de compreender o que era dito pelos nativos. Não obstante, o seu texto tem a qualidade de parecer livre dos jargões da época e dos artifícios cientificistas.

Tastevin, apesar de ter ressaltado o interesse etnográfico do vocabulário de Stradelli, fez ressalvas ao excesso de personalismo de suas notas observando que assim estaria tomando suas impressões pela visão dos índios13 13 Uma pesquisa recente indicou que na concepção dos índios Andoques, habitantes atuais da região Colombiana da Pedrera, os petroglifos teriam sido feitos antes de sua chegada por "gigantes", em uma linguagem desconhecida pelos povos indígenas de hoje. Estes povos estão em comunicação direta entre si e vivem em áreas geográficas fronteiriças com os Andoques, como Miranhas, Muinames, Uitotos etc (Landaburu e Pineda, 1984:210). . Tastevin indicou que não puderam aprofundar os laços de colaboração dada a "rivalidade e suspeição" (Cascudo, 1936:108) que existia entre ambos, produzida talvez pela sua situação de etnólogos radicados em Tefé e dedicados ao levantamento de dados in loco. Além disso, afirmou que no final de sua vida, Stradelli vivia entre seus livros, retirado em sua residência e afastado do "povinho", tendo deixado os estudos de etnologia mediante registro direto (Cascudo, 1936:107). O missionário lançou também um olhar crítico sobre os mapas produzidos por compilação, que imprimiriam fantasia ao delineamento dos acidentes geográficos reais, e disse que os encarregados do recenseamento de Tefé acabaram optando por utilizar os seus trabalhos (de Tastevin), recentemente publicados.

2.3. As interpretações etnográficas sobre a cobra-grande-arco-íris.

As interpretações sobre a cobra-grande-arco-íris de Tastevin no Médio Solimões/Japurá (1925), de Nimuendajú entre os Ticunas (Nimuendajú, 1942 e 1952) e Koch-Grünberg no rio Negro e em Roraima (1979) têm sido consideradas atualmente por estudos etnológicos14 14 APR, carta de 3O de abril de 1922. , dentro de uma perspectiva de análise dos mitos das terras baixas na América Central e América do Sul. Os registros etnógraficos aqui enfocados merecem destaque, não apenas porque foram reelaborados pelos estudos antropológicos dos dias de hoje, mas também porque são uma forma de conhecer o olhar dos etnógrafos do início do século, e de compreender melhor as representações hoje registradas.

Na sua análise da "lenda"( nas suas palavras) do Boiassú (Tastevin, 1925), entre os índios cristianizados, Tastevin observou a associação entre a "cobra grande" e o "arco-íris". Para Tastevin, eles incorporavam influências cristãs como a submissão do destino da Cobra Grande a um Deus supremo, e, inversamente, paganizavam as crenças cristãs a eles ensinadas, mas não se observava a substituição de umas por outras. Nesta interpretação, se baseou em princípios teológicos ministrados pelo catolicismo que informou seus procedimentos antropológicos. No relato (:183) da transformação do Boiassú em arco-íris (de dia, pois de noite ele se transformaria em mancha celeste), Tastevin fez observações etno-geográficas como a associação da cobra grande a acidentes naturais definidos, como a boca do Japurá, perto do Parauarí. Tastevin notou que os ribeirinhos do Médio Solimões atribuem a formação de tempestades ao aparecimento de arco-íris (:172). Segundo registrou, acreditava-se que não se deveria jogar pimenta ou comida apimentada na água, pois a "cobra grande" , entidade "encantada"¾ ou seja, sobrenatural ¾ que se instalaria nos locais mais profundos dos rios, se enfureceria e castigaria os infratores, atraindo a canoa para o fundo. Os turbilhões e as grandes tempestades seriam atribuídos a essas cobras encantadas, que se transformam de dia em arco-íris, e de noite em mancha celeste. A constelação do escorpião seria a árvore na qual a "cobra grande" subiu ao céu. Isto significaria que ela poderia voltar à terra (:182). Em uma nota em diário não classificado de Chevilly LaRue, foi registrado por Tastevin: "arco-íris é varadouro para brasileiro andar no céu"15 15 Principalmente a partir de terem sido cotejadas por Lévi-Strauss, no seu trabalho "O cru e o cozido" (1991), seguido pelos trabalhos de Roe (1982, 1989), e Sullivan (1990). . Compare-se este registro com as observações de Koch-Grünberg relativas à influência do movimento das constelações no céu sobre as representações indígenas.

