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INTEGRAÇÃO DOCENTE-ASSISTENCIAL E POLÍTICAS DE SAÚDE: A EXPERIÊNCIA DO ESTÁGIO MULTIDISCIPLINAR

Resumo:

O presente artigo contém o relato das atividades desenvolvidas durante dois anos de implementação de uma proposta de articulação interdisciplinar no âmbito do ensino da Saúde Coletiva, envolvendo as Faculdades de Medicina, Odontologia, Enfermagem, Nutrição e realizada em um Centro de Saúde de Salvador - Bahia. A experiência visava à criação de um campo comum de práticas de ensino-aprendizagem de nível superior em saúde, constituindo-se num espaço de problematização dos obstáculos de ordem político-administrativa e técnico-operacional que se põem às propostas de Integração Docente-Assistencial. Ainda que ressaltando o caráter limitado da experiência os autores destacam seu significado por permitir a discussão dos modelos de ensino existentes, seus determinantes e as possibilidades de mudanças substanciais que pressupõem a reorientação do processo de formação de pessoal em saúde, articulada à reorganização dos serviços e à redefinição das políticas de saúde vigentes.

Abstract:

The present article reports activities developed in two years of implementation of a proposal of inter-disciplinary integration (involving the Faculties of Medicine, Dentistry, Nursery and Nutrition) in teaching “Collective Health” in a health center of Salvador-Bahia-Brazil.

The experience aimed to create a common field of learning practices at a higher level in the health area. Also, it oppened a space for dealing with political­administrative and technical-operational obstacles faced by teaching/care integration proposals. Although emphasizing the limits of the experience, the Authors outline its relevance for allowing the discussion about former teaching models, their determinants and the possibilities of substantial changes which are based on the reorientation of the training of health presonal, linked to the reorganization of services and to the redefinition of current health policies.

Introdução

Durante a década de 70 algumas experiências de Integração Docente-Assistencial foram desenvolvidas no Estado da Bahia, envolvendo principalmente a Universidade Federal da Bahia e a Secretaria do Estado. Apesar de terem apresentado diversos aspectos, de um modo geral tais experiências marcaram-se pelo seu caráter espontaneísta, evidenciando múltiplas dificuldades para a efetiva integração entre as instituições no desenvolvimento dos vários programas.

Em 1980, entretanto, com o estabelecimento de um instrumento legal, ou seja, um convênio entre a Secretaria de Saúde/Instituto de Saúde do Estado da Bahia (SESAB/ISEB), Universidade Federal da Bahia (UFBA) e o Instituto Nacional de Assistência Médica da Previdência Social (INAMPS), e posterior constituição da CISE - Comissão de Integração Saúde-Ensino, órgão coletivo responsável pela coordenação do referido convênio, apresentou-se um contexto favorável ao surgimento de propostas mais articuladas. Neste mesmo ano, a Fundação Kellogg, financiadora de um Projeto de Implantação do Sistema de Saúde no Estado da Bahia - PISES, reformulou sua orientação, o que abriu à constituição de uma equipe interinstitucional SESAB/ISEB­ UFBA, empenhada em elaborar o Projeto de Implantação dos Cuidados Básicos de Saúde, tomando como referência as idéias de Integração Docente-Assistencial.

Os desdobramentos posteriores conduziram à formação de outros subprojetos: o IDA/SBS - Integração Docente Assistencial em Serviços Básicos de Saúde, coordenado pela equipe da UFBA e o PROMOB - Projeto de Implantação do Módulo Básico, a carga da equipe da SESAB/ISEB1515. PAIM, J. S. Medicina preventiva e social no Brasil: modelos, crises e perspectivas. Saúde em Debate. Rio de Janeiro, 11:56-59, 1981.),(1616. PAIM, J. S. & FORMIGLI, V. L. A. Redefinições do ensino da medicina preventiva e social. R. bras. Educ. Méd , Rio de Janeiro, 5 (1): 7-18, 1981.),(1717. POSSAS, C. Saúde e trabalho: a crise da previdência social. Rio de Janeiro, Graal, 1981. 394 p.. Em toda a sua concepção, os dois subprojetos encontravam-se articulados, prendendo-se tal subdivisão a critérios técnico-administrativo e operacionais. No âmbito do IDA/SBS, foram programadas as atividades de ensino-serviço envolvendo cursos de graduação - Estágio Multidisciplinar e Internato em Medicina Preventiva - e cursos de pós-graduação - Residência em Medicina Social e Mestrado em Saúde Comunitária.

O presente trabalho tem por objetivo relatar o desenvolvimento das atividades previstas no sub­projeto Estágio Multidisciplinar em Serviços Básicos de Saúde, considerando ter sido esta uma experiência inovadora no que diz respeito ao ensino da Saúde Coletiva no contexto da formação de pessoal em saúde no País.

Outrossim, partindo-se da análise dessas experiências, levantam-se algumas questões acerca dos limites e possibilidades de práticas vinculadas ao movimento IDA no contexto atual das políticas de Saúde e Educação no País.

