Acessibilidade / Reportar erro

Aprendizagem Baseada em Problemas: um Caminho para a Transformação Curricular

Problem-Based Learning: A Path to Curricular Reform

Resumo:

Considerando as tendências educacionais pós-modernas, a aprendizagem baseada em problemas apresenta-se como um possível caminho para a transformação curricular por meio de uma aprendizagem autodirigida pelo estudante, do desenvolvimento da habilidade de aprender a aprender, numa filosofia educacional que se aproxima da pedagogia da autonomia. Destacam-se esforços necessários para tal transformação curricular: inovações na capacitação docente, na organização de recursos educacionais e na avaliação.

Descritores:
Educação médica - tendências; Aprendizado baseado em problemas

Abstract

Among post-modern trends in education, problem-based learning figures as one avenue to curricular change by means of self-directed learning to learn, a philosophy of education close to that of the 'pedagogy of autonomy'. Efforts necessary for that curricular change to occur include innovations in faculty development, in organizing educational resources and in assessment.

Keywords:
Medical education - trends; Problem-based learning

TENDÊNCIAS EDUCACIONAIS PÓS-MODERNAS

"É verdade que o mundo contemporâneo -neste momento da história denominado ora de sociedade pós­modema, pós-industrial ou pós-mercantil, ora de modernidade tardia -está marcado pelos avanços na comunicação e na informática e por outras tantas transformações tecnológicas e científicas. Estas transformações intervêm nas várias esferas da vida social, provocando mudanças econômicas, sociais, políticas, culturais, afetando, também, as escolas e o exercício profissional da docência" 6 6. LIBÂNEO, J. C. Adeus professor, adeus professora? Novas exigências educacionais e profissão docente. 2 ed. Cortez. São Paulo. 1998. . Seriam objetivos para uma educação de qualidade: preparação para o mundo do trabalho, visando à flexibilização que caracteriza o processo produtivo contemporâneo; formação para a cidadania crítica, isto é, formar um cidadão-trabalhador capaz de interferir criticamente na realidade para transformá-la e não apenas formar para integrar o mercado de trabalho; preparação para a participação social, em termos de fortalecimento de movimentos sociais, não apenas os que envolvem setores amplos da sociedade, mas também aqueles localizados em interesses comunitários mais restritos (no bairro, pequenos grupos, associações civis, entidades não-governamentais, etc.); formação ética, explicitando valores e atitudes por meio das atividades escolares 5 5. LIBÂNEO, J. C. Pedagogia e modernidade: presente e futuro da escola. In: Ghiraldelli-Jr., P. (org.). Infância, escola e modernidade. Cortez. São Paulo. 1996. .

Santos99. SANTOS, B. S. Um discurso sobre as ciências. Afrontamento. Lisboa, 1989. diz que são muitos e fortes os sinais de que o modelo de racionalidade científica atravessa uma profunda crise e defende um novo paradigma emergente balizado pelas hipóteses: começa a deixar de fazer sentido a distinção entre ciências naturais e ciências sociais; todo conhecimento científico-natural é científico-social; a síntese que há que operar entre elas tem como pólo catalisador as ciências sociais; para tanto, as ciências sociais terão que recusar todas as formas de positivismo lógico ou empírico ou de mecanicismo materialista ou idealista, com a consequente valorização do que se convencionou chamar humanidades ou estudos humanísticos; todo conhecimento é local e total; se as teorias estão em crise, o conhecimento não está; esta síntese não visa a uma ciência unificada, nem sequer a uma teoria geral, mas tão-somente a um conjunto de galerias temáticas para onde convergem linhas de água que até agora concebemos como objetos teóricos estanques; à medida que se der esta síntese, a distinção hierárquica entre conhecimento científico e conhecimento vulgar tenderá a desaparecer, e a prática será o fazer e o dizer da filosofia da prática, ou seja, todo conhecimento é autoconhecimento e todo conhecimento científico visa constituir-se em senso comum.