Segundo um relato registrado por este missionário em Tefé (Tastevin, 1925:183), dois pescadores mataram um macaco vermelho (acari) na boca do lago do Mamirauá ¾ no território da atual estação ecológica Mamirauá ¾ e o cozinharam com pimenta, jogando os restos apimentados na água. Imediatamente a cobra grande agitou o fundo daquele lago, onde vivia, formando um temporal, e transformou-se em um arco-íris, que começou a atrair a canoa dos pescadores, puxando-a para o céu como um imã na direção do turbilhão. Os pescadores reuniram forças surpreendentes para remar contra esta atração sobrenatural, e lograram encostar em uma barreira de terra firme, salvando a vida e a canoa.

Também foi registrada por Koch-Grünberg, em Roraima, na fronteira com a Venezuela, a representação da cobra grande, chamada ali de Keieme (1979), como capaz de transfigurar-se em arco-íris. Koch-Grünberg estranhou que os pastores protestantes da Guiana Inglesa tenham dado ao Deus cristão o nome de Macunaíma. Tastevin discordou do pensador alemão, opinando que como a entidade era considerada pelos Caraíbas como o príncipe da sabedoria e do poder, seria para eles sem dúvida o único personagem do folclore caraíba que poderia representar o poder divino.

Koch-Grünberg afirmou que em sua viagem de dois anos nos altos rios Negro e Japurá, procurou viver, de certa maneira, "como índio entre os índios"17 17 "als Indianer unter den Idianern", Koch-Grünberg (1905), prefácio, pp. VI-VII. , e teve oportunidade de aperfeiçoar o conhecimento existente sobre a vida corporal e mental daqueles que chamou de "crianças da natureza". Diferentemente de outros estudos, procurou ver e interpretar as suas aptidões a partir de dentro. Almejava penetrar o espírito dos chamados "selvagens", com o intuito de esclarecer que não se tratavam de seres "semi-ferozes" ou semi-humanos considerados "selvagens", pois eram homens pensantes e de pensamento instigante. Procurou clarificar a visão ocidental da mente daqueles que chamou de "nossos amigos morenos", cujas concepções conheceu a partir da contribuição de uma postura etnográfica (1905).

As observações de Koch-Grünberg não eram, como as de Tastevin, informadas por princípios religiosos, e não foram utilizadas apenas pela história natural e pela etnologia. Como sua preocupação documental extravasava as fronteiras nacionais, o romancista Mário de Andrade escolheu Macunaíma ¾ mito fronteiriço do Brasil e da Venezuela ¾ como o herói "sem caráter" para constituir um imaginário mais circunstanciado pelo estudo das particularidades e especificidades culturais do Brasil, informado por uma perspectiva universalista (Andrade, 1988:356).

Nimuendajú trabalhou dentro de um ponto de vista propriamente etnográfico, e não compartilhava as preocupações religiosas de Tastevin, ainda que eles tivessem se correspondido e trocado informações. Tastevin afirmou em uma carta de 17 de setembro de 22, dirigida a Paul Rivet, que havia recebido alguns artigos de Kurt Unkel, que cada vez estimava mais.

Nimuendajú também registrou o mito do arco-íris, em suas particularidades para os Tukuna (ou Ticuna, como se pronuncia em português pelos agentes locais) do Alto Solimões. Observou que estes diferenciam entre o arco-íris do leste e do oeste, ambos demônios sub-aquáticos, respectivamente o senhor dos peixes e da argila (Nimuendajú, 1946:723-4). A argila seria retirada do fundo dos rios, ao passo que os arco-íris seriam associados ao desmoronamento de encostas (Tastevin, 1925:183).

