RELATÓRIO TÉCNICO TECHNICAL REPORT
Consulta Técnica Regional OPS/MSF sobre Organização e Estrutura da Atenção Médica do Doente e Infectado por Trypanosoma cruzi/Doença de Chagas
Montevidéu, Uruguai, 13 e 14 de outubro de 2005
O desenvolvimento, desde 1991, das Iniciativas Sub-regionais de Controle da Doença de Chagas, e os avanços de conhecimento em matéria de diagnóstico e manejo da infecção/doença de Chagas, levam à necessidade ética, e operativamente imperiosa, de estruturar o diagnóstico, atenção e tratamento desta afecção.
Uma situação particularmente delicada, preocupante e alarmante, se constitui pela escassa e não eqüitativa disponibilidade dos limitados recursos terapêuticos, atualmente disponíveis, para o tratamento etiológico da doença de Chagas, na maior parte dos países endêmicos da América.
Nessa situação, propõe-se o desenvolvimento da Consulta Técnica Regional OPS/MSF sobre Organização e Estrutura da Atenção Médica do Enfermo e Infectado por Trypanosoma cruzi/Doença de Chagas, com os objetivos de:
definir o alcance e estrutura da atenção médica ao paciente, tanto em nível de diagnóstico e manejo como de tratamento;
desenvolver modelos alternativos e optativos de atenção, assimiláveis às estruturas sanitárias dos países;
delinear a atenção do infectado/paciente com doença de Chagas, segundo o seu momento biológico-patológico evolutivo, dentro dos níveis de complexidade da atenção médica;
estabelecer considerações sobre a atenção pediátrica, materno-infantil, transfusional e de maior complexidade;
definir as necessidades e o alcance do diagnóstico da doença;
estabelecer os alcances e facilidades que, dentro dos sistemas de atenção, devem ter estes pacientes;
definir o panorama total de disponibilidade e acessibilidade dos pacientes ao tratamento etiológico desta enfermidade;
projetar conceitos e concepções marco sobre o custo, impacto e efetividade do desenvolvimento deste componente de morbidade e atenção em doença de Chagas;
estabelecer as necessidades de investigação operativa e de gestão para avançar no desenvolvimento da atenção médica a este grupo de pacientes.
Esta consulta, desenvolvida na cidade de Montevidéu, em 13 e 14 de outubro de 2005, pretende fixar a elaboração de um guia conceitual para comentá-lo e expandí-lo no ano de 2006, no âmbito das cinco Iniciativas Intergovernamentais Sub-regionais de Controle da Doença de Chagas.
Conclusões e Recomendações da Consulta Técnica Regional OPS/MSF sobre Organização e Estrutura da Atenção Médica do Doente e Infectado por Trypanosoma cruzi/doença de Chagas.
Aspectos conceituais
1. A incorporação do componente de morbidade e atenção médica às Iniciativas Sub-regionais de Controle da Doença de Chagas e aos programas nacionais dos países onde a infecção por T. cruzi é endêmica é oportuna e necessária. Esta implementação não deve desviar nem enfraquecer as atividades fundamentais de controle da transmissão (vetorial, transfusional e vertical) e de vigilância epidemiológica.
2. Vive-se um momento e uma conjuntura nova e diferente à de 1990 quando foram criadas as Iniciativas Sub-regionais de Controle da doença de Chagas. Os desenvolvimentos científicos e tecnológicos atuais implicam em melhorar e aperfeiçoar a atenção médica para 12 a 18 milhões de infectados na Região, além do mandato ético que esta ação implica.
3. É necessário que a atenção ao paciente infectado se integre como um componente de forma regular e sustentável às ações de prevenção, controle e vigilância das doenças dentro dos sistemas de saúde (públicos, seguridade social, privados).
4. Nos países onde a infecção pelo T. cruzi é endêmica deve-se garantir ao infectado/doente acesso universal e de qualidade, de acordo ao que cada país estabeleça para o atendimento de sua população.
5. É necessário seguir trabalhando para lograr a universalização da triagem de doadores de todos os bancos de sangue.
6. É preciso garantir a comunicação do resultado sorológico positivo aos doadores e seu encaminhamento ao sistema de saúde para receber a atenção médica necessária. Toda detecção por este meio deve ser confirmada com uma nova sorologia em laboratório de diagnóstico.
7. É necessário precisar em âmbito regional e nacional a demanda representada pela população de infectados/doentes, a fim de dar sustentação às decisões e ao desenho de estratégias da atenção médica.
Atenção Médica
8. A historia natural da doença de Chagas e a freqüência das diferentes fases e formas clínicas da afecção, orientam a planificação da atenção ao paciente nos serviços, segundo o grau de complexidade requerido para cada caso.
9. A assistência no primeiro nível de atenção não exclui o encaminhamento aos seguintes níveis de complexidade para cada caso em particular. Esse encaminhamento deve ser planejado e executado corretamente.
