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Para onde caminham os Cieps? Uma análise após 15 anos

Where are the Cieps headed? An analysis after 15 years

Resumos

O trabalho descreve aspectos da realidade dos Centros Integrados de Educação Pública - Cieps -, da rede estadual do Rio de Janeiro, baseando-se em pesquisa, realizada em 2001, com 50 diretores. Estabelece comparações com a época em que essas escolas foram implantadas sob a forma de programa especial de governo, levando em conta o funcionamento em horário integral, as dificuldades de gestão, as atividades oferecidas, a quantidade de alunos por escola, a utilização e conservação dos espaços. Conclui que a variedade dos níveis de ensino abarcados e a convivência de diferentes regimes horários num mesmo estabelecimento demonstram a vocação ainda pouco definida de tais escolas. A opinião dos gestores sobre o trabalho desenvolvido nos Cieps que mantiveram o horário integral mostra que eles o consideram, muitas vezes, assistencialista, embora essa definição seja vaga e muito variada. Após mais de 15 anos de existência, a tendente municipalização do ensino fundamental e a pressão por vagas no ensino médio parecem ser os maiores entraves para a manutenção dessas escolas segundo seu projeto original.

EDUCAÇÃO BÁSICA; EDUCAÇÃO DE TEMPO INTEGRAL; POLÍTICA PÚBLICA; EDUCAÇÃO PÚBLICA


Based on research done by 50 principals of Integrated Centers for Public Education, the Cieps, of the Rio de Janeiro state educational system, this article describes aspects of reality in schools in the year 2001. Comparisons are made with the time when they were implemented as a special government program, taking into consideration their functioning on a full time basis, their management difficulties, the activities offered, the number of students per school and the utilization and conservation of the facilities. It concludes that the variety in levels of teaching which they encompass and the concurrence of different time schedules in a single establishment demonstrate that the purpose of these schools is still poorly defined. The managers' opinions about the work developed in the Cieps which maintained a full time schedule reveal that they, quite often, consider them to be paternalistic, although this definition is vague and varied widely. After more than 15 years of existence, the trend to municipalizing primary education and the pressure for high school vacancies appear to be the greatest obstacles to maintaining these schools in accordance with their original concept.

FUL TIME EDUCATION; PUBLIC POLICIES; PUBLIC EDUCATION


OUTROS TEMAS

Para onde caminham os Cieps? Uma análise após 15 anos

Where are the Cieps headed? An analysis after 15 years

Ana Maria Cavaliere* * anacavaliere@yahoo.com.br ; Lígia Martha CoelhoI

IFaculdade de Educação da Universidade Federal do Rio de Janeiro. Núcleo de Estudos Escola Pública de Horário Integral, ligiamartha@alternex.com.br

RESUMO

O trabalho descreve aspectos da realidade dos Centros Integrados de Educação Pública — Cieps —, da rede estadual do Rio de Janeiro, baseando-se em pesquisa, realizada em 2001, com 50 diretores. Estabelece comparações com a época em que essas escolas foram implantadas sob a forma de programa especial de governo, levando em conta o funcionamento em horário integral, as dificuldades de gestão, as atividades oferecidas, a quantidade de alunos por escola, a utilização e conservação dos espaços. Conclui que a variedade dos níveis de ensino abarcados e a convivência de diferentes regimes horários num mesmo estabelecimento demonstram a vocação ainda pouco definida de tais escolas. A opinião dos gestores sobre o trabalho desenvolvido nos Cieps que mantiveram o horário integral mostra que eles o consideram, muitas vezes, assistencialista, embora essa definição seja vaga e muito variada. Após mais de 15 anos de existência, a tendente municipalização do ensino fundamental e a pressão por vagas no ensino médio parecem ser os maiores entraves para a manutenção dessas escolas segundo seu projeto original.

EDUCAÇÃO BÁSICA — EDUCAÇÃO DE TEMPO INTEGRAL — POLÍTICA PÚBLICA — EDUCAÇÃO PÚBLICA

ABSTRACT

Based on research done by 50 principals of Integrated Centers for Public Education, the Cieps, of the Rio de Janeiro state educational system, this article describes aspects of reality in schools in the year 2001. Comparisons are made with the time when they were implemented as a special government program, taking into consideration their functioning on a full time basis, their management difficulties, the activities offered, the number of students per school and the utilization and conservation of the facilities. It concludes that the variety in levels of teaching which they encompass and the concurrence of different time schedules in a single establishment demonstrate that the purpose of these schools is still poorly defined. The managers' opinions about the work developed in the Cieps which maintained a full time schedule reveal that they, quite often, consider them to be paternalistic, although this definition is vague and varied widely. After more than 15 years of existence, the trend to municipalizing primary education and the pressure for high school vacancies appear to be the greatest obstacles to maintaining these schools in accordance with their original concept.

FUL TIME EDUCATION — PUBLIC POLICIES — PUBLIC EDUCATION

Em maio de 1985 inaugurou-se, na capital do estado do Rio de Janeiro, o primeiro Ciep. Durante os anos 80 e 90, em dois períodos governamentais (1983-1986 e 1991-1994) foram construídos e postos em funcionamento 506 Cieps, escolas públicas de tempo integral, com concepção administrativa e pedagógica próprias. A intenção declarada era de promover um salto de qualidade na educação fundamental do estado. Hoje, passados mais de 15 anos, a situação real dessas escolas é muito variada.

No período das duas gestões citadas, criaram-se estruturas extraordinárias, sob a forma de 1º e 2º Programa Especial de Educação — 1º PEE e 2º PEE —, visando a implantar e gerir as novas escolas. Ao iniciar-se a gestão estadual do período 1999-2002, a Secretaria Estadual de Educação computava em sua rede 359 Cieps1 1 Dados obtidos da Gerência de Implantação do Horário Integral da Secretaria Estadual de Educação do Rio de Janeiro, em 2001, nos documentos internos de análise e controle. . As demais unidades foram municipalizadas, ao longo dos anos, sendo que 101 delas no município do Rio de Janeiro, ainda em 1986, ao final da primeira gestão.

Avaliar, hoje, o programa como um todo, apresenta diversas dificuldades. A primeira delas é a precariedade dos dados e estatísticas oficiais. A segunda é o ainda forte conteúdo político partidário que envolve esse conjunto de escolas, devido às próprias origens2 2 Ambas as gestões citadas foram do Partido Democrático Trabalhista — PDT. , o que tem dificultado aproximações e análises isentas. A terceira dificuldade é a diversidade de caminhos entre os Cieps da rede estadual e os que foram municipalizados, e as diferenças internas, dentro de cada uma dessas redes: apesar de criadas em um programa altamente centralizado e uniformizador e de ainda mostrarem traços evidentes dessa origem, tais escolas apresentam quadros que englobam toda a gama de realidades escolares presentes nas redes públicas do estado e do município do Rio de Janeiro. Temos buscado, em nossas pesquisas, captar as características predominantes desse conjunto de escolas, dividindo-o em dois grandes grupos: os Cieps da rede municipal da capital do estado e os da rede estadual. Nossa intenção tem sido detectar e analisar as tendências, seja no que diz respeito à qualidade do trabalho pedagógico nelas desenvolvido, seja quanto a fenômenos típicos decorrentes do regime de funcionamento em tempo integral.

O conteúdo deste artigo é parte desses estudos e trata exclusivamente das escolas de tempo integral ligadas à rede estadual do Rio de Janeiro.

A principal fonte de informações para as reflexões que se seguem são questionários respondidos por 50 diretores de Cieps. Estes questionários foram aplicados durante a realização do curso de extensão Gestão Participativa em Tempo Integral, fruto de convênio entre a Secretaria Estadual de Educação e o Núcleo de Estudos Escola Pública de Horário Integral — Neephi3 3 O Neephi é um núcleo de estudos interinstitucional, sediado na Universidade do Rio de Janeiro — Unirio —, que realiza atividades de ensino, pesquisa e extensão, relacionadas às escolas de tempo integral, no contexto das discussões mais amplas sobre "tempo e escola". —, durante o ano de 2001.

