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Distúrbio do eixo hipotálamo-hipófise-gonadal e sua associação com resistência à insulina em receptores de transplante renal

Resumo

Objetivo:

Avaliar as alterações do eixo hipotálamo-hipófise-gonadal (HHG) em 1 e 12 meses após transplante renal (TR) e sua associação com a resistência à insulina.

Métodos:

Foi realizado um estudo clínico retrospectivo em um centro de cuidados terciários em receptores de transplante renal (RTR) com idade entre 18-50 anos com doença renal primária e função do enxerto renal estável. LH, FSH, E2/T e HOMA-IR foram avaliados em 1 e 12 meses após o TR.

Resultados:

foram incluídos 25 RTR; 53% eram homens e a média de idade foi de 30,6±7,7 anos. O IMC foi de 22,3 (20,4-24,6) kg/m2 e 36% apresentaram hipogonadismo em 1 mês vs 8% aos 12 meses (p=0,001). A remissão do hipogonadismo foi observada em todos os homens, enquanto nas mulheres, o hipogonadismo hipogonadotrófico persistiu em dois RTR aos 12 meses. Ficou evidente uma correlação positiva entre gonadotrofinas e idade em 1 e 12 meses. Cinquenta e seis por cento dos pacientes apresentaram resistência à insulina (RI) em 1 mês e 36% aos 12 meses (p=0,256). O HOMA-IR mostrou uma correlação negativa com E2 (r=-0,60; p=0,050) e T (r=-0,709; p=0,049) em 1 mês, sem correlação em 12 meses. O HOMA-IR aos 12 meses após TR correlacionou-se positivamente com o IMC (r=0,52; p=0,011) e a dose de tacrolimus (r=0,53; p=0,016).

Conclusão:

O TR bem-sucedido restaura o eixo HHG no primeiro ano. O hipogonadismo apresentou uma correlação negativa com a RI no período inicial após o TR, mas essa correlação não foi significativa aos 12 meses.

Descritores:
Transplante Renal; hipogonadismo; estradiol; testosterona; gonadotrofinas; hiperinsulinemia

Abstract

Objective:

To evaluate hypothalamic-pi- tuitary-gonadal (HPG) axis alterations at 1 and 12 months after kidney transplan- tation (KT) and their association with in- sulin resistance.

Methods:

A retrospective clinical study was conducted in a tertiary care center in kidney transplantation recipients (KTRs) aged 18- 50 years with primary kidney disease and stable renal graft function. LH, FSH, E2/T, and HOMA-IR were assessed at 1 and 12 months after KT.

Results:

Twenty-five KTRs were included; 53% were men, and the mean age was 30.6±7.7 years. BMI was 22.3 (20.4-24.6) kg/m2, and 36% had hypogonadism at 1 month vs 8% at 12 months (p=0.001). Re- mission of hypogonadism was observed in all men, while in women, hypogonadotropic hypogonadism persisted in two KTRs at 12 months. A positive correlation between go- nadotrophins and age at 1 and 12 months was evident. Fifty-six percent of patients had insulin resistance (IR) at 1 month and 36% at 12 months (p=0.256). HOMA-IR showed a negative correlation with E2 (r=- 0.60; p=0.050) and T (r=-0.709; p=0.049) at 1 month, with no correlation at 12 months. HOMA-IR at 12 months after KT correlated positively with BMI (r=0.52; p=0.011) and tacrolimus dose (r=0.53; p=0.016).

Conclusion:

Successful KT restores the HPG axis in the first year. Hypogonadism had a negative correlation with IR in the early pe- riod after KT, but it was not significant at 12 months.

