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Validação da Échelle Douleur Inconfort Nouveau-Né para a cultura brasileira* * Extraído da dissertação “Tradução, adaptação cultural e validação da “EDIN − Échelle Douleur Inconfort Nouveau-Né” para a língua portuguesa do Brasil”, Faculdade de Ciências Médicas, Universidade Estadual de Campinas, 2012.

Validación de la Échelle Douleur Inconfort Nouveau-Né para la cultura brasileña

RESUMO

Objetivo

Avaliar a confiabilidade e a validade da versão brasileira da Échelle Douleur Inconfort Nouveau-Né, que mensura a dor prolongada em recém-nascidos.

Método

Estudo metodológico realizado junto com recém-nascidos. Para a coleta foram utilizadas as versões brasileiras da Échelle Douleur Inconfort Nouveau-Né e da Children’s and Infants’ Postoperative Pain Scale. Para a confiabilidade, foram consideradas a equivalência, mensurada pela concordância entre observadores, e a homogeneidade. Para avaliar a validade, foi considerada a abordagem de construto convergente correlacionando as versões brasileiras da Échelle Douleur Inconfort Nouveau-Né e da Children’s and Infants’ Postoperative Pain Scale.

Resultados

Compuseram a amostra final 96 recém-nascidos. Na avaliação da confiabilidade, o coeficiente de concordância entre observadores variou entre 0,64 e 0,85 para os itens que compõem o instrumento e 0,96 para o escore total. O alfa de Cronbach foi de 0,82. Na avaliação da validade convergente, o coeficiente de correlação de Spearman entre os valores encontrados para as duas escalas foi de 0,79 (p< 0,0001).

Conclusão

A versão brasileira da Échelle Douleur Inconfort Nouveau-Né é um instrumento confiável e válido para avaliar a dor prolongada em recém-nascidos.

Dor; Medição da Dor; Recém-Nascido; Estudos de Validação; Enfermagem Neonatal

RESUMEN

Objetivo

Evaluar la confiabilidad y la validez de la versión brasileña de la Échelle Douleur Inconfort Nouveau-Né, que mide el dolor prolongado en recién nacidos.

Método

Estudio metodológico realizado junto con recién nacidos. Para la recolección fueron utilizadas las versiones brasileñas de la Échelle Douleur Inconfort Nouveau-Né y la Children’s and Infants’ Postoperative Pain Scale. Para la confiabilidad, fueron consideradas la equivalencia, medida por la concordancia entre observadores y la homogeneidad. Para evaluar la validez, se consideró el abordaje de constructo convergente correlacionando las versiones brasileñas de la Échelle Douleur Inconfort Nouveau-Né y la Children’s and Infants’ Postoperative Pain Scale.

Resultados

Compusieron la muestra final 96 recién nacidos. En la evaluación de la confiabilidad, el coeficiente de concordancia entre observadores varió entre 0,64 y 0,85 para los ítems que componen el instrumento y 0,96 para el puntaje total. El alfa de Cronbach fue de 0,82. En la evaluación de la validez convergente, el coeficiente de correlación de Spearman entre los valores encontrados para ambas escalas fue de 0,79 (p< 0,0001).

Conclusión

La versión brasileña de la Échelle Douleur Inconfort Nouveau-Né es un instrumento confiable y válido para evaluar el dolor prolongado en recién nacidos.

Dolor; Dimensión del Dolor; Recién Nacido; Estudios de Validación; Enfermería Neonatal

ABSTRACT

Objective

To evaluate the reliability and validity of the Brazilian version of the Échelle Douleur Inconfort Nouveau-Né, which measures prolonged pain in neonates.

Method

A methodological study carried out with 96 neonates. The Brazilian versions of the Échelle Douleur Inconfort Nouveau-Né and the Children’s and Infants’ Postoperative Pain Scale were used for data collection. For reliability, equivalence measured by intraobserver agreement and homogeneity were considered. To evaluate the validity, the convergent construct approach was considered correlating the Brazilian versions of the Échelle Douleur Inconfort Nouveau-Né and the Children’s and Infants’ Postoperative Pain Scale.

Results

In assessing reliability, the coefficient of agreement between observers varied between 0.64 and 0.85 for the items that make up the instrument, and 0.96 for the total score. Cronbach’s alpha was 0.82. Regarding the convergent validity evaluation, Spearman correlation coefficient between the values found for both scales was 0.79 (p< 0.0001).

