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O conceito de pré-requisitos para a industrialização

The concept of preconditions for industrialization

RESUMO

Embora A. Gerschenkron, algumas décadas atrás, tenha argumentado de maneira muito convincente que as pré-condições para a industrialização de um país não são rígidas, ainda faz sentido tentar identificar as pré-condições que devem ser aproximadamente cumpridas para que um país possa se industrializar. Essa ideia é aplicada ao Brasil no século XIX.

PALAVRAS-CHAVE:
Industrialização; história econômica do Brasil

ABSTRACT

Although A. Gerschenkron some decades ago argued very convincingly that the preconditions for a country’s industrialization are not rigid nevertheless it still makes sense to try and identify the preconditions that should be approximately fulfilled in order that a country may industrialize. This idea is applied to Brazil in the XIXth century.

KEYWORDS:
Industrialization; economic history of Brazil

1. INTRODUÇÃO

Frequentemente se encontra entre historiadores com pouca formação em Ciências Sociais opiniões no sentido de que um país como o Brasil, seguindo o exemplo britânico, poderia ter iniciado sua industrialização, em princípios do século passado, com somente algumas décadas de defasagem com relação ao país de origem da referida industrialização, o que teria transformado o Brasil de uma sociedade agrícola semi-estagnada em uma próspera sociedade urbano-industrial.

Na percepção de tais pessoas, a sociedade brasileira estaria, naquele momento, adequadamente preparada para essa transformação. Como efetivamente esta não ocorreu nessa época, esses historiadores ficam à procura de fenômenos que, por falta de melhor termo, poderíamos chamar de “externos” à sociedade, para explicar a não-ocorrência da esperada transformação.

Com frequência, o imperialismo britânico é considerado o responsável pelo fracasso observado. Somos alertados para o argumento da indústria nascente, qual seja o de que, tipicamente, para um país que inicia sua industrialização meio tardiamente com relação a outros com os quais mantém relações comerciais, sua indústria, nas fases iniciais, não teria condições de competir com a indústria de seus parceiros comerciais, necessitando de proteção tarifária por algumas décadas para viabilizar a tão almejada industrialização. Somos lembrados dos perniciosos tratados comerciais que o Brasil teve de assinar com a Inglaterra, pelos quais os produtos britânicos entravam no mercado brasileiro com tarifas absurdamente baixas, pelo menos a julgar pelos padrões em vigor nos dias de hoje, isto é, uma tarifa de meros 15%. Somos então convidados a concluir que tal fenômeno teria irremediavelmente atrasado o crescimento industrial brasileiro e que, consequentemente, somos hoje o que somos, isto é, uma sociedade pobre, subdesenvolvida, cheia de problemas, em função das escusas ambições comerciais inglesas.

Algumas vezes a causa de nosso atraso é identificada no comportamento obscurantista da metrópole colonial. Somos lembrados de que, em 1785, D. Maria I assinou um alvará pelo qual ficávamos proibidos de fabricar tecidos finos, e essa proibição, vindo quando veio, levou a uma total desestruturação de uma nascente indústria têxtil, obstaculizando de forma quase irremediável o surgimento de uma indústria local.

Essas colocações, para fazer um mínimo de sentido, têm de pressupor que, em 1785 ou, talvez, em princípios do século passado, uma industrialização poderia ter ocorrido, caso essas “interferências” não tivessem acontecido.

Devo esclarecer ao leitor que não compartilho de tais ideias. Acredito que, para que um fenômeno importante como um processo de industrialização possa ocorrer, uma série de pré-requisitos devem ser preenchidos e que, no caso brasileiro, essas pré-condições não estavam presentes em princípios do século XIX, muito menos em fins do século XVIII. Em função de este tipo de colocação não ser muito bem entendida, especialmente por aqueles que acreditam em versões voluntaristas da história, proponho examinar com mais detalhe a ideia dos pré-requisitos. Um autor que refletiu longamente sobre o assunto foi Marx, num contexto semelhante, qual seja o da transição de uma formação social para outra.

Segundo esse autor, a passagem para uma sociedade socialista só se daria a partir de uma sociedade capitalista avançada, isto é, não existiria a possibilidade de, no linguajar de hoje, queimar-se etapas, de uma sociedade feudal dar um salto rumo ao socialismo, ou de ocorrerem saltos semelhantes de uma sociedade comunista primitiva, por exemplo, diretamente para o capitalismo industrial.

Todas essas transições pressupõem a acumulação de pré-requisitos tecnológicos, organizacionais, institucionais, comportamentais, que, tipicamente, só a formação social imediatamente anterior seria capaz de gerar. Acredito que esse conceito de pré-requisitos para a passagem de um determinado tipo de estrutura econômico-social para outra seja sensato. Isso, entretanto, não quer dizer que devemos ignorar que, historicamente, várias sociedades, com certa criatividade, foram substituindo alguns desses pré-requisitos por outros mais fáceis de serem preenchidos, isto é, até certo ponto, os pré-requisitos puderam ser substituídos uns por outros. Assim, o papel desempenhado pelas poupanças privadas nos investimentos industriais na Inglaterra foi desempenhado pelos bancos de investimento na França ou na Alemanha, e pelo Estado na Rússia (Gerschenkron, 1962GERSCHENKRON, Alexander (1962) Economic Backwardness in Historical Perspective. Cambridge. ). Mas, de qualquer forma, mesmo com essas possibilidades, recursos financeiros precisavam ser gerados para viabilizar os investimentos no setor nascente. Sem estes é que o novo setor não iria surgir. Assim, algum mecanismo de geração de recursos financeiros precisava ser criado para que uma industrialização pudesse se realizar. Nesse sentido, este seria um dos pré-requisitos a serem preenchidos num processo de industrialização. Vamos aos outros pré-requisitos.

2. A TEORIA

Historicamente o que se verifica é que os países que tiveram sucesso no processo de industrialização nos séculos XVIII e XIX tinham uma agricultura que poderíamos chamar de moderna, isto é, uma agricultura em que a introdução de inovações vinha ocorrendo a um ritmo adequado, redundando num significativo aumento de produtividade. Esse aumento de produtividade, dando-se em sociedades agrícolas, isto é, sociedades nas quais a maioria da população estava vinculada à agricultura, teve consequências importantes, em termos de aumentar o poder aquisitivo dessas massas, aumentado o mercado para toda a sorte de produtos, inclusive para os produtos industriais. Além de se refletir nessa expansão do mercado para esses produtos, esse aumento na produtividade do setor agrícola viabilizou a transferência de mão-de-obra do setor agrícola para o setor industrial nascente. Ainda em alguns países, como a Inglaterra, vamos verificar que uma agricultura em expansão gerou recursos que, em parte, foram utilizados em investimentos do novo setor. Assim, podemos sintetizar o papel que uma agricultura moderna teria a desempenhar num processo de industrialização. Tipicamente a agricultura deve estar passando por um processo de aumento de sua produtividade para: a) viabilizar a transferência de mão-de-obra para o setor nascente; b) aumentar o mercado para produtos industriais; c) gerar recursos para o novo setor (ou os novos setores).

À semelhança da agricultura, vamos verificar que, exceção feita à Inglaterra e, talvez, à Dinamarca, em seus processos de transformação dos séculos XVIII e XIX, o Estado teve um papel dos mais importantes a desempenhar. Em industrializações tardias, tipicamente, faz-se necessário a participação do Estado para, em primeiro lugar, investir em setores básicos para viabilizar o processo de industrialização. Uma indústria nascente, para ter sucesso, precisa ter à sua disposição um amplo mercado, não somente em termos de poder aquisitivo, mas em termos de número de consumidores, isto é, os consumidores em potencial precisam se transformar em consumidores de fato, o que quer dizer que o espaço econômico tem de estar integrado. Um aspecto dessa integração é a integração espacial. O espaço econômico precisa estar unificado por um sistema de transportes adequado. De nada adianta produzir, se o consumidor não consegue ter acesso físico às mercadorias produzidas. Tipicamente é o Estado que tem feito investimentos nessa área. São os investimentos necessários em estradas, canais, portos, ferrovias. Embora o setor privado possa auxiliar o Estado nesse propósito, como por exemplo ao assumir a construção de ferrovias ou o desenvolvimento portuário, mesmo nesse caso, o Estado tem de viabilizar essa atividade através de instrumentos legais adequados: ferrovias passam por terras de muitas pessoas, algumas das quais podem não ter nenhum interesse em vendê-las para a ferrovia cuja construção está sendo planejada. Forçosamente, o empresário ferroviário irá necessitar do poder de desapropriação, que só o Estado pode conceder.

