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INTERNATO COMO GRUPO OPERATIVO

Resumo:

Os autores relatam sua experiência de quatro anos de internato (alunos de quinto ano) com a dinâmica de grupos operativos: abandonou-se o sistema hierárquico; deu-se ênfase à cultura médica geral; deixou o ensino de ser centrado no residente e a avaliação foi continuada. Houve por parte do departamento um compromisso (uma garantia) de cumprimento dos objetivos a serem alcançados nas áreas cognitiva, psicomotora e afetiva; incentivou-se a criatividade e o juízo crítico. Concluíram que o internato como grupo operativo é a forma mais humana e eficaz para a aprendizagem da medicina.

Summary:

The authors report their four-year of intemship experience (junior students) with the dynamic of operative groups: the hierarchich system was left behind and great emphasis was given to general medical culture; teaching was nor centered around the interns anymore and the evaluation was continued.

There was a commitment of the department with the accomplishment of the goals to be achieved in the cognitive, psychomotor and affective areas = a criativeness and critical posture was stimulated.

The conclusion was that the intemship is the most human and efficient way to the learning of medicine.

I - INTRODUÇÃO

Nunca se tem discutido tanto a respeito de internato como na última década. O meio médico universitário está sendo intensamente mobilizado no sentido de se alcançar a fórmula ideal para o ensino nos dois ou quatro últimos semestres do curso médico através de grupos de debates, congressos, reuniões e mesmo formação de comissões de elite. Ocorre que até agora as tentativas de inovações nesse campo não passaram de meras mudanças superficiais, não alcançando seu real objetivo que é a melhoria da qualidade do ensino. Houve sim, na grande maioria das escolas médicas, mudanças nas aparências e não uma alteração consistente na essência do problema.

O que se tem observado são alterações nos sistemas de internato provocadas por pressões exteriores v.g.: decretos nascidos em gabinetes, regulamentos do MEC, etc.; e nunca engendradas no interior das escolas. Ora o alcance de uma inovação deve ser julgado em função do significado que representa para os que a recebem e esse significado não é necessariamente o que ela tem para aquele que a introduz1010. MILES, M. org. Inovation in education. New York, Teachers College, 1964. p. 49-78.. Acreditamos que, enquanto se insistir em mudanças materiais (novas salas de aula, equipamentos, carga horária de ambulatórios, etc.) permaneceremos no mesmo ponto, porquanto são os conceitos, as mudanças conceituais e relacionais que têm de ser colocadas em prática. Se se persistir nos domínios de teorias e não se tentar retirar da experiência de um laboratório (enfermaria-laboratório) os objetivos a serem alcançados continuar-se-á a tão-somente mudar a aparência do internato.

Com a convicção de que seria possível assumir uma filosofia didática para o internato é que se elaborou o presente trabalho.

II - METODOLOGIA

A) Este trabalho foi desenvolvido no Departamento de Cirurgia do Hospital de Clínicas da Faculdade de Medicina de Marília nos anos de 1983 a 1986. Os internos de 5.o ano (II) foram divididos em quatro grupos (Clínica Médica, Clínica Cirúrgica, Obstetrícia e Ginecologia e Pediatria) de 18 alunos, portanto, com estágio de 75 dias de duração em cada área. Assim em três anos tivemos doze grupos.

Todas as nossas conclusões se referem ao aproveitamento do estudante na enfermaria de Clínica Cirúrgica.

Enfermaria: A estrutura de nossa enfermaria, para satisfazer ao caráter holístico do ensino médico (em particular o da cirurgia), obedece às seguintes normas:

  1. não há divisão dos leitos por especialidade.

  2. as internações são feitas ao acaso pelos elementos do ambulatório e Pronto Socorro.

  3. o número de leitos por internato guarda a proporção de 1:1.

B) Atividades Didáticas

  1. Atividades pela manhã
    1. Instrumentação das cirurgias do leito.1 1 Objetivos mínimos a serem alcançados na área psicomotora.