Conclusion

The Brazilian version of the Échelle Douleur Inconfort Nouveau-Né is a reliable and valid instrument for assessing prolonged pain in neonates.

Pain; Pain Measurement; Infant, Newborn; Validation Studies; Neonatal Nursing

INTRODUÇÃO

Antigamente, acreditava-se que os recém-nascidos (RN) não sentiam dor, pois a imaturidade do sistema nervoso central contribuía para a ausência da experiência dolorosa e da memória da dor. Após a realização de estudos de neurobiologia, sabe-se que a partir da 20ª semana de gestação são evidenciados os elementos neuroquímicos necessários para a transmissão da dor. Além disso, a partir da 24ª semana, observa-se a presença de vias nervosas suficientes para processar a sensação dolorosa no tronco encefálico(11. Kesavan K. Neurodevelopmental implications of neonatal pain and morphine exposure. Pediatr Ann. 2015;44(11):e260-4. DOI: 10.3928/00904481-20151112-08).

No que diz respeito à memória da dor, a literatura aponta que crianças que foram repetidamente submetidas a estímulos dolorosos durante o período neonatal apresentaram alteração no limiar da dor, demonstrando que mesmo que a experiência dolorosa não esteja acessível à recordação consciente, ela está ativa na memória processual da dor(22. Beggs S. Long-term consequences of neonatal injury. Can J Psychiatry [Internet]. 2015 [cited 2016 Oct 10];60(4):176-80. Available from: https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pmc/articles/PMC4459244/pdf/cjp-2015-vol60-april-176-180.pdf
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).

Os RN prematuros (RNPT), admitidos na Unidade de Terapia Intensiva Neonatal (UTIN) por características clínicas que dificultam sua adaptação à vida extrauterina, são submetidos a inúmeros estímulos estressantes e dolorosos, que muitas vezes são inerentes ao processo diagnóstico e assistencial(33. Silva APM, Balda RCS, Guinsburg R. Identification of pain in neonates by medical students, residents in pediatrics and neonatology. Rev Dor [Internet]. 2012 [cited 2016 Oct 10];13(1):35-44. Available from: http://www.scielo.br/pdf/rdor/v13n1/en_a07v13n1.pdf
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).

Pesquisadores têm acompanhado RN submetidos a procedimentos sabidamente dolorosos com o intuito de desenvolver escalas capazes de avaliar a dor para melhor manejá-la. A possibilidade de atribuir um escore numérico a um conceito abstrato permite estabelecer uma linguagem de comunicação eficaz entre o observador e o observado, direcionando intervenções(44. van Dijk M, Tibboel D. Update on pain assessment in sick neonates and infants. Pediatr Clin North Am. 2012;59(5):1167-81. DOI: 10.1016/j.pcl.2012.07.012).

A Échelle Douleur Inconfort Nouveau-Né (EDIN) foi a primeira escala desenvolvida para avaliar a dor prolongada no RNPT(55. Debillon T, Zupan V, Ravault N, MAgny J-F, Dehan M. Development and initial validation of the EDIN scale, a new tool for assessing prolonged pain in preterm infants. Arch Dis Child Fetal Neonatal Ed [Internet]. 2001 [cited 2016 Oct 5];85(1):F36-41. Available from: https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pmc/articles/PMC1721270/
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). Poucas pesquisas têm sido desenvolvidas com o propósito de ampliar o conhecimento sobre a dor neonatal prolongada e ainda não existe consenso sobre definições a respeito de dor prolongada, contínua e crônica para esses pacientes. As definições para dor crônica em RN podem ser baseadas em diferentes aspectos dessa experiência, seja no tempo de duração da dor, na exposição repetitiva a procedimentos agudos dolorosos ou na adoção dos mesmos critérios adotados para dor crônica em adultos e crianças maiores. Apesar da falta de consenso, não há dúvida de que o sofrimento do RN internado em UTIN vai além da dor aguda(66. DiLorenzo M, Pillai Riddell R, Holsti L. Beyond acute pain: understanding chronic pain in infancy. Children (Basel) [Internet]. 2016 [cited 2017 Jan 04];3(4):pii: E26. Available from: https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pmc/articles/PMC5184801/
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).

