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A legislação e o fumo

EDITORIAL

A legislação e o fumo

Francisco Manes Albanesi Filho

Disciplina/Serviço de Cardiologia da Universidade do Estado do Rio de Janeiro – UERJ - Rio de Janeiro, RJ

Endereço para correspondência Endereço para correspondência Dr. Francisco Manes Albanesi Filho Rua Barão de Icaraí, 21/504 - Flamengo – Rio de Janeiro, RJ Cep 22250-110 E-mail: pgcard@uerj.br

Muito se tem discutido sobre o tabagismo. Seu uso constitui fator de risco para o desenvolvimento de doenças cardiovasculares, pulmonares e neoplásicas. "O Ministério da Saúde adverte: fumar é prejudicial a saúde !" Será que esta mensagem autoritária atinge realmente o público alvo, os jovens, já que de certo ela não irá influenciar os fumantes.

Estudos realizados pela Fundação Getúlio Vargas mostraram que a industria do fumo movimenta aproximadamente US$ 5,3 bilhões/ano em nosso país, produzindo receita fiscal de cerca de US$ 3,8 bilhões, gerando faturamento e empregos, que não compensam os prejuízos causados à saúde dos fumantes e dos gastos com a assistência às suas vítimas. No país temos 30,6 milhões de fumantes, sendo que 2,7 milhões entre crianças e adolescentes até 19 anos.

O Conselho Federal de Medicina, através da resolução Nº 440/71 de 26/03/1971, considerando as Resoluções adotadas, na época, pelas Organizações Mundial de Saúde e Pan-Americana de Saúde, resolveu "não permitir o uso do fumo durante reuniões de Diretoria, do Plenário e Comissões do Conselho Federal de Medicina" (Publicado no D.O.U. de 11/06/1971 – Seção I – Parte II).

A Sociedade Brasileira de Cardiologia vêm, há alguns anos, proibindo o uso do cigarro em toda a área científica e de exposições em seus congressos, iniciativa também seguida por suas regionais e outras sociedades médicas.

A Lei Federal Nº 7.488/86 instituiu o dia 29 de agosto como o "Dia Nacional de Combate ao Fumo". A Constituição da República Federativa do Brasil, promulgada em 1988, no seu Art. 220, § 4º, estabelece que "a propaganda comercial de tabaco, bebidas alcoólicas, agrotóxicos, medicamentos, e terapias estará sujeita à restrição legal".

Desde 1987 comemoramos no Brasil o "Dia Mundial sem Tabaco" em 31 de maio. Em 1989 a Organização Mundial da Saúde estendeu a sua comemoração a todo o mundo, dia que utiliza para desencorajar o consumo de tabaco, conscientizando governos, comunidades, instituições, empresas, grupos e indivíduos, dos danos causados, levando-os a adotar medidas para combatê-lo.

O Estatuto da Criança e do Adolescente – Lei Nº 8.069/90, no Art. 81, § 3º e no Art. 243, diz que "é proibida a venda a crianças ou adolescentes de produtos cujos componentes possam causar dependência física ou psíquica, ainda que por utilização indevida", como os produtos do fumo.

Em 8/8/1990, o Ministério da Saúde através da Portaria Nº 1.050/90, estabelece medidas advertindo os malefícios do fumo à saúde, dispõe sobre sua publicidade, proíbe ou restringe o seu consumo em determinados locais. Nessa Portaria, publicada no D.O.U. de 10/8/1990, páginas 15.253 e 15.254, fica proibida a prática do fumo em aeronaves nacionais, em etapas de vôos com duração igual ou inferior a duas horas (Art. 3), ficando para etapas de vôos com duração superior a duas horas, a permissão de uso de cigarros, reservadamente na parte traseira de cada classe das aeronaves, em espaço destinado aos fumantes (§ 2º do Art. 3). No Art. 4 fica proibida a prática do fumo em toda instituição de assistência à saúde, pública ou privada. O Art. 7 proíbe a venda de cigarros, cigarrilhas, charutos e produtos de fumo a menores de 18 anos. Além disso regula a propaganda, estabelece normas de embalagem e normaliza sua vinculação pela mídia.

A Lei Federal Nº 9.294/96 busca a preservação do ar nos ambientes internos e a proteção aos não fumantes, proibindo o fumo em recinto privado ou público, salvo em área destinada exclusivamente a esse fim, devidamente isolada e com arejamento conveniente. Destacam-se nas disposições do artigo, as repartições públicas, os hospitais e postos de saúde, as salas de aula, as bibliotecas, os recintos de trabalho e as salas de teatro e cinema. O Decreto Nº 2.018 de 01/10/1996 regulamentou a Lei Nº 9.294, definindo recintos coletivo e de trabalho, além de definir áreas exclusivamente para fumantes. No Art.3, § único, refere como área destinada aos usuários de produtos fumígenos, aquelas que apresentam adequadas condições de ventilação, natural ou artificial, e de renovação de ar, de forma a impedir o acúmulo de fumaça no ambiente. No Art. 4, diz: "nos hospitais, postos de saúde, bibliotecas, salas de aula, teatro, cinema e nas repartições públicas federais somente será permitido fumar se houver áreas ao ar livre ou recinto destinado unicamente ao uso de produtos fumígenos".

A Portaria Nº 2.818/98 de 28/5/1998 do Ministério da Saúde, institui o Programa "Ministério da Saúde Livre do Cigarro", com a finalidade de elaborar e implementar ações educativas destinadas a conscientizar os funcionários e os visitantes da instituição dos males provocados pelo uso do tabaco, em suas diversas formas, e a necessidade de manter em condições ideais de salubridade o ambiente de trabalho.