Keywords:
Kidney Transplantation; Hy- pogonadism; Estradiol; Testosterone; Go- nadotropins; Hyperinsulinism

Introdução

Distúrbios do eixo hipotálamo-hipófise-gonadal (HHG), tais como infertilidade, disfunção sexual, impotência, perda de libido, anovulação e espermatogênese deficiente, são comuns em mulheres e homens com doença renal crônica (DRC). A patogênese dos distúrbios do eixo HHG na DRC inclui inibição da sinalização do LH no estado urêmico, efeitos tóxicos diretos da uremia nas gônadas, presença de hiperprolactinemia (devido ao aumento da produção e redução do clearance renal de prolactina), e alterações no feedback gonadal. Obesidade, diabetes e medicamentos como glucocorticoides também podem contribuir. O hipogonadismo tem sido associado a doenças ósseas, aumento do risco cardiovascular, resistência à insulina, infertilidade, distúrbios do sistema imunológico e redução da qualidade de vida11 Holley JL, Schmidt RJ. Changes in fertility and hormone replacement therapy in kidney disease. Adv Chronic Kidney Dis. 2013 May;20(3):240-5. DOI: https://doi.org/10.1053/j.ackd.2013.01.003
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,22 Aleksova J, Rodriguez AJ, McLachlan R, Kerr P, Milat F, Ebeling PR. Gonadal hormones in the pathogenesis and treatment of bone health in patients with chronic kidney disease: a systematic review and meta-analysis. Curr Osteoporos Rep. 2018 Oct;16(6):674-92. DOI: https://doi.org/10.1007/s11914-018-0483-3
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.

O transplante renal (TR) bem-sucedido tem sido associado à restauração da função do eixo HHG e da fertilidade; entretanto, alguns receptores de transplante renal (RTR) podem persistir com hipogonadismo11 Holley JL, Schmidt RJ. Changes in fertility and hormone replacement therapy in kidney disease. Adv Chronic Kidney Dis. 2013 May;20(3):240-5. DOI: https://doi.org/10.1053/j.ackd.2013.01.003
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,22 Aleksova J, Rodriguez AJ, McLachlan R, Kerr P, Milat F, Ebeling PR. Gonadal hormones in the pathogenesis and treatment of bone health in patients with chronic kidney disease: a systematic review and meta-analysis. Curr Osteoporos Rep. 2018 Oct;16(6):674-92. DOI: https://doi.org/10.1007/s11914-018-0483-3
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. O hipogonadismo está associado a doenças ósseas, alto risco cardiovascular e doenças metabólicas na população sem transplante renal; essas doenças ósseas e cardio-metabólicas podem estar presentes em RTR, piorando o prognóstico. Informações sobre hipogonadismo e sua associação com doenças metabólicas são escassas em RTR. O objetivo deste estudo foi avaliar as alterações do eixo HHG em 1 e 12 meses após TR e sua associação com resistência à insulina.

Materiais e Métodos

Pacientes

Foi realizado um estudo clínico retrospectivo em uma coorte de RTR. Os pacientes elegíveis foram homens e mulheres entre 18-50 anos de idade com um histórico de DRC devido a doença renal primária, função do enxerto renal estável e taxa de filtração glomerular estimada (TFGe) de >60 mL/min aos 12 meses após o TR, admitidos na Clínica de Metabolismo Mineral Ósseo do Hospital de Especialidades, Centro Médico Nacional Siglo XXI, na Cidade do México. Foram excluídos pacientes com diabetes, doenças autoimunes, sobrepeso, obesidade, neoplasias, disfunção ou rejeição do enxerto, mulheres na pós-menopausa, mulheres em uso de contraceptivos, assim como homens e mulheres em terapia de reposição hormonal devido a um diagnóstico de hipogonadismo antes do início do estudo. Todos os pacientes estavam recebendo tratamento imunossupressor com corticosteroides (prednisona) associado ao micofenolato de mofetila e tacrolimus.

A amenorreia foi definida como a interrupção do período menstrual regular por três meses. A presença de disfunção sexual foi estabelecida de acordo com o Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais (5ª edição)33 American Psychiatric Association (APA). Diagnostic and statistical manual of mental disorders. 5th ed. Arlington: APA; 2013.; A TFGe foi avaliada usando a equação CKD-EPI.