10. Recomenda-se que toda pessoa com infecção/doença de Chagas seja atendida, na medida das possibilidades, por um médico geral, clínico ou de família o más próximo de seu domicilio.
11. Os diferentes subsistemas de saúde devem organizar a assistência de infectados com T. cruzi ficando sob a responsabilidade do Estado a atenção médica daqueles sem cobertura.
12. Recrudescência por imunodepressões patológicas (VIH/AIDS, etc.) ou terapêuticas (tratamentos imunodepressores, transplantes, etc.) é um elemento emergente na problemática desta infecção.
13. O médico geral em países onde a infecção por T. cruzi é endêmica, deve conhecer a doença e se manter atualizado com os avanços no conhecimento da mesma para uma correta atenção, que inclua:
confirmação do diagnóstico etiológico;
solicitação de exames complementares;
definição da forma clínica;
iniciação e/ou continuidade do tratamento indicado;
avaliação do prognóstico;
determinação do tipo de atividade física que pode realizar o paciente;
determinação de intervenção de especialistas.
14. Fomentar a associação dos ministérios de saúde, as universidades e as sociedades científicas para que os programas de educação médica continuada capacitem sobre o tema.
15. A notificação de um resultado positivo de infecção/doença de Chagas ao paciente e seu seguimento requerem um correto processo de comunicação e aconselhamento médico-paciente que gere confiança ao infectado, mediante o correto e suficiente aporte de informação de forma adequada e oportuna.
16. Na atenção da doença de Chagas, gravitam as variações regionais na sua forma clínica e patologia, e deverão ser tomadas em conta para o desenho dos sistemas de atenção e suas prioridades.
17. A forma indeterminada é a mais freqüente na atenção da doença de Chagas e deve ser corretamente diagnosticada de acordo com o nível de complexidade do centro assistencial.
18. Uma proposta que favorece a equidade e a adequação da atenção ao infectado/doente é a criação de sistemas de referência e contra-referência.
19. Atualmente o critério de cura da infecção por T. cruzi é a negativização da sorologia convencional. Esta negativização se produz precocemente nos casos agudos e nos crônicos, quando acontece pós-tratamento, pode demorar vários anos.
20. Deve-se garantir aos doentes o tratamento sintomático e fisiopatológico.
Diagnóstico
21. O diagnóstico desta parasitose tem diferentes modalidades de acordo com a fase da infecção: a) na fase aguda (vetorial, transfusional, transplacentária) deve-se realizar por técnicas parasitológicas diretas ou demonstrando uma soroconversão; b) na fase crônica por métodos sorológicos; c) nas reativações por métodos parasitológicos.
22. Deve-se realizar sistematicamente a sorologia para T. cruzi em todas as grávidas nos países onde a infecção é endêmica. Se a mãe é soropositiva: a) deve-se procurar o diagnóstico da infecção no recém-nascido; b) estudar os outros filhos, em busca desta parasitose; c) todas as crianças infectadas devem ser tratadas.
23. A atenção da doença de Chagas deve considerar na sua organização e procedimentos às etnias originárias, e outros grupos étnicos para garantir uma cobertura e equidade com o resto da população e qualidade suficiente e adequada.
Tratamento
24. Os sistemas e os níveis de atenção de pacientes infectados por T. cruzi devem diagnosticar precocemente esta patologia a fim de otimizar a oportunidade do tratamento.
25. Em pacientes com infecções em fase aguda, independentemente da via de transmissão (vetorial, transplacentária, etc.), e em fase crônica recente (especialmente em crianças e adolescentes) nifurtimox y benznidazol demonstraram ser eficazes (OPS, 1998).
26. Em infecção crônica do adulto, os referidos fármacos se encontram em avaliação para demonstrar a sua eficácia no tratamento da infecção e prevenção da morbi-mortalidade, sem resultados conclusivos até o momento.
27. Para melhorar a qualidade da atenção do paciente é fundamental realizar um seminário internacional de consenso para estabelecer os aspectos básicos de um protocolo standard de investigação clínica para avaliar a eficácia dos novos candidatos tripanocidas.
Acesso ao Diagnóstico e Tratamento
28. Recomenda-se revisar e implementar estratégias que assegurem o acesso aos métodos de diagnóstico da infecção chagásica, garantindo a qualidade ao menor custo. Recomenda-se continuar a pesquisa de novos métodos e a simplificação dos atualmente disponíveis para facilitar o uso no primeiro nível de atenção.
29. Manifesta-se a preocupação pela atual incerteza sobre a disponibilidade de medicamentos para o tratamento etiológico da doença de Chagas. Devem-se estabelecer mecanismos multilaterais e internacionais de negociação para agilizar os processos, com a intervenção dos governos, OPS y outras organizações (DNDi, MSF, etc.).
30. É importante consolidar um circuito adequado de informação para quantificar melhor a real necessidade de tratamento e poder fazer mais reivindicação com os dados de demanda, para garantir a sua disponibilidade.