Para os Ticuna, no início dos tempos (Nimuendajú, 1952:134), os dois irmãos Yoi e Ipi começaram a brigar sobre a divisão do mundo, disputando qual dos dois receberia o leste ou o oeste. Ipi queria descer o Solimões para o leste e deixou os seus seguidores ocupando esta região. Mas, enquanto ele dormia, Yoi virou o mundo ao contrário de forma que Ipi e seu povo ficaram no Oeste, enquanto Yoi e seu povo permaneceram no Leste, como este queria, passando a viver na terra do sol nascente, além do mar, em um lugar chamado Mu'ruapi, onde nenhum mortal teve condições de jamais chegar. Em tempos antigos, alguns chegaram suficientemente perto para ver mu' ruapi de longe, mas quando chegaram perto, tudo se transformou em arbustos em flor.

Há muitos anos atrás, um Ticuna (Nimuendajú, 1952:134) viajou para onde o sol se levanta. No caminho, chegou à casa de Yoi (Yoi). Ele entrou, mas não viu Yoi. Para onde ele olhava, ele via apenas sua imagem, porque as paredes da casa eram feitas de espelhos. Yoi enviou-lhe mensagem para ele voltar para sua terra, porque não queria vê-lo nem ser visto por ele. Segundo o mito de origem Ticuna, os seus heróis fundadores Yoi e Ipi (Oliveira Filho, 1986:147) moravam na boca do Eware, afluente do alto do Igarapé S. Gerônimo. Ali foram pescados os primeiros homens, como indica o relato da formação do povo Maguta, que quer dizer "pescados do rio". Em um manuscrito de Nimuendajú (:148) está registrado:

"Os homens pescados por Yoi e Ipi não morrem como nós, seus descendentes (os yunatu, i.e., mortais), mas vivem até hoje encantados na região onde foram criados com Yoi, longe do Oriente." Na briga entre Yoi e Ipi pela divisão do mundo, Yoi decidiu "virar o mundo" porque ele queria ficar no Leste, onde o sol nasce, rio abaixo, onde a principio iria ficar Ipi. [Nimuendajú, 1952:134 e Oliveira Filho, 1986:104].

A leitura de literatura especializada atual sobre a cosmologia das terras baixas na América Latina leva a supor que os mundos sobrenaturais subterrâneos e celestiais estariam relacionados do ponto de vista de uma "terra medial". O domínio da atmosfera, por sua vez, seria a mediação entre a terra e o firmamento superior. Entre as representações de seres que transitam por tais domínios de mediação, cita-se a imagem da "cobra-grande/arco-íris", que, em suas metamorfoses, passa dos mundos inferiores para a terra e desta para os mundos superiores. Esta imagem parece ligada aos mitos de origem Ticuna, e envolve observações sobre os pontos cardeais (leste e oeste). Está relacionada com as representações Ticuna sobre os peixes e a saúde, pois as cobras e os peixes produzem venenos que estão ligados às idéias de morte e regeneração. Os relatos sobre o arco-íris parecem dizer respeito também às representações sobre os movimentos populacionais.

Conclusão

Foi apresentada, neste artigo, a rede de relações de etnógrafos da Amazônia do início do século XX, a partir da visão de mundo de um missionário etnólogo que viveu por 20 anos na região de Tefé, detendo-se em suas reflexões sobre as representações dos índios, notadamente sobre a cobra-grande-arco-íris. Os seus escritos e os escritos dos outros etnógrafos mostram o espírito da etnologia do início do século. Ainda que dialogando com o campo científico, têm o sabor dos apreciados diários de viagem. Para além do interesse pelo exótico, o registro de representações que se referem à abordagem dos mitos de origem é informado por preocupações etnológicas construídas dentro do estudo das religiões e do domínio do pensamento mágico. Este viés exprime, no limiar da modernidade, as conexões entre a etnologia e as vanguardas estéticas, motivadas pela busca das formas de expressão não ocidentais como fonte de criação artística.

Embora seus trabalhos expressem visões diferentes, estes etnógrafos tiveram em comum o fato de ter se distanciado do mundo europeu para dedicar-se ao conhecimento de populações autóctones na Amazônia. Apesar da longa duração de sua permanência nesta região não deixaram de ser estrangeiros, parecendo impossível uma ruptura completa com sua condição de brancos e europeus: para demonstrar isto, basta lembrar suas relações de intercâmbio com as instituições metropolitanas e com o mercado de bens simbólicos, bem como o diálogo difícil com os etnólogos de gabinete.