Normalmente esse tipo de atividade será desenvolvida como concessão do Estado. Para que a concessão funcione, o Estado tem de ter independência com relação aos “amigos do poder” de modo a selecionar entre os possíveis concessionários aquele que objetivamente reúna as melhores condições. Se as concessões forem feitas aos “amigos do poder”, normalmente o projeto não vingará, inviabilizando, inclusive, que empresários eficientes venham a executá-lo. Assim, podemos ver que, para que o Estado possa desempenhar seu papel, a) seu nível de corrupção ou apego a seus “amigos” deve ser baixo e b) seus funcionários devem ter competência adequada para analisar projetos e selecionar dentre eles os que objetivamente forem melhores. Sendo tais atividades, normalmente, aquilo que se poderia chamaria de monopólios naturais, a cessão do privilégio de exploração pressupõe, também, uma adequada capacidade de o Estado supervisionar tais atividades para que o resto da comunidade não seja lesada e, em especial, as atividades produtivas não sejam penalizadas por tarifas escorchantes.

Também, normalmente, em países que iniciam suas industrializações tardiamente com relação aos seus parceiros comerciais, o Estado terá de proteger a indústria nascente, pelo menos em suas etapas iniciais, até que atinja um volume de produção adequado para que tenha custos unitários baixos e para que o processo de aprendizado seja concluído. Muita proteção pode ser contraproducente, na medida em que viabilize projetos que não têm nenhuma racionalidade econômica, projetos esses que só se sustentarão à base de um assalto ao bolso do consumidor, com uma redução do mercado para produtos que efetivamente poderiam ser produzidos com alguma competência. Pouca proteção pode significar que muitos projetos que seriam viáveis a médio prazo nunca se realizarão. Novamente, o Estado deve ter independência adequada dos grupos de interesse para não cair nem numa nem noutra dessas armadilhas e saber avaliar de forma realista as solicitações que lhe forem feitas.

A educação é outra esfera em que o papel do Estado é de primordial importância. Os primeiros países a se industrializar e aqueles onde a industrialização teve mais sucesso foram também aqueles países onde a educação das massas estava mais avançada. Este foi o caso da Inglaterra, Estados Unidos, Alemanha, Suécia e Japão. Os países mais atrasados educacionalmente tiveram industrializações lentas, muitas vezes interrompidas ou mesmo industrializações parciais. Este foi o caso da Itália e da Rússia, entre outros.

É mais ou menos claro o papel de primordial importância a ser desempenhado pela educação num processo de industrialização. Seria muito difícil conceber um processo de industrialização com altas taxas de analfabetismo adulto. Qual a implicação de altas taxas de analfabetismo num processo de modernização que se processa através da criação de uma indústria moderna? Primeiramente, a falta de pool adequada de empresários em potencial. Atividade como a industrial e a agrícola são atividades cujo sucesso depende das decisões (acertadas) de milhares de empresários que, no mínimo, para poderem inovar precisam, como bem enfatizou Schumpeter, ter conhecimentos técnicos adequados.

Numa sociedade tradicional tais conhecimentos são absorvidos num lento processo de aprendizado de ofícios, no qual a alfabetização talvez tenha pouco papel a desempenhar. Numa sociedade em mudança, as coisas novas terão de ser aprendidas em livros, manuais, cartas, plantas e projetos. Tudo isso pressupõe a capacidade de ler e fazer contas, isto é, pressupõe um indivíduo alfabetizado e capaz de fazer as quatro operações. Se estivermos pensando na possibilidade de incorporar a tecnologia de ponta que possa estar sendo produzida em outros países, tecnologia essa que muitas vezes envolve alguns conhecimentos científicos, então precisaremos ter um pool de indivíduos com uma formação bem mais complexa do que uma mera alfabetização pressupõe. Precisaremos de engenheiros civis, engenheiros mecânicos, engenheiros químicos, enfim, engenheiros de todos os tipos, bem como técnicos em toda a sorte de operações industriais: desde a construção e operação de fornos eficientes até a disposição apropriada de máquinas num galpão industrial. O analfabetismo, portanto, em segundo lugar, implica a inexistência dessa mão-de-obra qualificada para viabilizar o processo. Isto que dizer que o processo dificilmente deslanchará. Se vier a ter início um tal processo, forçosamente terá grande dificuldade em absorver a tecnologia sofisticada que estiver sendo produzida fora, isto é, será incapaz de competir com as sociedades mais avançadas em vários setores. As tarefas simples poderão ser executadas, mas aquelas que envolvem maior sofisticação educacional, de uma forma ou de outra, terão de vir de fora. Virão de fora quer na forma de mão-de-obra especializada que terá de ser importada, quer na forma de máquinas, quer na forma de alguns produtos acabados que a indústria local não terá condições de produzir. Isto é, a industrialização que se produzirá será uma industrialização capenga.

As industrializações, para poderem ocorrer, necessitam, também, da participação de outros setores que lhe são complementares. A indústria normalmente não comercializa diretamente seus produtos junto ao consumidor final: são necessários comerciantes para que o produto chegue àquele. Toda uma rede de atacadistas e varejistas faz-se necessária para que produtos industriais sejam vendidos. Além dos comerciantes com seus vendedores, depósitos, armazéns e lojas, a atividade industrial normalmente se vale de créditos do setor financeiro. O desenvolvimento da indústria necessita de bancos para financiar as operações comerciais, bancos de investimento (ou alguma instituição que desempenhe este papel) para viabilizar os empreendimentos industriais de maior porte, companhias de seguro, para reduzir os riscos de produção, transporte e armazenagem. Se parte das matérias-primas ou das máquinas provém de outros países, são necessários portos com toda a aparelhagem necessária para o embarque, desembarque e armazenagem de produtos de maneira eficiente. É também necessária a presença de companhias de navegação, com seus navios de longo curso e de navegação costeira. Historicamente o que se tem verificado é que todas essas atividades complementares à indústria normalmente aparecem como resultado de um desenvolvimento comercial que antecipou o processo de industrialização. Essa foi a experiência da Inglaterra, França e dos Estados Unidos. Em todos esses países, o desenvolvimento industrial foi antecedido por um grande crescimento no comércio interno e externo. No caso inglês, o desenvolvimento no comércio externo foi de tal magnitude que normalmente costuma se dizer que a Inglaterra passou por uma revolução comercial antes de iniciar sua revolução industrial.

Qualquer industrialização pressupõe igualmente a existência de um mercado pré-existente para os produtos da indústria nascente. Em tese poderíamos pensar que a indústria possa criar seu próprio mercado. Na prática, não funciona assim. Por quê? Para respondermos a tal pergunta, imaginemos como a indústria poderia gerar o seu próprio mercado. Para simplificar a explicação, vamos imaginar que não existisse a moeda e que o pagamento dos trabalhadores se desse em mercadorias. Poderíamos imaginar, então, que os trabalhadores do setor industrial nascente fossem pagos com as mercadorias que eles próprios produzissem. O pagamento das matérias-primas também se daria dessa forma, bem como a remuneração do empresário (o lucro). Todos esses agentes econômicos, provavelmente, consumiram uma pequena parcela dessa mercadoria, mas o grosso do que receberiam como pagamento gostariam de consumir de outra forma, isto é, gostariam de trocar por outros tipos de produtos: por habitação, transporte, serviços os mais variados e produtos agrícolas. Se o resto da economia não tiver condições de aumentar instantaneamente a oferta de tais bens e serviços, o que iria acontecer é que esses bens industriais seriam oferecidos em troca da redução do consumo desses outros bens e serviços por parte de outras pessoas. Isso talvez possa ser conseguido em parte, mas, provavelmente, a quantidade de bens industriais que seria trocada dessa forma seria mínima. Tipicamente os novos bens industriais seriam trocados pelo excedente de produção dos outros setores: do setor agrícola e do setor de serviços. Mas essa troca pressupõe a existência de um excedente nesses setores antes de esses produtos industriais aparecerem no mercado para serem trocados. Ora, é possível conceber-se que os outros setores tenham um excedente a trocar, especialmente se a produtividade nesses outros setores tiver aumentado, mas o montante desse excedente, em geral, não deve ser grande: na realidade deve ser muito pequeno - as pessoas, tipicamente, não trabalham para produzir coisas com as quais não sabem o que fazer. O produtor de produtos industriais, antecipadamente, não sabe o montante desse excedente, nem mesmo se existe. Sua decisão acerca do quanto produzir, nessas circunstâncias, seria um jogo bastante incerto. O que aconteceria se produzisse mais do que a quantidade que os outros setores estariam dispostos a consumir, em troca de seu pequeno excedente (supondo-se que tal exista?). Os trabalhadores, os produtores de matérias-primas e assim por diante, iriam tentar trocar suas mercadorias, só para descobrir que tal troca seria inviável. Próximo passo, os trabalhadores e as outras pessoas que receberam tais mercadorias como pagamento voltariam ao empresário exigindo sua troca por algo aceitável. O empresário, caso tivesse algo para oferecer em substituição às mercadorias entregues como pagamento, ficaria com um certo volume de bens invendáveis e o seu lucro tenderia a desaparecer, inviabilizando o negócio. Para não correr tal risco, tipicamente, o empresário que se decidisse a arriscar nesse jogo muito incerto tenderia a subproduzir com relação ao pequeno volume de excedente de outros produtos. Em outras palavras, o crescimento do setor industrial poderia até ser viável, mas seria um crescimento com grandes riscos e ocorreria a taxas muito baixas. Essas ponderações levam a concluir que a criação da indústria moderna não deve acontecer dessa forma.

