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O preço da riqueza* * Altvater, E., O preço da riqueza, São Paulo, Editora UNESP, 1995, 334 pp.

The price of wealth

RESUMO

O artigo revisa o trabalho de E. Altvater lidando com os desafios do esgotamento ambiental para a sobrevivência da humanidade. Mostra a lógica de sua estrutura analítica, construída para demonstrar sua tese central: os crescentes problemas ambientais são inerentes ao desenvolvimento do capitalismo, levando a uma nítida divisão entre um pequeno número de países com altos níveis de consumo de recursos naturais e os demais, pobres, destinados a desempenhar um papel de reservas de recursos naturais para os primeiros. O artigo discute a validade da hipótese deste modelo analítico. Assume como verdadeiro apenas o primeiro, sobre a impossibilidade de difundir para todo o mundo os padrões de produção e consumo euro-americanos sem causar um desastre ambiental. Os outros são vistos como carentes de evidências empíricas ou de argumentos mais sólidos.

PALAVRAS-CHAVE:
Economia ambiental; desenvolvimento sustentável; transição energética; energia solar

ABSTRACT

The paper reviews the work of E. Altvater dealing with the challenges of the environmental depletion to humankind survival. It shows the logic of its analytical structure, built to demonstrate its central thesis: growing environmental problems are inherent to capitalism development, leading to a sharp division between a small number of countries with high levels of natural resources consumption and the others, poor ones, destined to play a role as natural resources reserves for the former. The paper argues about the validity of the hypothesis of this analytical model. It assumes as true only the first one, on the impossibility to diffuse all over the world the Euro-American production and consumption patterns without causing an environmental disaster. The other ones are viewed either as lacking empirical evidence or more solid arguments.

KEYWORDS:
Environmental economics; sustainable development; energetic transition; solar energy

O Preço da Riqueza, de E. Altvater, tem como tese central que a exacerbação dos problemas ambientais é inerente ao processo de desenvolvimento capitalista e conduz inexoravelmente, como duas faces da mesma moeda, a uma polarização entre, de um lado, uma minoria de países com alto nível de consumo de recursos naturais e, de outro, os demais países excluídos destes benefícios, fadados a servirem corno reserva destes recursos e/ou como receptáculos da poluição passível de externalização por parte dos primeiros (como depósito de resíduos perigosos ou como produtores de bens cujos processos produtivos são altamente poluentes).1 1 “Contudo, após estas considerações é preciso indagar se a referência ampla do fordismo fossilista permite a globalização do projeto ambiental e de desenvolvimento. Os aumentos de produtividade pretendidos no processo de desenvolvimento têm como efeitos colaterais ‘o lado da desordem da sistematização’ (cap. 4), a riqueza das nações no Norte condiciona a miséria das nações do Sul (cap. 6), e os regimes do dinheiro, das matérias-primas e da exportação de entropia são regulados de modo tal que as vantagens e desvantagens, uma vez estabelecidas, são consolidadas na concorrência internacional e não removidas (cap. 7). Por fim, o regime dos regimes é o conjunto da ordem mundial estabelecida (cap. 8). Dr. Jekyll e Mr. Hyde são uma e a mesma pessoa. ( ... ) A conclusão é clara. Nos termos das restrições sistémicas e das condições da coerência social, o nivelamento entre o Norte e o Sul não ocorrerá. De um modo mais brutal: numa sociedade mundial capitalista, é inevitável a simultaneidade de desenvolvimento e subdesenvolvimento, de riqueza e miséria, seja no plano global, seja no âmbito das nações” (pp. 309-310). A estrutura analítica articulada para a demonstração desta tese levanta questões essenciais do debate sobre a problemática ambiental e pode ser resumida do seguinte modo: em primeiro lugar, parte da suposição, sem dúvida verdadeira, de que o atual padrão de produção e consumo dos países capitalistas avançados não pode ser generalizado em escala mundial por razões de ordem ecológica - levaria a um aumento insuportável dos níveis globais de poluição e ao esgotamento dos recursos naturais conhecidos.