1. Preliminares à formulação e implantação do projeto

Tomando-se por referência a experiência desenvolvida no âmbito da disciplina Saúde Pública e Medidas de Profilaxia - SPMP, do currículo médico na FAMED, a equipe de docentes do Departamento de Medicina Preventiva (DMP) busca elaborar uma proposta que implicasse na articulação com outros Departamentos da UFBA.

A idéia central era a criação de um campo comum de prática para os alunos de graduação em Medicina, Enfermagem, Odontologia e Nutrição, ou seja, promover-se uma integração multidisciplinar, aglutinando-se no mesmo programa disciplinas oferecidas por Departamentos das quatro Unidades, com o propósito de buscar a articulação multiprofissional através do ensino-aprendizagem de conhecimentos e técnicas que se encontram fragmentadas nas diversas práticas profissionais. A finalidade seria recuperar-se a integridade do cuidado ao paciente, abrindo-se também uma discussão acerca dos processos histórico-sociais que conduzem a essa fragmentação.

A constituição de um espaço comum ao nível da prática foi vista, portanto, como uma forma de contribuir-se para a problematização da divisão técnica/social que se encontra na base da equipe de saúde e, com isso, buscam-se novas metodologias de ensino que propiciassem ao estudante uma visão unificada da prestação de serviços de saúde, ainda que resguardando a especificidade do conteúdo técnico da intervenção de cada categoria profissional. Ao lado disso, considerou-se que a rede de atenção primária à saúde existente em Salvador seria o espaço privilegiado para o desenvolvimento das experiências, pois permitiria uma apreensão mais abrangente da realidade de saúde da população.

Definidos esses pressupostos, realizaram-se, no período julho-dezembro de 1981, questões junto às Faculdades referidas com os Diretores e Chefes de Departamento. Em Odontologia, o projeto foi absorvido pelo NEPOS - Núcleo de Estudos e Pesquisas em Odontologia Social, em Nutrição, pela equipe responsável pelos Estágios Supervisionados e em Enfermagem, pelo Departamento de Enfermagem Comunitária. Constituiu-se assim a equipe do Estágio Multidisciplinar (E. M.), com um docente de cada Unidade.

Durante a fase de planejamento da integração multidisciplinar configurou-se uma situação problemática, não se chegando a definir exatamente qual disciplina, de cada Departamento, se articularia na proposta, quer por questões de horário ou escassez de docentes para supervisão. Isto influiu no número de alunos previstos em cada semestre, levando a que se optasse por desenvolver o E. M. em apenas um Centro de Saúde, em caráter experimental, ao tempo em que se encaminhasse sua efetiva institucionalização. Ainda nessa fase, definiu-se uma carga horária mínima de 60 h. por semestre distribuídas em dois turnos vespertinos semanais, envolvendo no máximo 10 alunos de Medicina, 8 de Enfermagem, 2 de Odontologia e 2 de Nutrição, considerando a capacidade instalada do Centro de Saúde escolhido, o 12.o C. S., localizado na Boca do Rio, bairro periférico de Salvador.

2. A proposta: objetivos e metodologia

  1. Analisar as relações entre saúde e estrutura social a partir do estudo da organização dos serviços de saúde, da formulação de políticas e da implementação de programas de saúde;

  2. Identificar os condicionantes do nível de saúde da população brasileira e explicar as limitações de eficiência e eficácia dos programas de saúde;

  3. Discutir e descrever os elementos que configuram a chamada “crise do setor saúde” e suas repercussões sobre o trabalho das diversas profissões que atuam na área;

  4. Discutir os determinantes histórico-estruturais que conformaram as diversas modalidades de prestação de serviços de saúde no País, examinando as alternativas;

  5. Relacionar as observações empíricas nos planos de morbidade, das características da demanda e das práticas desenvolvidas ao nível de Centro de Saúde com o quadro social mais amplo;

  6. Identificar os procedi mentas utilizados na implantação dos programas de saúde do Ministério da Saúde e da Secretaria de Saúde ao nível de Centro de Saúde;

  7. Executar, em nível ambulatorial e comunitário, sob supervisão, as atividades concernentes aos programas de saúde, conforme atribuições de cada membro da equipe de saúde;

  8. Empreender uma prática de mudança na relação entre os componentes da equipe de saúde com vistas a um trabalho articulado que incida sobre os problemas de saúde da população.

Para a consecução desses objetivos, planejou-se o desenvolvimento de atividades intra e extra-muros do Centro de Saúde, em três níveis. No primeiro, proceder-se-ia a inserção dos estudantes nos serviços do C. S., observando e/ou executando, conforme a especificidade de sua formação, ações em: Clínica Médica, Pediátrica, Odontologia, Nutrição, Imunização, Pré-Natal e Puericultura. Ao lado disso propôs-se a realização de uma série de Seminários com os seguintes temas: - o Centro de Saúde; Vigilância Epidemiológica; Medidas de controle contra poliomelite, meningite, raiva, sarampo, difteria, coqueluche, febre tifóide e hepatite; Programas de Tuberculose, Imunização, Materno-Infantil e Nutrição; Praticas Profissionais e condições de trabalho nos Centros de Saúde; Avaliação dos serviços prestados nos Centros de Saúde de Salvador; Participação popular e educação para a Saúde.