Historicamente o que se tem observado é que os processos de industrialização ocorrem em ambientes onde já existe um mercado grande para produtos manufaturados, produtos esses que estão sendo colocados no mercado por um setor artesanal mais ou menos sofisticado, ou estão vindo de fora, na forma de importações. Isso que dizer que, historicamente, a indústria moderna surgiu nos ombros de uma proto-industrialização, que ocorreu meio lentamente ao longo de várias gerações, ou surgiu visando substituir importações. Nesses dois casos, o empresário do setor industrial moderno tem plena consciência dos tipos de produtos que o mercado pode absorver e quanto. Ele sabe até o preço a que esses produtos estão sendo normalmente transacionados. Sabendo o custo da mão-de-obra e das matérias-primas e quanto espera produzir com seu novo método de produção, teria uma ideia bastante razoável de que se poderia ou não competir com a indústria artesanal ou com as importações e poderia, até, ter uma ideia do montante de lucro que poderia ter. Em outras palavras: a indústria moderna, quando surge, aparece para substituir um setor artesanal já existente e/ou para substituir importações. A industrialização nesses moldes, em vez de ser um processo que se estenderia por um longo período de lento crescimento, em geral, se processaria de forma rápida.

3. A EVIDÊNCIA EMPÍRICA PARA O CASO BRASILEIRO

3.1. O nível de renda

A evidência disponível mostra que em princípio do século passado o nível de renda per capita do Brasil situava-se entre 1/6 e 1/7 do nível correspondente dos países mais ricos. Reproduzimos, abaixo, os dados disponíveis, para o ano de 1820 da renda per capita de vários desses países.

Tabela 1:
Renda per capita em US$ de 1970 - estimativas para 1820

Pela tabela, pode-se ver que a renda brasileira só se aproximava da renda alemã. Mesmo assim, era 1/3 desta última, sendo que, como veremos abaixo, em outros aspectos o Brasil estava muito atrás da Alemanha.

Tais dados poderiam ser complementados por evidência de natureza qualitativa. Após a abertura dos portos às nações amigas, os estrangeiros, que até então tinham tido um acesso muito limitado ao país, fluíram em grandes números. Expedições foram organizadas para catalogar a fauna e flora, bem como os costumes dessa terra desconhecida. Dessas expedições restam vários relatos acompanhados de pinturas, aquarelas e desenhos como os de Rugendas, Taunay, Florence e Debret, que mostram uma sociedade pobre, pelos padrões europeus. Só para citar um exemplo, consideremos o nível das construções na capital, Rio de Janeiro. Em princípios do século passado, as casas, mesmo as mais abastadas, tipicamente, desconheciam o vidro como elemento de construção. As janelas tinham rótulas, em vez de vidraças, o que causava uma péssima impressão a esses viajantes, pois um elemento comum na Europa desde fins da Idade Média era praticamente desconhecido no Brasil. O primeiro estabelecimento produtor de vidros no Brasil se instala somente após a chegada da família real. Os móveis que vamos encontrar nessas casas eram poucos e simples. Normalmente uma casa tinha em sua sala principal uma mesa com uma bancada e pouco mais (Nizza da Silva, 1994NIZZA DA SILVA, Maria Beatriz (1994) Vida privada e quotidiano no Brasil na época de D. Maria I e D. João VI. Lisboa, Referência/Estampa. , pp. 205-216). Usavam-se esteiras e redes para fazer as vezes de assentos. O piso das casas mais abastadas era de madeira, nas casas mais pobres era de terra batida. Elementos cerâmicos, exceção feita aos famosos ladrilhos portugueses usados nas casas muito ricas, eram praticamente desconhecidos. Diferentemente do que nos mostram os desenhos de interiores de casas inglesas, francesas e holandesas do período, onde os pisos de cerâmica estão quase sempre presentes, no Brasil estão sempre ausentes. Igualmente, em contraste com as grandes cidades europeias, onde em princípios do século XIX a água já era distribuída via encanamento para quase todas as ruas e, no caso de casas da burguesia, diretamente para dentro da casa (Derry e Williams, 1960DERRY, T. K. & WILLIAMS, Trevor (1960) A Short History of Technology. New York, Dover, 1993. Primeira edição inglesa, 1960. , p. 421), no Rio de Janeiro a distribuição de água se dava através de alguns chafarizes e, destes, através de vendedores de água negros, para as residências (Graham, 1824GRAHAM, Maria (1824) Diário de uma viagem ao Brasil. Belo Horizonte, Itatiaia , 1990. Primeira edição em inglês, 1824. , p. 204).

Os prédios públicos como igrejas, quartéis, teatros e tribunais ficavam muito a desejar em termos de suntuosidade com relação aos seus congêneres europeus. Veja-se, por exemplo, o caso das igrejas do barroco brasileiro. Algumas são bonitas, mas a pobreza em termos de construção em comparação com as suas equivalentes em países como a Áustria, a República Checa, a Itália e a Alemanha chamam a atenção do observador. O Pelourinho é muito interessante, mas pouco tem a ver com a riqueza de um barroco de uma cidade como Praga. Ao passo que na Europa o elemento de construção é a pedra - o mármore, o granito e a ardósia -, aqui o elemento é o tijolo, o barro socado e a madeira (Kidder, 1845KIDDER, Daniel P. (1845) Reminiscências de viagens e permanências nas províncias do Sul do Brasil. Belo Horizonte, Itatiaia , 1980. Primeira edição americana, 1845. , p. 206). O Louvre é um edifício que tipifica o nível das construções públicas europeias de um período anterior à revolução industrial. Foi construído entre os séculos XVI e XVII (teve sua colunata concluída por Perrault em 1667). Assim, antecede à fase dos grandes exageros em gastos com construções públicas das sociedades europeias, exageros que culminaram com a construção de edifícios de grande suntsidade como Versalhes e suas imitações, podendo, portanto, servir de parâmetro para se avaliar as construções em outras sociedades. Se procuramos algo equivalente no Brasil, com certeza nada encontraremos. Como também não vamos encontrar nada no Brasil que seja sequer vagamente semelhante às mansões georgianas inglesas do século XVIII. Nada semelhante às igrejas romanas de S. Andréa AI Quirinal, S. Andréa Della Valle e muitas outras. Tudo isso está a atestar uma sociedade pobre, como os dados da renda per capita sintetizam.

E o ouro que o Brasil produziu, irá perguntar o leitor? O ouro que aqui foi produzido, primeiramente, não foi muito. O Brasil produziu, entre 1500 e 1900, 43 mil onças, enquanto no mesmo período a Rússia produziu 63 mil, os Estados Unidos, 115 mil, a Austrália, 91 mil, a Colômbia, 43 mil, isso sem mencionar a Hungria, que produziu 17 mil, a Nova Zelândia, que produziu 13 mil, e a África do Sul, que produziu 21 mil. Só neste século, entre 1900 e 1925, os Estados Unidos produziram quase tanto quanto no período anterior, 94 mil, e a África do Sul, 178 mil, enquanto a Austrália ficava com 54 mil. De todo o ouro produzido no mundo entre 1493 e 1925, o Brasil contribuiu com 3,91% (Woytinsky e Woytinsky, 1953WOYTINSKY, W S. & WOYTINSKY, E. S. (1953) Word Population and Production. New York: The Twentieth Century Fund. , p. 815).

Em segundo lugar, boa parte do ouro se consumiu na aquisição de negros para a lavra do produto e na importação de meios de subsistência (Mello e Souza, 1982MELLO E SOUZA, Laura de (1982) Desclassificados do ouro - a pobreza mineira no século XVIII. Rio de Janeiro, Graal. , p. 28, citando trabalho de Wilson Cano), tanto que, em 1776, a maioria da população (77,9%) da província de Minas Gerais era composta de mestiços e negros (Mello e Souza, 1982MELLO E SOUZA, Laura de (1982) Desclassificados do ouro - a pobreza mineira no século XVIII. Rio de Janeiro, Graal. , p. 141).

Em síntese, mesmo com o ouro produzido, o Brasil era pobre, com uma renda per capita muito baixa. Só em fins dos anos 40 de nosso século é que a renda per capita brasileira iria atingir o nível que a renda inglesa atingiu em 1700 (veja apêndice 5. APÊNDICE Tabela 9: Evolução das rendas dos EUA, Grã-Bretanha e Brasil Ano Grã-Bretanha EUA Brasil 1700 277 1760 327 1800 357 468 60 1810 385 448 46 1820 438 373 63 1830 518 369 49 1840 587 523 58 1850 672 592 86 1860 830 712 99 1870 936 766 108 1880 1015 973 105 1890 1180 1162 108 1900 1312 1402 90 1910 1347 1701 115 1920 1422 1903 138 1930 1582 2113 175 1940 2001 2385 219 1950 2094 3211 291 1960 2640 3716 419 1970 3297 4825 575 1980 3981 6055 1031 Fontes: Grã-Bretanha: calculado a partir de Maddison (1982). EUA: calculado a partir de Maddison (1982). para todos os anos, exceto 1800, 181 O, 1830 e 1840, para os quais ajustou-se a tendência observada em Williamson (1951). Brasil: calculado a partir de Goldsmith (1986). para todos os anos a partir de 1850. Para o período anterior, foi ajustada a tendência observada para as exportações per capita, em termos reais, exceto para os anos de retração, quando a queda foi ajustada em 75% da queda das exportações. ).