    2. Evolução e prescrição: todos os dias as prescrições foram discutidas uma a uma com os professores, residentes e internos, dando ênfase ao mecanismo de ação e efeitos colaterais das drogas.

    3. Colheita de sangue através de punções venosas e arteriais (veias periféricas, veia femoral, artéria femoral, radial e umeral). .1 1 Objetivos mínimos a serem alcançados na área psicomotora.

    4. Dissecções de veias com supervisão dos professores e residentes.

    5. Visita geral às terças-feiras com a presença dos professores, residentes e internos.

    6. “Seminários” às quartas-feiras, versando sobre temas gerais. Aqui evitam-se dentro do possível aulas magistrais e alguns seminários são dados na prática, por exemplo, choque, secreção gástrica, etc. (na primeira semana, faz-se uma pré-avaliação diagnóstica sobre os temas dos seminários).

    7. Reunião em grupo às quintas-feiras no sentido de dirimir dúvidas ou de melhor estudar problemas suscitados nas visitas e aplicação da avaliação dos assuntos discutidos nas quartas-feiras.

    8. Reunião às sextas-feiras para discussão de casos a serem operados com a participação de médicos da comunidade.

  2. Atividades à tarde:

2.a feira - reunião com psicanalista (50 minutos)

3.a feira - realização de cirurgias ambulatoriais

4.a feira - discussão de exames radiológicos

5.a feira - cirurgias ambulatoriais

6.a feira - técnica cirúrgica*

C) Avaliação do curso

Com o objetivo de avaliar o curso aplicamos:

  1. Quatro provas-testes (múltipla escolha) cada questão alusiva a pacientes internados, a drogas utilizadas, etc.

  2. Quatro provas práticas em que cinco alunos foram sorteados, ignorando estarem sendo examinados.

D) Avaliação dos internos:

Continuada

E) Objetivos mínimos a serem alcançados:

  1. na área psicomotora (dissecção de veia, etc.);

  2. na área cognitiva: preferência pelo raciocínio dialético; pela criatividade: descoberta, etc.;

  3. no campo afetivo: incentivamos o bom relacionamento entre pacientes e equipes.

III - RESULTADOS

  1. 100% dos alunos executaram pelo menos:
    1. seis punções de artéria femoral

    2. duas punções de artéria radial

    3. duas punções de artéria umeral

    4. duas pequenas cirurgias.

  2. 30% dos alunos dissecaram veia umeral (número que vai para 100% se considerarem as veias dissecadas em cães e cadáveres).

  3. 75% instrumentaram a cirurgia do leito.

  4. 78% de aproveitamento das questões alusivas a caso de enfermaria.

  5. 42% de aproveita mento em assuntos de seminários expositivos.

  6. 81% de aproveitamento de seminários sob a forma de aula prática por exemplo, choque e secreção gástrica.

  7. Notou-se melhor relacionamento entre a equipe médica, enfermagem, internos e pacientes. O campo (enfermaria) passou a exercer atração positiva sobre o pessoal, no sentido de que a freqüência e a permanência no Hospital aumentaram mesmo nos períodos em que os orientadores estavam ausentes.

  8. Outros resultados considerados subjetivos ou de difícil mensuração estão contidos na discussão do trabalho.

IV - DISCUSSÃO

Preliminarmente temos de enfocar nosso trabalho do ponto de vista de uma inovação, não de uma mudança pura e simples. Na verdade, no que concerne ao ensino em geral, o que se vê são mudanças principalmente de ordem “Material” (aparelhagem nova, novos livros, etc.); e raramente conceitual (visando ao método de transmissão e recepção de conhecimentos); e mais raramente ainda “relacional” (relações interpessoais). As inovações no ensino superior são em geral conseqüências do tédio suscitado pelo que se tem feito até então1414. WITTROCK, M. C. & WILLEY, D.E. Evaluation of instruction. New York, Holt, Rinenhart and Wiston, 1970. p. 289-305., nada além da ruptura dos hábitos de rotina, obrigação de pensar de maneira diferente em coisas familiares.