O curso, com carga horária de 90 horas-aula recebeu, em duas etapas, um total de 203 diretores de Cieps, em sua maioria diretores gerais, mas também alguns diretores adjuntos. Nem todos dirigiam unidades escolares que funcionavam, naquele momento, com horário integral. Segundo dados da Gerência de Implantação do Horário Integral da Secretaria Estadual de Educação, naquele mesmo ano, o regime de horário integral era adotado em 197 do total de 359 Cieps.

A inscrição para participação no curso foi voluntária, e o ato de responder ao questionário também. Dos 203 questionários distribuídos, muitos não retornaram até o final do curso, ou retornaram com preenchimento precário e incompleto. Obtivemos 50 deles em condições de integrarem a amostra. A partir desses 50 questionários organizou-se o levantamento (Cavaliere, Coelho, 2002) que fundamenta este artigo4 4 O levantamento encontra-se arquivado e disponível no Neephi/Unirio. . O formulário era identificado, isto é, requeria o nome do diretor e da escola. As perguntas contemplavam informações objetivas sobre a escola e o gestor, bem como respostas de caráter opinativo, relativas ao Ciep por ele dirigido e às escolas de tempo integral em geral. As questões opinativas consistiram em quatro itens com opções fechadas de resposta e em seis itens com respostas abertas.

Diversas perguntas do questionário visavam à obtenção de informações que permitissem correlacionar a situação da escola no período de sua implantação e a realidade em 2001, a fim de identificar a trajetória dessas unidades escolares.

Os 50 Cieps da amostra estão localizados em 16 municípios diferentes. A maior freqüência encontra-se na Baixada Fluminense, 24 Cieps (Nilópolis, Nova Iguaçu, Mesquita, São João de Meriti, Duque de Caxias e Magé), seguida da região metropolitana de Niterói e de São Gonçalo, com 10 e do município do Rio de Janeiro, com 8 Cieps5 5 Trata-se dos Cieps construídos no Município do Rio de Janeiro no 2º PEE (1991-1994) e que, ao contrário dos construídos no 1º PEE (1983-1986), se mantiveram na rede estadual, devido à mudança no quadro partidário do município do Rio de Janeiro. . Isolando-se os 8 Cieps restantes, localizados em municípios menos populosos, como Araruama (2), Angra dos Reis (1), Maricá (2), Piraí (1) e Carmo (1), temos 42, ou seja, 84% dos Cieps cujos diretores responderam ao questionário, localizados em regiões metropolitanas de alta concentração populacional. A amostra é compatível, grosso modo, com a distribuição geográfica do conjunto de Cieps no estado, que apresenta 75% das unidades localizadas nos grandes centros e periferias6 6 Listagem oficial de Cieps por município, apresentada em Ribeiro et al.(1995). . A diferença constatável em favor das regiões metropolitanas na amostra estudada (84% da amostra e 75% no conjunto de Cieps) pode ser atribuída ao fato de esta não ter sido intencionalmente definida. Como já vimos, a inscrição no curso foi voluntária e o fato de esse ter sido oferecido nas dependências da Unirio, na capital, obrigava os diretores de Cieps dos municípios mais afastados a percorrerem grandes distâncias e realizarem maiores gastos com transporte.

Os temas que enfocaremos a seguir correspondem a três eixos a partir dos quais elaboramos o questionário. São os seguintes: 1. consolidação dos Cieps: problemas de gestão; dificuldades cotidianas; redução do tempo integral; espaço físico, atividades diversificadas; ocupação dos Cieps; 2. níveis de ensino nos Cieps; 3. tempo integral e assistencialismo.

CONSOLIDAÇÃO DOS CIEPS

Observando os anos em que a maioria dos 50 Cieps foram implantados, constatamos um dos sérios problemas vividos pelos dois programas de governo que criaram as escolas de tempo integral no estado. Tal problema consistiu na dificuldade de alcançar, no prazo de quatro anos, a meta prevista de construção de 500 Cieps, sendo pelo menos um em cada município do estado. As maiores freqüências da amostra são encontradas em 1986: 8 Cieps; 1993 e 1994: 10 e 18 Cieps respectivamente. O ano de 1986 corresponde ao último ano do primeiro governo do PDT (1983-1986), que inaugurou 200 Cieps. Os anos de 1993 e 1994 correspondem aos dois últimos anos do segundo governo do PDT (1991-1994), gestão que implantou 400 Cieps (Secretaria Estadual de Educação — SEE,1994), entre recuperados e novos7 7 Para informações mais detalhadas sobre a reforma e entrega de novas unidades escolares na gestão 1991-1994, ver Ribeiro et al. (1995). .

Na tabela 1, temos que em 50 Cieps, 26 (18 em 1994 e 8 em 1986) foram criados no último ano das respectivas gestões e 11 no penúltimo (1 em 1985 e 10 em 1993). Essa constatação explica, em parte, a fragilidade do programa que tinha, como metodologia de intervenção no sistema educacional, o "choque de exemplaridade" (Cavaliere, 2002a). O programa pretendia criar 500 escolas exemplares e inovadoras que funcionassem como um parâmetro para as demais escolas. Elas seriam pólos de irradiação de um projeto pedagógico e algumas funcionariam inclusive como escolas de aperfeiçoamento dos professores da rede pública (Ribeiro et al., 1986).

O fato de ambos os governos não terem feito sucessor do mesmo partido, levou ao desmonte, por duas vezes, das recém-inauguradas escolas. Segundo a diretora do Ciep A, que atualmente tem as turmas das séries iniciais em horário integral, "por descaso das autoridades o projeto foi descaracterizado. Foi muito doloroso ver todo aquele espaço praticamente improdutivo..."

A resistência ao desmonte do programa foi pequena e não chegou a desencadear um movimento com expressão política. Ao final de cada uma das duas gestões, as escolas que permaneceram funcionando, ainda que com restrições, de acordo com a proposta pedagógica original, foram aquelas com mais tempo de funcionamento, ou seja, que haviam consolidado uma experiência, uma equipe, e que já tinham, portanto, motivação e condições objetivas para defender seu trabalho. Em seu depoimento escrito, a diretora do Ciep B, que funciona, hoje, com todas as turmas em horário integral afirma: "a filosofia dos Cieps é maravilhosa, uma pena que cada governo que entra, muda e descaracteriza esta escola que poderia realizar um trabalho brilhante em todos os sentidos."

A maioria das escolas de tempo integral da rede estadual, especialmente as da região do Grande Rio, tornaram-se, tanto no período entre as duas gestões como após 1994, escolas problemáticas e rejeitadas pelo próprio sistema. Situadas em regiões abandonadas pelo poder público, foram engolidas pelas difíceis condições sociais das localidades. Ou seja, nesses casos, o efeito obtido foi exatamente o contrário daquele "efeito de exemplaridade" pretendido.

A disseminação de uma visão dos Cieps como escolas inoperantes foi agravada pela coincidência entre o fim do Programa Especial — e do apoio que ele garantia a essas escolas — e a criação do bloco único8 8 O bloco único era composto de cinco anos de escolarização, da classe de alfabetização à 4ª série, sendo vedada a reprovação. Ao final do bloco, os alunos que necessitassem teriam um ano de estudos complementares. , implantado na rede estadual em 1994. A ausência da reprovação passou a ser uma realidade para todas as escolas estaduais de ensino fundamental. Entretanto, tendo sido muito forte a oposição à medida por parte da categoria docente e da própria população, as escolas convencionais, em grande parte, desenvolveram procedimentos internos, informais, para "contornar" o bloco único. Os Cieps, por sua auto-imagem de escolas inovadoras, e também devido à forte ligação que mantinham com o nível central — devido a sua condição de programa especial de governo, além da condição de instituições recém-criadas e pouco consolidadas —, não chegaram a desenvolver tais "técnicas". A população associou a ausência de reprovação aos Cieps, e reforçou a representação de escolas "fracas" ou desorganizadas. Era comum ouvir-se à época críticas dirigidas especificamente aos Cieps pelo fato de não reprovarem quando, oficialmente, a concepção de bloco único atingia toda a rede.