Uma transformação profunda nos modos de conhecer deve estar relacionada também com uma transformação igualmente profunda nos modos de organização da sociedade. Assim, a hegemonia da universidade não é pensável fora da dicotomia educação-trabalho. Esta dicotomia começou por significar a existência de dois mundos com pouca ou nenhuma comunicação entre si: o mundo ilustrado e o mundo do trabalho. Quem pertencia ao primeiro estava dispensado do segundo; quem pertencia ao segundo estava excluído do primeiro. Com o capitalismo organizado, essa dicotomia passou a significar a separação temporal de dois mundos intercomunicáveis, a sequência educação-trabalho: a educação cindiu-se entre uma cultura geral e a formação profissional, e o trabalho dividiu-se entre o não-qualificado e o qualificado; questiona-se hoje a própria sequência educação-trabalho, e a formação e o desempenho profissional tendem a fundir-se num só processo produtivo, cujos sintomas são a educação permanente, a reconversão pessoal, bem como o aumento da percentagem de adultos e de trabalhadores-estudantes entre a população estudantil1010. SANTOS, B. S. Pela mão de Alice. O social e o político na pós­modernidade. 5 ed. Cortez. São Paulo, 1995. p. 187-233.

Novas atitudes docentes são esperadas, tais como: assumir o ensino-aprendizagem como mediação-aprendizagem ativa do aluno-professor com a ajuda pedagógica do professor-aluno; modificar a ideia de uma escola e de uma prática pluridisciplinares para uma escola e uma prática interdisciplinares; conhecer estratégias do ensinar-aprender a pensar e do ensinar-aprendera aprender; persistir no empenho de auxiliar os alunos e professores a buscarem uma perspectiva crítica dos conteúdos, a se habituarem a aprender as realidades enfocadas nos conteúdos escolares de forma crítico-reflexiva; assumir as atividades escolares como um processo comunicacional a desenvolver capacidade comunicativa; reconhecer o impacto das novas tecnologias da comunicação e informação na aprendizagem; atender à diversidade cultural e respeitar as diferenças no contexto da escola; investir na atualização científica, técnica e cultural, como ingredientes do processo de educação permanente; integrar no exercício da docência a dimensão afetiva; desenvolver comportamento ético e saber orientar os alunos em valores e atitudes em relação à vida, ao ambiente, às relações humanas, a si próprios66. LIBÂNEO, J. C. Adeus professor, adeus professora? Novas exigências educacionais e profissão docente. 2 ed. Cortez. São Paulo. 1998..

APRENDIZAGEM BASEADA EM PROBLEMAS: UMA METODOLOGIA DE ENSINO-APRENDIZAGEM

A aprendizagem baseada em problemas -ABP (ou PBL, de problem-based learning) surge no cenário educacional como uma metodologia de ensino-aprendizagem desenvolvida inicialmente na Universidade de McMaster, em Hamilton, Ontário, Canadá, ao final da década de 601111. SPAULDING, W. B. The undergraduate medical curriculum (1969 model) at McMaster University. Can. Med. Assoc. J. 100: 659-664, 1969., quando um grupo de aproximadamente 20 docentes desenvolvia um novo programa para o curso de Medicina.

A educação médica evoluiu do currículo centrado na ciência de Flexner do início do século XX para o centrado em órgãos da Case Western Reserve University dos anos 50 e para o currículo centrado nas moléculas, no paciente e na população da Universidade de McMaster a partir do início da década de 1970.

A metodologia da ABP disseminou-se nas universidades de Maastricht, (Holanda)1313. VAN DER VLEUTEN C. & WIJNEN, W. (eds.). Problem-based learning: Perspectives from the Maastricht experience. Thesis Ed. Amsterdam, 1990., Harvard, (EUA)1212. TOSTESON, D. C. & ALDESTEIN, S. J.; Carver, S. (eds.). New pathways to medical education. Learning to learn at Harvard Medical School. Harvard University Press. Boston, 1994. e Sherbrook (Canadá)22. DES MARCHAIS, J. E. A student-centred, problem-based curriculum: 5 years' experience. Can. Med. Assoc. J. 148(9):1567-1572, 1993., dentre outras mais de 60 escolas ou universidades. Recentemente, foi implementada na Universidade de Cornell (EUA) e no Brasil- na Faculdade de Medicina de Marília em 1997 e na Universidade Estadual de Londrina em 1998.

Ensino-aprendizagem é um ativo e continuo processo de duas vias entre o professor e o estudante, percorrendo recursos educacionais e imerso num contexto social, cultural, político e econômico. Tal processo envolve o reconhecimento e sucessivas aproximações do objeto em estudo44. KOMATSU, R. S.; ZANOLLI, M. B.; LIMA, V. V. Aprendizagem baseada em problemas. In: Marcondes, E. & Gonçalves, E. L. Educação Médica. Sarvier. São Paulo. 1998. p.223-237.