31. O processo de transferência de tecnologia para a produção de Benznidazol deve ser acompanhado e apoiado pela OPS e os países interessados. A produção por parte do Laboratório Roche durante o tempo que requeira este processo de transferência deve ficar assegurada.
32. Deve-se manter o contato multilateral sobre a Bayer para garantir a produção e distribuição de Nifurtimox.
33. De todos os âmbitos (assistencial, científico e institucional) deve-se continuar buscando alternativas de tratamento etiológico da doença de Chagas. Também estimular a pesquisa e produção de novas formulações pediátricas e de eliminação retardada.
34. Com respeito ao tratamento específico, reconhece-se que houve avanços em seu conhecimento, manejo e indicações. De qualquer maneira, tem que ser destacado que os fármacos atualmente disponíveis não são ideais na sua efetividade e segurança para o paciente, o que torna pertinente o estímulo e esforços para a obtenção de novas drogas mais efetivas, com menor toxicidade e menos efeitos colaterais.
Situação em países onde a infecção não é endêmica
35. Os países onde a infecção/doença de Chagas não é endêmica devem considerar a presença de pessoas infectadas por T. cruzi, procedentes de zonas endêmicas. Deve-se organizar a sua atenção, contemplar o seu papel como doadores de sangue e organizar o manejo clínico-terapêutico da transmissão congênita em gestantes infectadas.
36. Os países onde a infecção/doença de Chagas não é endêmica que recebem migração latino-americana devem organizar uma rede de centros especializados em temas relacionados com esta infecção, destinada a estabelecer protocolos de atenção e estratégias de controle.
37. As redes em países onde a infecção/doença de Chagas não é endêmica devem manter contacto permanente com as existentes em países onde é endêmica para promover estratégias conjuntas de pesquisa.
Lista de Participantes
Werner Apt Baruch Universidad de Chile
Julio Arturo Arribada Contreras Universidad de Chile
Daniel Héctor Bulla Fernández Universidad de la República del Uruguay
Yves Carlier Université Libre de Bruxelles, Bélgica
José Rodrigues Coura Instituto Oswaldo Cruz Brasil
Roberto Chuit Ministerio de Salud, Provincia de Córdoba, Argentina
João Carlos Pinto Dias Centro de Pesquisas Renê Rachou Brasil
Héctor Freilij Hospital de Niños Ricardo Gutiérrez Gallo, Argentina
Joaquim Gascon Hospital Clínic de Barcelona, RiVEMTI, RICET, España
Jordi Gómez i Prat Unitat Medicina Tropical i Salut Internacional Drassanes de Barcelona - ICS, RiVEMTI
Alejandro Luquetti Universidade Federal de Goiás, Brasil
Enrique Carlos Manzullo Centro de Investigaciones Epidemiológicas, Academia Nacional de Medicina, Argentina
Juan Roberto Márquez Córdoba Ministerio de Salud y Deportes, Bolivia
Jorge Mitelman Hospital Municipal de Agudos Teodoro Álvarez, Instituto Universitario de Ciencias de la Salud - Fundación H. A. Barceló, Argentina
Aluízio Prata Universidade Federal do Triângulo Mineiro, Uberaba, Brasil
Anis Rassi Universidade Federal de Goiás, Brasil
Pedro Antonio Reyes López Instituto Nacional de Cardiología Ignacio Chávez, México
Sergio Sosa- Estani Centro Nacional de Investigaciones de Enfermedades Endemoepidémicas, Ministerio de Salud y Ambiente, Argentina
Rosália Morais Torres Hospital das Clínicas da Universidade Federal de Minas Gerais, Brasil
Faustino Torrico Programa Nacional de Control de Chagas, Bolivia
Yester Basmadjian Chamikian Programa Nacional de Chagas, Ministerio de Salud Pública de Uruguay
Christina Zackiewicz Drugs for Neglected Diseases Initiative, Brasil
Unni Krishnan Karunakara Campaña de Acceso a Medicamentos Esenciales, MSF, Holanda
José Antonio Ruiz Postigo Campaña de Acceso a Medicamentos Esenciales, MSF, España
Mª del Carmen Escalante González Prensa y Comunicación, MSF Argentina
Pedro Albajar Viñas MSF-España, Instituto Oswaldo Cruz Brasil
Sílvia Morote Castel MSF España
Roberto Salvatella Agrelo OPS/OMS en Uruguay.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
Organización Panamericana de la Salud/Organización Mundial de la Salud. Tratamiento Etiológico de la Enfermedad de Chagas. Conclusiones de una Consulta Técnica. OPS/HCP/HCT/140/99, 1998.
Organización Panamericana de la Salud. Consulta OPS sobre Enfermedad de Chagas Congénita, su epidemiología y manejo. OPS/DPC/CD/301/04, 2004.
World Health Organization. Control of Chagas Disease. WHO Technical Report Series 905, World Health Organization, Geneva, 2002.
Datas de Publicação
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Publicação nesta coleção
04 Jan 2006 -
Data do Fascículo
Dez 2005