Destaca-se ainda o fato de que a falta de tradição de tempo integral na escola brasileira e o encaminhamento equivocado dado ao tema por alguns setores do próprio governo quando do lançamento do 1º PEE — relacionando essas escolas à crianças infratoras9 9 Algumas peças de propaganda em televisão faziam uso da idéia de que as crianças que estavam nas ruas cometendo delitos, passariam a ter uma escola para ficar durante todo o dia. — fortaleceram a associação de idéias entre escola de horário integral e internato, reformatório e congêneres. Dessa forma, os Cieps foram estigmatizados como sendo escolas para crianças sem cuidados familiares ou semimarginalizadas.

As afirmações feitas por diversos diretores nas questões abertas do questionário vieram mostrar que esses profissionais têm hoje plena consciência do processo por que passaram as escolas que dirigem e realizam um grande esforço para superá-lo. Alguns, inclusive, afirmam já terem conseguido reverter o estigma:

Havia uma grande rejeição [do Ciep] por ser visto como escola de pobre onde todo mundo passa [de ano]. Essa visão mudou a partir de reuniões constantes com a comunidade. (Diretora do Ciep C, que não funciona com horário integral)

Aos poucos estamos conseguindo acabar com alguns preconceitos da comunidade a respeito do trabalho desenvolvido. Isso foi possível através de projetos e da integração da comunidade interna e externa. (Diretora geral do Ciep D, que não funciona com horário integral)

Problemas de gestão

O acesso ao cargo de direção é outro elemento que propicia reflexões sobre a situação desse conjunto de escolas na rede estadual.

Como vemos na tabela 2, o acesso ao cargo para 32 diretores da amostra se deu por meio de eleição; para dez, por indicação e para outros oito, pelas duas formas (inicialmente indicação e, depois, eleição). Apenas 18 diretores já haviam dirigido outra escola antes de assumirem a direção do Ciep. Ou seja, em sua maioria eram diretores novatos quando chegaram ao cargo. Além disso, no universo da amostra, o maior período, até a data da aplicação do questionário, em que um mesmo profissional se encontrava no cargo de direção era de cinco anos. Sabendo-se da tradição de longos e repetidos mandatos nas direções das escolas públicas do Rio de Janeiro, chama a atenção o rodízio e a pequena quantidade de diretores já experientes.

O fato deve-se à instabilidade crônica que têm vivido os Cieps da rede estadual, o que gerou entre os professores o receio de neles trabalharem, e, mais ainda, de assumirem a sua direção. O sentimento de estar trabalhando em condições muito precárias esteve fortemente presente em seus depoimentos escritos.

A diretora do Ciep E, que tem horário integral no 1º segmento, revela essa instabilidade:

...a mudança constante da política voltada para as questões do horário integral. Desde que iniciamos o Programa Especial de Educação, a cada ano, sofremos com os questionamentos: teremos horário integral? Os professores terão mecanismos para permanecerem fazendo 40 horas semanais? O número de funcionários será mantido? A verba da merenda chegará durante todo o ano? E a verba da manutenção? Teremos profissionais para as atividades diversificadas? E o projeto dos alunos residentes será mantido? E o centro médico-odontológico? E a animação cultural? Dúvidas... dúvidas...dúvidas...

Da mesma forma, a diretora do Ciep F, com horário ampliado10 10 Horário ampliado significa uma situação intermediária entre o integral e o parcial. As atividades vão de 8 a 14 horas. A amostra aqui estudada contém quatro escolas com esse sistema. nas turmas de 1ª a 8ª séries, afirma:

Nosso trabalho é árduo. Muitas vezes deixamos nossa família de lado, nossa saúde, pois são inúmeros os problemas do dia-a-dia na escola e infelizmente não contamos com pessoal suficiente. Somos tudo: inspetor, porteiro, e, às vezes, até servente. Mas temos certeza de que nosso papel está sendo cumprido.

Uma escola de horário integral, para além de todas as tarefas e problemas de gestão de qualquer escola, tem a dificuldade adicional das responsabilidades ampliadas diante dos alunos e da falta de conhecimento acumulado na gestão de uma rotina diferente, que necessita maior diversidade de atividades e inclui problemas decorrentes da permanência prolongada de alunos e professores no ambiente escolar. A diretora do Ciep G, que tem horário integral nas séries iniciais, considera que:

...a realidade e rotina de uma escola de horário integral não pode ser comparada com uma escola de horário parcial, principalmente no que diz respeito a quantitativo de pessoal de apoio. Os profissionais da escola de horário integral necessitam de permanente capacitação e aperfeiçoamento. É preciso o retorno de no mínimo três animadores culturais. É preciso equipe pedagógica e não professor "faz-tudo".

Se a rede de escolas públicas convive diuturnamente com o problema da falta de professores, em muitos Cieps apresenta-se a dificuldade adicional de encontrar profissionais dispostos a enfrentar uma realidade sempre imprevisível e algo conturbada:

Esta escola é considerada de difícil acesso, por isso não temos professores de matrícula há 3 anos. Em 1999, as aulas começaram em julho, após a autorização do governador para que houvesse contrato! Todos os anos, no início das aulas, nunca temos professores. Sendo assim, falar de uma escola de horário integral, sem as mínimas condições, só loucas como nós, para continuar insistindo. (Diretora do Ciep H, que funciona em horário integral nas séries iniciais)

Vivemos o descrédito do professorado frente a proposta de uma escola de horário integral. Descrédito viabilizado pelo poder público. (Diretora do Ciep I, sem horário integral)

As dificuldades vividas por esses profissionais da educação não são específicas do tempo integral, mas os problemas estruturais, no regime de tempo integral, são mais difíceis de serem contornados e, quando não impossibilitam de todo a realização da proposta, freqüentemente transformam essas escolas em instituições muito problemáticas, embora, também, muito mobilizadas na busca de soluções.

Dificuldades cotidianas

Observando a tabela 3, relativa às maiores dificuldades enfrentadas para a boa realização do trabalho pedagógico, o item mais apontado foi "excesso de atividades burocrático-administrativas".

É generalizada a dificuldade dos diretores de lidar com as novas atribuições que a descentralização administrativa e financeira traz para as escolas. Essas atribuições (compras, controle, prestação de contas etc.) e a ausência de uma estrutura compatível de pessoal e recursos têm afastado os diretores gerais das atribuições pedagógicas. Nas escolas de tempo integral, esse afastamento é muito sentido pelo estabelecimento, que precisa de um "maestro muito afinado", no dizer de uma diretora, tantos são os fatores intervenientes no cotidiano escolar.

Outros problemas recorrentes, com freqüências semelhantes, foram "falta de profissionais da educação", "problemas sociais que envolvem a escola" e "orientações político-pedagógicas dos órgãos centrais".

Embora não constasse dos itens do questionário, um problema se destacou na opção "outros" e nas demais opções de complementação livre das respostas: o critério de definição do Projeto Dinheiro Direto na Escola — PDDE/MEC — , que se baseia no número de alunos matriculados, deixando as escolas de tempo integral em desvantagem com relação às demais. Ainda que essas escolas estejam em funcionamento durante todo o dia, realizando gastos compatíveis com essa ocupação, o número de alunos, assim como a verba recebida, é a metade do que seria caso funcionassem em dois turnos.