Todos os métodos de ensino dão ênfase à criatividade, ao raciocínio livre, como podemos ler em Dodson: “o objetivo principal da educação é não a aquisição de informações, mas o treino da mente. O importante é que os homens que entram na escola médica tenham sido educados para observar acuradamente, descrever claramente e pensar logicamente” (44. DODSON, J.M. The elective system in medical education. Bull. Am. Acad. Med., 4:331-342, 1899., em Einstein: “a criatividade é mais importante do que o conhecimento”; em Tagore: “a minha escola não é uma gaiola fechada onde os espíritos vivos são artificialmente nutridos, mas a casa aberta onde professores e alunos são uma coisa só” (1313. TAGORE, R. Biblioteca dos prêmios Nobel de Literatura. Rio de Janeiro, Opera Mundi, 1971. v.14, p. 63..

É claro que o intelecto não pode ser isolado do processo de crescimento porquanto é o responsável pela integração das experiências vivenciadas durante a aprendizagem77. FADIMAN, J. & FRAGER, R. Teorias de personalidade. São Paulo, Haper & How, 1979. Cap. 8, p. 255.. Somos contra o posicionamento de métodos que valorizam tão-somente o desempenho intelectual (ou melhor, capacidade de memorização) relegando a plano secundário (ou mesmo desconhecem) os aspectos intuitivos e emocionais do estudante. Rogers (1969) cita Einstein: “essa coerção teve sobre mim efeito tão desencorajador, que, depois que fiz o exame final, a consideração sobre qualquer problema me repugnava durante um ano inteiro” (1212. ROGERS, C. Liberdade para aprender. Belo Horizonte. Brasileiro, 1973. p. 170. Apud. FADIMAN, J. & FRAGER, R. p. 224.; e insiste em que o papel absolutamente passivo do estudante destrói, ou pelo menos, retarda a capacidade criativa e produtiva.

Vê-se exatamente o contrário no que se refere à educação no internato; vê-se proliferação de sistemas hierárquicos alienados em que a distância entre um interno (aluno) e um professor titular é a mesma que separa um soldado de um general e conseqüentemente a criatividade se esvaece e continuam a prevalecer as repetições do que já é conhecido, sem contestações, ficando a figura do interno comparável a pequenas imagens de gaivotas que se perdem no horizonte de antigas telas: o estudante nas escolas brasileiras são proibidos de criar; mas se criam e a criação é relevante; então, de imediato recebe a subscrição de um professor.

Assim, a fim de que houvesse boa adoção das inovações introduzidas optamos por um trabalho semelhante aos grupos operativos. Por que abandonamos o sistema hierárquico? Ora, nesse tipo de sistema, ou melhor, nos sistemas autoritários as pessoas recebem ordens para adotar algo mas ninguém pode receber ordens para criar algo novo. As adoções forçadas são em geral superficiais e efêmeras, visto representar obediência e não identificação ou assimilação.

Estruturamos então uma enfermaria aos moldes de um grupo de ensinamento e aprendizagem consoante o conceito de Bleger: trata-se de grupos de aprendizagem ou de grupos de ensino? Em realidade, de ambas as coisas, e este é um ponto fundamental de nosso plantel.”

“Ensinamento e aprendizagem constituem passos dialéticos inseparáveis, integrantes de um processo único em permanente movimento, mas não somente pelo fato de quando há alguém que aprende tem de haver outro que ensina, mas sim também em virtude do princípio segundo o qual não se pode ensinar corretamente enquanto não se aprende durante a mesma tarefa de ensinar. Este processo de interação deve estabelecer-se plenamente no emprego do grupo operativo”.