A avaliação do eixo HHG incluiu a determinação do hormônio luteinizante (LH), do hormônio folículo-estimulante (FSH), do estradiol (E2) e da testosterona (T) em 1 e 12 meses após o TR. O hipogonadismo hipergonadotrófico foi definido como níveis de E2 <20 pg/mL em mulheres e níveis de T <300 ng/dL em homens, além dos níveis elevados de LH e FSH. A sensibilidade à insulina foi avaliada em 1 mês e 12 meses após o TR utilizando o modelo de avaliação da homeostase de resistência à insulina (HOMA-IR), e foi calculada da seguinte forma: [insulina de jejum × glicose de jejum (mg/dL)/405]. Os indivíduos foram considerados resistentes à insulina quando o escore HOMA-IR foi > 2,544 Matthews DR, Hosker JP, Rudenski AS, Naylor BA, Treacher DF, Turner RC. Homeostasis model assessment: insulin resistance and beta-cell function from fasting plasma glucose and insulin concentrations in man. Diabetologia. 1985 Jul;28(7):412-9..

Medições bioquímicas

Para determinações bioquímicas, foram coletados 6 mL de sangue em tubos BD Vacutainer (BD Franklin Lakes, New Jersey, EUA) e centrifugados a 3150 × g durante 15 min em uma centrífuga Allegra X-22 (Beckman Coulter Inc, EUA) para obtenção do soro. O mesmo foi analisado com um kit de medição de glicose e insulina COBAS (2010 Roche Diagnostics, Indianápolis, EUA) utilizando uma técnica de fotocolorimetria e um espectrofotômetro Roche Modular P800 (2010 Roche Diagnostics, Indianápolis, EUA). LH, FSH, prolactina, E2 e T foram medidos pela técnica de radioimunoensaio, COBAS (Roche Diagnostics, Indianápolis, EUA). Os intervalos de referência normais foram: FSH 3,5-12,5 mIU/mL; LH 2,4-12,6 mIU/mL; prolactina 5-35 ng/mL; glicose 65-110 mg/dL; e insulina 3,21-16,32 mcIU/mL.

Análise Estatística

As variáveis contínuas são descritas como média ± desvio padrão (DP) ou mediana e intervalo interquartil (IIQ) de acordo com sua distribuição. Para variáveis categóricas, foram utilizadas proporções (frequência esperada, prevalência). Para estabelecer a associação entre variáveis contínuas, foram utilizados o teste t de Student, o teste U de Mann-Whitney ou o teste dos postos sinalizados de Wilcoxon, e o teste χ2 foi utilizado para variáveis categóricas. As correlações de variáveis quantitativas foram realizadas usando o teste de correlação de Spearman ou o teste de correlação produto-momento de Pearson. Para estabelecer uma associação estatisticamente significativa, foi considerado um valor de p bilateral < 0,05. Foram utilizados os pacotes estatísticos SPSS Statistics V25.0 (IBM SPSS®, EUA) e STATA V14 (StataCorp®, EUA).

Resultados

Características dos RTR

foi incluído um total de 25 RTR, dos quais 53% (n=13) eram homens e a média de idade foi de 30,6±7,7 anos. O IMC foi de 22,3 (20,4-24,6) kg/m2. As anomalias congênitas do rim e do trato urinário foram as etiologias mais comuns da DRC. A maioria dos pacientes realizou um transplante renal com doador vivo relacionado. A TFGe foi de 81,85 (67,2-110) mL/min/SC pela fórmula CKD-EPI em 1 mês versus 77,30 (60,2-94,6) mL/min/SC aos 12 meses após TR (p=0,108). Todos os pacientes receberam micofenolato, prednisona e tacrolimus como terapia imunossupressora. As características basais dos RTR incluídos no estudo estão resumidas na Tabela 1.

Tabela 1
Características basais dos receptores de transplante renal incluídos no estudo

Eixo hipotálamo-hipófise-gonadal

Amenorreia e transtorno de interesse/excitação sexual feminino ocorreram em 33% (n=4) e 17% (n=2) das mulheres em 1 e 12 meses após o TR, respectivamente. A disfunção sexual mais comum em homens foi a disfunção erétil, com uma frequência de 38% (n=5) em 1 mês após o TR. Não houve evidência de disfunção sexual masculina aos 12 meses após o TR.