Redução do tempo integral

As informações obtidas na Gerência de Implantação do Horário Integral da Secretaria de Educação, em 2001, de que, naquele momento, dos 359 Cieps da rede estadual, 197 incluíam turmas com horário integral, comprova, por si só, o recuo da presença desse sistema após 1994, quando do término do 2º PEE.

Em nossa amostra de 50 Cieps, a ocorrência do horário integral também sofreu uma generalizada redução após 1994.

Ao compararmos as informações prestadas pelos diretores sobre a situação do horário à época da inauguração do Ciep (tenha sido essa inauguração no 1º ou no 2º PEE) e atualmente, constatamos a redução de 35 para 6 unidades funcionando totalmente em horário integral. Concomitantemente, o aumento de 10 para 31 das que funcionam parcialmente em tempo integral e também o aumento de 5 para 13 das que não possuem regime de horário integral. Estar "funcionando parcialmente em horário integral" significa, em 27 escolas, ter parte das turmas em horário integral (em geral as turmas de 1ª a 4ª série) e, em quatro escolas, significa funcionar em horário ampliado, isto é, das 8 às 14 horas. Incluindo essas quatro últimas, temos, no ano de 2001, em 37 dos 50 Cieps, o horário integral. A diretora do Ciep J, cujas séries iniciais funcionam em tempo integral, relata que: "Nos anos 95/96 deixamos de funcionar em horário integral pela desarticulação do próprio governo que retirou os professores de 40 horas. Retomamos em 97/98 mas com um número muito reduzido de turmas pois faltavam professores". A diretora do Ciep L, que funciona em horário ampliado de 8 às 14 horas, afirma que: "O Ciep deixou de funcionar em horário integral em 94/95 e não retornou mais. Retiraram todos os professores extraclasse. O horário integral sempre foi bem aceito pela comunidade".

Lembramos que a proporção de 37 Cieps no conjunto de 50 da amostra, ou seja, 70% que afirmaram o funcionamento em regime de tempo integral (ou ampliado), não pode servir como parâmetro para o universo de 359 unidades da rede estadual, uma vez que o curso de extensão ao qual compareceram os diretores da amostra atraiu principalmente, como era de se esperar, aqueles cujas escolas estavam com funcionamento em horário integral ou em vias de sua reintrodução. Como já vimos, em relação ao conjunto de Cieps da rede estadual, a informação oficial é de que há horário integral em 197 deles, isto é, em 54%.

Destacamos na amostra as séries que em 37 Cieps foram contempladas com o horário integral e notamos que, em 33 escolas, elas são turmas de séries iniciais do ensino fundamental e, em 8 escolas, são turmas de séries finais do ensino fundamental. O tempo integral aparece em turmas de educação infantil em apenas uma escola e em turmas do ensino médio em duas escolas. A soma ultrapassa 37, pois algumas escolas têm mais de um segmento em tempo integral.

A rigor, não podemos analisar a questão do tempo integral na rede estadual sem abordarmos o problema dos níveis de ensino, o que faremos adiante. Parece que a possibilidade de recuperação da proposta pedagógica dos Cieps, que foi concebida para o ensino fundamental, depende antes de tudo, de um equacionamento do papel da rede estadual de ensino e também de uma avaliação, praticamente caso a caso, município a município, sobre a melhor destinação de um prédio construído em função de uma proposta pedagógica específica.

O espaço físico

O prédio dos Cieps, com 18 a 20 salas de aula, comporta uma escola de médio porte quando utilizada em tempo integral, podendo atender, em situação ideal, cerca de 600 alunos em turno único. As áreas externas, grandes (quadra, pátios) e vulneráveis, requerem a existência de atividades recreativas ou culturais permanentes e um trabalho também permanente de manutenção. Requerem também a participação, ou pelo menos algum tipo de acordo, tácito ou formal, com a população residente em torno da escola. Quando isto não ocorre, transformam-se em matagais abandonados, pastagens de animais, alvo de vandalismos e acúmulo de lixo.

Em muitos casos, a utilização da área externa pela população local ocorre sem o estabelecimento de acordo com a direção, seja nos fins de semana ou à noite. O espaço passa a cumprir o papel de um espaço público aberto, quase sempre inexistente nos bairros periféricos, substituindo a praça, o campo de futebol ou o clube. Nem sempre as diretoras são bem-sucedidas nas tentativas desse uso. Muitas vezes, a parcela transgressora ou delinqüente da juventude local é a que lidera essa utilização, o que se transforma em fonte de grande tensão para a escola.

A proposta arquitetônica de uma escola aberta, democrática, concebida por Oscar Niemeyer, esbarrou na realidade de miséria e abandono das localidades em que tais escolas foram construídas, na falta de manutenção e na carência de profissionais para ocupar e gerir um espaço com inúmeras possibilidades.

Segundo a diretora do Ciep E (séries iniciais em horário integral),

O prédio concebido pelo arquiteto Oscar Niemeyer requer uma manutenção constante e nem sempre o número de funcionários e a verba recebida contribui para que o espaço físico se apresente em perfeita condição, muitas vezes prejudicando a rotina da escola. Problemas constantes como infiltrações, falta de água, consumo elevado de material de limpeza, corrente de vento do refeitório, defeitos nos banheiros, barulhos nas venezianas de alumínio, fazem parte de nossa história.

Também a diretora do Ciep M (sem horário integral) afirma que: "a manutenção da parte física é complexa. Não temos em mãos determinados esquemas elétricos, hidráulicos etc. e nem onde buscá-los. Fazemos a manutenção mas com dificuldade até de profissionais qualificados para determinadas tarefas".

Associando-se o problema mencionado, relativo à distribuição de verbas do PDDE (pela quantidade de alunos), com o fato de que a área total de cada Ciep é muito maior do que a da maior parte das demais escolas da rede, podemos ter a medida das dificuldades por que passam os administradores dessas escolas.

Outro problema espontaneamente citado nas complementações livres das respostas foi o da acústica das salas de aula, que possuem meias paredes, isto é, paredes que não chegam ao teto, permitindo a passagem do som entre os ambientes. Dois diretores a ele se referiram como muito prejudicial ao trabalho pedagógico.

As atividades diversificadas

Sobre as atividades diversificadas efetivamente realizadas nos Cieps, pudemos perceber uma queda acentuada em quase todas, quando comparamos a situação à época da implantação e a situação atual. A efetivação do horário integral é inteiramente dependente da existência dessa atividades, a não ser que se imagine o tempo integral como mera duplicação da escola de horário parcial.

A tabela 5 é reveladora do empobrecimento do atual trabalho pedagógico nessas escolas. Com exceção da educação física, todas as demais atividades decresceram. O questionário pedia aos diretores que listassem as atividades existentes em sua escola à época da implantação e as atividades existentes hoje. As atividades com incidência mais regular, mesmo nos dias atuais, foram as que constavam do programa pedagógico original dos Cieps, com exceção do estudo dirigido, que teve fraca aparição. No geral, a redução é sensível. Além da diminuição quantitativa, há o fato de que as atividades em sua maioria são hoje realizadas pelo próprio professor de turma, não existindo mais, com raras exceções, o professor videoeducador, o professor específico do estudo dirigido, ou o profissional de biblioteca que existiam no projeto original:

Consideramos que as respostas dadas pelos diretores a respeito da situação das escolas à época da implantação podem conter pequenos enganos, pois eles não eram necessariamente profissionais dessas escolas, sendo possível e provável que tenham fornecido algumas informações com base na memória coletiva da instituição e, portanto, suscetíveis a erros. Há confusão, por exemplo, entre as definições de biblioteca e sala de leitura. Originalmente, a sala de leitura situava-se no interior do prédio principal, sendo o local próprio para a realização do estudo dirigido. Já a biblioteca, localizada em um prédio específico no terreno da escola, estava aberta à comunidade. Percebemos que atualmente os diretores usam as duas denominações indistintamente, o que trouxe, para esse item, dificuldades de uma avaliação precisa. De toda forma, a tendência de diminuição da oferta sistemática de atividades diversificadas é muito clara.