A EDIN foi desenvolvida a partir de pesquisas com painéis de especialistas que, após 2 anos consecutivos de observação de neonatos em situações potencialmente dolorosas, agruparam os sinais expressos por eles em diferentes indicadores: Face, Corpo, Sono, Contato e Consolo(55. Debillon T, Zupan V, Ravault N, MAgny J-F, Dehan M. Development and initial validation of the EDIN scale, a new tool for assessing prolonged pain in preterm infants. Arch Dis Child Fetal Neonatal Ed [Internet]. 2001 [cited 2016 Oct 5];85(1):F36-41. Available from: https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pmc/articles/PMC1721270/
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,77. Dias FSB, Marba STM. The evaluation of prolonged pain in the newborn: adaptation of the edin scale for the brazilian culture. Texto Contexto Enferm [Internet]. 2014 [cited 2016 Oct 05];23(4):964-70. Available from: http://www.scielo.br/pdf/tce/v23n4/0104-0707-tce-23-04-00964.pdf
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). Esses parâmetros, exclusivamente comportamentais, foram descritos por se considerar que são mais sensíveis e específicos para se mensurar a dor prolongada, pois, neste tipo de dor, as alterações fisiológicas podem não estar presentes, uma vez que não se mantém por longos períodos(66. DiLorenzo M, Pillai Riddell R, Holsti L. Beyond acute pain: understanding chronic pain in infancy. Children (Basel) [Internet]. 2016 [cited 2017 Jan 04];3(4):pii: E26. Available from: https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pmc/articles/PMC5184801/
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).

Para estabelecer as propriedades de medida do instrumento, a confiabilidade foi avaliada pela homogeneidade (0,92) e equivalência (0,59-0,74). A validade de construto foi avaliada de duas maneiras: 1) em 40 RNPT com síndrome de desconforto respiratório, em que a média do escore total da EDIN antes da analgesia 9,2 (DP=1,7) foi correlacionada com a média do escore total do instrumento, após a infusão de fentanil por oito horas 4,7 (2,1) (p < 0,0001) e 2) em 36 RN internados em Unidade de Cuidados Intermediários (UCI), onde o instrumento foi aplicado no dia da admissão 4,5 (DP=3,7) e um dia antes da alta 1,5 (1,5) (p=0.0009). Essas diferenças sugerem que a EDIN é uma escala válida e confiável, sendo capaz de distinguir situações de dor e ausência de dor em RNPT(55. Debillon T, Zupan V, Ravault N, MAgny J-F, Dehan M. Development and initial validation of the EDIN scale, a new tool for assessing prolonged pain in preterm infants. Arch Dis Child Fetal Neonatal Ed [Internet]. 2001 [cited 2016 Oct 5];85(1):F36-41. Available from: https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pmc/articles/PMC1721270/
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).

Os autores do instrumento não determinam um período mínimo de observação, recomendam que, para a avaliação da dor, a EDIN deve ser aplicada após várias horas de contato com o RN e não de maneira pontual(55. Debillon T, Zupan V, Ravault N, MAgny J-F, Dehan M. Development and initial validation of the EDIN scale, a new tool for assessing prolonged pain in preterm infants. Arch Dis Child Fetal Neonatal Ed [Internet]. 2001 [cited 2016 Oct 5];85(1):F36-41. Available from: https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pmc/articles/PMC1721270/
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), com o intuito de permitir uma avaliação mais consistente de parâmetros como o sono e a consolabilidade. Outro ponto interessante da escala é que, nos itens relacionados à expressão facial e à movimentação corporal, existe a opção de resposta “nenhuma expressão ou movimentação corporal”, o que pode refletir um mecanismo de conservação de energia e não, necessariamente, ausência de dor(66. DiLorenzo M, Pillai Riddell R, Holsti L. Beyond acute pain: understanding chronic pain in infancy. Children (Basel) [Internet]. 2016 [cited 2017 Jan 04];3(4):pii: E26. Available from: https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pmc/articles/PMC5184801/
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), consideração importante, sobretudo para o RNPT.