3.2. Mercado para alguns produtos e população

A revolução industrial, nos primeiros países a se industrializar, começou pelos setores têxtil e siderúrgico. Seria interessante poder se aquilatar quão próximo ou distante estava o Brasil desses países em termos de mercado para os produtos desses dois setores. Temos algumas estimativas do consumo dos têxteis mais importantes para a Inglaterra nos séculos XVIII e XIX, bem como algumas estimativas para o Brasil no século XIX e princípios do século XX.

Tabela 2:
Consumo de Têxteis na Inglaterra e no Brasil

Como podemos perceber pela tabela acima, em perfeita sintonia com os dados da renda per capita, o mercado brasileiro para têxteis, em princípios do século passado, era diminuto, se comparado com aquele existente à época para a Inglaterra. O mercado brasileiro só irá atingir os níveis observados na Inglaterra de princípios do século XIX em princípios dos anos 20 deste século. Além de ser um mercado pequeno, era fragmentado. A população brasileira em 1800, pelas estimativas de Mortara, andava por volta dos 3,300 milhões de habitantes, aumentando para 7,230 milhões em 1850 (IBGE, 1961IBGE (1961) Contribuições para o estudo da demografia no Brasil. Rio de Janeiro, IBGE. , p. 41). Para fins de comparação, a população do Reino Unido já era de 9 milhões em 1700, sendo de 20 milhões em 1820 (Maddison, 1982MADDISON, Angus (1982) Phases of Capitalist Development. Oxford, Oxford University Press. , p. 1982, p. 180). Só a Inglaterra tinha 9 milhões em 1800 e 12 milhões em 1820 (Bairoch, 1963BAIROCH, Paul (1963) Revolución Industrial y Subdesarrollo. México, Siglo Veintiuno. Primeira edição em francês, 1963. , p. 235). Se olharmos para o mapa da Inglaterra, veremos que compreende uma área pequena, com talvez pouco mais da metade da área do estado de São Paulo, sendo que não possui grandes obstáculos naturais ao transporte, com a vantagem de ser circundada pelo mar, o que facilitava, em muito, o transporte por cabotagem. O Brasil, em contrapartida, tinha a sua pequena população espalhada por uma vasta área que ia desde o Pará ao Rio Grande do Sul, com contingentes significativos fora da área litorânea, como era o caso da Província de Minas Gerais, que, em princípios do século XIX, contava com 15% ou mais da população do país. Mesmo se admitirmos que só 5% da área do Brasil estivesse ocupada, isso nos daria as seguintes densidades populacionais, para a primeira metade do século passado.

Tabela 3:
Densidade Populacional Hab/Km2

Além de ser pequena, esta população estava, como vemos, distribuída sobre uma extensa área que tinha o agravante de se estender de norte a sul na forma de uma longa faixa de mais 5000 km de extensão por 80 km de largura - uma situação totalmente diferente daquela da Inglaterra, onde a população estava concentrada numa pequena área que se aproxima de um trapézio, com nenhum ponto deste distando mais do que 400 km de seu centro (cidade de Coventry). Isso quer dizer que o mercado de produtos têxteis não só era muito pequeno como totalmente pulverizado.

A situação do mercado de ferro e aço no Brasil, em princípios do século passado, era bastante semelhante ao de produtos têxteis. Era diminuto. A tabela a seguir sintetiza a situação.

Como podemos ver pela tabela 4 (abaixo), por volta de 1825, o mercado inglês era, em termos globais, 640 vezes maior que o brasileiro, sendo que o consumo per capita inglês era 250 vezes maior que o brasileiro. Mesmo se admitirmos que a estimativa de Eschwege, para princípios do século XIX, era por demais baixa, e que o consumo deveria andar mais próximo da estimativa que temos para fins do século anterior, mesmo assim, o consumo per capita brasileiro seria setenta vezes menor que o inglês em 1825. Só em 1910 é que o consumo per capita do Brasil irá atingir os níveis que a Inglaterra tinha atingido 140 anos antes. Em princípios do século passado o consumo era tão baixo que Eschwege estimava que, com um mercado tão reduzido, bastaria um único alto forno para suprir de ferro toda a Província de Minas Gerais.

Tabela 4:
Consumo Aparente de Ferro

3.3. O nível educacional e as técnicas produtivas

A revolução industrial de fins do século XVIII e inícios do século XIX foi, entre outras coisas, uma revolução nas técnicas, envolvendo o uso de inovações como a máquina a vapor de Newcomen, Watt e Trevithick no processo produtivo, bem como a sua aplicação no desenvolvimento de novos tipos de produtos como os barcos a vapor e as locomotivas. Correspondeu ao uso das novas máquinas de descaroçar de Whitney, de fiar de Arkwright e Hargraves e de tecer de Jacquard e Cartwrigt, bem como ao uso crescente do carvão mineral em substituição ao carvão vegetal no setor siderúrgico e à aplicação de novas formas de organizar a produção tipificadas pelas fábricas e à aplicação crescente da ciência aos processos produtivos, movimento este que, iniciando-se com a descoberta do processo Leblanc em 1971 e passando pela descoberta de Liebig da importância dos fertilizantes na produtividade do solo, descoberta essa que incentivou a produção de superfosfatos na Inglaterra nos anos 40, culminou com as grandes inovações na indústria siderúrgica e com os grandes sucessos no desenvolvimento dos corantes artificiais, isto é, das anilinas, após sua descoberta por Perkin em 1856. Todos esses tipos de formas novas de fazer as coisas implicavam, como já observamos, uma grande capacidade de aprender através projetos, plantas, manuais, livros e cartas. Não é de estranhar que os primeiros países a se industrializar foram exatamente aqueles que tinham os índices educacionais mais elevados.

A tabela abaixo sintetiza a situação de vários países europeus nessa fase.

Tabela 5:
Taxas de Alfabetização Adultos(%)

Apresentamos, agora as taxas correspondentes para o Brasil.

Tabela 6:
Taxas de Alfabetização - Adultos (20 anos ou mais ) %

Podemos ver que o Brasil atingiu a taxa de 50%, comum na Europa do Norte nos primórdios da industrialização, só nos anos 50 deste século, sendo que em princípios do século passado as taxas de alfabetização eram excepcionalmente baixas. Isso não era de estranhar num país de colonização católica mediterrânea, onde a imprensa só pôde surgir depois da liberalização político-econômica decorrente da vinda da família real portuguesa em 1808. Data também dessa época os primeiros exercícios no estabelecimento de escolas de ensino superior no país. A Academia de Ensino da Marinha foi criada em 1808; a Academia Militar Real foi fundada em 1810. Nestas, além das matérias próprias de uma escola militar, ensinava-se Matemática, Física, Química e Metalurgia. Foi da Academia Militar que, posteriormente, surgiu a Escola Politécnica (Pires de Almeida, 1889PIRES DE ALMEIDA, José Ricardo (1889) História da instrução pública no Brasil (1500-1889). São Paulo. PUC, 1989. Primeira edição em francês, 1889. , p. 4 7). Em 1827 criam-se os cursos jurídicos de Olinda e São Paulo e em 1832 a Faculdade de Medicina. Muitas melhorias no ensino primário e secundário foram também observadas nesse período. Em 1837, um decreto transforma o Seminário de São Joaquim no Colégio Pedro II, que tanto impacto teria posteriormente no ensino secundário brasileiro. Na década de 60 do século passado, o Brasil contava com seis escolas de ensino superior, afora as academias militares, a saber: as faculdades de direito de Recife e São Paulo, as faculdades de medicina do Rio e Bahia e as escolas de farmácia do Rio e Bahia. Em 1874 é criada a Escola Politécnica, a partir da antiga Escola Central (Pires de Almeida, 1889PIRES DE ALMEIDA, José Ricardo (1889) História da instrução pública no Brasil (1500-1889). São Paulo. PUC, 1989. Primeira edição em francês, 1889. , p. 146) e, no ano seguinte, cria-se a Escola de Minas de Ouro Preto. A Escola Politécnica de São Paulo só veio a ser criada em 1894 e a Escola de Engenharia Mackenzie em 1896. Data de 1895 o primeiro curso de engenharia mecânica oferecido na Politécnica do Rio (Souza e Gordon, 1994SOUZA, Maria Luiza & GORDON, Hélio Júlio (1994) “Indústria e tecnologia metal-mecânica em São Paulo - 1880-1980”. In Motoyama, Shozo (org.) Tecnologia e industrialização no Brasil. São Paulo, UNESP. , p. 387). Data de fins dos anos 50 o surgimento das primeiras escolas profissionalizantes de alguma expressão, como o Liceu de Artes e Ofícios do Rio (fundação: 1857).