A produção do Padre Tastevin permaneceu dispersa em periódicos, não logrando realizar seu plano inicial de aproveitar o exílio na França para produzir um trabalho mais completo. O seu duplo papel aparece impresso em seus textos e condiciona as questões por ele colocadas, mesmo quando elas são provenientes do âmbito científico. Efetivamente, ele se distanciou das orientações estritamente religiosas para produzir um trabalho etnológico que é lido e reinterpretado nos dias de hoje, por ter registrado fatos etnológicos relacionados com a débâcle da exploração da borracha e com a visão de mundo e as representações daqueles que chamou de "caboclos cristianizados". Suas idéias eram informadas por sua prática enquanto missionário e pelo espírito de sua época. A biografia de Leenhardt, também missionário e etnólogo, indica que embora houvessem incompatibilidades entre estas duas práticas, foi possível, para este outro etnólogo evangelista, uma coexistência entre os dois papéis conflitivos (Clifford, 1992:127). Como lingüista americanista, é importante o diálogo do missionário Bretão com Rivet, no sentido do estudo das línguas autóctones dentro de uma perspectiva etno-histórica (Landaburu, 1996). A riqueza da produção de Tastevin consiste em sua heterogeneidade documental, que expressa as muitas facetas de sua personalidade intelectual, exacerbadas depois da volta à França.

A abordagem das representações sobre o que Tastevin caracteriza como "lenda" da cobra-grande-arco-íris, a partir do ponto de vista dos "caboclos cristianizados", exprime o seu viés, visto que estava expressando sua visão do pensamento católico de sua época, além de suas polêmicas com Stradelli e Koch-Grünberg.

Os paralelos entre os autores indicam que o olhar de cada um deles era informado pela vivência de diferentes formações, ainda que interrelacionadas. Tastevin não dialogava apenas com o racionalismo francês. Sua formação histórico e geográfica indica vinculações com vertentes do pensamento alemão. São sabidas as relações de seu patrono Paul Rivet com as vanguardas estéticas, sobretudo o surrealismo, cujos princípios e fundamentos cruzavam fronteiras entre as disciplinas e as epistemes nacionais.

Koch-Grünberg, por sua vez, em diálogo com o pensamento alemão e com a etnologia em formação, não se restringia à classificação taxionômica dentro de critérios das ciências naturais. As elaborações deste pensador viajante diante da arte dos chamados povos "primitivos" mostram sua formação humanista e sua sensibilidade aguçada pelo interesse nas formas de expressão artística, sintonizada com as vanguardas estéticas e intelectuais européias. Além de seus inúmeros artigos, em que tratou de assuntos específicos de interesse científico, Koch-Grünberg imprimiu em seus livros o estilo de narrativa de viagem, ainda que com sofisticadas elaborações inspiradas por reflexões de natureza científica, estética e literária. O acesso à sua produção em forma mais acabada tem chegado aos leitores latinos apenas recentemente, através de traduções para o espanhol (1989,1995). Talvez este seja um sinal da atualidade e da riqueza de sua contribuição.

Ao partir do olhar de Tastevin, talvez se tenha aqui menosprezado a importância de Stradelli, cuja obra não se restringe a observações esparsas de uma personalidade desviante, um conde italiano romântico que cortou suas raízes para mergulhar no exotismo das profundezas das representações indígenas sobre a magia e os entes fantasmagóricos da floresta e da beira-rio. A ele se deve uma visão livre dos preconceitos do pensamento católico que etnocentricamente reduzia a nada os saberes preexistentes, expurgando as expressões da originalidade nativa como se fossem espíritos malévolos esterelizados em um ato de batismo.

Dentro do recorte estabelecido neste artigo, apenas se tocou em uma pequena amostra das observações de Nimuendajú norteadas por preocupações mais especificamente etnológicas, no sentido de focalizar a cosmologia e os mitos de origem propriamente Ticuna, que os diferenciavam dos neo-brasileiros. O interesse etnográfico pelo trabalho de Niemundajú ¾ naturalizado brasileiro e auto-exilado na Amazônia ¾ não é minimizado quando se mostra que sua prática estava inserida em um campo de relações institucionais caracterizado pela assimetria e pelo colonialismo cultural. Os temas por ele trabalhados foram aqui apenas delineados. O estudo de sua obra e de sua biografia requer toda uma pesquisa de sua contribuição para a história da etnologia, e do ponto de vista da Amazônia, para a etnografia Ticuna ¾ que não cabe nos limites deste trabalho.