“No modo tradicional, há uma pessoa ou grupo que ensina e outro que aprende. Esta disposição deve ser suprimida, mas tal supressão cria necessariamente ansiedade devido à mudança e ao abandono de uma estereotipia de conduta. Em efeito, as normas são nos seres humanos, condutas; e toda conduta é sempre um “ROL”; a manutenção e repetição das mesmas condutas e normas em forma ritual acarreta a vantagem de que não se enfrentam mudanças nem coisas novas e desse modo se evita a ansiedade. Mas o preço dessa segurança e tranqüilidade é o bloqueio do ensinamento e da aprendizagem e a transformação desses instrumentos em todo o contrário do que devem ser: um meio de alienação do ser humano”.

“Em uma cátedra ou em uma equipe de trabalho, o simples plano da necessidade de interação entre ensino e aprendizagem ameaça romper estereótipos e provoca a aparição de ansiedade. O mesmo ocorre quando se abordam mudanças nas classes magistrais estereotipadas e em cursos os quais “tudo vai bem” e nos quais sempre se repete o mesmo; esta reação implica em um bloqueio, uma verdadeira neurose do aprender que por sua vez incide como distorção de aprendizagem sobre os estudantes. Não se pode pretender organizar o ensinamento em grupos operativos sem que o pessoal do corpo docente entre no mesmo processo dialético dos estudantes sem dinamizar e relativizar os papéis e sem abrir amplamente a possibilidade de um ensinamento e uma aprendizagem mútuo e recíproco”.

“No ensinamento e aprendizagem em grupos operativos não se trata somente de transmitir informações, mas também de conseguir que seus elementos incorporem e manejem os instrumentos de indagação”.

"Não há ser humano que não tenha capacidade de ensinar” ainda que seja pelo simples fato de ter certa experiência da vida. Esclarecemos, além disso, que não se trata só de aprender, no sentido limitado de recolher informação explicitada, mas sim de converter em ensinamento e aprendizado toda conduta e experiência”.

“Quando este plano surgiu em um grupo operativo de auxiliares de cátedra, alguns alegaram que se assim se trabalhasse, correr-se-ia o risco de os estudantes acreditarem que há coisas que não sabemos. E a resposta é que os estudantes têm razão pensando assim; e nós temos que admitir este plano”.

“E como se transmitem aos estudantes os instrumentos de indagação e problematização? Há uma só forma de fazê-lo: modificá-los trans formando-os de receptores passivos em co-autores do resultado, conseguindo que utilizem, que tenham consciência de sua potencialidade. Em outros termos: há que energetizar ou dinamizar as capacidades dos estudantes, tanto quanto as do corpo docente”33. BLEGER, J. Conferência pronunciada na Associação Argentina de Psicologia e Psicoterapia de Grupo. Buenos Aires, 1961. Mimeo..

Os primeiros elementos que mereceram atenção em nosso grupo foram os professores, ou melhor, coordenadores (suas personalidades têm de se assimilar o máximo do que está citado nas linhas anteriores).

Com relação ao corpo docente o importante é descobrir a vocação e a disponibilidade para o ensino e a qualidade maior, mais conspícua deve ser a mentalidade interdisciplinar, do professor e o esforço que esse professor desenvolve no sentido de se aculturar em todas as áreas do conhecimento médico.

É cômodo dizer, jogando a culpa nos objetos externos, que a Medicina está tão complexa que seria impossível à mente de qualquer ser humano dominá-la ou mesmo compreendê-la em parte. Nada mais errôneo; porquanto os conhecimentos concernentes à clínica são os mesmos há quase um século, de tal modo que um pouco de interesse ou curiosidade bastaria para que o professor se inteirasse e absorvesse esses conhecimentos no domínio do diagnóstico.

E é no domínio do diagnóstico que deve desaparecer a relação professor-aluno entre o especialista e os outros22. BALLINT, M.S. O médico, seu paciente e a doença. Rio de Janeiro, Atheneu, 1984. Cap. 9, p. 81.. Essa relação desapareceu completamente entre os internos do 1.o e 2.o ano e Residentes e cremos ter sido conseqüência imediata da abolição da nota atribuída pelos Residentes, verdadeiro fator de tensão, de ansiedade, e da campanha que desencadeamos, mostrando aos elementos do grupo a existência de alunos que dominam assuntos, concernentes a medicina e cultura geral, num nível superior aos professores, residentes, etc.