Apesar de todos os esforços, o ensino no Brasil deixou muito a desejar. Em 1875, o país contava com cerca de 6,200 mil estabelecimentos de ensino primário e secundário, frequentados por, talvez, 190 mil alunos. Nessa época, a população em idade escolar deveria estar por volta de 2,400 milhões. Isso quer dizer que só cerca de 7% das crianças nessa faixa de idade frequentavam a escola. Também pela relação feita acima dos tipos de estabelecimentos de ensino superior, percebe-se que, exceção feita às escolas militares, o ensino técnico-científico era praticamente inexistente, pelo menos até quase fins do século. Além de só atingir uma pequena parcela da população, os padrões de nosso ensino e aprendizado eram baixíssimos.

Assim se expressou um inspetor geral, em 1855: “A maioria dos alunos que se apresentaram aos exames e que, depois dos certificados passados pelos seus professores, deveriam ser considerados como suficientemente instruídos, ignoravam os mais elementares princípios da Gramática da língua nacional e não sabiam responder às mais simples questões de seus examinadores. As composições escritas de quase todos eles apresentavam uma reunião de palavras sem nenhum sentido, frases sem ligação e sem significação ... A comissão de exame, usando mais indulgência que severidade, viu-se na lamentável necessidade de reprovar trinta e oito alunos dos quarenta e oito examinados” (apud Pires de Almeida, 1889PIRES DE ALMEIDA, José Ricardo (1889) História da instrução pública no Brasil (1500-1889). São Paulo. PUC, 1989. Primeira edição em francês, 1889. , p. 88).

Todo esse fraco desempenho certamente era resultado daquilo que um viajante americano qualificou como” ... métodos (de ensino) ... fradescos, ineficientes e retrógrados” (Kidder, 1845KIDDER, Daniel P. (1845) Reminiscências de viagens e permanências nas províncias do Sul do Brasil. Belo Horizonte, Itatiaia , 1980. Primeira edição americana, 1845. , p. 241).

Boas intenções não faltaram: legislou-se, e muito, acerca do assunto, como se o simples ato de boa vontade legislativa resolvesse o problema. Como observa Iglésias, com relação a Minas: “O que não se entende bem é o excesso de leis inteiramente inúteis: autorizações e regulamentos que de antemão eram sabidamente feitos no ar, pois as escolas não teriam realidade. Os políticos da Província abusaram do direito de ser abstratos, de resumir a atividade a leis, como se o ato de simples criação fosse o bastante para cumprimento de seus deveres e para a existência de estabelecimentos que requerem mais que boa vontade, discursos e decretos” (Iglésias, 1958IGLÉSIAS, Francisco (1958) Política econômica do Governo Provincial Mineiro (1835-1889). Rio de Janeiro, MEC. , p. 147).

Além da baixa qualidade, o ensino secundário era voltado para o preparo dos alunos para os cursos jurídicos e médicos, com uma total falta de preparo para outras áreas. Assim se expressou Gonçalves Dias, em 1852DIAS, Antônio Gonçalves (1852) “Instrução pública em diversas províncias do Norte”. In Pires de Almeida. História da instrução pública no Brasil (1500-1889). São Paulo, PUC, 1989. , em seu relatório sobre o ensino no norte e nordeste do país: “É lastimável que todos os nossos estabelecimentos de instrução secundária convidam as inteligências do país para ... o exclusivismo médico e jurídico, com o que dentro em pouco, e já na atualidade lhes vai faltando ocupação e emprego. Pois ao lado desses estabelecimentos, que preparam para as Academias ... conviria criar outros, que preparassem para a vida mecânica, mas inteligente, e às outras materialmente produtivas, - de modo que se fosse trabalhando no desenvolvimento de nossa indústria e Comércio, e no aproveitamento de nosso solo e produções. Em uma quadra em que tanto se fala em melhoramentos materiais, deveria ser dominante o pensamento destas criações, que só elas podem garantir o futuro desses projetados melhoramentos, se não queremos mendigar de contínuo recursos de inteligências estranhas, aproveitando homens no seu próprio país ... “ (Dias, 1852DIAS, Antônio Gonçalves (1852) “Instrução pública em diversas províncias do Norte”. In Pires de Almeida. História da instrução pública no Brasil (1500-1889). São Paulo, PUC, 1989. , p. 350).

Ou, como observa Iglésias acerca da Província de Minas: “ E nas terras de Minas - como em outras províncias -, ao longo do século XIX, instalam-se colégios e aulas de francês, latim, filosofia e retórica. O ensino primário era deficiente. Encontramos diversos depoimentos de que o nível do professorado era péssimo: homens e mulheres quase analfabetos foram mestres, como se vê em relatórios e na correspondência oficial. Escolas não puderam funcionar por falta de gente habilitada para o magistério. Embora o problema do ensino primário não tivesse solução, apareciam estabelecimentos secundários com suas disciplinas atraentes. Nessas aulas pouco se adquiria, além de certo brilho para o uso em sociedade. Preparavam, sobretudo, candidatos aos empregos públicos: a burocracia e o clero era a saída para os homens de algumas letras e pequenos recursos, em meio pobre e acanhado” (Iglésias, 1958IGLÉSIAS, Francisco (1958) Política econômica do Governo Provincial Mineiro (1835-1889). Rio de Janeiro, MEC. , p. 152).

O resultado de trezentos anos de atraso educacional e da incapacidade de recuperar o atraso nessa área em pouco tempo foi que, efetivamente, não se podia prescindir dos técnicos nem da mão-de-obra qualificada estrangeiros.

A fábrica de ferro de Ipanema foi iniciada em 181 O sob a supervisão de Varnhagen e o concurso de técnicos suecos: quase vinte destes, entre um diretor, e alguns carpinteiros, serralheiros, carvoeiros e outros (Eschwege, 1833ESCHWEGE, W. L. von (1833) Pluto Brasiliensis. Belo Horizonte, Itatiaia , 1979. Primeira edição em alemão, 1833. , v. 2, pp. 215-223). Na fábrica do intendente Câmara em Morro do Pilar, uma outra tentativa de introduzir o fabrico moderno do ferro no Brasil, vamos encontrar, no início de suas operações (1812-1814), um mestre fundidor alemão, que lá permaneceu até 1821. O terceiro grande empreendimento no setor siderúrgico, no Brasil de princípios do século passado, também se deu em função dos trabalhos de um técnico-empresário estrangeiro: Jean Antoine Felix Dissandes de Monlevade, que havia estudado na grande Escola Politécnica de Paris, e em fins dos anos 20 criou, em São Miguel, Minas Gerais, uma usina de ferro (Gomes, 1983GOMES, Francisco Magalhães (1983) História da siderurgia no Brasil. Belo Horizonte, Itatiaia . , pp. 109-113). O próprio intendente Câmara não era o que se poderia chamar de um brasileiro típico; na realidade, era exceção à regra, já que passara boa parte de sua vida na Europa a estudar mineração (Gomes, 1983GOMES, Francisco Magalhães (1983) História da siderurgia no Brasil. Belo Horizonte, Itatiaia . , p.73).

Vamos encontrar os chamados técnicos estrangeiros não só nos empreendimentos siderúrgicos, onde os portugueses não tinham nenhuma tradição para transmitir, mas em quase todos os chamados empreendimentos modernos. Assim, tipicamente, os maquinistas, bem como outros operários especializados nas tecelagens brasileiras eram estrangeiros: ingleses, americanos ou franceses (Libby, 1988LIBBY, Douglas Cole (1988) Transformação e trabalho em uma economia escravista: Minas Gerais no século XIX. São Paulo, Brasiliense. , p. 238). Na mineração a situação não era diversa. A Imperial Brazilian Mining Association, com mineração de ouro em Gongo Soco, Minas Gerais, empregou, entre 1826 e 1837, uma média de 636 operários, dos quais 136 (21,4%) eram ingleses (Libby, 1988LIBBY, Douglas Cole (1988) Transformação e trabalho em uma economia escravista: Minas Gerais no século XIX. São Paulo, Brasiliense. , p. 297). Nos outros setores a situação não diferia. O grande empreendimento de Mauá em Ponta d’Arêa era dirigido por um Sr. Dodgson (Mauá, 1878MAUÁ, Visconde de (Irineu Evangelista de Souza) (1878) “Exposição do Visconde de Mauá aos credores de Mauá & C. e ao público”. In Mauá empresário e político. São Paulo, Bianchi, 1987. Edição original, 1878. , p. 45), assim como a parte técnica de outros empreendimentos do Barão, como da estrada de ferro Mauá e a projetada estrada de ferro do Paraná a Mato Grosso, foi toda feita por engenheiros estrangeiros. Em 1853, a Inspetora-Geral de Estradas da Província de Minas Gerais empregava quatro engenheiros, dos quais só um era brasileiro; os outros eram: dois alemães e um inglês (Iglesias, 1958IGLÉSIAS, Francisco (1958) Política econômica do Governo Provincial Mineiro (1835-1889). Rio de Janeiro, MEC. , p. 157). A instalação da maior parte da rede telegráfica do Império foi realizada por um Schuster-Schutz, cujo nome bem demonstra sua origem germânica (Koseritz, 185, p. 24). A Escola de Minas, quando de sua criação, foi entregue a professores franceses, entre eles: A. de Bovet, Paul Ferrand e Henri Gorceix (Gomes, 1983GOMES, Francisco Magalhães (1983) História da siderurgia no Brasil. Belo Horizonte, Itatiaia . , pp. 105-106). Essa tradição continuou até recentemente. Quando nos anos 30 deste século o governo de São Paulo resolve criar uma universidade, é com o auxílio de mestres franceses que o projeto será levado adiante. Quando, nos anos 50, a Fundação Getúlio Vargas resolve criar uma escola de administração em São Paulo, o projeto teve de contar com a participação decisiva de docentes da Universidade de Michigan, EUA.