Cremos que não há aprendizado, finito, estanque, unidisciplinar, mas aprendizagem, processo ao longo da vida que envolve uma ampla gama de conhecimentos, habilidades e atitudes, voltada à realidade e necessariamente interdisdplinar 4 4. KOMATSU, R. S.; ZANOLLI, M. B.; LIMA, V. V. Aprendizagem baseada em problemas. In: Marcondes, E. & Gonçalves, E. L. Educação Médica. Sarvier. São Paulo. 1998. p.223-237 .

No nosso entendimento, as possibilidades de aprendizagem são restritas sem uma motivação- um obstáculo, um problema-, e o estudante têm reduzidas oportunidades de uma efetiva aprendizagem se não houver uma proximidade com a prática e a realidade44. KOMATSU, R. S.; ZANOLLI, M. B.; LIMA, V. V. Aprendizagem baseada em problemas. In: Marcondes, E. & Gonçalves, E. L. Educação Médica. Sarvier. São Paulo. 1998. p.223-237.

Na ABP, o problema é utilizado corno estímulo à aquisição de conhecimentos e habilidades, sem que nenhuma exposição formal prévia da informação seja necessariamente oferecida. O problema educacional deve refletir a realidade, antecipá-la como acontecimento ao estudante que se prepara para a atuação profissional, permitindo a reflexão acerca de uma temática num contexto, a seleção de recursos educacionais, a busca de informações, a avaliação crítica e a aplicação.

Os problemas de papel oferecidos desde a primeira semana do curso antecedem os problemas cotidianos da prática profissional, devendo traduzir uma situação desafiadora à aprendizagem, um obstáculo a ser superado44. KOMATSU, R. S.; ZANOLLI, M. B.; LIMA, V. V. Aprendizagem baseada em problemas. In: Marcondes, E. & Gonçalves, E. L. Educação Médica. Sarvier. São Paulo. 1998. p.223-237.

Tais problemas são elaborados em função das unidades educacionais, blocos ou módulos, que são momentos curriculares nos quais o estudante encontra objetivos de aprendizagem a serem alcançados.

Os problemas são explorados em sessões de tutoria, com aproximadamente oito estudantes e um ou dois docentes como tutor ou co-tutor. O principal papel do tutor é facilitar a aprendizagem dos estudantes. Assim, as sessões de tutoria não devem ser "seminários" ou miniconferências. Não compete ao tutor ou co-tutor ensinar, no sentido de ministrar aulas. Compete ao tutor permitir que os estudantes desenvolvam uma discussão em torno de um problema que seja produtiva para todos os integrantes do grupo, considerando o contexto, integrando as dimensões biológica, psicológica e social, e caminhando em direção aos objetivos de aprendizagem de cada unidade, bloco ou módulo.

APRENDIZAGEM AUTODIRIGIDA

A busca, seleção, avaliação crítica e aquisição de conhecimentos e habilidades visando a uma aplicação prática ou a uma reflexão constituem um processo ao longo da vida de cada indivíduo. Assim, os estudantes devem ser encorajados a desenvolver seus próprios objetivos, métodos e estilos de aprendizagem, assumindo inclusive a responsabilidade de avaliar seus progressos pessoais em termos de quanto estão se aproximando dos objetivos educacionais propostos para cada fase da sua capacitação.

A existência de padrões individuais de aprendizagem torna óbvia a necessidade de flexibilizar as atividades pré-programadas de maneira a permitir espaços e tempos curriculares necessários e suficientes para a auto-aprendizagem. Habitualmente, num programa que utiliza a ABP como metodologia, mais da metade da carga horária curricular semanal é destinada às atividades de auto­aprendizagem. Este tempo constitui um marco referencial da metodologia, que é compartilhar com cada estudante a responsabilidade pela sua formação.

Os estudantes têm que assumir a função de verdadeiros condutores do seu próprio processo de aprendizagem, e, para tanto, há uma habilidade fundamental a desenvolver: aprender a aprender.

APRENDER A APRENDER

A educação oferecida no ensino médio e superior, em nossa opinião, vem massacrando a criatividade e a individualidade dos estudantes por oferecer-lhes como única alternativa formal a aquisição passiva de conhecimentos.

Informalmente, desenvolve-se o currículo oculto, ou paralelo, onde os estudantes procuram suprir as necessidades de uma aprendizagem autônoma por meio de atividades práticas de atenção à saúde, a exemplo das "Ligas Estudantis" que se disseminam pelas Escolas Médicas Brasileiras.