No segundo nível previu-se um subprojeto específico de educação para a saúde dirigido aos alunos das escolas de 1.o grau da rede pública estadual existentes na área de abrangência do Centro. Após contatos com Diretores e Professores dessas escolas definir-se-ia uma programação de palestras abrangendo três eixos: - prevenção da cárie dental; nutrição da criança em idade escolar; problemas de saúde mais comuns da criança.

O terceiro nível, por sua vez, implicaria na articulação com a população da área do Centro, através de contatos com grupos organizados. Com isso, previa-se a extensão das ações de educação para a saúde a adultos, definindo-se os temas a partir dos problemas existentes no bairro. No que se refere à supervisão, além dos quatro docentes da equipe do E. M., incluíram-se dois residentes em Medicina Social, inseridos no C. S., e buscar-se-ia envolver os próprios profissionais e técnicos funcionários do mesmo.

A avaliação do desempenho dos estudantes comportaria a realização de dois testes escritos, apresentação de um Relatório individual, além do conceito atribuído pelo docente de cada Unidade, levando em conta a participação nas atividades.

Para a avaliação do desempenho da experiência propôs-se a realização de um Seminário de Avaliação ao final de cada semestre, com a participação do conjunto de alunos, docentes e supervisores.

3. Desenvolvimento da proposta

A inserção dos estudantes no E. M. foi irregular, tanto em número, quanto em termos de período, durante os três semestres em que se realizou o projeto, conforme quadro a seguir:

Sem. 1.o sem. 82 2.o sem. 82 1.o sem. 82 Total Unidades Medicina 6 10 10 26 Odontologia 2 1 1 4 Enfermagem - 8 - 8 Nutrição 4 2 12* 18 Total 12 21 23 56 *Durante março/abril, posteriormente reduzidos a 3.

Percebe-se que, somente em Medicina se obteve uma inserção constante, visto tratar-se de uma disciplina do currículo obrigatório. Em Enfermagem só se conseguiu alunos em um semestre, remanescentes de um currículo que já não correspondia ao que se implementava. Em Odontologia e Nutrição a flutuação decorreu do E. M. ter-se colocado como opção para os alunos, que só o escolheram em função da ausência de outros campos de prática e da necessidade de alcançar créditos em estágios.

O desenvolvimento das atividades seguiu os três níveis previstos. Nos serviços do C. S. (1.o nível) a inserção dos estudantes deu-se a cada semestre, em duas etapas: a primeira, com duração de 1 mês, em que estes, pareados heterogeneamente, passaram, em sistema de rodízios, 2 horas em cada serviço, observando as ações desenvolvidas; na segunda, os estudantes foram distribuídos nos serviços mais vinculados a sua formação, passando a executar as ações sob orientação docente e supervisão, conforme previsto.

No 1.o semestre de 83, quando inseriram-se os estudantes de Enfermagem, para evitar superlotação dos serviços foram desenvolvidos também atividades extra-murais, de visita domiciliar, como parte das atividades de Vigilância Epidemiológica, bem como o levantamento das fontes de abastecimento do bairro, pelos alunos de Nutrição. Já no segundo semestre de 83, apesar do número elevado de estudantes de Nutrição, superou-se esse problema com sua inserção no processo de implantação do Programa de Nutrição em Saúde - PNS - que até então não existia no Centro.

Paralelamente a todas essas atividades, foram realizados os Seminários, cuja preparação ficou a cargo dos próprios estudantes. Participaram docentes e residentes, sendo eventual a presença de funcionários do C. S., no mais das vezes contando-se somente com o Diretor do mesmo.

O segundo nível de atuação, qual seja, o sub­projeto de Educação para a Saúde com escolares, foi desenvolvido na Escola “Manoel Barbosa”, localizada nas proximidades do Centro. Seguiu-se a estratégia prevista e assim, nos dois primeiros semestres, os alunos preparam e executam ciclos de palestras ministradas a cerca de 240 alunos das várias séries da Escola.

No 1.o semestre de 82 os temas escolhidos - foram: Prevenção de cárie dental, Alimentação e Saúde e Verminose. No segundo semestre mantiveram-se os dois primeiros e incluiu-se Acidentes Domésticos. Vale frisar que o material educativo foi em parte confeccionado pelos alunos (cartazes), distribuindo-se também folhetos e revistas em quadrinhos produzidos pelo Grupo de Educação em Centro de Desenvolvimento de Recursos Humanos da SESAB/ISEB.

Já no 1.o semestre de 83 houve dificuldades para dar-se continuidade à proposta pela desarticulação do E. M. com a Escola, em função de uma licença da Diretora e do pouco interesse das professoras.

O 3.o nível de atuação iniciou-se com contatos feitos pela equipe do E. M. com dirigentes da Associação de Moradores da Boca do Rio. Os residentes de Medicina Social, incorporados ao projeto, participaram de reuniões periódicas na Associação, buscando obter subsídios para a definição da programação, porém constatou-se que não havia muito interesse no desenvolvimento de atividades que extrapolassem os horários habituais de reunião, ou seja, à noite, o que inviabiliza a participação dos estudantes.