Outra consequência dessa falta de preparo educacional foi que a mão-de-obra local não facilitou de forma alguma a utilização das técnicas modernas. A esse respeito dizia Liberato Barroso nos anos 60 do século passado: “A falta de instrução primária nos obreiros ... declaravam os chefes dos estabelecimentos industriais mais eminentes, era um dos maiores e mais nocivos obstáculos, que se opunham ao desenvolvimento de suas faculdades e ao progresso da indústria” (apud Mauro, 1976, p. 138).

Eram grandes as queixas, na época, com relação à falta de mão-de-obra especializada não somente no setor industrial nascente como também nos setores já estabelecidos, como o do açúcar, faltam essa que dificultava a incorporação de novas técnicas e encarecia muito o processo (Milet, 1876MILET, Henrique Augusto (1876) Os quebra-kilos e a crise da lavoura. Instituto Nacional do Livro, 1987. Primeira edição, 1876. , pp. 123-4).

O grande resultado de todo esse atraso cultural foi que não só a indústria encontrava entraves para se implantar, como nossa agricultura se encontrava num estágio de desenvolvimento dos mais primitivos. O que imperava era o empirismo e o uso das técnicas as mais atrasadas que os primeiros habitantes haviam aprendido dos indígenas há muitas gerações. O uso do arado, que há milênios já era usado na Europa, no Brasil era praticamente desconhecido. A técnica usual de plantio era com uma enxada e um pau para abrir buracos no solo.

3.4. Transporte

A situação dos transportes no Brasil de primórdios do século passado era lamentável. Exceção feita à uma muito estreita faixa litorânea (em São Paulo, corresponde à faixa que vai até o sopé da Serra do Mar) que podia ser atingida por navios e outras embarcações e exceção aos cursos de água mais importantes, navegáveis em canoas ou mesmo embarcações de algum porte, o resto do transporte, no país, era feito nos lombos de burros. Não tinha se desenvolvido um sistema eficiente de uso de rios e canais, como na Europa. Não vamos encontrar no Brasil nada semelhante à malha de canais que recortou a Inglaterra na segunda metade do século XVIII, ou à malha que recortou a costa leste dos EUA entre 1800 e 1840, cuja obra máxima talvez tenha sido a construção do canal Erie entre 1817 e 1825 numa extensão de 580 km, ligando o Rio Hudson ao Lago Erie (Williamson, 1951WILLIAMSON, Harold F. (ed.) ( 1951) The Growth of the American Economy. Englewood Cliffs, Prentice Hall. , pp. 120-125).

O transporte no lombo de burros não somente era lento como muito dispendioso. Muito raramente, isto é, só nos casos de existirem estradas adequadas, o transporte poderia se fazer em carros puxados por bois, o que barateava um pouco o transporte. A título de ilustração, em princípios do século XIX, Eschwege calculou que se o preço do ferro no litoral fosse de 100, em Minas passaria a ser de 400, em função de um acréscimo de 120% de custo de transporte, 100% de barreira interprovincial e 80% de lucro do comerciante (Eschwege, 1833ESCHWEGE, W. L. von (1833) Pluto Brasiliensis. Belo Horizonte, Itatiaia , 1979. Primeira edição em alemão, 1833. , v. 2, p. 258). Isto é, só o custo do transporte encarecia o preço do produto em 120%. Burmeister verificou, por volta de 1851, que uma garrafa de vinho português que, no Rio, custava 320 réis, em Minas passava a custar 800 réis (Burmeister, 152, p. 140). O transporte era muito caro e, como já foi dito, além de caro era lento. Assim se expressava um observador contemporâneo: “As marchas ordinárias das bestas muares carregadas são entre 3 a 4 léguas diárias; as dos carros poucas vezes excedem a 3 léguas ... As bestas de carga transportam de 8 a 12 arrobas. Os carros com 3 juntas de bois conduzem de 80 a 100 arrobas. As tropas de bestas são divididas em lotes de 7 a 10 animais: cada lote tem um tocador ou homem de pé para guiar as bestas, e sobre todos vigia o tropeiro e o arreador que ao mesmo tempo é alveitar ou ferrador... “ (Cunha Matos, 1837CUNHA MATOS, Raimundo José da (1837) Corografia histórica da Província de Minas Gerais (1837). Belo Horizonte, Itatiaia , 1981. , v. 2, p. 51).

Se, por um lado, esse tipo de transporte representava uma barreira à penetração de produtos importados nos mercados mais afastados do litoral, por outro, representava uma barreira à distribuição dos produtos que porventura viessem a ser feitos nessas localidades para mercados um pouco mais distantes. A consequência disso é, como bem observou Eschwege, que as indústrias, como a do ferro, tinham de ser atividades meramente locais, o que dificultava em muito a implantação de métodos de produção modernos, métodos esses mais eficientes. A comprovação histórica está aí. No século passado, quer por dificuldades técnicas, quer por dificuldades de transporte, o único tipo de empreendimento siderúrgico que efetivamente vingou em Minas Gerais foi o das pequenas forjas do tipo catalão ou italiano, cuja produtividade era muito baixa se comparada com a produtividade dos altos-fornos. A indústria siderúrgica moderna só começa a se viabilizar, em Minas Gerais, em fins do século, com a implantação da Central do Brasil, com o crescimento do mercado e superadas as dificuldades técnicas com a experiência adquirida em quase um século de produção de ferro em pequena escala e com a formação de quadros técnicos na nova Escola de Minas de Ouro Preto. Efetivamente, os altos-fornos a carvão vegetal surgem para ficar, a partir de 1888, com o início das operações da Usina Esperança a 5 km de Itabirito, localizada às margens da nova ferrovia (Gomes, 1983GOMES, Francisco Magalhães (1983) História da siderurgia no Brasil. Belo Horizonte, Itatiaia . , pp. 141-146).

4. O ARGUMENTO DESENVOLVIDO

Sintetizando nossa argumentação, poderíamos dizer o seguinte: em princípios do século passado o país era pobre, mal-educado, com um mercado pulverizado, um sistema de transporte muito precário e uma agricultura atrasadíssima. Nessas condições, nenhuma industrialização poderia ter ocorrido. Foi durante o século passado que as condições mínimas que irão viabilizar um processo de industrialização foram surgindo. Foi através de sua participação no comércio internacional pelo desenvolvimento das exportações de um produto agrícola cujas técnicas de produção podiam ser as mais atrasadas sem que isso prejudicasse significativamente seu desempenho, isto é, o desenvolvimento das exportações de café, que a) a renda per capita começou a aumentar; b) as cidades cresceram e se modernizaram; c) as atividades complementares à indústria, como os bancos, os portos, as companhias de seguro, os armazéns e toda a rede de comércio varejista e atacadista se desenvolveram; d) o transporte melhorou com o surgimento das ferrovias, abrindo ao comércio e à produção áreas que antes tinham estado à margem da economia de mercado, assim como integrou num mercado único e a custos adequadamente baixos o que antes tinham sido inúmeras ilhas econômicas; e) a educação do país melhorou surgindo as condições mínimas necessárias para que a incorporação das novas técnicas pudesse ser feita, pelo menos em setores não muito sofisticados. Tudo isso, aliado à abolição da escravidão e à uma participação do Estado que poderíamos chamar de “simpática ao processo de modernização”, fez com que, crescentemente, a partir de meados do século, fossem surgindo algumas atividades industriais, que culminaram, em fins do século, com a consolidação de algumas indústrias importantes como a têxtil, a de materiais de construção e a de bebidas e alimentos no país.

Os aspectos relacionados com o crescimento da renda per capita e do mercado para alguns produtos básicos, bem como com o desenvolvimento da educação, já foram abordados. Falta explicitar um pouco mais os outros pontos.