Aceitamos esta relação nos domínios da terapêutica onde encontra o nosso conceito de especialidade.

Os professores componentes deste grupo foram ou estão sendo reciclados, fazendo parte desta reciclagem a discussão de todas as cirurgias semanalmente entre todos os docentes, médicos da comunidade, residentes e internos, todos despidos da condição de especialista.

Nas visitas, junto aos leitos, a solução para cada problema diagnóstico ou terapêutico é tirada pelo grupo e só se solicitam especialistas de outras áreas quando realmente não se está seguro da conduta tomada.

No sentido, não de suprir deficiência dos co­ordenadores, mas de tentar quebrar a polarização: clínica médica, clínica cirúrgica (porque na nossa opinião deveria existir um departamento só, com internações proporcionais) introduzimos no grupo, um clínico, um patologista e um radiologista, como integrantes do grupo operativo; não como consultantes.

A discussão dos casos durante as visitas ou reuniões se limita ao caso em si, daquele paciente que se encontra a nossa frente. Não concordamos, a propósito do caso, discutir-se um caso abstrato, traduzido pelos diagnósticos diferenciais onde o “professor” deixa vir à tona todo o seu conhecimento de um sinal ou sintomas: conhecimentos estereotipados, arquivados em sua memória. Isto é evidente que dá uma segurança muito grande ao “professor”, porque enquanto fala do sinal (comparável a uma aula teórica), vai para bem distante dos problemas que o caso presente possa suscitar. Na verdade, ele não gostaria de estar discutindo aquele caso e sim talvez preferisse estar num anfiteatro discutindo um caso preparado: aqui não há ansiedade, não há riscos para a onipotência e o narcisismo, porque disto ele sabe tudo e nada de novo ocorrerá.

Não é norma em nossa enfermaria a discussão de casos preparados, porquanto, as estereotipias persistem; geralmente alguns elementos do grupo adquirem informações a respeito do diagnóstico e o aluno fica com uma idéia distorcida da realidade do conhecimento médico, até acreditando na existência de professores enciclopédicos, inigualáveis no domínio de sua especialidade. A discussão do “caso vivo”, daquele tumor retroperitoneal que vai ser operado dá uma medida correta do conhecimento dos professores, mostrando que também erram diagnósticos, que são seres humanos e, portanto passíveis de orientar o raciocínio para o erro.

A técnica de discussão deve obedecer aos princípios da teoria de Gestalt que postula que a mente só percebe o todo; que o todo é diferente da somatória das partes e que cada parte assume conotação de acordo com o conjunto que ocupa. Uma Gestalt é um fenômeno irredutível. E uma essência que aí está e que desaparece se o todo é fragmentado em seus componentes.99. KOFFKA, K. Princípios de 1 a psicologia de 1 a forma. Buenos Aires, Paidós, 1958.

Imaginemos dois casos:

  1. Paciente com 31 anos, sexo feminino, disfagia (d1), fenômeno de Raynaud.

  2. Paciente com 63 anos, sexo masculino, disfagia (d2), = d2 = ----- = dn.

O sintoma e sinal devem ser analisados dentro do contexto: não é correto em uma discussão dessa natureza abrirem-se chaves para causas de disfagia, porquanto se assim o fizermos todas as discussões serão idênticas e nunca se chegará a conclusão nenhuma, além de aniquilar qualquer forma de raciocínio. Deve-se também discutir estória e exame físico em conjunto, e, em igual proporção avaliar e introduzir aspectos psicológicos e sociais do paciente.