No entanto, é suposto não ser possível enfrentar o desafio ambiental colocado por este modelo de desenvolvimento através da descoberta de novas fontes de energia e de matérias primas, do aumento da eficiência no seu uso e da introdução de tecnologias pouco poluidoras ou limpas. Nesse sentido, não haveria como se enfrentar o problema ambiental sem mudar radicalmente o atual padrão de produção e consumo. É suposto também que esta mudança no interior do modo de produção capitalista não seria possível porque este padrão lhe é inerente2 2 “Seria possível imaginar um modo de regulação que reduza radicalmente o consumo material e energético, desenvolvendo para esta nova tarefa novas estruturas de ordem econômica e social com baixa entropia, e que mesmo assim seja eficiente no sentido usual, isto é, de acordo com a competitividade internacional? ( ... ) as pessoas fazem de conta que seria possível erigir, no plano nacional, uma economia que poupa o meio ambiente, é eficiente e voltada para o futuro, e que, simultaneamente, corresponda às restrições orçamentárias do fordismo internacional” (pp. 282-283). . Como consequência, pode-se dizer que os benefícios deste padrão de industrialização são bens “oligárquicos”, isto é, o acesso a eles só pode ser garantido a uma minoria em detrimento da grande maioria da população mundial. Esta garantia seria, por sua vez, dada pelos mecanismos reguladores do mercado mundial que “atuam manifestamente, de modo tal que os privilégios da sociedade industrial afluente não sejam ameaçados” (p. 29)3 3 “Já que é impossível que todo mundo efetue gastos materiais e energéticos nos padrões norte-americanos ou da Europa Ocidental (apartamentos individuais, um segundo carro, férias no exterior, bens de consumo do mundo todo a qualquer hora), então é bom que esta situação seja firmada por leis econômicas, pelas imposições objetivas do mercado mundial e pelo regime internacional correspondente” (p. 211). . Estes mecanismos seriam, fundamentalmente, mecanismos financeiros (juros elevados) que conduzem à perpetuação do problema da dívida externa4 4 “(...) a regulação da crise do endividamento impede a industrialização e, por isso, a ampliação da exploração dos recursos naturais globais. O espaço para o aproveitamento das esferas globais como fontes de recursos e depósitos de rejeitos tóxicos permanece prerrogativa dos países industrializados; o regime da dívida cumpriu seu dever” (pp. 220-221, grifos nossos). e de trocas comerciais desiguais (deterioração dos termos de intercâmbio, etc.)5 5 “Um conjunto de muitos fatores é responsável pelo desenvolvimento favorável dos terms of trade para os países industrializados, isto é, pelo provimento barato do modelo fordista de acumulação com matérias-primas e energia” (p. 224). ( ... )”Assim, com alguma cautela, é possível concluir que tanto o regime do endividamento quanto o regime específico da formação dos preços de recursos naturais materiais e energéticos conduziram o modelo de acumulação fordista nos países industrializados, nas ultimas décadas, a não se basear mais nas ilhas nacionais de sintropia, mas na exploração global das reservas de recursos naturais - conforme terms of trade aprimorados para os países industrializados” (p. 237). .

Do ponto de vista estritamente lógico trata-se, sem dúvida, de uma estrutura analítica consistente. O essencial, entretanto, é mostrar as evidências que indicam a validade de suas pressuposições. Assumindo, com o autor, como plausível (e mesmo auto evidente) a pressuposição de partida (impossibilidade de generalização do atual padrão de produção e consumo dos países industriais avançados por razões de ordem ecológica), restam as demais. Considere-se em seguida a segunda pressuposição, sobre a impossibilidade de se enfrentar o desafio ambiental através da descoberta de novas fontes de energia e de matérias-primas, do aumento da eficiência no seu uso e da introdução de tecnologias pouco poluidoras ou limpas. A pergunta básica a se fazer seria: quais as evidências que a tornam plausível? Trata-se, como seria de se esperar, de uma pressuposição controvertida. No entanto, o autor praticamente passa ao largo do debate. A discussão sobre o potencial da energia nuclear (fissão e fusão) é descartada sumariamente com o argumento de que esta forma de energia é perturbadora da coerência do sistema (energético fordista/fossilista), aparentemente devido aos riscos que representa.6 6 “O fordismo fossilista é o conjunto de disposições sobre ilhas de sintropia, de domínio técnico e social de processos de transformação de matéria e de energia, de um modo de vida e de uma cultura de prosperidade material, de eliminação de entropia com estratégias de exteriorização e de controle social e técnico dos riscos. O sistema é coerente e se encontra em condições de reagir a restrições econômicas externas só como conjunto. Quando é preciso alterar um elemento deste sistema coerente, certamente isto não ocorrerá sem efeitos sobre os outros elementos. Por isso, a energia nuclear, e a fusão menos ainda que a fissão, não seria uma alternativa para o sistema energético fordista-fossilista. O controle dos riscos não é possível em todas as sociedades, e, quando isto acontece, trata-se de um ‘Estado nuclear’ autoritário. Na busca de alternativas energéticas, é preciso levar em conta o conjunto do complexo social, econômico e político. Não se pode medir apenas os megawatts que poderiam ser fornecidos por uma fonte de energia” (p. 314). Nenhuma palavra é dita também sobre a controvérsia provocada pelos notáveis avanços observados nos últimos 15 anos no que concerne à eficiência energética e à redução relativa do consumo de recursos naturais, devido principalmente à revolução informática e dos novos materiais. Tampouco se discute seriamente as perspectivas de geração de tecnologias limpas, consideradas, por definição, como incoerentes com o sistema fordista-fossilista.7 7 “É possível reduzir o desperdício do aproveitamento dos recursos naturais e a poluição que ele produz, mas as emissões tóxicas vinculadas ao estilo de vida e ao aproveitamento da sintropia, associadas ao aumento da produtividade (provocado pela competição internacional), não podem ser reduzidas substancialmente, na medida em que constituem a característica essencial do fordismo fossilista” (pp. 304-305).