Tal busca da autonomia reveste-se, além da curiosidade epistêmica, da necessidade de "aprender a aprender". Como então facilitar tal aprendizagem? Oferecendo aos estudantes a oportunidade de administrar seu próprio tempo. A elaboração de uma grade horária compatível com as necessidades de auto-aprendizagem que envolve o "aprendera aprender" pode seguir uma proposição onde surge o tempo pró-estudo do aluno, que constitui mais da metade do tempo da grade horária semanal de 40 horas.

No decorrer do curso médico, os estudantes deverão familiarizar-se também com a avaliação crítica da literatura que possibilitará uma prática baseada em evidências científicas88. SACKETI, D. L.; RICHARDSON, W. S.; ROSENBERG, W.; H AYNES, R. B. Evidence-based Medicine. How to practice & teach EBM. Churchill Livingstone. New York, 1997..

A capacitação para busca, seleção, avaliação crítica e utilização das informações, associada ao tempo pró-estudo do aluno e a um programa educacional coerente e consistente que utilize ABP e ofereça subsídios indispensáveis - como a adequada capacitação docente e a organização de recursos de (auto)aprendizagem - form a mola propulsora que impulsiona os estudantes em direção ao "aprender a aprender".

APRENDIZAGEM BASEADA EM PROBLEMAS: UMA FILOSOFIA EDUCACIONAL

Segundo Venturelli1414. VENTURELLI, J. Educacion Medica: Nuevos enfoques, metas y metodos. Organizacion Panamericana de la Salud-OPAS/PAHO. Washington, 1997., a aprendizagem em pequenos grupos de tutoria promove a cooperação e o estímulo constante dos membros do grupo; permite a integração das dimensões biológica, psicológica e populacional, bem como o raciocínio crítico; favorece o desenvolvimento da habilidade de trabalhar em grupo, respeitar os objetivos comuns e adquirir um sentido de tarefa comum.

É no grupo de tutoria que o pensamento crítico pode ser encorajado e os melhores argumentos levantados, ideias podem ser construídas de maneira mais criativa, novos caminhos podem ser estabelecidos, permitindo a análise coletiva de problemas que espelhem a prática profissional futura.

Constituem funções do tutor: ser um bom facilitador; estimular os estudantes; guiar o grupo sem forçá-lo nem dirigi-lo; prover o pensamento crítico e de auto-avaliação, apoiando o grupo no processo de sua própria avaliação; ajudar os estudantes no desenvolvimento do pensamento científico; ser o responsável pela avaliação de cada um dos estudantes durante as sessões de tutoria, com precisão, tato e de forma construtiva; identificar as qualidades e problemas dos estudantes1414. VENTURELLI, J. Educacion Medica: Nuevos enfoques, metas y metodos. Organizacion Panamericana de la Salud-OPAS/PAHO. Washington, 1997..

A dinâmica do grupo de tutoria permite que o estudante desenvolva não só conhecimentos teóricos, como também habilidades de comunicação e de relacionamento interpessoal, além de despertar a consciência de suas próprias reações no trabalho coletivo. Graças à avaliação ao final de cada sessão de tutoria, envolvendo auto-avaliação e avaliação dos pares e do tutor, o estudante aprende a ouvir, a receber e a assimilar críticas, e, por sua vez, a oferecer análises e contribuições produtivas ao grupo.

Vemos, então, a Aprendizagem Baseada em Problemas - no sentido mais amplo da proposta defendida por Ventwelli1414. VENTURELLI, J. Educacion Medica: Nuevos enfoques, metas y metodos. Organizacion Panamericana de la Salud-OPAS/PAHO. Washington, 1997. -também como uma filosofia educacional, aproximando-se da pedagogia da autonomia de Paulo Freire33. FREIRE, P. Pedagogia da autonomia. Saberes necessários à prática educativa. 9 ed. Paz e Terra. São Paulo.1998. em pontos como: "não há docência sem discência, ensinar exige: respeito aos saberes dos educandos; criticidade; estética e ética; corporificação das palavras pelo exemplo; risco, aceitação do novo e rejeição a qualquer forma de discriminação; reflexão crítica sobre a prática; reconhecimento e a assunção da identidade cultural; ensinar não é transferir conhecimento; ensinar é uma especificidade humana".

DESTACANDO ALGUNS ESFORÇOS NA TRANSFORMAÇÃO CURRICULAR

Poderíamos destacar alguns esforços na transformação curricular: a capacitação docente, a organização de recursos educacionais e a avaliação.