As diferentes idéias de hoje e de ontem mostram que a história muda as abordagens e os paradigmas na antropologia. O interesse se desloca da busca de explicação da origem da humanidade para a prática de "desmontar mitos" e oscila entre a sintaxe e a semântica, em vertentes da antropologia contemporânea que se debruçam sobre as estruturas míticas, a cosmologia e o significado das religiões dos autóctones. Outras abordagens enfocam o problema do sujeito, do indivíduo, da troca e da luta dos homens.

O estudo da história da antropologia é uma forma de focalizar os seus próprios horizontes, para ter uma visão de sua imagem que não seja mero reflexo, mas construção iluminada por raios refratados nas águas profundas do tempo. As descontinuidades históricas são uma demonstração que o conhecimento do passado não deve buscar nele um espelho, mas o reconhecimento dos deslocamentos de posição e a distinção entre os diferentes papéis, e a identificação das práticas sociais.

Além de partilharem formações semelhantes, ainda que distintas, existe em comum entre eles o fato de terem mergulhado no mundo desconhecido das representações indígenas. Os paralelos entre suas trajetórias se somam com os caminhos ¾ reais e imaginários que aproximam os universos observados por estes diferentes autores.

Notas

Bibliografia

ABSTRACT: The ethnographers who traveled and lived in Amazon basin at the beginning of the twentieth century are focused, in this article, as sources of reflection for the history of anthropology. Points of view of P. Tastevin, Koch-Grünberg, Stradelli and Nimuendajú are analised in their implications for the local knowledge of the Solimões River and for the field of ethology. Some aspects of their intelectual production, in addition to facts of their biographies, considered within the framework of the background of each one of them, are the subject of this inquiry. The best-known contribution of those ethnographers to contemporary anthropological theory is their interpretation of the beliefs and representations of the Amazon Indians. The main interest is to show how the shared situation lived by those ethnographers have produced relation between their works, even though the circumstances of their interaction have not been explicit in written documents, and each one of them have not always seen the other as a true interloctor.

KEY WORDS: ethnographers, anthropology, ethnology, history, background, representation, documents, interloctor.

Aceito para publicação em dezembro de 1996.