Quando o diretor assinala a existência da animação cultural, isso significa que a escola conta com um animador cultural, ou seja, esses profissionais, originalmente dois por escola, ainda estão presentes em alguns dos Cieps de nossa amostra e neles organizam o trabalho cultural e artístico.

Além da animação cultural, aparecem em destaque artes (desenho e pintura), com 15 incidências; dança com 13 (inclusive capoeira) e música com 10 (inclusive oficina de violão, canto), o que dá uma medida do alto valor que as escolas de tempo integral têm dado ao trabalho cultural e artístico. Entretanto, tais atividades, devido a seu caráter precário e não oficial, em sua maior parte atingem parcelas muito reduzidas dos alunos.

Nessa direção, pudemos constatar, por meio dos questionários, o aparecimento de uma grande variedade de atividades isoladas nos diferentes Cieps, fruto de iniciativas da própria escola. Sabemos que este não é um fenômeno típico dos Cieps, e que tem ocorrido nas escolas públicas em geral. É resultado das políticas de descentralização e estímulo às parcerias e ao trabalho voluntário. Encontramos 23 diferentes incidências únicas de atividades em diferentes escolas, tais como "cultura oriental", artesanato, ginástica para a comunidade, horta, informática, xadrez, psicóloga (amiga da escola), entre outras. Com três incidências encontramos ensino religioso e jogos. Com duas incidências encontramos oficina de línguas, educação ambiental e aulas de reforço. O problema é que na oferta dessas atividades, predominam o improviso e a instabilidade. Um estudo sobre essa tendência, hoje permitida e estimulada pelas políticas públicas, mereceria ser feito.

Ocupação dos Cieps

Abordaremos agora uma idéia freqüentemente apresentada: os Cieps estão esvaziados, não havendo justificativa para a manutenção daquela grande estrutura. Tudo indica que a idéia é um subproduto da instável trajetória dessas instituições escolares que passaram por períodos de abandono e políticas intermitentes, não correspondendo à realidade efetiva da maioria delas.

Os dados oferecidos pela amostra, embora não possam ser generalizados, reforçam a mesma tendência já verificada em outras pesquisas realizadas nos Cieps da rede estadual (Coelho, 2002) e também na rede do Município do Rio de Janeiro (Cavaliere, 2002a): são poucas as escolas que funcionam com menos de 500 alunos e a grande maioria ultrapassa esse quantitativo.

Numa rápida análise do gráfico 1, encontramos 6 Cieps — dos 50 da amostra — que funcionam com até 300 alunos. Contudo, são 41 aqueles que têm de 301 até 2.400 alunos, e 2 os que têm entre 2.400 e 2.700 alunos. O maior problema observado, como já vimos, é que alguns dos Cieps com grande número de alunos têm, além de diversos níveis de ensino, diferentes regimes de horários, constituindo-se em centros de extrema complexidade.


Os Cieps de nossa amostra estão, em sua maioria, superlotados. É preciso ressaltar que os mais cheios situam-se em municípios da Baixada Fluminense, mais populosos e de baixa renda. No entanto, também encontramos Cieps em municípios de menor densidade populacional, com número bastante elevado de alunos, como Angra dos Reis, com 1.270; Maricá, com 1.300 e Araruama, com 2.050 alunos.

Os números sugerem que os casos de esvaziamento inequívoco (menos de 300 alunos) são poucos. Podemos atribuí-los a duas causas. Primeiro, à localização em municípios de baixa densidade demográfica, onde há excesso de vagas e/ou a população rejeitou a proposta do tempo integral. Em nossa amostra ela está representada pelo Ciep de Piraí, que não funciona em tempo integral (60 alunos), e pelo Ciep de Carmo, que funciona totalmente em tempo integral (300 alunos). A segunda causa seria a já citada estigmatização dessas escolas, especialmente as localizadas em regiões populosas e pouco assistidas pelo poder público. Em nossa amostra, está representada por um Ciep de Nilópolis (300 alunos), um de Nova Iguaçu (230 alunos) e dois de São Gonçalo (com 200 e 255 alunos).

No caso dos municípios pequenos, a revitalização dessas escolas, incluindo ou não o horário integral, dependeria de uma política cultural associada a lideranças locais, de ampliação dos horizontes culturais da escola e de utilização dos recursos que o prédio oferece para a dinamização e enriquecimento da experiência escolar e comunitária.

No caso dos municípios periféricos, retirar o estigma das escolas dependeria de uma política estável de recuperação dos prédios, definição de seu nível de ensino, apoio aos profissionais que aí trabalham e, principalmente, de um projeto político-pedagógico consistente que levasse em conta a realidade local e uma concepção ampliada de educação escolar.

Estamos longe de uma realidade de excesso de espaços para a educação. Temos grande quantidade de escolas mal instaladas e superlotadas. Uma política educacional conseqüente não teria dificuldades de encontrar soluções de bom aproveitamento para os poucos Cieps esvaziados que pudemos encontrar, seja entre os 50 da amostra aqui estudada, seja entre os demais já visitados em pesquisas anteriores (Brandão, 1989).

NÍVEIS DE ENSINO NOS CIEPS

Trataremos, agora, de tema presente em um dos itens do questionário e cujas respostas levaram a reflexões pertinentes ao campo da descentralização dos sistemas de ensino. Solicitamos, a cada diretor, informações acerca dos níveis de ensino em que atua o Ciep que dirige. Como nas demais perguntas, esta também levou em conta a escola à época de sua implantação, a fim de compará-la à situação em 2001.

Na época de implantação, verificamos que 41 Cieps possuíam turmas das séries iniciais do ensino fundamental. Em segundo lugar, em número bem menor, encontrava-se a presença do ensino médio, das séries finais do ensino fundamental e da educação de jovens e adultos. Finalmente, havia Cieps que ofereciam a educação infantil, mas eram poucos.

Quando a pergunta focalizou o ano de 2001, a situação modificou-se substancialmente: as séries iniciais do ensino fundamental continuaram a fazer parte dos Cieps em 39 escolas, mas agora seguidas de perto pelas séries finais desse mesmo nível de ensino (em 31) e, pelo ensino médio, 22 unidades escolares. A educação de jovens e adultos permaneceu em 10 Cieps e a educação infantil em 4. O curso de magistério apareceu em uma escola e a educação especial em duas.

A análise dos dados obtidos permite afirmar que, da época da implantação até 2001, ocorreram processos de concentração inversa e de diversificação de atuação dos Cieps. Enquanto no primeiro momento essas escolas priorizavam o trabalho educativo com as séries iniciais do ensino fundamental, em 2001, este mantém sua prevalência, porém com boa ascensão das séries finais desse mesmo nível de ensino e do nível médio. Concomitantemente, percebemos o surgimento de outras modalidades de ensino, pouco citadas ou inexistentes à época da implantação como, por exemplo, educação especial e cursos de magistério.

Em relação ao que denominamos diversificação de atuação, nossa análise encontra pontos favoráveis e desfavoráveis.

À época do 1º PEE (1983-1986) embora algumas poucas unidades tenham sido destinadas ao segundo segmento da educação fundamental, a grande maioria delas atendia à população de sete a dez anos, ou seja, crianças do primeiro segmento. Já no 2º PEE (1991-1994) o espectro inicial ampliou-se com a criação de 68 ginásios públicos que abrigavam as séries finais do ensino fundamental e do ensino médio.

Essa diversificação de níveis de ensino tornou mais complexo o projeto inicial e, concretamente, ocasionou alguns problemas. Entre os mais sérios estavam a própria natureza e concepção do tempo integral para alunos cuja faixa etária exigia, por vezes, atividades inexistentes nas escolas; a adaptação desses jovens ao horário integral, bem como dos professores, licenciados em áreas diversas e, conseqüentemente, acostumados ao trabalho fragmentado em mais de uma escola.