As atividades na frente de capacitação de docentes-tutores merecem especial atenção em programas com aprendizagem baseada em problemas. O maior desafio é, sem dúvida, a mudança cultural: do processo centrado no professor, em disciplinas e em departamentos, para centrado (também e principalmente) no estudante e na aprendizagem.

Podem ser desenvolvidos programas para formação e aprimoramento de tutores que usualmente se iniciam com uma oficina de trabalho sobre o processo de tutoria e a ABP, prosseguindo ao longo de 12 semanas, nas quais são abordados temas corno dinâmica de grupo, prática baseada em evidências, bioética e avaliação. Geralmen­te, o docente ainda assume uma co-tutoria antes de iniciar-se na função de tutor.

A organização de recursos de aprendizagem num programa com ABP deve privilegiar a disponibilização de ambientes de (auto)aprendizagem. Espera-se maior utilização da biblioteca e dos laboratórios de aprendizagem.

A avaliação do curso propicia informações válidas e oportunas, que permitem identificar e corrigir as áreas que requerem atenção, tanto específicas de estudantes e tutores, como do programa, utilidades e recursos educacionais, objetivando a melhoria de processos e produtos, no espírito de uma avaliação formativa e do desenvolvimento curricular permanente. Também devem ser estimuladas e favorecidas a auto-avaliação, a avaliação do trabalho em grupo ou equipe, e a avaliação de docentes-tutores.

Um grupo formado por docentes e representantes dos estudantes pode responsabilizar-se pelo desenvolvimento da proposta de avaliação, buscando garantir e aperfeiçoar a coerência desta com os objetivos educacionais do currículo. É necessário construir documentos e instrumentos objetivando a análise do processo ensino-aprendizagem, do desempenho dos estudantes e das unidades e recursos educacionais.

Os documentos que avaliam o processo ensino-aprendizagem devem conter um roteiro para a análise de habilidades e atitudes nos trabalhos realizados para e durante as sessões de tutoria. Ao final de cada unidade educacional, podem ser aplicados exercícios de avaliação cognitiva, para aferição de conhecimentos através de um ensaio modificado com questões escritas baseadas em problemas, visando aferir conhecimentos específicos. Outras modalidades de avaliação também podem ser aplicadas com periodicidade menor, como o exame clínico objetivo estruturado (OSCE).

O conceito dos estudantes, baseado no seu desempenho em relação aos objetivos educacionais, pode ser considerado satisfatório ou insatisfatório. O estudante que obtiver um conceito insatisfatório deve desenvolver programas específicos para melhoria de seu desempenho, de acordo com as dificuldades identificadas. A avaliação deve ser efetivamente utilizada na melhoria do processo ensino­aprendizagem, sendo considerada uma importante ferramenta de transformação.

REFLEXÕES SOBRE O PROCESSO

A despeito de todas as dificuldades da transformação curricular, cremos existir neste momento, em muitas escolas médicas, uma reflexão sobre as práticas docente e discente, o que possibilita uma renovação de valores e parâmetros educacionais, aproximando-os da realidade do mundo que habitamos.

Em nossa opinião, o sucesso de programas como o da Universidade de McMaster deve-se não somente ao emprego da ABP, mas ao desenvolvimento educacional rumo às reais necessidades da sociedade. Neste momento, isto leva as escolas a se aproximarem e integrarem-se à comunidade, sem o que continuaríamos distantes e isolados da realidade. Assim, iniciativas como o PIN da Universidade Estadual de Londrina e a Interação Comunitária da Faculdade de Medicina de Marília devem ser estimuladas e desenvolvidas nas escolas médicas brasileiras.

Inexiste aprendizagem sem a prática e a realidade. Os problemas de papel devem desafiar e motivar para a prática e a realidade.

A aprendizagem baseada em problemas soma-se e complementa­se com a aprendizagem baseada na prática11. BARROWS, H. S. Practice-based learning. Problem-based learning applied to medical education. Southern Illinois University School of Medicine. Springfield, 1994. e objetiva atingir plenamente uma aprendizagem baseada na realidade. Somente a realidade integra os objetivos maiores de uma plena capacitação de nossos graduandos ou profissionais.