As prescrições são feitas pelo interno e residentes sempre com supervisão do coordenador, onde os mecanismos de ação e efeitos colaterais das drogas são profundamente estudados. Assumimos esta atitude (presença do professor) porque não concordamos que a formação de internos fique entregue a residentes, dado o perigo de o relacionamento se tornar hierárquico e de ocorrerem distorções de conceitos. Além disso, a orientação centralizada em R1 e R2 “cria-se uma barreira intransponível entre os internos e os professores mais qualificados. Em muitas ou na maioria das escolas esses professores não se preocupam, com o aluno; ficando refugiados em laboratório, biblioteca à espera de que os internos os procurem para pedir auxílio. Nesses sistemas hierárquicos a barreira geralmente é transposta pelos estudantes mais agressivos, pouco hesitantes, com capacidade de fazer perguntas mais incisivas e diretas e assim conseguem utilizar-se dos professores como “Professor particular”; mas o aluno mais obediente, os introspectivos - a maioria - geralmente procuram resolver os seus problemas com os colegas ou com os residentes, só tendo contacto com os mestres através de exposições magistrais que não representam nada na formação de um profissional”.

“Estes fenômenos desaparecem quando o instrutor mais flexível com melhor visão da dinâmica da situação não vai permitir que os estudantes mais agressivos ou mais dependentes lhe monopolizem o tempo reconhecendo que o comportamento deles não é reflexo de uma atitude desagradável mas, sim, de ansiedade, orienta-os para os livros, manuais ou publicações onde podem encontrar o auxílio de que necessitam, pondo-se à disposição deles mais como recurso suplementar que total. Além disso, vai procurar os estudantes que não os solicitam, a fim de lhes ratificar seus interesses e a possibilidade de ajudá-los”1111. MILLER, G.E. Ensino e aprendizagem nas escolas médicas. São Paulo, Companhia Editora Nacional, 1967. Cap. 2, p. 39..

No que diz respeito a aspectos técnicos (área psicomotora) deve haver um compromisso por parte do Departamento, que garanta no início do estágio, o mínimo que todos os internos aprenderão a executar: foi o que conseguimos atingir com relação a punções arteriais e venosa, cirurgias ambulatoriais e técnicas cirúrgicas, instrumentação cirúrgica e dissecação de veias. Esta atitude foi tomada no sentido de garantir que todos os graduandos dominassem pelo menos esse mínimo de técnica cirúrgica, deixando de ser apanágio de “interessado”.

Estudamos profundamente através de observações a necessidade de plantonistas nas enfermarias: notamos que o número veio crescendo assustadoramente; o relacionamento com residentes de plantão degenerando a necessidade de mais “mão-de-obra” crescendo; o relacionamento anterior reduzia os internos em certas ocasiões a simples office-boy v.g.: buscar exames, radiografias, trocar curativos, controles desnecessários, etc. Baseando-nos no Princípio da Empresa segundo o qual quanto mais pessoas existirem numa organização mais “trabalho” aparece para se fazer55. DOUGLASS, M.E. Magaging your time. New York, McGraw-Hill, 1973., resolvemos diminuir o número de internos de plantão para um e conseguimos um melhor aproveita mento do tempo, melhor relacionamento entre professores, residentes e internos no sentido de cooperativismo. Evidentemente, houve muito protesto por parte dos residentes no início, o que encaramos como processo natural de residência a inovações, de reação de um sistema homeostático à mudança, obedecendo ao Princípio de Le Chatelier.

Que avaliação fizemos? Que valor demos a elas?

Aebli no capítulo “O Contole de Resultado do Ensino já ponderava”: ao lado da transmissão do conteúdo intelectual realizaram-se no contato da classe com o educador - uma vez que ele mereça esse nome - processos de atitude e valorização sempre difíceis de serem percebidos e fundamentam as formas e o conteúdo de vida. Em última instância, são esses processos que formam o jovem.

"Quão importante sejam eles devemos aqui confessar que praticamente falta à pedagogia e à psicologia qualquer instrumento para aprender com segurança esses aspectos mais profundos do resultado do ensino”11. AEBLI, H. Prática de ensino. Rio de Janeiro, Vozes, 1970. Cap. 9. p.229..