Com a interrupção do 2º PEE, em 1994, tudo levava a crer que os chamados ginásios públicos estariam fadados a desaparecer. No entanto, tanto os dados da amostra estudada como de outras pesquisas já realizadas, vêm provar que esta realidade persiste, amplia-se, e desafia-nos a novas reflexões, uma vez que ela é constituída por experiências bem e malsucedidas.

Em municípios da Baixada Fluminense, por exemplo, há Cieps desse tipo que possuem um número muito grande de alunos e implementam atividades educativas e de ensino que propiciam a permanência dos jovens na escola, com sucesso. No Ciep 398, em São João de Meriti, a constituição de uma banda, além de oficinas de silk screen, entre outras atividades, motivam a permanência dos jovens na escola. No Ciep 476, em Duque de Caxias, com 2.050 alunos, aulas de coral e informática também trazem dinamismo às atividades educativas existentes. No entanto, os dois já não funcionam em tempo integral (Coelho, 2002).

A realidade descrita permite afirmar que se perdeu a concepção de tempo integral, apesar do trabalho de boa qualidade, tanto da gestão quanto das equipes docentes e técnico-administrativas desses Cieps. Em outros termos, grande parte dos Cieps que atuam em mais de um nível de ensino abandonam o tempo integral, uma vez que se torna muito difícil colocá-lo em prática.

A situação torna-se ainda mais complexa quando se tem, no mesmo espaço físico de uma única escola, turmas das séries iniciais e finais do ensino fundamental, além do ensino médio. Essa realidade traz enormes dificuldades para a continuidade do tempo integral nos Cieps. Os diferentes níveis, mesmo funcionando em turnos diferentes — o que nem sempre acontece — , acabam interferindo na organização escolar, dificultando o rodízio de atividades, a utilização dos espaços, os deslocamentos, enfim, a manutenção de uma rotina enriquecedora e agradável em tempo integral para todos. Ainda assim, como vemos na amostra, são muitos os Cieps, com vários segmentos diferentes, que têm mantido o tempo integral para as séries iniciais.

Quanto ao que denominamos concentração inversa, é importante destacar dois pontos. O primeiro refere-se ao predomínio das séries iniciais do ensino fundamental nos Cieps da rede estadual ainda hoje; o segundo, decorrente do primeiro, reporta-se ao choque desse predomínio com a Lei n. 9.394/96.

Nesse sentido, os números apresentados na tabela 6 talvez não chamassem tanto a atenção se não estivesse em plena vigência a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, cujo art. 10 afirma que os estados incumbir-se-ão de:

[...] II — Definir, com os Municípios, formas de colaboração na oferta do ensino fundamental, as quais devem assegurar a distribuição proporcional das responsabilidades, de acordo com a população a ser atendida e os recursos financeiros disponíveis em cada uma dessas esferas do Poder Público; [...]

[...] VI- assegurar o ensino fundamental e oferecer, com prioridade, o ensino médio. (grifos nossos)

Sabemos que a Lei n. 9.394/96 promove a descentralização. Uma das conseqüências dessa orientação é o aprofundamento da subdivisão dos níveis de ensino pelos três sistemas — federal, estadual e municipal. Conforme se pode observar no art.10, os estados podem e devem colaborar com os municípios na oferta do ensino fundamental, uma vez que este nível precisa ser assegurado. No entanto, sua prioridade deve ser o ensino médio. E eis aqui um problema a partir dos dados obtidos.

De fato, tanto os 50 Cieps desta amostra como outros já pesquisados11 11 Em 92 Cieps distribuídos por nove das 20 coordenadorias regionais de educação do estado, os dados relativos à predominância do ensino fundamental, revelados pela amostra estudada, se repetem (Coelho, 2002). trabalham prioritariamente com o ensino fundamental (séries iniciais e finais). Podemos inferir, neste caso, que o estado do Rio de Janeiro cumpre seu papel, colaborando na oferta desse nível de ensino e exercendo a função distributiva de responsabilidades. No entanto, tornou-se público, no ano 2000, o problema vivido pela Secretaria de Educação do Estado, com a forte demanda para o ensino médio e a insuficiência no número de vagas oferecidas. Nesse sentido, o estado provavelmente será compelido à criação de vagas e à dedicação maior ao ensino médio. Será possível manter sob sua responsabilidade um conjunto de escolas tão complexas e que necessitam tanto de políticas como de recursos especiais para que possam cumprir seu papel inovador no sistema como um todo?

A origem das dificuldades encontra-se, acreditamos, na própria história de criação dos Cieps. Os prédios foram construídos para abrigar uma proposta pedagógica de educação integral em tempo integral para as séries iniciais do ensino fundamental. Mais tarde, durante o 2º PEE, esta tarefa estendeu-se também às séries finais desse nível de ensino e ao ensino médio, com a criação dos denominados ginásios públicos. Contudo, à época dessas experiências, a Lei n. 9.394/96 ainda estava em discussão e as exigências de que falamos ainda não haviam sido estabelecidas.

Desse modo, houve dois concursos públicos para preenchimento de vagas de docentes das séries iniciais, que trabalhariam em escolas estaduais/Cieps com aquele nível de ensino. Hoje em dia, como resolver o problema desses professores efetivados, caso o estado venha a optar por priorizar o ensino médio, deixando de lado o ensino fundamental? Como compatibilizar prioridades, a curto prazo, se sabemos que um processo como o de municipalização é lento, e bastante complexo?

Para efeito de comparação, a análise da situação no município do Rio de Janeiro mostrou que a grande demanda da população em relação ao tempo integral tem sido para as séries iniciais e para a educação infantil. O horário integral para as séries finais do ensino fundamental praticamente desapareceu na rede pública da capital. Em contrapartida, há um crescimento de escolas convencionais (não Cieps) que também oferecem o horário integral de educação infantil à 4a série.

Em uma amostra contemplando 20 Cieps de todas as regiões do município do Rio de Janeiro, foram encontradas 108 turmas de educação infantil e 208 turmas de séries iniciais funcionando em tempo integral (Cavaliere, 2002a). Como cabe exatamente ao município a maior responsabilidade por esses níveis de ensino, a demanda tem sido atendida. Estão sendo construídos pela prefeitura 29 módulos anexos a Cieps, aproveitando seus grandes terrenos, especialmente voltados para a educação infantil em tempo integral. No município do Rio, os Cieps parecem ter encontrado sua vocação, pelo menos no que diz respeito aos níveis de ensino.

Já a tendência da rede estadual é inversa. Montar uma rede de escolas para o ensino fundamental, inovadora e relativamente cara, traz problemas para o estado, que tem como prioridade de ação estabelecida por lei o ensino médio. Hoje ele é altamente deficitário, tanto no que tange à alocação de recursos humanos como à construção/alocação de espaços físicos.

Além disso, muitos municípios com baixo índice populacional não absorveram a concepção de educação dos Cieps, a qual fala mais claramente para o habitante das grandes cidades e periferias. Em contrapartida, a municipalização apressada de algumas dessas escolas em vários municípios do estado do Rio de Janeiro, sem estrutura de recursos humanos, financeiros e político-pedagógicos compatíveis com a realidade desses municípios, levou à sua descaracterização e à perda de ligação com o projeto pedagógico original. Em suma, quase vinte anos depois, podemos dizer que os Cieps da rede estadual ainda estão em busca de sua vocação.

Definir o melhor destino para esse conjunto de escolas estaduais — não necessariamente um destino conjunto — requer uma engenharia que não pode deixar de considerara a Lei n. 9.394/96, mas também os interesses ligados às demandas regionais ou profissionais específicas. O mesmo raciocínio podemos fazer para o conjunto de Cieps que foram municipalizados. Ainda assim, deve ser possível não perder de vista o interesse público maior e romper, quando necessário, com situações preestabelecidas, que cristalizam práticas anteriores e não mais respondem às reais necessidades da comunidade.