Comecemos com a escravidão. Não tenho nenhuma vocação para o marxismo, mas, à semelhança dos investigadores sociais dessa corrente, acredito que indústria e escravidão têm um convívio muito difícil. Tão difícil que se torna um ato de pura fé conceber um processo de industrialização ancorado no escravagismo. Historicamente isso não existiu. No sul dos Estados Unidos surgiu uma indústria têxtil bem como alguns outros setores que, parcialmente, se apoiaram na mão-de-obra escrava. O mesmo fenômeno ocorreu no Brasil. Entre os primeiros ensaios de industrialização do setor têxtil que ocorreram nos anos 30 e 40 do século passado e o fim da escravidão, em 1888, em vários momentos se fez uso de alguma mão-de-obra escrava nas fábricas que então surgiam. Também se fez uso dessa mão-de-obra em setores que poderiam ser considerados “sofisticados” para a época, como a mineração inglesa de ouro em Morro Velho (Libby, 1993LIBBY, Douglas Cole (1993) “Sociedade e Cultura Escravistas como Obstáculos ao Desenvolvimento Econômico: Notas Sobre o Brasil Oitocentista”. Estudos Econômicos, vol. 23, nº 3, set.-dez. , p. 452) assim como, durante muito tempo, a “indústria açucareira” nordestina tinha se apoiado nessa mão-de-obra. Mas todas essas experiências não querem dizer que uma sociedade urbano-industrial nos moldes ingleses, alemães, franceses ou suecos teria sido possível com a presença da escravidão. Acredito que não. Em meados do século passado a população escrava deveria corresponder a 1/5 da população. A existência da escravidão significava que 20% da população brasileira tinha suas ambições de melhoria econômica permanentemente congeladas nos padrões estabelecidos pelos seus senhores. Além do mais, se o acesso à educação já era difícil à população branca e mestiça, aos escravos era impensável. De fato, Gonçalves Dias, ao fazer suas contas acerca de quantas crianças deveriam estar frequentando as escolas, em meados do século, simplesmente cortou de suas contas os não-livres (Dias, 1852DIAS, Antônio Gonçalves (1852) “Instrução pública em diversas províncias do Norte”. In Pires de Almeida. História da instrução pública no Brasil (1500-1889). São Paulo, PUC, 1989. , p. 364). Voltando à argumentação anterior, essa fração da população só podia se entregar a atividades que não demandassem o uso dos conhecimentos que cada vez mais se tornavam essenciais numa sociedade moderna; só podia se dedicar a atividades repetitivas e descomplicadas. Mesmo que o escravo tivesse iniciativa, esta não tinha como se expressar em termos de contribuições significativas às novas atividades. Além do que, a presença de escravos na população agia como grande elemento inibidor sobre os esforços da população livre pobre, sobre o grosso da população (Libby, 1993LIBBY, Douglas Cole (1993) “Sociedade e Cultura Escravistas como Obstáculos ao Desenvolvimento Econômico: Notas Sobre o Brasil Oitocentista”. Estudos Econômicos, vol. 23, nº 3, set.-dez. ). Afinal, o branco não era escravo para que algum supervisor exigisse que se esforçasse no trabalho. E ainda, até se romperam os laços entre senhores e escravos, não podia desaparecer a convivência promíscua que tantos prejuízos trouxe a ambos os grupos.

E, finalmente, a presença do escravo agia como inibidor da introdução de mecanismos poupadores de mão-de-obra nos processos produtivos. Isso podemos ver ao olhar as estampas de um Debret. Enquanto na Europa, dentro de uma cidade, se transportavam as mercadorias em carroças, no Rio de princípios do século passado usavam-se as costas dos negros para tal fim. Afinal, por que se deveriam usar carroças se existiam negros para fazer o serviço? Por que carregar pessoas em carruagens puxadas por animais de tração se existiam negros para carregar cadeirinhas com gordas senhoras a bordo? Exemplos como esses, repetidos por gerações, devem ter levado os tomadores de decisões empresariais a pensar na solução de seus problemas de produção em termos de aumento da quantidade de mão-de-obra e não de outras formas. Enquanto nos Estados Unidos a falta relativa de mão-de-obra levou a um intenso processo de mecanização da agricultura a partir de meados do século passado, no Brasil essa crescente falta levou ao surgimento de um grande clamor de “mais braços para a lavoura!”. Não estou ignorando o fato de que a cultura do café não se prestasse à mecanização e, aí, o clamor fizesse sentido. Mas, afinal, o Brasil não era só café. Nas outras culturas a mecanização não se desenvolveu.

Vejamos agora as atividades complementares à indústria. Primeiramente as ferrovias. Começando em 1854, com a inauguração da pequena estrada de ferro Mauá, as construções prosseguiram pelos próximos setenta anos, durante os quais se montou uma malha ferroviária de cerca de 30 mil km. Corresponde, em termos de extensão, aproximadamente à malha ferroviária de um Reino Unido. Fica muito longe de uma malha americana com seus 403 mil km completados por volta de 1914. Isto quer dizer que, em relação ao tamanho do país, foi um esforço um tanto limitado; entretanto, se atentarmos para o fenômeno de que até recentemente o grosso da população brasileira se concentrava numa estreita faixa litorânea, para essa população foi um instrumento que viabilizou o surgimento de alguns mercados regionais e diminuiu substancialmente os custos e os tempos de transporte. Em São Paulo, foi o surgimento das ferrovias que viabilizou a abertura do oeste paulista para o café, sendo elemento-chave na consolidação do enriquecimento da região. Antes das ferrovias paulistas penetrarem pelo interior do estado, cuja data-chave é o ano de 1867, ano da abertura da Santos-Jundiaí, a produção do café para exportação era praticamente inviável além da região de Campinas. O surgimento dessas ferrovias, embora apresentando a famosa disposição em forma de leque, típica de ferrovias de regiões agro-exportadoras, viabilizou, a partir de fins do século, a colocação, em uma vasta região, de uma série de produtos industriais que começavam a ser produzidos em centros como o Rio de Janeiro e São Paulo.

Foi o café também o elemento-chave na modernização dos portos de Santos e Rio de Janeiro, através dos quais vieram a ser feitos os embarques das mercadorias das indústrias nascentes para áreas mais distantes do país, e até para fora do país. A esse respeito, convém lembrar que, já nos anos 70 do século passado, Santos exportava tecido de algodão, como atestam os dados de Alberto Salles.

Tabela 7:
Exportação de algodão tecido pelo Porto de Santos

Ao mesmo tempo que as ferrovias surgiam e os portos cresciam e se modernizavam, o setor financeiro fazia o seu ingresso na era moderna. Começando com a iniciativa governamental de fundar um banco (Banco do Brasil, em 1808), o sistema financeiro atinge bastante sofisticação durante as décadas seguintes. Um comentarista da situação nos anos 70 do século passado assim se expressou: “Looking back at recent developments Michael Mulhall wrote in 1877: ‘The most important events in the reign of Pedro Segundo ... have been the introduction of railways and steam navigation, the multiplication of public schools, the system for gradual abolition of slavery, and the completion of the cable to Europe’. It is an interesting list, though Mulhall might have added that Brazilian business men had rapidly adopted the more advanced forms of organization which they found in Europe. Joint-stock companies were formed to raise capital for great enterprises, and joint stock banks sprang up to provide credit for planters and merchants wishing to extend their operations. Bankers and investors, Brazilians and Europeans, individuals and companies were all to be found supporting the great constructional booms that mounted in these years when the shares of Brazilian railways, gas works and docks, and the bonds of the Imperial Government of Brazil were daily quoted in the stock markets of Rio, London and Paris” (Joslin, 1963JOSLIN, David (1963) A Century of Banking in Latin America (To Commemorate the Centenary in 1962 of The Bank of London and South America. London, Oxford University Press). , pp. 60-61).

A crescente sofisticação do empresariado brasileiro vai se expressar, dentre outras formas, por um aumento substancial do número de bancos. Em 1875 vamos encontrar 36 estabelecimentos bancários, dos quais 17 com sede na capital do Império, entre os quais, dois ingleses, um alemão e um argentino. São Paulo nesse ano só sediava dois bancos. Doze anos mais tarde, certamente como fruto da prosperidade conferida pelo café, já eram cinco os bancos com sede em São Paulo. Não só o papel financeiro de São Paulo aumentava, como também o envolvimento estrangeiro nos destinos financeiros do país aumentava. Prova disso vamos encontrar no aumento do número de bancos estrangeiros operando no país em princípios do século. L. E. Elliot, escrevendo durante a Primeira Guerra Mundial, encontrou 12 operando na praça: três britânicos, três alemães, um ítalo-francês, um ítalo-belga, um francês, um português, um espanhol e um americano (Elliot, 1917ELLIOT, L. E. (1917) Brazil. New York: Macmillan. , pp. 303-304). Entre 1880 e 1914, os bancos ingleses operando no Brasil aumentaram 4 vezes, em média, o volume de suas operações no país (Joslin, 1963JOSLIN, David (1963) A Century of Banking in Latin America (To Commemorate the Centenary in 1962 of The Bank of London and South America. London, Oxford University Press). , p. 109). Tudo isso evidencia um florescimento muito grande do comércio que certamente deve ter viabilizado um sem-número de operações de cunho industrial.