Se concedermos, entretanto, que esta pressuposição é plausível e com isto admitir que o desafio ambiental não pode ser enfrentado sem uma mudança radical no atual padrão de produção e de consumo, isto não quer dizer logicamente que esta mudança seja necessariamente incompatível com o modo de produção capitalista. É preciso, antes de mais nada, procurar avaliar mais precisamente qual deveria ser este padrão de produção e consumo alternativo sustentável ecologicamente. O critério básico proposto pelo autor é que este padrão se conforme com a disponibilidade de energia solar, que é suposta ser substancialmente menor do que o atual montante de energia obtida a partir dos combustíveis fósseis. Neste ponto cabe assinalar, novamente, a notável ausência de uma discussão minimamente aprofundada de um tema (o potencial de conversão direta de energia solar) que, como era de se esperar, é por demais controvertido para se poder afirmar categoricamente, como é feito, que não há perspectivas (melhoria na taxa de conversão) para a energia solar capazes de torná-la relativamente competitiva.8 8 “Atualmente, modelos de tecnologia de energia solar estão em voga ( ... ) Mas urna geração de energia solar para a manutenção dos sistemas fordistas estabelecidos não pode funcionar. O fluxo energético do Sol disponível à transformação energética ( ... ) é muito pequeno, muito pouco concentrado e muito difícil de ser transportado e armazenado, para que os sistemas fordistas possam simplesmente ser adaptados a esta nova fonte de energia” (p. 315).

Por outro lado, é espantoso que residências individuais estejam incluídas entre os bens de consumo incompatíveis com a sustentabilidade ecológica9 9 Ver nota 4 acima. Além das residências individuais, pode-se questionar também os demais bens de consumos identificados pelo autor como ecologicamente insustentáveis: a) disponibilidade de bens de consumo importados: esta resulta de um ativo intercâmbio comercial mundial. Qual o problema ambiental que isto traz? b) a mesma pergunta se pode fazer em relação ao turismo internacional; c) no caso do segundo carro, não está especificado se se trata de um segundo carro familiar ou individual; de qualquer modo, a discussão séria neste caso não é levantada, que é aquela do papel do transporte individual no futuro. .

Assumindo, mais uma vez, como correta a hipótese do autor sobre o potencial da energia solar, caberia precisar ainda porque um perfil de consumo energético mais modesto é incompatível com o modo de produção capitalista. O principal argumento avançado é aquele da contradição com a “lógica do processo de acumulação capitalista”, que se traduz numa busca permanente de aumento de produtividade, o qual implicaria, necessariamente, a pressão contínua da demanda por energia e recursos naturais.10 10 “O fatal nesta nessa situação é que o sistema econômico coerente precisa ter como output o maior crescimento possível de produtividade, e em qualquer situação o aumento de produtividade representa (se abstrairmos de aperfeiçoamentos organizacionais e melhorias no fluxo de informações) um aumento da exploração de recursos naturais” (p. 311). Um segundo argumento recorre à ideia (que nos parece bastante fecunda para outros propósitos) de alta “entropia social”, característica das sociedades industriais. Esta exigiria como condição para a manutenção da coerência social destas sociedades um alto consumo de recursos naturais (baixa entropia)11 11 “Por conhecerem apenas um critério, o da igualdade necessária dos cidadãos, as sociedades democráticas são socialmente de alta entropia ( ... )” (p. 57). “A discussão dos conceitos de entropia e sintropia permitiu concluir, entre outras coisas, que, justamente em face do entropismo social de modernas sociedades industriais, a produção e conservação de coerência só pode ser possível mediante o fornecimento de energia, e que processos dissipativos produzem caos e desordem” (p. 63). .