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  • 1
    Pesquisadora do CNPq/Museu Goeldi.
  • 2
    Alguns critérios de agrupamento de autores considerando-os como uma "população" foram definidos por Oliveira Filho (1987a e 1987b).
  • 3
    O Museu Paraense de Etnografia e História Natural, atualmente Museu Paraense Emílio Goeldi, foi uma instituição de referência para estes etnógrafos, aparecendo de maneira recorrente em suas correspondências e nas biografias citadas neste trabalho.
  • 4
    Nas suas "notas e impressões de uma viagem ao Japurá", A.P. Chevilly LaRue (138 AI), em um manuscrito datado de 27 de setembro a 20 de outubro de 1899, o Pe. Augusto Cabrolié, que também era professor e médico, comenta que "ali se abaixa toda religião", descrevendo relações sociais tecidas pelo uso da força ¾ "terror" e "massacre" em suas palavras: No rio Tefé, 30 de setembro encontrou três índios que contam em detalhe o massacre da família Tápia, e que morreram na ocasião dois rapazes que foram alunos do Seminário de Tefé. Na Barreira do Maripira, Paraná do Jacitara, (1º de outubro) visitaram uma antiga maloca de índios Miranhas. Na ponta de Tucaia, um índio tinha matado com um tiro um caboclo, seu patrão e suas plantações eram disputadas por dois cearenses. Podemos notar nas descrições de Cabrolié que o uso da força é uma constante nas relações sociais nesta região, denotada pelo caráter guerreiro pelo qual os índios Macus eram conhecidos no Japurá ("a flecha do Macu protege a floresta virgem"), e pelo terror infundido pelos maus tratos infligidos pelos soldados sobre toda a população, sobretudo aos índios (2 outubro, São João do Príncipe). Este mesmo uso da força para a extorsão, considerada natural, de seringueiros caboclos e nordestinos, os quais, sobre o mero pretexto de dívidas não pagas, podem perder todos os seus pertences nas mãos dos patrões, seringalistas e comerciantes (3 de outubro, Nova Floresta). Banditismo e assassinatos são portanto fatos corriqueiros nos relatos sobre a vida social destas paragens, registrados enquanto o Pe. Cabrolié ministrava batizados, casamentos e missas. Os índios, submetidos também às relações sociais impostas pelos brancos, e recebendo em troca instrumentos de trabalho, eram dizimados por epidemias como a rubéola (9 de outubro, igarapé de São Francisco).
  • 5
    Em Hardenburg (1912: 28-9) são descritos atos intraduzíveis de violência, tais como o martírio de pessoas embebidas em petróleo e queimadas vivas, e o decepamento de corpos humanos como se tratasse da derrubada de árvores de caucho.
  • 6
    Sobre a gênese da narrativa humanitária, consultar Laqueur (1995).
  • 7
    Élisée Réclus, citado por Lowie (1946:132).
  • 8
    Ver Pastori, L., 1979:16
  • 9
    Embora seja comentado em versões pouco documentadas da história oral da Amazônia que também tenha morrido envenenado, como Nimuendajú.
  • 10
    Consultar também Oliveira Filho (1986).
  • 11
    Agradeço a minha mãe pela tradução, e a Ernani Chaves por rever a versão final. Será dado destaque a este texto, citado por Tastevin (1923:118), por seu caráter de exemplaridade, e por não ser publicado em línguas próximas ao português.
  • 12
    APC, 294-A-V-
    Les langues Américaines, p. 2.
  • 13
    Uma pesquisa recente indicou que na concepção dos índios Andoques, habitantes atuais da região Colombiana da Pedrera, os petroglifos teriam sido feitos antes de sua chegada por "gigantes", em uma linguagem desconhecida pelos povos indígenas de hoje. Estes povos estão em comunicação direta entre si e vivem em áreas geográficas fronteiriças com os Andoques, como Miranhas, Muinames, Uitotos etc (Landaburu e Pineda, 1984:210).
  • 14
    APR, carta de 3O de abril de 1922.
  • 15
    Principalmente a partir de terem sido cotejadas por Lévi-Strauss, no seu trabalho "O cru e o cozido" (1991), seguido pelos trabalhos de Roe (1982, 1989), e Sullivan (1990).
  • 16
    Segundo o Novo Dicionário Aurélio Buarque de Holanda, varadouro é:
    "1. Lugar baixo, de pouca água, à beira mar ou à margem de um rio, onde se varam embarcações. 2. Lugar onde um grupo de pessoas se reúne para descansar e conversar. 3. canal aberto com rapidez, e que permite a passagem de um rio para outro em curtíssimo tempo, a fim de se evitarem os acidentes do curso, varação. 4. Canal que liga um lago com um rio. 5. Atalho dum rio que, atravessando a várzea submersa, encurta o caminho." A terminologia se estende a caminhos abertos " na mata e que vão ter ao centro , ou vice-versa". Na Amazônia, a palavra é usada mais frequentemente com o sentido das definições 3, 4 e 5. Em Cunha (1976:250-4), é descrito o uso de varadouros abertos por mão humana no interior da mata, que se somam aos varadouros abertos pela natureza sobretudo nos períodos de enchente, e facilitam o transporte e a comunicação entre as veias fluviais , dificultados pelo sinuoso contorno dos rios e pela exuberância da selva.
  • 17
    "als Indianer unter den Idianern", Koch-Grünberg (1905), prefácio, pp. VI-VII.
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      27 Nov 2000
    • Data do Fascículo
      1997

    Histórico

    • Aceito
      Dez 1996
    Universidade de São Paulo - USP Departamento de Antropologia. Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas. Universidade de São Paulo. Prédio de Filosofia e Ciências Sociais - Sala 1062. Av. Prof. Luciano Gualberto, 315, Cidade Universitária. , Cep: 05508-900, São Paulo - SP / Brasil, Tel:+ 55 (11) 3091-3718 - São Paulo - SP - Brazil
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