Houve diferenças significativas nos esteroides gonadais em 1 mês vs 12 meses na amostra total [T em homens: 354 (266-503) vs 457 (394-568) ng/dL; p=0,003 e E2 em mulheres: 30,7 (5-67) vs 60,4 (42-203) pg/mL; p=0,041]. O hipogonadismo esteve presente em 36% dos RTR no primeiro mês; 28% apresentaram hipogonadismo hipogonadotrófico e dois RTR apresentaram hipogonadismo hipergonadotrófico.

Uma diminuição na frequência do hipogonadismo foi evidente 12 meses após o TR (36% vs 8%; p= 0,001). Não houve alteração nas gonadotrofinas e na prolactina (Tabela 2).

Tabela 2
Características do eixo hipotálamo-hipófise-gonadal e homa-ir em receptores de transplante renal

Uma diminuição na frequência do hipogonadismo aos 12 meses de TR esteve presente tanto em mulheres (33% vs 17%) quanto em homens (38% vs 0%). A remissão do hipogonadismo foi observada em todos os homens. Duas mulheres com hipogonadismo hipergonadotrófico persistiram com esta alteração do eixo HHG em 1 ano após o TR (Tabela 3). Os dois pacientes com hipogonadismo receberam terapia de reposição hormonal combinada com estrogênio e progesterona.

Tabela 3
Eixo gonadotrófico e características do homa-ir de acordo com o sexo em 1 e 12 meses após o transplante renal

Em 1 mês após o TR, foram encontradas correlações positivas entre LH e FSH [r=0,98; p=0,001), e idade e LH [r=0,54; p=0,008) e FSH [r=0,55; p=0,007). Aos 12 meses após o TR, foram evidentes as correlações positivas entre LH e FSH (r=0,96; p=0,001), e idade e LH (r=0,96; p=0,001) e FSH (r=0,58; p=0,018).

O FSH aos 12 meses apresentou uma correlação positiva com FSH [r=0,99; p=0,001) e LH [r=0,99; p=0,001) em 1 mês. O LH aos 12 meses foi positivamente correlacionado com o FSH [r=0,97; p=0,001) e o LH em 1 mês (r=0,96; p=0,001); a prolactina aos 12 meses foi positivamente correlacionada com a prolactina em 1 mês (r=0,50; p=0,010). Os esteroides gonadais não mostraram correlação com gonadotrofinas ou doses de agentes imunossupressores. A presença de hipogonadismo não foi relacionada à TFGe ou doses de agentes imunossupressores.

Homa-IR, resistência à insulina, e eixo HHG

Na amostra total, o HOMA-IR em 1 mês foi de 2,64 (1,76-2,99) vs 2,30 (1,54-2,83) em 12 meses (p=0,546); a resistência à insulina (RI) foi evidente em 56% (n=14) dos pacientes em 1 mês e 36% (n=9) em 12 meses (p=0,256) (Tabela 2). Nas mulheres, a RI foi evidente em 42% em 1 mês versus 33% em 12 meses (p=0,99); nos homens, a RI foi observada em 69% em 1 mês versus 38% em 12 meses (p=0,237) (Tabela 3). Em 1 mês, o HOMA-IR em mulheres foi de 1,97 (1,38-2,65) versus 2,80 (2,31-3,59) em homens (p=0,376). Aos 12 meses, o HOMA-IR em mulheres foi de 2,02 (IIQ 1,46-2,73) versus 2,3 (IIQ 1,74-3,01) em homens (p=0,026). Em 1 mês após o TR, o HOMA-IR mostrou uma correlação negativa com o E2 (r=-0,60, p=0,050) e a T (r=-0,709, p=0,049). Não foi encontrada nenhuma correlação entre HOMA-IR e E2 (p=0,352) ou T (p=0,150) aos 12 meses.

O HOMA-IR em 1 mês após o TR não apresentou correlação com o IMC (r=0,25; p=0,09), duração da diálise (r=0,11; p=0,55), creatinina (r=0,11; p=0,55), ou TFGe (r=0,11; p=0,46). O HOMA-IR aos 12 meses pós-TR foi positivamente correlacionado com o IMC (r=0,52; p=0,011) e a dose de tacrolimus (r=0,53; p=0,016). Não houve associação com creatinina (r=0,11; p=0,59), TFGe (r=0,17; p=0,41), duração da diálise (r=0,27; p=0,28), ou doses de prednisona (r=0,16; p=0,44) ou micofenolato (r=0,38; p=0,07).