No 2.o semestre de 82 entretanto, criou-se uma oportunidade para um trabalho diretamente com a população, quando a Direção do C. S. propôs que se realizasse um levantamento da cobertura vacinal em menores de 5 anos na população de áreas de “invasão” no bairro. Esperava-se com isso encaminhar ao C. S. as crianças não vacinadas, porém, com o envolvimento dos estudantes, decidiu-se montar um Posto de Vacinação numa casa próxima às áreas de “invasão”, prestando-se os serviços ao tempo em que se fazia o levantamento.

Essa atividade foi realizada, durante uma tarde por semana, pelo período de dois meses, mobilizando estudantes, superviso res, funcionários do C. S. e a própria população que acorreu ao Posto.

Já no 1.o semestre de 83, o Centro de Saúde passava a viver uma nova situação, com a já referida implantação do P. N. S., que conduziu a mudanças na utilização do espaço físico e elevou consideravelmente a demanda a alguns serviços. Com isso, não foram realizadas atividades extra-murais, desde que tanto na escola houve problemas, quanto pela desmobilização da Associação de Moradores em relação à proposta específica do E. M. e dos próprios residentes de Medicina Social. O motivo maior, porém, foi a própria situação do C. S. que colocou para a equipe do E. M. problemas de condução e supervisão das atividades lá desenvolvidas.

A Supervisão e a Avaliação realizadas nos dois primeiros semestres da experiência ocorreu conforme previsto, podendo-se dizer que a proposta despertou o entusiasmo de docentes, estudantes e residentes envolvidos. Os problemas começaram a surgir com a resistência de alguns funcionários do C. S. - especialmente o odontólogo e a nutricionista - a fazerem supervisão, acentuando-se com a mudança de residentes em 83 e desdobrando-se, no último semestre, em falhas da própria equipe de coordenação e supervisão do E. M., por problemas de carga horária dos docentes em suas Unidades, principalmente Odontologia e Nutrição.

A avaliação desses semestres deu conta desses problemas, bem como da tentativa de adaptação do E. M. à realidade, buscando-se garantir a eficiência nas atividades desenvolvidas no C. S. e, por outro lado, problematizar a mudança na rotina de funcionamento do mesmo a partir da implantação do P. N. S. A partir disso, buscou-se aprofundar as discussões sobre as condições de vida e saúde da população do bairro, que estava recorrendo em massa ao C. S., atraída pela possibilidade de receber suplementação alimentar.

4. Análise da experiência: questões para discussão

A reflexão sobre o processo de elaboração e implementação da proposta do Estágio Multidisciplinar evidencia duas ordens de problemas ligados ao “polo” docente e ao “polo” assistencial. Trataremos a seguir de identificar essas questões como meio de encaminhar a discussão dos limites e possibilidades da proposta. Trata-se, portanto, de discutir inicialmente os obstáculos que se opuserem a sua viabilidade.

Em primeiro lugar, dos problemas vinculados ao “polo” docente, ou seja, às instituições de ensino - Medicina, Enfermagem, Nutrição e Odontologia - ressaltam-se aqueles relativos à clientela do E. M. e à supervisão. Em outras palavras, a questão do número de alunos envolvidos com o Estágio e o grau do seu “interesse” ou “motivação”, e por outro lado, o envolvimento dos docentes, não apenas no plano formal, mas em termos de compromisso real com a experiência. Sem dúvida que esses problemas devem ser referidos concretamente às várias Unidades envolvidas na proposta, pois, apesar de pertencerem à mesma instituição - UFBA, na verdade apresentam marcadas diferenças quanto à estrutura organizacional, ou melhor, quanto à estrutura de poder real que existe na organização. Isto é, apesar de serem estruturados por Departamento, estes não têm o mesmo peso na definição impressa ao ensino em cada unidade.