TEMPO INTEGRAL E ASSISTENCIALISMO

Outra questão a destacar trata do problema, tantas vezes mencionado da relação entre o horário integral e as práticas assistencialistas na educação. Perguntamos aos diretores se, em sua opinião, o horário integral vem cumprindo, em sua escola, uma função assistencialista ou educacional.

Uma das críticas mais freqüentes feitas ao programa dos Cieps foi a que o classificou como projeto assistencialista. Pesquisadores foram quase unânimes em afirmar que não existia, de fato, um projeto pedagógico que respaldasse a construção dos prédios públicos estaduais (Maurício, 2002): ao contrário, entre as ênfases do programa estavam o atendimento às crianças pobres, oferecendo também alimentação e outros serviços essenciais.

Tivemos a intenção de captar, por meio do questionário, como a noção de "assistencialismo" chega ou é reelaborada pelos próprios diretores dessas escolas. O que os diretores pensam em relação ao seu trabalho diário, bem como ao dos demais profissionais envolvidos nessas instituições públicas? Nesse sentido, interessava-nos saber se estão fundamentados em idéias de cunho eminentemente educativo ou se, ao contrário, em idéias que servem de esteio à prática assistencialista, tantas vezes denunciada.

A tabela 7 oferece uma visão do conjunto das respostas. Conforme podemos observar, há uma proximidade entre as duas opiniões, ou seja, se para 34% dos diretores o trabalho desenvolvido em sua escola tem cunho educativo, para 22% esse trabalho é assistencialista. E para outros 22%, ambas as funções são desempenhadas pela escola que administram.

Se levarmos em conta os dois percentuais, verificamos que mais da metade dos diretores (56%) assinalam o cunho educativo existente na escola; mas precisamos nos deter nos outros 44%, que afirmam o caráter assistencialista dos Cieps, de modo exclusivo ou combinado com o educacional. Nesse sentido, é válido relembrar alguns comentários desses diretores feitos nas questões abertas:

1 ...os pais trabalham, as crianças não têm com quem ficar, estão protegidas.

2 ...estamos preocupados em prepará-los para o mundo fora dos portões do Ciep (...) o horário integral deveria ser meta de todos os governos, pois dá oportunidade do aluno se preparar para a vida, desenvolver suas potencialidades artísticas, literárias, culturais...

3 ...o horário integral na minha escola funciona mais o tipo assistencialista (...) assistencialista preferencialmente, porque essas crianças têm maior assistência dos professores.

As três afirmações correspondem a estabelecimentos de tempo integral, cujos diretores assinalaram ser o trabalho realizado por suas escolas respectivamente "assistencialista", "educativo" e "ambas a respostas".

No comentário 1 o diretor utiliza argumentos corriqueiros para justificar o trabalho, por ele considerado assistencialista: informa que os pais trabalham e que as crianças ficam em casa desprotegidas. Esse argumento subordina qualquer outra função dos Cieps e possibilita a sua identificação com "escolas-depósito de crianças".

Com respeito ao comentário 2 — do diretor que considera o trabalho de sua escola de cunho educativo — verificamos que o diretor reforça o trabalho que os Cieps podem desenvolver nessa linha. Destaca as atividades livres, como as artísticas, culturais e literárias e se pode perceber que há preocupação com a formação para "o mundo fora dos portões do Ciep". E esse mundo impõe atividades relacionadas ao ensino propriamente dito, à saúde, ao trabalho, entre outras, caracterizando uma visão ampliada da educação escolar.

Quanto ao comentário 3, parece que o diretor iguala assistência (no sentido de cuidado) e assistencialismo, tendo respondido que a escola que administra exerce ambas as funções (assistencialista e educativa), provavelmente sem compreender o que havíamos chamado assistencialismo.

O caráter assistencialista da educação pública não tem sido atribuído somente aos Cieps, mas a toda a rede pública, quando se denuncia sua baixa qualidade pedagógica e ausência de resultados convincentes. Porém, em relação aos Cieps, essa crítica é sempre mais contundente, perpassando o próprio conceito de escola de tempo integral.

Daí a importância de aprofundar a reflexão sobre o conceito de assistencialismo. As ações de cuidado, em qualquer escola, não podem ser vistas, em essência, como assistencialistas. O que pode levar a que sejam classificadas desta forma é a ausência de um projeto político-pedagógico capaz de inseri-las num conjunto mais amplo de ações informativas, educacionais e culturais.

A diretora do Ciep L, por exemplo, que funciona com horário ampliado afirma:

O horário integral era uma forma de manter a criança o dia inteiro ocupada fazendo e aprendendo coisas boas e cuidando da saúde. Agora vemos nossas crianças soltas pelas ruas, aprendendo o que não devem. Temos um espaço enorme ocioso e nossas crianças soltas pelas ruas. O retorno do horário integral seria ótimo na minha comunidade.

Em uma primeira aproximação, a afirmação parece fortemente marcada por uma visão assistencialista ( agora vemos nossas crianças soltas pelas ruas...). No entanto, dependendo do que a diretora pretende expressar quando se refere, por exemplo, a aprender coisas boas e cuidar da saúde, a interpretação pode ser outra.

As historicamente difíceis relações entre pais e escola, agravadas pelas condições de miséria e desagregação social de parte da população que hoje freqüenta a rede pública são um dos fatores que levam parcela tão significativa de diretores a considerarem como assistencialista o trabalho que realizam em suas escolas. A ausência ou fraca presença dos pais na escola, a idéia de que as famílias "abandonam" suas crianças, obrigando os professores a assumirem tarefas que estes não consideram suas, respalda esse diagnóstico. Na verdade, não é a qualidade da ação educativa que se encontra na base dessa avaliação, mas a realidade social que a envolve e que obrigaria os professores a atitudes consideradas, em si mesmas, assistencialistas, impossibilitando um trabalho educacional de qualidade. Com freqüência citam também o que consideram atitudes paternalistas dos governos: "a visão paternalista que o governo passou e passa; o `Brizolão' dá tudo: uniforme, material, comida... Muitos pais fogem de sua responsabilidade achando que a escola tem que dar tudo, até educação inicial, que deve vir da família" (Diretora do Ciep F, que funciona com horário ampliado).

Também os relatos sobre a falta de recursos para desenvolverem suas tarefas estão na base da definição de um trabalho assistencialista, conforme afirma a diretora do Ciep N cujas turmas de 1ª a 4ª série funcionam em tempo integral: "faltam recursos materiais e humanos, ou seja, profissionais qualificados para que não tenhamos alunos apenas para cumprir horário e sim para aprender coisas importantes para o seu dia-a-dia, no futuro e no presente". Se faltam recursos, a qualidade cai e o trabalho mantém-se no nível dos cuidados mínimos. De toda forma, a responsabilidade pelo caráter assistencialista do trabalho aparece sempre deslocada para algo que está fora da escola e fora do alcance da ação dos diretores e professores.

Em resumo, as respostas apresentadas pelos diretores dos 50 Cieps pesquisados reafirmam a presença do assistencialismo, embora falte precisão quanto ao que efetivamente pretendem afirmar com esse conceito. Parece evidente que se sentem insatisfeitos com a qualidade do trabalho educacional desenvolvido e desconfortáveis com o que consideram omissão dos pais e imposição de novas tarefas à educação escolar.

Os diretores entrevistados reconhecem a importância e necessidade das escolas de tempo integral, bem como o papel educativo dos Cieps, principalmente quando as atividades contempladas no cotidiano escolar fazem parte de um planejamento político-pedagógico anterior. Ao mesmo tempo, há uma compreensão e ação limitada e estanque das ações de cuidado, vistas como necessariamente geradoras de uma distorção entendida como assistencialista. Em comunidades nas quais a depolitização crescente e a falta de organização social acenam muito mais para dádivas que para conquista de direitos, essa perspectiva tende a cristalizar-se e reduzir, cada vez mais, os direitos infantis à assistência e cuidados, à mero assistencialismo.