Discussão

Distúrbios no eixo HHG são comuns na DRC. Os efeitos específicos da DRC no eixo HHG em mulheres incluem deficiência na ovulação (anovulação, interrupções do ciclo, hipoestrogenismo e baixos níveis de progesterona), sangramento uterino disfuncional, hiperprolactinemia (produção aumentada e clearance reduzido), e menopausa. Em homens, os distúrbios incluem espermatogênese deficiente (redução do volume de ejaculação e porcentagem de espermatozoides móveis, oligospermia ou azoospermia), dano testicular (redução do número de espermatócitos maduros, aplasia de elementos germinativos, atrofia de células de Sertoli, fibrose intersticial e calcificações), esteroidogênese gonadal deficiente, interrupção da liberação de gonadotrofinas e hiperprolactinemia.

O TR bem-sucedido pode restaurar a função do eixo HHG11 Holley JL, Schmidt RJ. Changes in fertility and hormone replacement therapy in kidney disease. Adv Chronic Kidney Dis. 2013 May;20(3):240-5. DOI: https://doi.org/10.1053/j.ackd.2013.01.003
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,22 Aleksova J, Rodriguez AJ, McLachlan R, Kerr P, Milat F, Ebeling PR. Gonadal hormones in the pathogenesis and treatment of bone health in patients with chronic kidney disease: a systematic review and meta-analysis. Curr Osteoporos Rep. 2018 Oct;16(6):674-92. DOI: https://doi.org/10.1007/s11914-018-0483-3
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. Três a 12 meses após o TR, os níveis de FSH, LH e testosterona plasmática, andrógenos (em homens) ou estradiol (em mulheres) são restaurados para o intervalo normal55 Saha MT, Saha HH, Niskanen LK, Salmela KT, Pasternack AI. Time course of serum prolactin and sex hormones following successful renal transplantation. Nephron. 2002;92(3):735-7. DOI: https://doi.org/10.1159/000064079
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. Normalmente, aos 3-4 meses após o TR, há melhora da função sexual e da fertilidade66 Wang GC, Zheng JH, Xu LG, Min ZL, Zhu YH, Qi J, et al. Measurements of serum pituitary-gonadal hormones and investigation of sexual and reproductive functions in kidney transplant recipients. Int J Nephrol. 2010 Jul;2010:612126. DOI: https://doi.org/10.4061/2010/612126
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. Nos homens, verificou-se que a morfologia e a densidade do esperma não mudaram após o TR, porém a motilidade dos espermatozoides melhorou. Foi evidente a normalização de LH, FSH e T e a melhora da função sexual77 Akbari F, Alavi M, Esteghamati A, Mehrsai A, Djaladat H, Zohrevand R, et al. Effect of renal transplantation on sperm quality and sex hormone levels. BJU Int. 2003 Jul;92(3):281-3. DOI: https://doi.org/10.1046/j.1464-410X.2003.04323.x
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. Reinhardt et al.88 Reinhardt W, Kübber H, Dolff S, Benson S, Führer D, Tan S. Rapid recovery of hypogonadism in male patients with end stage renal disease after renal transplantation. Endocrine. 2018 Feb;60(1):159-66. DOI: https://doi.org/10.1007/s12020-018-1543-2
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relataram rápida recuperação do hipogonadismo masculino dentro de 3 meses após o TR, predominantemente em pacientes jovens. Em seu estudo, 18% dos RTR apresentaram hipogonadismo em 1 ano após o TR, principalmente em pacientes mais velhos; uma diminuição na razão E2/T e a normalização de prolactina foram evidentes 4 semanas após o TR.

Em nossa série, encontramos uma melhora do hipogonadismo no primeiro ano após o TR. A relação positiva entre LH, FSH e idade nos permite propor que níveis mais elevados de gonadotrofina em 1 mês após o TR e idade mais avançada prediriam níveis mais elevados de LH e FSH em 1 ano. A persistência de hipogonadismo após 1 ano de TR foi evidenciada em 8%, menor do que a frequência relatada, destacando que RTR com hipogonadismo hipergonadotrófico em 1 mês de TR foram os únicos que persistiram com alteração do eixo HHG.