De um modo geral, podemos considerar que o ensino da Saúde Coletiva11. AROUCA, A. S. O dilema preventivista: contribuição para a compreensão e crítica da medicina preventiva. Campinas, 1975. 167p. (Tese de Doutoramento - UNICAMP).),(55. BRASIL: Universidade Federal da Bahia. Faculdade de Medicina. Projeto de implantação do sistema nacional de saúde do estado da Bahia. PISEB. Salvador, Departamento de Medicina Preventiva, 1981. 115 p.),(77. BRASIL. Universidade Federal da Bahia. Relatório anual do projeto de implantação dos cuidados básicos de saúde. Julho, 1981/junho, 1982. 81 p.),(1313. PAIM, J. S. Desenvolvimento técnico-conceitual do ensino em saúde coletiva. In: ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM SAÚDE COLETIVA. Ensino da saúde pública, medicina preventiva e social no Brasil. Rio de Janeiro, ABRASCO/PEC/ENSP, 1982. p. 3-19. é subordinado em relação às tendências predominantes nas instituições de nível superior na área de saúde, reflexo da própria organização do mercado de trabalho no setor. Em Medicina predomina a formação dirigida à assistência médica individual, quer em nível ambulatorial, quer em nível hospitalar, “adequada”, portanto, à exigência do mercado constituído fundamentalmente de serviços de atenção secundária e terciária, tanto públicos quanto privados, fruto da política de saúde vigente nos últimos anos22. BRAGA, J. C. & GOES, S. Saúde e previdência: estudos de política social. São Paulo, CEBES/ HUCITEC, 1981.),(88. BRASIL. Relatório anual do projeto de implantação dos cuidados básicos de saúde. Julho, 1982/junho 1983. 38 p.),(1010. CARTA DA ABEM (endereçada aos Excelentíssimos Senhores Ministros da Educação e Cultura, da Saúde, da Previdência e Assistência Social e a dirigentes de Instituições, públicas ou privadas, diretas ou indiretamente, ligados aos setores da educação médica e da saúde). Boletim da Associação Brasileira de Educação Médica, 15 (2): 3, mar./abr. 1983.),(1111. CORDONI JÚNIOR, L. Medicina Comunitária: emergência e desenvolvimento na sociedade brasileira. São Paulo, 1979. 110 p. Dissertação de Mestrado/ USP.),(1212. NICZ, L. F. & KISIL, M. Integração Docente-Assistencial: problemas organizacionais. R. bras. Educ. Méd., Rio de Janeiro, 9 (1): 66-70, jan./ abr., 1985.),(1414. PAIM, J. S. & ALMEIDA FILHO, N. Resistência popular e extensão da saúde. R. Baiana Saúde Públ., Salvador, 6 (1/4): 41-50, jan./dez. 1979..

À formação médica articula-se estreitamente o ensino da Enfermagem, apresentando, contudo, este último, uma diferença interna no que diz respeito à ênfase em aspectos administrativos.

Já em Odontologia, o predomínio quase absoluto é a formação especializada dirigida ao exercício liberal da profissão ainda bastante significativo, face à insuficiência do número de profissionais formados. Em nutrição, as tendências predominantes são basicamente a formação “clássica” visando à inserção do profissional nas instituições médico-hospitalares, e a “moderna”, dirigida a um mercado em expansão, que é o próprio setor produtivo, tanto industrial e comercial, quanto financeiro.

Essa situação de entrechoque entre "modelos de ensino" ou práticas educacionais distintas, conforme sua articulação com os diversos projetos políticos de organização da produção dos serviços de saúde, coloca as práticas pedagógicas de Saúde Coletiva historicamente subalternas, na dependência das flutuações conjunturais que influenciam tanto sua forma como seu conteúdo.

A discussão específica acerca dos Departamentos das diversas Faculdades participantes do Estágio Multidisciplinar deve tomar como referência o estágio em que cada um se encontra no que diz respeito à incorporação das propostas de reforma progressivamente definidas nas últimas décadas - Medicina Preventiva, Medicina Comunitária, Integração Docente-Assistencial11. AROUCA, A. S. O dilema preventivista: contribuição para a compreensão e crítica da medicina preventiva. Campinas, 1975. 167p. (Tese de Doutoramento - UNICAMP).),(33. BRASIL. Comissão Interministerial de Planejamento. Programas de ações integradas de saúde. Brasília, MPAS/MS/MEC/Secretarias de Saúde, 1983. Mimeo.),(99. BRASIL. Secretaria de Ensino Superior. Programa de integração docente-assistencial - IDA. Brasília, MEC/SESu 1981. 32 p. e, ao interior de cada Departamento, as tensões existentes entre as diversas posições assumidas pelos docentes em relação a esses movimentos de reforma do ensino: “apologética”, “tecnocrática” ou “crítica”.

O DMP da Faculdade de Medicina, órgão que tomou a iniciativa de desencadear a experiência do E. M., propunha, como se depreende das origens e da análise dos objetivos do Estágio, um modelo de ensino-aprendizagem baseado na integração docente-assistencial, assumindo assim seu caráter “modernizante”, porém estruturando a programação dos conteúdos e a metodologia de discussões sobre as práticas de serviços a partir de uma perspectiva crítica. Em outras palavras, admitindo a possibilidade de inserir-se na vertente “tecnocrática”, articulada à reativação da Saúde Pública nos últimos anos, como meio de aproximar os estudantes à realidade da prestação de serviços de saúde, propondo contudo a problematização dessa realidade a partir do levantamento dos limites e possibilidades da política de saúde estatal, face aos determinantes das condições de saúde da população.

No entanto, ao buscar expandir essa proposta aos demais Departamentos, nas outras Unidades da UFBA, deparou-se com situações bastante diversificadas. O NEPOS, em fase de estruturação, contando com escasso número de docentes, buscava, por um lado, legitimar-se junto a tendências predominantes na Faculdade, e por outro, definir os modelos de ensino e o conteúdo de suas práticas educativas, que, ao consolidar-se, contribuíssem para a própria legitimação referida. Isto, se conduzia ao interesse pela proposta do E. M., também responde pelas dificuldades que surgiram ao longo da experiência, tanto relativas à reduzida clientela quanto à descontinuidade na supervisão direta nos Centros de Saúde.

