O medo da morte continua presente mundialmente. O que mudou? A forma de lidar com ela e com os doentes prestes a enfrentá-la. As inovações tecnológicas e farmacêuticas propiciam ao profissional de saúde tratar e restaurar a vida, mas restringem a autonomia dos pacientes. A maneira de conviver com pacientes graves e/ou terminais e de comunicar notícias difíceis a pacientes e familiares passou a ser impessoal e solitária, pois parece não haver um consenso nos ensinamentos que os profissionais adquirem sobre o assunto durante a sua formação acadêmica11. Afonso, SBC. Resenha do livro “Sobre a Morte e o Morrer”. Ciênc. saúde coletiva, 18(9), Rio de Janeiro, 2013..
O conceito de morte envolve três dimensões: irreversibilidade, não funcionalidade e universalidade. A criança não compreende estas dimensões e sofre quando não há suporte para o enfrentamento de situações de perda. Não ter com quem conversar e obter esclarecimentos a respeito pode deixá-la confusa e desamparada diante de sua dor22. Nunes, DC, Carraro, L, Jou, GI, Sperb, TM. As crianças e o conceito de morte. Psicologia: Reflexão e Crítica, 11(3), 579-590, 1998.,33. Vendruscolo, J. Visão da criança sobre a morte. Medicina (Ribeirão Preto), 38(1), 26-33, 2005.. O adolescente compreende de modo semelhante ao adulto, entende o conceito de morte tornando-a um evento mais real. Porém, nesta faixa etária, o ser humano apresenta as suas melhores condições físicas e cognitivas, o que o leva a ter uma sensação de liberdade e onipotência, tornando-o de alto risco para a ocorrência de acidentes e mortes precoces44. Kovács, MJ. Morte e desenvolvimento humano (4a ed.). São Paulo: Casa do Psicólogo, 2002.. Assim, também falta ao adolescente alguém com quem conversar, alertando-o sobre como o seu comportamento pode prejudicar a sua saúde.
O medo da morte parece atingir seu auge na vida adulta de meia-idade, após o que diminui sensivelmente. Adultos mais velhos falam mais sobre a morte e a temem menos. Religiosos costumam temer menos a morte. Por outro lado, os que apresentam altos níveis de ansiedade e estresse sentem mais medo dela. Muitos adultos preparam-se para a morte de forma prática, fazendo seguros de vida ou escrevendo seu testamento. Ocorrem sinais de mudanças profundas na personalidade imediatamente antes da morte, o que inclui maior dependência e docilidade, menos emoções e desejo de afirmação55. Papalia, DE; Olds, SW; Feldman, RD. Desenvolvimento humano. Porto Alegre: Artmed, 2006..
Algumas questões geram controvérsias em relação à morte, como o suicídio assistido e a eutanásia. Atualmente, ocorre maior interesse na compreensão e enfrentamento da morte de maneira realista e compassiva.
Kübler-Ross, em seu livro A Morte e o Morrer, escrito em 1985, que já está na nona edição, por meio de entrevistas com pacientes gravemente doentes e desenganados de um hospital de Chicago, chegou aos cinco estágios emocionais pelos quais eles passam durante o processo de morrer: negação, raiva, barganha, depressão e aceitação. As pesquisas não conseguem apoiar a afirmação de que todos os adultos mostram todos os cinco ou que os estágios, necessariamente, ocorrem nessa ordem. O ingrediente mais comum é a depressão. Além disso, o livro descreve as dificuldades encontradas pela equipe multiprofissional ao lidar com o paciente, as notícias difíceis e os familiares. Especialmente os médicos têm grande dificuldade de falar a verdade ao paciente e familiares. Porém, a autora do livro afirma que o maior problema não é o que falar, mas como fazê-lo. A reação dos pacientes não depende do conteúdo da notícia difícil. É muito mais importante a maneira como ela é informada11. Afonso, SBC. Resenha do livro “Sobre a Morte e o Morrer”. Ciênc. saúde coletiva, 18(9), Rio de Janeiro, 2013..
As escolas médicas, de modo geral, preocupam-se com este assunto, introduzindo ou reforçando em seus currículos a comunicação com paciente e familiares. Mas ainda existem escolas que ignoram o assunto, e o estudante de Medicina, apesar de ter fácil acesso a um abundante material científico, não recebe qualquer treinamento a respeito. Nesta edição de nossa revista encontraremos alguns trabalhos que darão suporte a este tema.
Assim, como sugerido há 30 anos por Kubler-Ross, os profissionais deveriam refletir sobre sua própria morte como aspecto componente e central da vida, auxiliando a transmissão de valores humanos aos alunos e facilitando a lida com os pacientes e seus familiares.
REFERÊNCIAS
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1Afonso, SBC. Resenha do livro “Sobre a Morte e o Morrer”. Ciênc. saúde coletiva, 18(9), Rio de Janeiro, 2013.
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2Nunes, DC, Carraro, L, Jou, GI, Sperb, TM. As crianças e o conceito de morte. Psicologia: Reflexão e Crítica, 11(3), 579-590, 1998.
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3Vendruscolo, J. Visão da criança sobre a morte. Medicina (Ribeirão Preto), 38(1), 26-33, 2005.
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4Kovács, MJ. Morte e desenvolvimento humano (4a ed.). São Paulo: Casa do Psicólogo, 2002.
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5Papalia, DE; Olds, SW; Feldman, RD. Desenvolvimento humano. Porto Alegre: Artmed, 2006.
Datas de Publicação
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Publicação nesta coleção
Apr-Jun 2019