Em 27/8/1999 o Presidente da República através do Decreto Nº 3.157, publicado no D.O.165-A, página 38, dá nova redação ao Art. 5 da Lei Nº 9.294/96, que passa a ser o seguinte: "nas aeronaves e veículos coletivos, somente será permitido fumar, em cada trecho, após uma hora de viagem e desde que haja nos referidos meios de transporte área que atenda a especificação do inciso IV do Art. 2 deste Decreto".

A Lei Nº 10.167 de 27/12/2000, altera dispositivos da Lei Nº 9.294/96, que dispõe sobre restrição ao uso e a propaganda de produtos fumígenos, onde no §2º e no Art. 2 veta o uso destes produtos em aeronaves e demais veículos de transporte coletivo. No Art. 3 restringe a propaganda comercial do fumo, a pôsteres, painéis e cartazes na parte interna dos locais de venda. No inciso IV desse artigo, refere não poder ser associado o produto à pratica de atividades esportivas, olímpicas, nem sugerir ou induzir seu consumo em locais ou situações perigosas, abusivas ou ilegais. Diz ainda que é proibida a sua venda postal, a propaganda por via eletrônica, inclusive a internet, a distribuição de qualquer tipo de amostra ou brinde e sua comercialização em estabelecimentos de ensino e saúde. Fixa para 1/1/2003 a entrada em vigor da proibição do patrocínio de atividades cultural e esportiva internacionais, desde que o patrocinador seja identificado apenas com a marca do produto ou fabricante, sem recomendação de consumo, além da propaganda fixa ou móvel em estádio ou pista esportiva. Nessa Lei são estabelecidas penalidades como multas e outras penas. Assim, fica proibida a propaganda de produtos derivados do tabaco, por meio de rádio, televisão, cinema, jornais, revistas, impressos, outdoors e em trajes e artigos esportivos. As embalagens dos produtos derivados do tabaco, ostentarão, de forma legível e destacada, advertências escritas sobre os malefícios decorrentes do uso desses produtos. Esta Lei também dá nova redação ao §2º do Art. 2 da Lei Nº 9.294/96, onde diz "é vedado o uso dos produtos mencionados no caput nas aeronaves e demais veículos de transporte coletivo", incluindo o cigarro e outros produtos fumígenos, restringindo o tabagismo em todas as formas coletivas de transporte, sem importar o tempo de duração da viagem nem a existência de locais para a prática do fumo.

O Estado do Rio de Janeiro dispõe ainda de Leis Ordinárias, como a Lei Nº 2.516/96 de 15/01/1996, que proíbe o uso de cigarros, charutos, cachimbos e afins, por professores e funcionários nas salas de aula de todos os estabelecimentos de ensino localizados no Estado e da Lei Nº 2.947/98 de 21/05/1998, que dispõe sobre a proibição de fumar ou portar cigarro aceso ou similares, nas creches, maternais e jardins de infância.

A Câmara Municipal do Rio de Janeiro na Lei Nº 2.589/97, publicada no D.O.M. de 11/12/19997 na seção I, dispõe sobre a obrigatoriedade de fábricas de cigarros construírem e manterem em pleno funcionamento hospitais destinados a portadores de doenças causadas pelo tabagismo, desde que diagnosticadas por junta médica com exames comprobatórios que os caracterizem. A Lei concedia 365 dias após sua promulgação, para o inicio da construção do hospital, enquanto ele fosse erguido, teriam as fábricas, que firmar convênio com outros hospitais para o atendimento aos pacientes.

A Assembléia Legislativa do Estado do Rio de Janeiro promulgou a Lei Nº 3.868/2002, em 24/06/2002, onde fica proibida a prática do fumo no interior de todos os hospitais, clínicas, postos de saúde, laboratórios de análises clínicas, públicos ou privados, que tenham por fim o atendimento e a prestação de serviço destinado ao tratamento de saúde física ou psicológica. Considera como transgressor a pessoa que estiver fazendo uso de tabaco e seus derivados, sendo igualmente responsável a direção do estabelecimento, reconhecida a sua omissão. Além disso, estabelece valor de multas de 50 UFIR's para a pessoa física e de 500 UFIR's para pessoa jurídica, na pessoa do diretor do estabelecimento onde foi aplicada a multa.

Em 3/4/2003 a Medida Provisória do Governo Federal Nº 118, para atender a questões definidas na Lei Nº 9.294 de 15/06/1996, que dispõe sobre restrições ao uso e à propaganda de produtos fumígenos, suspendeu até 31/7/2005, em eventos esportivos internacionais, que não tenham sede fixa em um único país e sejam organizados ou realizados por instituições estrangeiras, a proibição do patrocínio e da vinculação de propaganda de tabaco nas competições. Esta medida foi feita para atender particularmente aos interesses da Formula 1 de automobilismo. Esta medida ainda regulamenta a vinculação gratuita de mensagem de advertência sobre os malefícios do fumo, a ser feita na abertura e encerramento da transmissão e em intervalos durante o evento.

Assim, vemos que o país dispõe de legislação muito ampla que regula o uso do fumo, devendo as Leis que foram estabelecidas pelos poderes executivo e legislativo serem acatadas e obedecidas, para que possamos realmente exercer a cidadania (equilíbrio entre direitos e deveres) em toda sua magnitude.

Se o fumo não fosse maléfico, haveria a necessidade de se ter tantas leis para disciplinar seu uso?

Recebido para Publicação em 27/4/03

Aceito em 30/6/03

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    Dr. Francisco Manes Albanesi Filho
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    • Publicação nesta coleção
      08 Jun 2004
    • Data do Fascículo
      Maio 2004
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