Em Nutrição, por seu turno, há que considerar que a própria Escola dispõe de número reduzido de docentes, não existindo um Departamento específico voltado ao ensino da saúde coletiva. Toda a dinâmica interna da instituição, portanto, converge para as tentativas de implementação dos “Estágios Supervisionados”, além, evidentemente, da realização das disciplinas teóricas. Os “Estágios” ainda se encontravam em fase de organização por ocasião da proposta.do E. M. A inserção de docentes da Escola na experiência, desse modo, deu-se ao sabor das flutuações quanto à oferta de locais de prática e das perspectivas de trabalho dos próprios docentes. Vale lembrar que os alunos de Nutrição tiveram 3 supervisores durante o E. M., praticamente um em cada período da experiência, o que provavelmente decorreu da ausência de uma clara definição da Escola quanto a dar prioridade ao E. M. como campo de prática nos “Estágios Supervisionados”.

No caso do Departamento de Enfermagem Comunitária, pode-se identificar uma maior consolidação da estrutura departamental e a existência das vertentes apontadas anteriormente. É evidente, porém, o fato de ter sido a Unidade que menos se articulou à proposta. As tensões existentes não se esgotam nos conflitos internos, mas se expressaram também em relação à própria Faculdade de Medicina. A título de hipótese podemos colocar que a tendência “crítica”, predominante ao nível do DMP, enfrentou-se com a tendência “apologética”, predominante ao nível do Departamento de Enfermagem Comunitária, embora os docentes que defendessem a proposta ao interior de Enfermagem apresentassem posições próximas às do DMP. Seus esforços não foram, entretanto, suficientes para que se desse uma inserção real no E. M.

Em síntese, acreditamos que o desdobramento desses pontos através de uma análise mais aprofundada da dinâmica das relações de poder e dos conflitos em torno das ideologias do ensino que permeiam essas instituições, pode vir a esclarecer um pouco mais as dificuldades encontradas no Estágio Multidisciplinar quanto ao “polo docente”. No entanto, consideramos que o essencial foi abordado e explica tanto a reduzida ou descontínua clientela, isto é, o encaminhamento dos alunos a esse tipo de experiência, quanto os problemas surgidos ao nível da equipe de coordenação e supervisão, que implicaram na consecução mínima dos objetivos definidos, sem que, do ponto de vista estratégico, a proposta ganhasse um espaço maior ao interior das práticas educativas das Faculdades envolvidas.

No que tange ao “polo assistencial”, isto é, o Centro de Saúde que sediou a experiência, cabe ressaltar que a opção pelo 12.o Centro de Saúde deu-se em função da análise da viabilidade que este oferecia à proposta de desenvolvimento do Estágio Multidisciplinar, pois considerava-se que este se colocava acima da média existente nos demais da rede metropolitana, em termos de eficiência e qual idade dos serviços prestados. Por outro lado, o fato da população da Boca do Rio ter uma história de mobilização em torno dos problemas gerais do bairro (a questão da terra, as “invasões”, as condições de saneamento, pavimentação das ruas, habitações, abastecimento, transporte, etc.) fazia crer na possibilidade de articulação do E. M. com um trabalho comunitário que já se vinha desenvolvendo no bairro por alguns anos. Acrescente-se a isso o fato de o Centro de Saúde ser, na época, um dos mais novos, de sorte que se podia esperar que ainda não estivesse consolidada, da parte da população, uma “resistência” às atividades sanitárias e/ou educativas que fossem desenvolvidas a partir dele.

Essas expectativas confirmaram a opção e orientaram a estratégia e as práticas que a equipe de E. M. buscou implementar, quer “intra” ou “extra” Centro de Saúde. Para efeito de análise, trataremos a seguir dos resultados alcançados, buscando identificar os obstáculos encontrados em cada um dos níveis que se encaminhou a proposta.

Em relação às atividades desenvolvidas em serviços, ou sejam, as práticas de saúde realizadas no Centro de Saúde, há uma série de questões relacionadas com o “polo prestador de serviços”, isto é, o conjunto dos profissionais e técnicos do Centro de Saúde e com o "polo consumidor", isto é, a demanda que ocorre aos diversos serviços prestados.

Assim, em relação ao polo prestador de ser­ viços, podemos levantar os seguintes pontos: em 1.o lugar, o interesse, a motivação, o envolvimento da Direção do Centro, que foi um elemento decisivo na própria execução da experiência. Quanto aos produtores diretos dos serviços, ou sejam, os médicos, odontólogos, técnicos de enfermagem e auxiliares, podemos considerar que, no que se refere ao entrosamento com o Estágio, de uma maneira geral não houve problemas, à exceção do já referido em relação à Odontologia. Entretanto, ainda que considerando a boa aceitação dos estudantes nos serviços até por que alguns dos profissionais eram também docentes da Faculdade de Medicina - em Clínica Médica e Pediatria - ou residentes em Medicina Social, é necessário admitir que as práticas efetivamente desenvolvidas não ultrapassaram os limites tradicionais, quer em termos de forma, quer de conteúdo. O atendimento ao paciente seguiu o convencional, inclusive em termos de tempo médico dedicado às consultas, e da relação profissionais de saúde - pacientes - não se avançando à experimentação de alternativas.