Diversos fatores, como imunossupressão ou comorbidades, têm sido associados à falta de melhora na função do eixo HHG e ao hipogonadismo persistente. Em nosso estudo, não houve evidência de uma relação entre hipogonadismo, função renal, níveis de prolactina, ou doses de agentes imunossupressores. O hipogonadismo tem sido associado a doenças ósseas, aumento do risco cardiovascular, resistência à insulina, infertilidade, distúrbios do sistema imunológico e diminuição da qualidade de vida99 Mitchell KA. Hypogonadism: evaluation management and treatment considerations. Physician Assist Clin. 2018 Jan;3(1):129-37. DOI: https://doi.org/10.1016/j.cpha.2017.08.009
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. Algumas dessas alterações foram encontradas em RTR, tais como diminuição da virilidade, resistência à insulina, ganho de peso e diabetes de início recente. Idade avançada, histórico familiar de diabetes, etnia, obesidade, estilo de vida sedentário, infecções virais e tratamento imunossupressor são fatores de risco associados1010 Workeneh B, Moore LW, Fong JVN, Shypailo R, Gaber AO, Mitch WE. Successful kidney transplantation is associated with weight gain from truncal obesity and insulin resistance. J Ren Nutr. 2019 Nov;29(6):548-55. DOI: https://doi.org/10.1053/j.jrn.2019.01.009
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,1111 Palepu S, Prasad GV. New-onset diabetes mellitus after kidney transplantation: current status and future directions. World J Diabetes. 2015 Apr;6(3):445-55. DOI: https://dx.doi.org/10.4239/wjd.v6.i3.445
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.

A detecção de RI, e seus fatores relacionados, é essencial, especialmente em RTR. A RI está associada à hiperinsulinemia, hiperglicemia, níveis elevados de adipocina, disfunção endotelial vascular, perfil lipídico anormal, hipertensão e inflamação vascular, os quais favorecem o desenvolvimento de doença cardiovascular aterosclerótica1212 Sinangil A, Celik V, Barlas S, Koc Y, Basturk T, Sakaci T, et al. The incidence of new onset diabetes after transplantation and related factors: single center experience. Nefrologia. 2017 Mar/Apr;37(2):181-8. DOI: https://dx.doi.org/10.1016/j.nefro.2016.11.022
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. Em nossa série, mais da metade dos pacientes apresentou RI, predominantemente homens, com uma alta frequência persistindo aos 12 meses após o TR, apesar das modificações na dieta durante o acompanhamento. Destacamos a associação positiva do HOMA-IR com o IMC e a dose de tacrolimus aos 12 meses após o TR. Os inibidores da calcineurina, incluindo o tacrolimus, têm sido associados ao comprometimento da função secretora de insulina e à redução da sensibilidade à insulina, contribuindo para o desenvolvimento de RI e diabetes de início recente em pacientes com TR13. Os mecanismos fisiopatológicos ainda não estão claros, mas estratégias como o uso de baixas doses de tacrolimus ou everolimus têm sido propostas como uma alternativa para reduzir distúrbios no metabolismo de carboidratos1414 Kim HD, Chang JY, Chung BH, Kim CD, Lee SH, Kim YH, et al. Effect of everolimus with low-dose tacrolimus on development of new-onset diabetes after transplantation and allograft function in kidney transplantation: a multicenter, open-label, randomized trial. Ann Transplant. 2021;26:e927984. DOI: https://doi.org/10.12659/AOT.927984
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. A associação de IMC, tecido adiposo subcutâneo abdominal e tecido adiposo visceral com RI é bem conhecida1515 Mutsert R, Gast K, Widya R, Koning E, Jazet I, Lamb H, et al. Associations of abdominal subcutaneous and visceral fat with insulin resistance and secretion differ between men and women: the Netherlands epidemiology of obesity study. Metab Syndr Relat Disord. 2018 Feb;16(1):54-63. DOI: https://doi.org/10.1089/met.2017.0128
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, mas faltam informações sobre esta associação em RTR, o que faz de nossos resultados um achado relevante. Diversos estudos relataram a relação entre hipogonadismo e RI, principalmente na população obesa, mas faltam estudos sobre essa relação no TR. Em nossa série encontramos uma relação negativa do HOMA-IR com o E2 e a T. A associação entre hipogonadismo e RI é complexa. Clegg et al.1616 Clegg DJ, Brown LM, Woods SC, Benoit SC. Gonadal hormones determine sensitivity to central leptin and insulin. Diabetes. 2006 Apr;55(4):978-87. DOI: https://dx.doi.org/10.2337/diabetes.55.04.06.db05-1339
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propuseram que os esteroides gonadais medeiam a distribuição de gordura corporal e interagem com a mensagem integrada de adiposidade transmitida ao cérebro pela leptina e insulina, resultando em sensibilidade diferencial a esses sinais em homens e mulheres. Os receptores de insulina estão distribuídos em regiões discretas do cérebro, incluindo o hipotálamo; estes receptores medeiam a ingestão de alimentos e o peso corporal. A testosterona regula a sensibilidade periférica e central à insulina através destes receptores1616 Clegg DJ, Brown LM, Woods SC, Benoit SC. Gonadal hormones determine sensitivity to central leptin and insulin. Diabetes. 2006 Apr;55(4):978-87. DOI: https://dx.doi.org/10.2337/diabetes.55.04.06.db05-1339
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. Nas mulheres, o E2 protege os neurônios pró-opiomelanocortina da RI, ao aumentar a excitabilidade neuronal da pró-opiomelanocortina e o acoplamento do receptor de insulina com a ativação do canal TRPC517. Em 1 ano após o TR, esta correlação não foi evidente. Propomos que, apesar da melhora do eixo HHG e seu resultado na homeostase da insulina, diversos fatores relacionados a RI aparecem gradualmente durante o acompanhamento do TR. Nossos resultados deixam em aberto muitas linhas de pesquisa e desenvolvimento futuros.