Com relação ao primeiro argumento, cabe dizer, inicialmente, que não é verdade que o aumento de produtividade implique necessariamente o aumento do consumo de recursos naturais. Maior produtividade quer dizer simplesmente maior produção de bens e serviços por unidade de trabalho. Pode-se, portanto, obter um aumento de produtividade com produção igual, mas um menor volume de trabalho. Além disso, como foi mencionado acima, é possível aumentar a quantidade de bens e serviços disponíveis sem aumentar (ou mesmo diminuindo) a pressão sobre as fontes de recursos naturais. Por sua vez, o argumento da alta entropia social das sociedades industriais se encontra pouco desenvolvido, não estando especificados quais, nem porque, os demais critérios, além daquele sobre a “igualdade necessária dos cidadãos”, seriam fundamentais para que as sociedades democráticas funcionem com um nível baixo de entropia social.

Por último, cabe considerar a hipótese de que os mecanismos reguladores do mercado mundial são instrumentos para manter as desigualdades necessárias para garantir aos países industrializados as reservas mundiais de energia fóssil e de recursos naturais. Trata-se de uma hipótese forte de difícil, mas não necessariamente impossível, demonstração. Infelizmente, o que parece ser destinado a esta demonstração é simplesmente a constatação das dificuldades comerciais e financeiras da grande maioria dos países periféricos. Nenhuma evidência é apresentada que indique qualquer intencionalidade das economias capitalistas avançadas de causar tais problemas com o objetivo de se reservar o uso exclusivo das reservas de energia e recursos naturais.

Em síntese, a realidade atual de exacerbação dos problemas ambientais inspira o autor a argumentar num plano teórico sobre sua inelutabilidade como inerente à lógica do processo de acumulação capitalista. Os possíveis fatores “contra restantes” não seriam capazes de anular esta tendência. Somente a mudança para um outro modo de produção (“solar”) resolveria o problema.12 12 “Em outras palavras: assim como a transição para a exploração das fontes fósseis de energia possibilitou a formação de uma nova sociedade, ou seja do capitalismo industrial, assim também a transição para uma era solar só poderá ocorrer quando surgir um modo de produção e de vida solar” (p. 315). Resta saber como ocorrerá esta mudança. Os instrumentos de política ambiental disponíveis, sejam eles de mercado (regulação “coaseana” pela definição de direitos de propriedade ou intervenção “pigouveana” através da precificação dos bens ambientais), ou de “comando e controle” (definição de normas, padrões, etc., pelo Estado) não teriam condições de resolver o problema porque pressupõem uma consciência clara da sociedade sobre o grau da ameaça ambiental, a ponto de aceitar mudar radicalmente seu modo de vida. Esta consciência tende a ser toldada pelas incertezas inevitáveis na avaliação dos impactos ambientais confrontadas com os benefícios óbvios do atual padrão de consumo. Os danos ambientais visíveis são considerados como um preço a pagar pelo progresso, especialmente tendo-se em conta que este preço deverá ser pago por outros que não aqueles que se beneficiam de seus frutos13 13 “Na medida em que os efeitos externos não podem ser demonstrados cientificamente com certeza absoluta (por exemplo, se os efeitos das descargas dos automóveis, nos termos do efeito estufa, não podem ser quantificados), então o efeito externo não pode ser contraposto aos resultados internamente úteis do automóvel. A sociedade pode continuar seus balanços sombrios, mesmo que, a cada vez, mais espécies figurem nas listas vermelhas ( ... ) A transformação da natureza é aceita como efeito colateral de um processo econômico definido como necessário, os danos ambientais são contabilizados como preço do progresso, sobretudo quando o preço deverá ser pago por outros que não os que se apropriaram dos frutos do progresso” (pp.142-143). . Desse modo, cabe perguntar se a mudança ocorrerá pelo agravamento das “contradições ambientais” do modo de produção capitalista14 14 Considerando os fundamentos marxistas da análise do autor, poderia se dizer que algo como uma “lei da exacerbação tendencial dos problemas ambientais” viria assim a se sobrepor às demais “leis” de tendência que expressam as contradições básicas do modo de produção capitalista (baixa tendencial da taxa de lucro, tendência à pauperização relativa da classe trabalhadora etc.), como causa principal de sua derrocada. ou se será necessária uma ação revolucionária solar.