Sem dúvida, porém, o fato de ter havido uma boa aceitação do estudante quer como observador quer como executor das ações, permitiu o avanço ao nível das discussões em Seminários, acerca das características das práticas profissionais nos Centros de Saúde, bem como uma sistematização das observações sobre o padrão de morbidade da demanda e, a partir disso, a própria compreensão dos Programas oficiais que são desenvolvidos nos Centros de Saúde.

A articulação entre os vários serviços do Centro de Saúde é mínima. Restringe-se ao encaminhamento de pacientes de um serviço para outro, sem que haja qualquer mecanismo outro que propicie um espaço de síntese do cuidado prestado aos pacientes, em direção ao que seria a “integralidade do cuidado” prestado pela “equipe de saúde”. A existência da equipe é real, porém a integridade do cuidado é formal, ou seja, dá-se apenas enquanto somatória de ações isoladas prestadas pelos vários membros da equipe existente no Centro de Saúde.

Resulta, portanto, que o objetivo de empreender-se uma prática de mudanças nas relações entre os vários elementos que compõem a equipe de saúde não se materializou, em virtude da “ausência” de uma prática articulada, permanecendo as iniciativas dos alunos e supervisores do E. M. como tentativas esporádicas que incidiram sobre o cotidiano no Centro, isto é, que não foram suficientes para criar um movimento de reorientação das práticas de assistência direta aos pacientes.

Quanto às práticas educativas desenvolvidas na Escola Monsenhor Manoel Barbosa, ressalta-se a articulação do E. M. com a Direção da Escola, ou seja, o nível de entrosamento político-institucional. Apesar de aparentemente não ter havido problemas, há que questionar o fato do espaço que foi construído no sentido do subprojeto “Educação para a Saúde com escolares” ser efetivamente uma proposta interinstitucional e não novamente uma extensão das atividades de “educação sanitária”66. BRASIL. Universidade Federal da Bahia. Projeto de implantação dos cuidados básicos de saúde. Salvador, 1981.. Cremos que o pequeno envolvimento direto das professoras da Escola com a formulação e operacionalização da proposta revela que a aceitação passiva das sugestões do E. M. talvez tenha reduzido as atividades desenvolvidas a uma espécie de “solução - tampão”.

Por último, no que diz respeito à articulação com grupos organizados da população, a Associação de Moradores encontrava-se num momento de discussão de sua capacidade político-organizativa, ao que se acrescenta o fato da equipe do E. M. não ter colocado as atividades a esse nível como prioridade máxima. A fraca mobilização dos moradores no período da experiência, entretanto, não justifica o abandono das idéias iniciais. Acreditamos que o próprio caráter auto-limitado da experiência tenha contribuído para que a equipe adotasse uma postura cautelosa em relação a esse nível de articulação.

5. Perspectivas atuais

A experiência do Estágio Multidisciplinar, em que pese suas limitações, representa uma fonte de questionamentos relevantes acerca das diretrizes que podem motivar a reorientação de formação de pessoal de nível superior na área de saúde. Já na época em que a proposta doi encerrada, a equipe envolvida avaliava que seus pressupostos poderiam vir a ser retomados em um contexto mais favorável, que permitisse o desenho de estratégias de articulação ensino-serviço-população voltados à melhoria da qualidade da atenção e à redefinição das práticas profissionais.

De fato, a análise do processo de formulação e implementação do E. M. revela que os problemas enfrentados são semelhantes aos de outros projetos que buscam por em prática a estratégia IDA1010. CARTA DA ABEM (endereçada aos Excelentíssimos Senhores Ministros da Educação e Cultura, da Saúde, da Previdência e Assistência Social e a dirigentes de Instituições, públicas ou privadas, diretas ou indiretamente, ligados aos setores da educação médica e da saúde). Boletim da Associação Brasileira de Educação Médica, 15 (2): 3, mar./abr. 1983.),(1111. CORDONI JÚNIOR, L. Medicina Comunitária: emergência e desenvolvimento na sociedade brasileira. São Paulo, 1979. 110 p. Dissertação de Mestrado/ USP.),(1616. PAIM, J. S. & FORMIGLI, V. L. A. Redefinições do ensino da medicina preventiva e social. R. bras. Educ. Méd , Rio de Janeiro, 5 (1): 7-18, 1981., quer permanecendo nos limites de sua vertente racionalizadora, quer tentando imprimir um conteúdo potencialmente crítico e transformador as suas práticas.

Alguns autores, que se vêm preocupando em estudar o desenvolvimento dessa estratégia no País, apontam basicamente a existência de dificuldades de ordem político-institucionais, organizacionais e técnico-operativas1010. CARTA DA ABEM (endereçada aos Excelentíssimos Senhores Ministros da Educação e Cultura, da Saúde, da Previdência e Assistência Social e a dirigentes de Instituições, públicas ou privadas, diretas ou indiretamente, ligados aos setores da educação médica e da saúde). Boletim da Associação Brasileira de Educação Médica, 15 (2): 3, mar./abr. 1983.. Também enfatizam que as questões políticas têm um caráter determinante, não só da experimentação de novas práticas educativas, mas também uma reorientação ampla do conjunto da política educacional na área de saúde.