Os pontos fortes de nosso estudo são sua natureza prospectiva e a inclusão de pacientes jovens com função renal adequada, sem sobrepeso, obesidade, diabetes, neoplasias, doença autoimune, disfunção ou rejeição do enxerto, o que minimiza o viés desses fatores sobre o eixo HHG e sensibilidade à insulina. A limitação do nosso estudo pode ser o tempo de acompanhamento. Propomos a avaliação de alterações do eixo HHG, RI e seus fatores relacionados antes do TR e por um tempo prolongado após o TR. Embora a melhora do eixo HHG seja esperada após o TR, o diagnóstico e o tratamento de hipogonadismo persistente e dos distúrbios metabólicos concomitantes (como RI) devem ser estabelecidos a fim de melhorar o diagnóstico.

Conclusão

O TR bem-sucedido está relacionado à restauração da função do eixo gonadal durante o primeiro ano. O hipogonadismo no período inicial após o TR tem uma correlação negativa com a RI; entretanto, apesar da melhora do eixo gonadal aos 12 meses, a RI persiste e a relação se torna menos significativa. Fatores como o IMC e a dose de tacrolimus têm uma associação direta com o HOMA-IR aos 12 meses após o TR. Independentemente dos níveis de esteroides gonadais, vários fatores podem promover a RI em TR a longo prazo. O diagnóstico e tratamento do hipogonadismo, RI e seus fatores relacionados podem melhorar o prognóstico em RTR.

    Abreviações
  • DRC  doença renal crônica
  • TR  transplante renal
  • RTR  receptores de transplante renal
  • HHG  hipotálamo-hipófise-gonadal
  • LH  hormônio luteinizante
  • FSH  hormônio folículo-estimulante
  • E2  estradiol
  • T  testosterona
  • IMC  índice de massa corporal
  • HOMA-IR  modelo de avaliação da homeostase de resistência à insulina
  • RI  resistência à insulina

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    23 Maio 2022
  • Data do Fascículo
    Jan-Mar 2023

Histórico

  • Recebido
    04 Nov 2021
  • Aceito
    13 Mar 2022
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