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    “Contudo, após estas considerações é preciso indagar se a referência ampla do fordismo fossilista permite a globalização do projeto ambiental e de desenvolvimento. Os aumentos de produtividade pretendidos no processo de desenvolvimento têm como efeitos colaterais ‘o lado da desordem da sistematização’ (cap. 4), a riqueza das nações no Norte condiciona a miséria das nações do Sul (cap. 6), e os regimes do dinheiro, das matérias-primas e da exportação de entropia são regulados de modo tal que as vantagens e desvantagens, uma vez estabelecidas, são consolidadas na concorrência internacional e não removidas (cap. 7). Por fim, o regime dos regimes é o conjunto da ordem mundial estabelecida (cap. 8). Dr. Jekyll e Mr. Hyde são uma e a mesma pessoa. ( ... ) A conclusão é clara. Nos termos das restrições sistémicas e das condições da coerência social, o nivelamento entre o Norte e o Sul não ocorrerá. De um modo mais brutal: numa sociedade mundial capitalista, é inevitável a simultaneidade de desenvolvimento e subdesenvolvimento, de riqueza e miséria, seja no plano global, seja no âmbito das nações” (pp. 309-310).
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    “Seria possível imaginar um modo de regulação que reduza radicalmente o consumo material e energético, desenvolvendo para esta nova tarefa novas estruturas de ordem econômica e social com baixa entropia, e que mesmo assim seja eficiente no sentido usual, isto é, de acordo com a competitividade internacional? ( ... ) as pessoas fazem de conta que seria possível erigir, no plano nacional, uma economia que poupa o meio ambiente, é eficiente e voltada para o futuro, e que, simultaneamente, corresponda às restrições orçamentárias do fordismo internacional” (pp. 282-283).
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    “Já que é impossível que todo mundo efetue gastos materiais e energéticos nos padrões norte-americanos ou da Europa Ocidental (apartamentos individuais, um segundo carro, férias no exterior, bens de consumo do mundo todo a qualquer hora), então é bom que esta situação seja firmada por leis econômicas, pelas imposições objetivas do mercado mundial e pelo regime internacional correspondente” (p. 211).
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    “(...) a regulação da crise do endividamento impede a industrialização e, por isso, a ampliação da exploração dos recursos naturais globais. O espaço para o aproveitamento das esferas globais como fontes de recursos e depósitos de rejeitos tóxicos permanece prerrogativa dos países industrializados; o regime da dívida cumpriu seu dever” (pp. 220-221, grifos nossos).
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    “Um conjunto de muitos fatores é responsável pelo desenvolvimento favorável dos terms of trade para os países industrializados, isto é, pelo provimento barato do modelo fordista de acumulação com matérias-primas e energia” (p. 224). ( ... )”Assim, com alguma cautela, é possível concluir que tanto o regime do endividamento quanto o regime específico da formação dos preços de recursos naturais materiais e energéticos conduziram o modelo de acumulação fordista nos países industrializados, nas ultimas décadas, a não se basear mais nas ilhas nacionais de sintropia, mas na exploração global das reservas de recursos naturais - conforme terms of trade aprimorados para os países industrializados” (p. 237).
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    “O fordismo fossilista é o conjunto de disposições sobre ilhas de sintropia, de domínio técnico e social de processos de transformação de matéria e de energia, de um modo de vida e de uma cultura de prosperidade material, de eliminação de entropia com estratégias de exteriorização e de controle social e técnico dos riscos. O sistema é coerente e se encontra em condições de reagir a restrições econômicas externas só como conjunto. Quando é preciso alterar um elemento deste sistema coerente, certamente isto não ocorrerá sem efeitos sobre os outros elementos. Por isso, a energia nuclear, e a fusão menos ainda que a fissão, não seria uma alternativa para o sistema energético fordista-fossilista. O controle dos riscos não é possível em todas as sociedades, e, quando isto acontece, trata-se de um ‘Estado nuclear’ autoritário. Na busca de alternativas energéticas, é preciso levar em conta o conjunto do complexo social, econômico e político. Não se pode medir apenas os megawatts que poderiam ser fornecidos por uma fonte de energia” (p. 314).