Como resposta à crise do setor saúde, buscou-se implementar reformas, tanto no âmbito dos serviços vinculados ao Ministério de Saúde, através dos programas de Extensão de Cobertura, quanto no âmbito da assistência médica-hospitalar vinculada à Previdência Social, como foi a criação do SINPAS e, mais recentemente, a formulação do Plano do CONASP. No bojo dessas políticas racionalizadoras, emergiram propostas específicas quanto à formação e utilização de pessoal, como o PPRES,1919. RODRIGUES NETO, E. Subsídios para definição de uma política de atenção à saúde para um governo de transição democrática. Saúde em Debate , 17: 12-17, 1985. a regionalização dos Cursos Básicos de Saúde Pública,77. BRASIL. Universidade Federal da Bahia. Relatório anual do projeto de implantação dos cuidados básicos de saúde. Julho, 1981/junho, 1982. 81 p. e finalmente, o Programa de Integração Docente-Assistencial do MEC66. BRASIL. Universidade Federal da Bahia. Projeto de implantação dos cuidados básicos de saúde. Salvador, 1981..

Esses acontecimentos, projetos e planos são, nesse nível, a expressão de um movimento muito mais geral em torno da redefinição das políticas de Saúde e Educação, que tem articulado segmentos das instituições estatais e organização da sociedade civil, especialmente entidades de profissionais e trabalhadores desses dois setores, e também organizações populares.

No momento atual, há indícios de modificações no âmbito político-institucional decorrentes da instalação da Nova República e as questões sociais, especialmente Saúde e Educação, têm perspectivas de alcançarem graus mais elevados de projetos políticos que se distinguem pela profundidade e natureza das proposições que os consubstanciam.

A par desses enfrentamentos político-ideológicos, cujos desdobramentos não temos condição de prever com segurança, observa-se concretamente um reforço, por parte do MPAS-INAMPS, na estratégia Ações Integradas de Saúde (AIS) como meio de reordenação política e financeira do setor Saúde, e, pelo lado da Educação, o anúncio da realização de uma Reforma Universitária.

Nessa cena se colocam os sujeitos políticos e os projetos em confronto Simplificando um pouco a análise, podemos pensar que a tendência predominante é a consolidação de propostas fundamentalmente racionalizadoras, porém isto abre maiores possibilidades para a afetiva “democratização” dos setores de Saúde e Educação.

Nessa perspectiva, é oportuno que se avance com propostas específicas, e aí visualiza-se a perspectiva colocada para mudanças na política educacional na área de Saúde. Tomando as AIS como espaço de inserção e participação em favor dessas mudanças, é possível pensar-se que, com sua consolidação, ocorrerão modificações no mercado de trabalho dos profissionais de saúde e, nesse processo, poderão vir a ocorrer mudanças nas práticas profissionais, em direção a uma maior qualidade e aproximação com o perfil nosológico da população.

Em nível das AIS, o próprio documento da CIPLAN coloca como objetivo incluído nas áreas prioritárias, o desenvolvimento institucional, no qual propõe, a necessidade de: “conceber e implantar metodologias e estratégias de capacitação de recursos humanos para os serviços de saúde, incluindo preparo para funções gerenciais”44. BRASIL. Ministério da Previdência e Assistência Social. Reorientação da assistência à saúde no âmbito da previdência social. Brasília, 1982. 42 p..

A Universidade, enquanto participante da estrutura político-organizacional das AIS e sujeito do processo pela unificação do Sistema de Saúde, não deve declinar de tomar iniciativas no que diz respeito à reorientação de suas práticas. O espaço aberto pelas AIS vem ao encontro do movimento mais geral ao nível da Universidade, que se desdobra, na área de Saúde, na perspectiva de articular as práticas do ensino-pesquisa-extensão, no eixo trabalho-ensino-pesquisa, Isto é, uma reversão do modelo predominante em termos da formação de pessoal em saúde, com ênfase na prática desenvolvida nos serviços, abrindo-se espaços a uma real aproximação com os movimentos organizados da população.

Concreta mente, isto significa avançar na direção sugerida pela CARTA da reunião da ABEM88. BRASIL. Relatório anual do projeto de implantação dos cuidados básicos de saúde. Julho, 1982/junho 1983. 38 p. buscando-se constituir, a partir das estruturas CIS, CRIS e CIMS, as regiões e distritos docente-assistenciais, em nível de cada Estado e de acordo com as condições específicas que tenham tanto o “polo” serviço quanto o “polo” ensino.

Para além de uma questão político-organizacional e técnico-operativa, entretanto, é mister admitir-se, neste processo, a reprodução do eixo racionalização/democratização, cujos desdobramentos estão na dependência da correlação de forças que se articule em torno da formulação e implementação das propostas de mudanças.

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  • 1 Projeto desenvolvido pelo Departamento de Medicina Preventiva da FAMED e Secretaria de Saúde do Estado da Bahia, com apoio da Fundação W. K. KELLOGG.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    28 Jun 2021
  • Data do Fascículo
    Sep-Dec 1986
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