Considerando-se: a) que o uso rotineiro de instrumentos que avaliam a dor prolongada pode trazer à luz o sofrimento que, muitas vezes, tem passado despercebido aos olhos dos profissionais e, dessa forma, promover incremento ao tratamento como forma de qualificar a assistência ao RN; b) a inexistência de instrumentos validados, na cultura brasileira, que mensurem a dor prolongada no RN; c) que o desenvolvimento de um novo instrumento para avaliação de um determinado construto é geralmente um processo complexo e demorado e, por isso, a adaptação e a validação de um instrumento com consistentes propriedades psicométricas(55. Debillon T, Zupan V, Ravault N, MAgny J-F, Dehan M. Development and initial validation of the EDIN scale, a new tool for assessing prolonged pain in preterm infants. Arch Dis Child Fetal Neonatal Ed [Internet]. 2001 [cited 2016 Oct 5];85(1):F36-41. Available from: https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pmc/articles/PMC1721270/
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) para uma nova cultura é muito mais vantajosa; e d) que a EDIN já foi adaptada para a cultura brasileira(77. Dias FSB, Marba STM. The evaluation of prolonged pain in the newborn: adaptation of the edin scale for the brazilian culture. Texto Contexto Enferm [Internet]. 2014 [cited 2016 Oct 05];23(4):964-70. Available from: http://www.scielo.br/pdf/tce/v23n4/0104-0707-tce-23-04-00964.pdf
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), o objetivo do presente estudo foi validar a versão brasileira da Échelle Douleur Inconfort Nouveau-Né.

MÉTODO

Trata-se de um estudo do tipo metodológico, caracterizado pelo processo de testagem de instrumentos, que foi realizado em dois hospitais públicos de ensino, vinculados à Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP). O hospital A possui uma unidade neonatal com 15 leitos de terapia intensiva neonatal e 15 de cuidados intermediários, enquanto o hospital B possui 10 leitos de terapia intensiva neonatal e 12 leitos de cuidados intermediários.

O tamanho amostral foi calculado segundo o objetivo de avaliar a validade de construto convergente da versão brasileira da EDIN, com a estimativa de 0,30 para o coeficiente de correlação de Pearson, significância de 5% e poder do teste de 80%. O cálculo resultou em uma amostra mínima de 84 sujeitos. Para a realização dos cálculos amostrais foi utilizado o software G*Power® 3.1.9.2.

Foram estabelecidos os seguintes critérios de inclusão para os RN: estar internado em UTIN ou em UCI; ter alcançado Apgar igual ou maior a cinco no quinto minuto e sem diagnóstico de alterações neurológicas. Todos os RN incluídos no estudo, selecionados por conveniência, foram acompanhados por um período de 15 dias após a coleta dos dados para que os pesquisadores se certificassem de que os RN não apresentariam tais alterações, diagnosticadas por ultrassom transfontanela. Caso a condição se confirmasse nesse período, o RN seria excluído da amostra.

Para a coleta de dados, foram utilizados: uma ficha para caracterização da amostra, a versão brasileira da EDIN e a versão brasileira da Children’s and Infants’ Postoperative Pain Scale (CHIPPS). Para caracterizar a amostra, foram consideradas as seguintes variáveis: sexo, idade gestacional (verificada pelo método de Capurro, New Ballard ou amenorreia), peso ao nascer, diagnóstico de internação, presença de dispositivos invasivos e não invasivos, bem como número de episódios de manipulação e punções realizadas durante o período de observação.

A EDIN foi adaptada para a cultura brasileira(77. Dias FSB, Marba STM. The evaluation of prolonged pain in the newborn: adaptation of the edin scale for the brazilian culture. Texto Contexto Enferm [Internet]. 2014 [cited 2016 Oct 05];23(4):964-70. Available from: http://www.scielo.br/pdf/tce/v23n4/0104-0707-tce-23-04-00964.pdf
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) e é composta por cinco indicadores que avaliam face, corpo, sono, contato e consolo do RN. Cada indicador é avaliado por uma escala Likert com quatro pontos, variando de zero a três. A soma de cada indicador determina o escore total do instrumento, que pode variar de zero a 15 pontos. Escores iguais ou superiores a sete indicam forte presença de dor. Os autores que a desenvolveram sugerem que a escala seja aplicada uma ou duas vezes ao dia por profissionais que disponham de várias horas de contato com o RN a ser avaliado, a fim de diagnosticar corretamente a dor(55. Debillon T, Zupan V, Ravault N, MAgny J-F, Dehan M. Development and initial validation of the EDIN scale, a new tool for assessing prolonged pain in preterm infants. Arch Dis Child Fetal Neonatal Ed [Internet]. 2001 [cited 2016 Oct 5];85(1):F36-41. Available from: https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pmc/articles/PMC1721270/
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).