Consoante nossa percepção não admitimos avaliação de alunos nos moldes que norteiam a maioria das escolas e às vezes ficamos profundamente decepcionados ao saber que ainda existem avaliações de estudantes através de testes e até mesmo em certas cadeiras básicas - no maior desrespeito à condição humana - provas cronometradas através de relógios despertadores, pior ainda o que se cobra é tão-somente um embasamento teórico66. EBBINGHAUS, H. Grundzuge der psycolagia. 4. ed. Leipzig Veit, K. Buhler, 1919. p. 218. Apud. AEBLI, H..

E outra questão primordial são os objetivos: acreditamos no sucesso do nosso trabalho com relação aos objetivos já discutidos e não sabemos evidentemente qual seria o seu valor se visto sobre outro prisma ou parâmetros. E para encerrar gostaríamos de citar um fato ocorrido num debate internacional sob reavaliação: “Um participante citou que não havia correlação entre a capacidade de inovação de um sistema de ensino e o nível de resultado obtido pelos seus alunos. Os Estados Unidos e a Suécia que têm sistemas de ensino bastante inovados vinham, acrescentou ele, nitidamente atrás dos países que encabeçam a lista no que respeita a resultados obtidos em matemática. A isso o representante escandinavo respondeu que o conhecimento de fatos e as competências em matemática eram menos importantes no sistema sueco do que os objetivos de desenvolvimento da personalidade dos alunos (menos conformidade, desenvolvimento do senso crítico e da faculdade de adaptação e da criatividade) e que as inovações se orientavam para esses objetivos em particular.

Em síntese temos três pontos básicos do processo ensino aprendizagem: traçado de objetivos, escolha de métodos didáticos e avaliação. Os dois primeiros aspectos fizemos referência acima.

A avaliação é vista hoje em dia, como um processo de pesquisa no sentido de detectar as falhas ocorridas no processamento educacional. Desta forma, deve levar em conta:

  1. os objetivos formulados, verificando se foram alcançados ou não e, se possível, em que quantidade e qualidade.

  2. indicar reformulação.

  3. como processo de pesquisa a avaliação tornou-se fundamental e deve ser feita ao cumprimento de cada etapa de um estágio, para que o professor tenha um mapeamento dos conceitos bem aprendidos e onde ficaram falhas. Isto leva a um maior estímulo para o aluno, ao mesmo tempo que detecta falhas na aprendizagem, não permitindo que novos conceitos sejam interiorizados também de forma errada. Essa trilogia é interdependente e deve suprir os dois pontos básicos da problemática educacional: suprir as demandas do sistema social e global, e atender às necessidades do sujeito que aprenda. Em outras palavras levar à formação do indivíduo - auto-realização e concomitantemente capacitá-lo para promover ou transmitir uma forma de vida.

É evidente que não tivemos a intenção da originalidade, nem quisemos refazer o internato nos hospitais brasileiros. Estamos tentando colocar em prática uma filosofia de ensino que há séculos descansam nos tratados e que nela acreditamos.

E estamos convictos de que a adoção destas medidas teve como conseqüência a modificação do ambiente da enfermaria; reduzindo os níveis de ansiedade, aumentando sobremaneira a aprendizagem do grupo. E óbvio que não conseguimos transmitir toda essa experincia vivida pelo grupo, porquanto, a experiência vivida não é “concreta” nem “abstrata”, mas tem simultaneamente ambas as características8. E temos certeza de que sabemos o que estamos fazendo, por que motivos e por que efeito, ao estarmos tentando ir além das significações estereotipadas tão corretamente oferecidas pela nossa cultura e ensino médico; porque estamos nos disciplinando no sentido de uma prática reflexiva e crítica.

“Não pode haver felicidade se as coisas em que acreditamos são diferentes das coisas que fazemos”. Eric Von Doren

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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    WITTROCK, M. C. & WILLEY, D.E. Evaluation of instruction New York, Holt, Rinenhart and Wiston, 1970. p. 289-305.
  • 1
    Objetivos mínimos a serem alcançados na área psicomotora.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    14 Jul 2021
  • Data do Fascículo
    Jan-Apr 1987
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