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    “É possível reduzir o desperdício do aproveitamento dos recursos naturais e a poluição que ele produz, mas as emissões tóxicas vinculadas ao estilo de vida e ao aproveitamento da sintropia, associadas ao aumento da produtividade (provocado pela competição internacional), não podem ser reduzidas substancialmente, na medida em que constituem a característica essencial do fordismo fossilista” (pp. 304-305).
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    “Atualmente, modelos de tecnologia de energia solar estão em voga ( ... ) Mas urna geração de energia solar para a manutenção dos sistemas fordistas estabelecidos não pode funcionar. O fluxo energético do Sol disponível à transformação energética ( ... ) é muito pequeno, muito pouco concentrado e muito difícil de ser transportado e armazenado, para que os sistemas fordistas possam simplesmente ser adaptados a esta nova fonte de energia” (p. 315).
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    Ver nota 4 acima. Além das residências individuais, pode-se questionar também os demais bens de consumos identificados pelo autor como ecologicamente insustentáveis: a) disponibilidade de bens de consumo importados: esta resulta de um ativo intercâmbio comercial mundial. Qual o problema ambiental que isto traz? b) a mesma pergunta se pode fazer em relação ao turismo internacional; c) no caso do segundo carro, não está especificado se se trata de um segundo carro familiar ou individual; de qualquer modo, a discussão séria neste caso não é levantada, que é aquela do papel do transporte individual no futuro.
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    “O fatal nesta nessa situação é que o sistema econômico coerente precisa ter como output o maior crescimento possível de produtividade, e em qualquer situação o aumento de produtividade representa (se abstrairmos de aperfeiçoamentos organizacionais e melhorias no fluxo de informações) um aumento da exploração de recursos naturais” (p. 311).
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    “Por conhecerem apenas um critério, o da igualdade necessária dos cidadãos, as sociedades democráticas são socialmente de alta entropia ( ... )” (p. 57). “A discussão dos conceitos de entropia e sintropia permitiu concluir, entre outras coisas, que, justamente em face do entropismo social de modernas sociedades industriais, a produção e conservação de coerência só pode ser possível mediante o fornecimento de energia, e que processos dissipativos produzem caos e desordem” (p. 63).
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    “Em outras palavras: assim como a transição para a exploração das fontes fósseis de energia possibilitou a formação de uma nova sociedade, ou seja do capitalismo industrial, assim também a transição para uma era solar só poderá ocorrer quando surgir um modo de produção e de vida solar” (p. 315).
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    “Na medida em que os efeitos externos não podem ser demonstrados cientificamente com certeza absoluta (por exemplo, se os efeitos das descargas dos automóveis, nos termos do efeito estufa, não podem ser quantificados), então o efeito externo não pode ser contraposto aos resultados internamente úteis do automóvel. A sociedade pode continuar seus balanços sombrios, mesmo que, a cada vez, mais espécies figurem nas listas vermelhas ( ... ) A transformação da natureza é aceita como efeito colateral de um processo econômico definido como necessário, os danos ambientais são contabilizados como preço do progresso, sobretudo quando o preço deverá ser pago por outros que não os que se apropriaram dos frutos do progresso” (pp.142-143).
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    Considerando os fundamentos marxistas da análise do autor, poderia se dizer que algo como uma “lei da exacerbação tendencial dos problemas ambientais” viria assim a se sobrepor às demais “leis” de tendência que expressam as contradições básicas do modo de produção capitalista (baixa tendencial da taxa de lucro, tendência à pauperização relativa da classe trabalhadora etc.), como causa principal de sua derrocada.
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    Altvater, E., O preço da riqueza, São Paulo, Editora UNESP, 1995, 334 pp.
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    JEL Classification: Q56; W452; Y30.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    04 Jul 2022
  • Data do Fascículo
    Jul-Sep 1997
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