A CHIPPS, utilizada para avaliar a validade de construto convergente, foi adaptada e validada de maneira satisfatória para a cultura brasileira e avalia a dor de crianças de 0 a 5 anos. Também possui cinco itens que avaliam choro, expressão facial, postura do tronco, postura das pernas e inquietação motora. A escala de resposta é do tipo Likert, que varia entre zero e três pontos. A soma de cada item determina o escore total, que pode resultar em valores de zero a dez pontos. Na CHIPPS, quanto maior a pontuação, maior a intensidade da dor(88. Alves MMO, Carvalho PRA, Wagner MB, Castoldi A, Becker MM, Silva CC. Cross-validation of the Children’s and Infants Postoperative Pain Scale in brazilian children. Pain Pract. 2008;8(3):171-6. DOI: 10.1111/j.1533-2500.2008.00192.x).

A coleta dos dados ocorreu em um período de 4 meses e foi executada por dois observadores: o observador A foi um dos autores do estudo, enquanto o observador B era um enfermeiro ou técnico de enfermagem responsável pelo cuidado do RN durante o plantão. De forma semelhante ao estudo original, o profissional de enfermagem não recebeu treinamento específico para aplicação da escala. Ele foi esclarecido sobre os objetivos do estudo e teve a oportunidade de ter contato com o instrumento e esclarecer eventuais dúvidas, antes que este fosse aplicado. Considerando-se que a finalidade do estudo era validar a escala, o preenchimento dos instrumentos foi realizado uma única vez, após um período de observação de 3 horas. Os observadores aplicaram a versão brasileira da EDIN de maneira simultânea e independente. Além disso, a pesquisadora também aplicou a CHIPPS.

Os dados foram tabulados no programa Excel – Windows/XP® e analisados por um profissional estatístico por meio do programa Statistical Analysis System® (SAS – System for Windows), versão 9.4. Para descrever o perfil da amostra, foi utilizada análise descritiva das variáveis categóricas e medidas de posição das variáveis contínuas.

Para avaliar a confiabilidade da versão brasileira da EDIN, foram consideradas a equivalência e a homogeneidade. Para avaliação da equivalência, foram utilizados os seguintes testes: coeficiente Kappa Ponderado, para avaliar a concordância dos dois observadores em cada indicador da EDIN, no qual valores acima de 0,60 indicam substancial concordância, e o Coeficiente de Correlação Intraclasse (ICC), para avaliar a concordância dos dois observadores quanto ao escore total do instrumento, no qual valores acima de 0,75 são indicativos de boa confiabilidade. Na avaliação da homogeneidade, foi considerado o Alfa de Cronbach, sendo que valores superiores a 0,70 indicam alta consistência interna(99. Hair JF, Black WC, Babin BJ, Anderson RE, Tatham RL. Análise multivariada de dados. 6ª ed. Porto Alegre: Bookman; 2009.).

Para avaliar a validade, foi considerada a abordagem de construto convergente, correlacionando os resultados da aplicação da versão brasileira da EDIN com os da CHIPPS. Para essa avaliação, foi considerada a seguinte hipótese: quanto maiores os valores resultantes da aplicação da versão brasileira da EDIN, maiores também seriam os valores detectados pela CHIPPS. O coeficiente de Spearman foi utilizado para testar essa correlação e valores superiores a 0,5 indicam forte correlação. O nível de significância adotado para todas as análises foi de 5%.

O estudo obteve aprovação dos responsáveis dos hospitais envolvidos e parecer favorável do Comitê de Ética em Pesquisa da Faculdade de Ciências Médicas da UNICAMP (Parecer nº 995/2010 e CAAE 0775.0.146.000-10) e seguiu todas as diretrizes éticas para realização de pesquisas envolvendo seres humanos.

RESULTADOS

A amostra inicial foi composta por 107 RN, porém 11 foram excluídos por terem apresentado alterações neurológicas no exame de ultrassom transfontanela, realizado no período de 15 dias após a coleta dos dados.