Para Edgar Morin77. MORIN, E. A construção da sociedade democrática e o papel da educação e do conhecimento para a formação do imaginário do futuro. In: Grossi, E.P. & Bordin, J. Construtivismo pós­piagetiano. 8 ed. Vozes. Petrópolis. 1999. p.11-25, "A poesia e a prosa não são somente histórias literárias. São duas coisas antropológicas. O prosaico é tudo o que concerne à técnica, à prática, aos cálculos racionais. O poético se refere à emoção, ao êxtase, à música, à poesia, ao amor...". Há, sem dúvida, uma necessidade de criar mais poeticamente, no sentido de Morin, a vida, a arte, a ciência, a educação e a medicina. Isto principia por mudar, reformular, transformar, numa contracorrente da desumanização da prática médica e do ensino-aprendizagem em Medicina, lembrando que: "O homem habita esta terra. Mas para que o homem possa habitar verdadeiramente esta terra, é preciso que ele a habite também poeticamente"77. MORIN, E. A construção da sociedade democrática e o papel da educação e do conhecimento para a formação do imaginário do futuro. In: Grossi, E.P. & Bordin, J. Construtivismo pós­piagetiano. 8 ed. Vozes. Petrópolis. 1999. p.11-25.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

  • 1
    BARROWS, H. S. Practice-based learning. Problem-based learning applied to medical education. Southern Illinois University School of Medicine. Springfield, 1994.
  • 2
    DES MARCHAIS, J. E. A student-centred, problem-based curriculum: 5 years' experience. Can. Med. Assoc. J. 148(9):1567-1572, 1993.
  • 3
    FREIRE, P. Pedagogia da autonomia. Saberes necessários à prática educativa. 9 ed. Paz e Terra. São Paulo.1998.
  • 4
    KOMATSU, R. S.; ZANOLLI, M. B.; LIMA, V. V. Aprendizagem baseada em problemas. In: Marcondes, E. & Gonçalves, E. L. Educação Médica. Sarvier. São Paulo. 1998. p.223-237
  • 5
    LIBÂNEO, J. C. Pedagogia e modernidade: presente e futuro da escola. In: Ghiraldelli-Jr., P. (org.). Infância, escola e modernidade. Cortez. São Paulo. 1996.
  • 6
    LIBÂNEO, J. C. Adeus professor, adeus professora? Novas exigências educacionais e profissão docente. 2 ed. Cortez. São Paulo. 1998.
  • 7
    MORIN, E. A construção da sociedade democrática e o papel da educação e do conhecimento para a formação do imaginário do futuro. In: Grossi, E.P. & Bordin, J. Construtivismo pós­piagetiano. 8 ed. Vozes. Petrópolis. 1999. p.11-25
  • 8
    SACKETI, D. L.; RICHARDSON, W. S.; ROSENBERG, W.; H AYNES, R. B. Evidence-based Medicine. How to practice & teach EBM. Churchill Livingstone. New York, 1997.
  • 9
    SANTOS, B. S. Um discurso sobre as ciências. Afrontamento. Lisboa, 1989.
  • 10
    SANTOS, B. S. Pela mão de Alice. O social e o político na pós­modernidade. 5 ed. Cortez. São Paulo, 1995. p. 187-233
  • 11
    SPAULDING, W. B. The undergraduate medical curriculum (1969 model) at McMaster University. Can. Med. Assoc. J. 100: 659-664, 1969.
  • 12
    TOSTESON, D. C. & ALDESTEIN, S. J.; Carver, S. (eds.). New pathways to medical education. Learning to learn at Harvard Medical School. Harvard University Press. Boston, 1994.
  • 13
    VAN DER VLEUTEN C. & WIJNEN, W. (eds.). Problem-based learning: Perspectives from the Maastricht experience. Thesis Ed. Amsterdam, 1990.
  • 14
    VENTURELLI, J. Educacion Medica: Nuevos enfoques, metas y metodos. Organizacion Panamericana de la Salud-OPAS/PAHO. Washington, 1997.
  • PRÊMIO ABEM DE EDUCAÇÃO MÉDICA 1999

    2° LUGAR CATEGORIA DOCENTE

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    23 Set 2020
  • Data do Fascículo
    May-Dec 1999
Associação Brasileira de Educação Médica SCN - QD 02 - BL D - Torre A - Salas 1021 e 1023 | Asa Norte, Brasília | DF | CEP: 70712-903, Tel: (61) 3024-9978 / 3024-8013, Fax: +55 21 2260-6662 - Brasília - DF - Brazil
E-mail: rbem.abem@gmail.com