Nesse caso, somente um projeto político-pedagógico consistente e coletivamente construído pode submeter as tendências paternalistas que emergem de todas as direções. Somente a ação conjunta e autodeterminada de gestores, docentes, funcionários, alunos, pais e comunidade poderá alcançar práticas emancipadoras, entendidas em toda a amplitude do termo, revertendo as tendências instaladas e aproximando educação, assistência e cuidados, sem oportunidades para o assistencialismo.

APÓS 15 ANOS...

Há o que comemorar, passados mais de 15 anos da criação das escolas de tempo integral do Rio de Janeiro? Sim e não.

De positivo há o fato de que a idéia vingou e parece responder a uma demanda efetiva da população por uma escola com funções ampliadas, que permita um processo educacional inovador e culturalmente rico. A bem dizer, essa escola ainda não existe, mas está esboçada, como uma realidade possível. Segundo as informações oficiais, em 2001 existiam 197 escolas na rede estadual e 164 na rede pública da capital funcionando em horário integral, perfazendo um total de 361 escolas no estado, oficialmente reconhecidas pelas secretarias de educação como as que oferecem, seja em bloco seja para algumas turmas, o turno único.

Entretanto, tais escolas não parecem realizar um trabalho que poderíamos qualificar de educação integral. Algumas delas apenas dobraram, precariamente, o tempo de permanência dos alunos nas escolas. Outras, em função de circunstâncias que possibilitaram a manutenção de recursos e práticas do programa original e/ou de excepcional qualidade do trabalho da equipe de professores e diretores, estão muito próximas da realização de uma escola onde permanecer o dia inteiro significa viver e aprender mais e melhor. Nossos estudos tentam captar "em que direção sopra o vento", mesmo considerando-se a já evidente variedade de caminhos que tais unidades mostram, umas em relação às outras.

Os estudos sociológicos da escola, hoje reanimados pelas crescentes políticas descentralizadoras da gestão escolar, podem receber importante contribuição a partir da análise dessas escolas e seus caminhos particulares de formação de identidades institucionais. Devido a sua criação relativamente recente e dentro de um esquema padronizado, ou seja, com o mesmo aporte de recursos e a mesma concepção pedagógica, ainda é possível recuperar os processos que levaram à grande diferenciação entre elas.

É de lamentar a perda de identidade dos Cieps da rede estadual. Nela, a instabilidade vivida gerou um clima geral de muito descrédito. Entretanto, foram essas mesmas escolas que viveram, ainda que por pouco tempo, no período final do 2º PEE (1993/94) a situação mais próxima da concepção pedagógica original do programa dos Cieps. Hoje, porém, a concepção de educação integral em tempo integral, sendo mais fortemente associável ao ensino fundamental, perde seu apelo e intensidade, na medida em que o papel dos estados em relação ao sistema de ensino não se detém, prioritariamente, neste nível de ensino.

O fato é que a tendência à municipalização do ensino fundamental tornará mais difícil a recuperação ou manutenção da concepção pedagógica do programa dos Cieps — inclusive o horário integral — mesmo que a LDB reafirme essa possibilidade com os arts. 34 e 87.

Um processo de municipalização gradual, liderado pelo estado, com a participação efetiva dos municípios interessados, conforme preconiza o já citado art. 10 da LDB, associado à recuperação ou, quando for o caso, à reformulação da concepção político-pedagógica dessas escolas, seria o caminho. Para isso, seriam necessários entendimento político, colaboração, visão de longo prazo, enfim, um trabalho de entrosamento e planejamento que não tem sido comum na vida pública brasileira, mas que, se não bastarem todos os argumentos de ordem político-pedagógica, a quantidade de recursos públicos ali já empregados impõe que seja feito.

Recebido em: novembro 2002

Aprovado para publicação em: fevereiro 2003

  • BRANDÃO, Z. A Escola de 1º grau em tempo integral: as lições da prática. Educação e Sociedade São Paulo, n. 32, p.116-129, abr. 1989.
  • BRASIL. Ministério da Educação e Cultura. Lei n. 9.394/96. Brasília, 1996.
  • CAVALIERE, A. M. Escolas públicas de tempo integral: análise de uma experiência escolar. Rio de Janeiro: UFRJ;Faperj, 2002. (Relatório de Pesquisa.)
  • ______. Escolas públicas de tempo integral: uma idéia forte, uma experiência frágil. In: CAVALIERE, A. M.; COELHO, L. M. C. Educação brasileira e(m) tempo integral Petrópolis: Vozes, 2002a. p.93-111.
  • CAVALIERE, A. M.; COELHO, L. M. C. Perfil de 50 Cieps estaduais em 2001 Rio de Janeiro: Neephi/Unirio, 2002. (Relatório de estudo)
  • COELHO, L. M. C. Análise situacional da escolas públicas de horário integral: Rio de Janeiro: Unirio, 2002. (Relatório de Pesquisa.)
  • RIBEIRO, D. et al. O Livro dos Cieps Rio de Janeiro: Bloch, 1986.
  • ______.O Novo livro dos Cieps. Brasília: Senado Federal, 1995.
  • RIO DE JANEIRO (Estado). Secretaria de Educação. Balanço da Educação do Estado do Rio de Janeiro, 1994.
  • MAURÍCIO, L.V. Permanência do horário integral nas escolas públicas do Rio de Janeiro: no campo e na produção escrita. In: CAVALIERE, A. M.; COELHO, L. M. C. Educação brasileira e(m) tempo integral Petrópolis: Vozes, 2002. p.112-132.
  • *
  • 1
    Dados obtidos da Gerência de Implantação do Horário Integral da Secretaria Estadual de Educação do Rio de Janeiro, em 2001, nos documentos internos de análise e controle.
  • 2
    Ambas as gestões citadas foram do Partido Democrático Trabalhista — PDT.
  • 3
    O Neephi é um núcleo de estudos interinstitucional, sediado na Universidade do Rio de Janeiro — Unirio —, que realiza atividades de ensino, pesquisa e extensão, relacionadas às escolas de tempo integral, no contexto das discussões mais amplas sobre "tempo e escola".
  • 4
    O levantamento encontra-se arquivado e disponível no Neephi/Unirio.
  • 5
    Trata-se dos Cieps construídos no Município do Rio de Janeiro no 2º PEE (1991-1994) e que, ao contrário dos construídos no 1º PEE (1983-1986), se mantiveram na rede estadual, devido à mudança no quadro partidário do município do Rio de Janeiro.
  • 6
    Listagem oficial de Cieps por município, apresentada em Ribeiro et al.(1995).
  • 7
    Para informações mais detalhadas sobre a reforma e entrega de novas unidades escolares na gestão 1991-1994, ver Ribeiro et al. (1995).
  • 8
    O bloco único era composto de cinco anos de escolarização, da classe de alfabetização à 4ª série, sendo vedada a reprovação. Ao final do bloco, os alunos que necessitassem teriam um ano de estudos complementares.
  • 9
    Algumas peças de propaganda em televisão faziam uso da idéia de que as crianças que estavam nas ruas cometendo delitos, passariam a ter uma escola para ficar durante todo o dia.
  • 10
    Horário ampliado significa uma situação intermediária entre o integral e o parcial. As atividades vão de 8 a 14 horas. A amostra aqui estudada contém quatro escolas com esse sistema.
  • 11
    Em 92 Cieps distribuídos por nove das 20 coordenadorias regionais de educação do estado, os dados relativos à predominância do ensino fundamental, revelados pela amostra estudada, se repetem (Coelho, 2002).
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      26 Jan 2004
    • Data do Fascículo
      2003

    Histórico

    • Aceito
      Fev 2003
    • Recebido
      Nov 2002
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