Dos 96 RN que compuseram a amostra final, a maioria era do sexo masculino (57,3%) e havia sido internada por diagnóstico de prematuridade (70,8%). O peso ao nascimento variou entre 720 e 4.005 gramas, com uma média de 2.059 (DP=807) gramas. A idade gestacional foi de 27 a 41 semanas com uma média de 34,4 (DP=3,3) semanas.

No que se refere à presença de dispositivos invasivos, 80,2% faziam uso de cateter gástrico, 68,8% de acesso venoso, sendo o mais prevalente o umbilical, e 31,3% de suporte respiratório, sendo a cânula endotraqueal a mais frequente. Com relação à fototerapia, 26,0% faziam uso dessa terapia. Durante o período de observação, os RN foram manipulados em média 1,7 vezes (DP=0,8) e 29,0% receberam algum tipo de punção com agulha.

No que se refere à avaliação da confiabilidade, os resultados da equivalência, mensurada por meio da avaliação entre observadores, estão representados na Tabela 1, bem como as médias e os desvios padrões obtidos por cada observador. Com relação à homogeneidade, o alfa de Cronbach foi de 0,82.

Tabela 1
– Distribuição das medidas de posição de cada observador e confiabilidade entre observadores da versão brasileira da EDIN – Campinas, SP, Brasil, 2011.

Na avaliação da validade, as médias encontradas pelo observador A na aplicação da versão brasileira da EDIN e da CHIPPS foram respectivamente de 4,1 (DP=2,5) e 3,7 (DP=2,4). A distribuição desses escores pode ser observada na Figura 1.

Figura 1
– Dispersão dos escores das versões brasileiras das escalas EDIN e CHIPPS – Campinas, SP, Brasil, 2011.

Na avaliação da correlação entre os escores da versão brasileira da EDIN com a CHIPPS, o coeficiente obtido foi de 0,79 (p< 0,0001).

DISCUSSÃO

Verificou-se que a versão brasileira da EDIN possui confiabilidade e validade consideradas satisfatórias. Assim, os resultados da presente pesquisa apontam que se trata de um instrumento seguro para avaliar a dor prolongada em RN, devendo ser utilizado pelos profissionais que atuam em neonatologia.

A confiabilidade foi mensurada de duas maneiras: pela equivalência e pela homogeneidade. No que se refere à equivalência, a concordância entre os observadores foi considerada grande, e os coeficientes obtidos (Tabela 1) foram superiores aos do instrumento original, que variaram entre 0,59 e 0,74. Em ambas as versões do instrumento, o item sono foi o que obteve maior índice de concordância. No que se refere ao escore total do instrumento, novamente a versão brasileira demonstrou melhor desempenho, considerando-se que a versão original obteve coeficiente de 0,69. Com relação à homogeneidade, o alfa de Cronbach para os cinco indicadores foi inferior ao da versão original (α=0,92), porém o valor obtido ainda indica alta consistência interna(99. Hair JF, Black WC, Babin BJ, Anderson RE, Tatham RL. Análise multivariada de dados. 6ª ed. Porto Alegre: Bookman; 2009.).

Comparando-se os resultados da validação da versão brasileira da EDIN com outro estudo que aplicou o mesmo instrumento em RN a termo, na França, foi possível detectar que a concordância entre observadores foi semelhante, pois o Kappa variou entre 0,62 e 0,86, e, com relação à homogeneidade, o estudo francês apresentou um alfa de Cronbach inferior (0,62) ao da presente pesquisa(1010. Bordin C, Leclaire M, Demeester A. L’échelle de douleur et d’inconfort du nouveau-né (EDIN). Étude de validité portant sur 160 nouveau-nés en maternité entre quatre et 12 heures de vie. Rev Sage-Femme. 2012;11(3):120-7.).

Na avaliação da validade convergente, a hipótese testada foi confirmada na medida em que foi alcançada uma forte correlação positiva entre as versões brasileiras da EDIN e da CHIPPS, o que indica que o instrumento em estudo é capaz de mensurar de maneira adequada o construto investigado.

A dor, por se tratar de um fenômeno subjetivo, é muito difícil de ser avaliada, principalmente em crianças que ainda não conseguem se comunicar verbalmente(1111. Cruz CT, Stumm EMF. Instrumentation and implementation of pain evaluation scale in a neonatal intensive care unit: case report. Rev Dor [Internet]. 2015 [cited 2016 Oct 11];16(3):232-4. Available from: http://www.scielo.br/pdf/rdor/v16n3/1806-0013-rdor-16-03-0232.pdf
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). Pesquisas publicadas no Brasil demonstram que os profissionais desconhecem as escalas para avaliação da dor no RN e/ou não as utilizam para embasar a tomada de decisão, demonstrando que o reconhecimento do fenômeno em questão se dá de maneira individualizada, e não sistematizada(1212. Santos LM, Pereira MP, Santos LFN, Santana RCB. Avaliação da dor no recém-nascido prematuro em Unidade de Terapia Intensiva. Rev Bras Enferm [Internet]. 2012 [citado 2016 out. 16];65(1):27-33. Disponível em: http://www.scielo.br/pdf/reben/v65n1/04.pdf
http://www.scielo.br/pdf/reben/v65n1/04....
-1313. Caetano EA, Lemos NRF, Cordeiro SM, Pereira FMV, Moreira DS, Buchhorn SMM. The new-born with pain: the role of the nursing team. Esc Anna Nery [Internet]. 2013 [cited 2016 Oct 06];17(3):439-45. Available from: http://www.scielo.br/pdf/ean/v17n3/en_1414-8145-ean-17-03-0439.pdf
http://www.scielo.br/pdf/ean/v17n3/en_14...
).

Como consequência, o manejo da dor não é completamente eficaz. Ao investigar as intervenções em situações dolorosas, autores constataram uma divergência entre o discurso e a prática de neonatologistas, residentes e alunos de medicina: embora tenha ocorrido um aumento na conscientização a respeito do reconhecimento e do manejo adequado da dor no RN ao longo dos anos, a realização de muitos procedimentos considerados dolorosos ainda não era precedida por analgesia(33. Silva APM, Balda RCS, Guinsburg R. Identification of pain in neonates by medical students, residents in pediatrics and neonatology. Rev Dor [Internet]. 2012 [cited 2016 Oct 10];13(1):35-44. Available from: http://www.scielo.br/pdf/rdor/v13n1/en_a07v13n1.pdf
http://www.scielo.br/pdf/rdor/v13n1/en_a...
,1414. Prestes ACY, Balda RCX, Santos GMS, Rugolo LMSS, Bentlin MR, Magalhães M, et al. Painful procedures and analgesia in the NICU: what has changed in the medical perception and practice in a ten-year period? J Pediatr (Rio J) [Internet]. 2016 [cited 2016 Oct 10];92(1):88-95. Available from: http://www.scielo.br/pdf/jped/v92n1/1678-4782-jped-92-01-00088.pdf
http://www.scielo.br/pdf/jped/v92n1/1678...
).

Ressaltamos a importância da versão brasileira da EDIN ser incorporada pelos profissionais que atuam na assistência ao RN, uma vez que a avaliação acurada da dor é essencial para guiar seu tratamento, assim como o manejo da dor deve ser uma prioridade no cuidado neonatal, com o intuito de garantir ao RN uma assistência mais humanizada, segura e qualificada.

CONCLUSÃO

A versão brasileira da Échelle Douleur Inconfort Nouveau-Né é um instrumento confiável e válido para avaliar a dor prolongada em RN, pois os testes de confiabilidade demonstram que a escala possui boa equivalência e homogeneidade, na medida em que bons resultados na avaliação entre observadores e na avaliação da consistência interna foram obtidos. No que se refere à validade, o instrumento é capaz de mensurar a dor, construto a que se propôs medir, pois os resultados alcançaram correlação quase perfeita quando comparados aos de outro instrumento que mensura a mesma variável.

Ressalta-se a importância da implementação de uma cultura institucional voltada para o manejo da dor do RN, pois os procedimentos dolorosos fazem parte do contexto de cuidado neonatal. Nesse sentido, a incorporação da EDIN traz implicações positivas para a prática assistencial, prevenindo as repercussões fisiológicas, comportamentais e cognitivas que podem ser desenvolvidas em decorrência da dor repetida, prolongada e não tratada.

REFERÊNCIAS

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    2017

Histórico

  • Recebido
    23 Fev 2017
  • Aceito
    29 Ago 2017
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