As cidades também sofreram uma grande transformação. Em primeiro lugar cresceram. A população do Rio de Janeiro, que em 1821 tinha sido de 112 mil habitantes, em 1856 já ascendia a 151 mil, 235 mil em 1870, 692 mil em 1890 e 811 mil em 1900 (Lobo, 1978LOBO, Eulalia Maria Lahmeyer (1978) História do Rio de Janeiro (do capital comercial ao capital industrial e financeiro. Rio de Janeiro, IBMEC. , v. 1, pp. 112, 226; v. 2, p. 469). São Paulo, que em 1837 tinha 22 mil (Müller, 1838MÜLLER, Daniel Pedro (1838) Ensaio d’um quadro estatístico da província de São Paulo. São Paulo, O Estado de São Paulo, 1923. Primeira edição, 1838. , p. 154), em 1872 apresentou 31 mil, em 1890 .65 mil, em 1900 240 mil e 579 mil em 1920. Isto quer dizer que a população do Rio de Janeiro mais que triplicou nos trinta anos entre 1870 e 1900 e a de São Paulo aumentou nove vezes entre 1890 e 1920. Em segundo lugar, as cidades se sofisticaram, introduzindo serviços públicos típicos das grandes cidades da Europa urbano-industrial e dos Estados Unidos. Em 1854, Mauá conseguiu instalar iluminação a gás em algumas ruas do Rio de Janeiro, sendo que em 1878 já se contava com 320 km de canos instalados para a distribuição de gás na capital. Nos anos 70 é contratada a instalação da rede pública de distribuição de água no Rio de Janeiro. Em 1878 já abastecia 8 mil edifícios da cidade (pouco mais de 10% da cidade). Em fins dos anos 70 inicia-se em São Paulo a construção de uma rede semelhante. Em 1880 esse sistema abastecia cerca de 3 mil prédios (pouco mais de 1/3 da cidade). Data dos anos 60 o início da rede de esgotos do Rio de Janeiro e de 1876 o serviço de esgotos de São Paulo (Vargas, 1994VARGAS, Milton (1994)” Obras de Saneamento”. In Motoyama, Shozo (org.) Tecnologia e industrialização no Brasil. São Paulo. UNESP. , p. 86). Nos anos 80 o serviço de telefonia do Rio de Janeiro começava a se instalar. Cidades como o Rio de Janeiro eram bem servidas por um serviço de bondes puxados a burros que ligava o centro aos bairros mais distantes. Tanto as ruas centrais do Rio de Janeiro como São Paulo eram pavimentadas com paralelepípedos; na periferia as ruas eram revestidas de pedras irregulares. Nos anos 80 as primeiras experiências em iluminação pública são ensaiadas tanto no Rio de Janeiro quanto em São Paulo, embora serviços regulares de fornecimento de eletricidade só se tornassem realidade mais para fins do século. Também nos anos 80, tanto São Paulo quanto Rio de Janeiro já contavam com bons hotéis com todas as comodidades ditas modernas: quarto grandes, bem arejados, bem mobiliados, com bons banheiros e com a disponibilidade de serviço de telefones e de telégrafo. As ligações, por navegação de longo curso, entre as cidades brasileiras e as europeias que, em meados do século, faziam com que se levassem cinquenta ou mais dias na ida do Rio de Janeiro a Southhampton, em 1893 permitiam que se fosse de Recife a Lisboa em apenas onze. Nesse mesmo ano, havia uma rede telegráfica cortando todo o país com quase 15 mil km de extensão, sendo que enormes cabos submarinos já há alguns anos ligavam Pernambuco à Europa e aos Estados Unidos. O número de periódicos, que em 1828 era de 31 em todo o país, ascendia a 271 em 1876 e a mais de 540 em 1886 (Reclus, 1893RECLUS, Élisée (l893) Estados Unidos do Brasil. Rio de Janeiro, Garnier, 1900. Edição francesa, 1893. , pp. 453 - 456). Tudo isso são indicadores de que a sociedade atrasada de princípios do século começava a - mudar.

É a partir dessas mudanças que podemos entender o processo de industrialização brasileiro. O que em princípios do século era impossível, com o passar do tempo e o acúmulo de recursos que o café promoveu direta e indiretamente torna-se crescentemente viável, qual seja a implantação de indústrias modernas no país. Durante o transcorrer do século, com o aumento da renda per capita e aumento do consumo de toda a sorte de produtos que isso permitiu, o mercado para produtos básicos se expandiu, permitindo que fossem feitas inúmeras tentativas no sentido de se atender esse mercado através da produção local. Essa produção local ocorre tanto em termos de um florescimento de uma indústria em moldes artesanais, típicos de um processo de proto-industrialização, como em Minas Gerais, com sua indústria têxtil, como em termos de instalação de estruturas produtivas modernas, como ocorreu com a indústria têxtil que se instalou e cresceu em áreas como o Rio de Janeiro, a Bahia e São Paulo. Não foi possível, entretanto, o surgimento de muitos setores nessa fase, quer em função dos problemas de mercado e transporte (como para a indústria siderúrgica), problemas esses que só começam a ser resolvidos mais para fins do século, quer em função do despreparo técnico-cultural em que nos encontrávamos e que inviabilizava a instalação de estruturas produtivas muito sofisticadas (como teria sido para a maior parte do que se poderia chamar de indústria química moderna, de indústria de máquinas e motores, equipamentos elétricos, e assim por diante).

O papel que o Estado desempenhou em tal processo foi o que se poderia esperar de um Estado pobre. Fez o que o seu orçamento permitia. Protegeu a indústria via subsídios, já a partir de meados do século, bem como protegeu a indústria nascente através de barreiras alfandegárias, assim que as condições políticas permitiram, isto é, a partir da expiração dos tratados comerciais com a Inglaterra nos anos 40. Com as reformas Alves Branco de 1844, as tarifas dobram, e a partir daí não param de subir. De 1844 para frente o país em nenhum momento caiu numa fase de amores com o livre-cambismo. Mesmo se algum ministro do Império ou da Primeira República pudesse ter tido o livre-cambismo como objetivo, a realidade fiscal fazia com que isso fosse totalmente inviável. Entre 1836 e 1888 de 2/3 a 4/5 da receita do governo imperial provinha dos direitos que recaíam sobre o comércio externo! (Albuquerque e Nicol, 1987ALBUQUERQUE, Marcos Cintra C. & NICOL, Robert (1987) Economia Agrícola. São Paulo, Mc­GrawHill. , p.183). Entre 1889 e 1913,”as tarifas alfandegárias continuaram a prover metade da receita federal. Sua participação oscilou sem tendência entre 45 e 75%, porém manteve-se entre 50 e 60% em 16 dos 24 anos” (Goldsmith, 1986GOLDSMITH, Raymond W. (1986) Brasil 1500 - 1980. Desenvolvimento Financeiro sob um século de inflação. São Paulo, Harbra. , p.123).

Entre 1870/5 e 1907/13 as tarifas cresceram, em termos reais, em mais de 100% (Versiani, 1980VERSIANI, Flávio Rabelo (1980) “Industrialização e economia de exportação: a experiência brasileira antes de 1914”. Revista Brasileira de Economia, vol. 34, nº 1, jan.-mar. , p. 24). Para se ter uma ideia do nível das tarifas alfandegárias que o Brasil praticava em princípios do século, em seu relatório de 1901 ao presidente Campo Salles, por muitos considerado o símbolo do livre-cambismo brasileiro, Joaquim Murtinho, o então ministro da Fazenda, calculou que entre tarifas e quota-ouro, os tecidos de algodão pagavam entre 73% e 97,5% de seu valor, os móveis, os couros, as peles e o papel pagavam 60,9% e massas alimentícias 48,7% (Joaquim Murtinho, apud Inglez de Souza, 1924INGLEZ DE SOUZA, Carlos (1924) A anarchia monetária e suas consequências. São Paulo, Monteiro Lobato. , p. 390). Para 1919 temos a seguinte situação comparativa:

Tabela 8:
Tarifas alfandegárias - 1919 - diversos países

Além disso, o próprio Estado se envolveu na criação de empresas: em 1808 funda o Banco do Brasil, pouco depois monta a fábrica de Ipanema que, com altos e baixos, mantém funcionando até fins dos anos 80. Quando a participação direta do Estado não era aconselhável, subsidiava a iniciativa do empresariado privado. Mauá, apesar de todos os seus choramingos, vale-se desse apoio. Num período em que inexistia um organismo como o BNDES e os modernos bancos de investimento, o Estado transferiu milhares de contos de réis para o empresariado nascente em projetos que apoiava: no setor industrial, nas melhorias urbanas, na modernização dos engenhos e no desenvolvimento das ferrovias e dos portos. A título de ilustração, era a seguinte a situação das ferrovias no final do Império: “ O capital até o ano de 1888 conhecido que se achava empregado nas estradas de ferro do país importava na soma de 517 .856:4 79$620 assim distribuídos:

Estradas do Estado: ............................................ 95.636:004$782 (37,8%)

Ditas com capital garantido pelo Estado .......... 167.021:299$678 (32,3%)

Ditas com capital garantido pelas províncias: ... 78.272:000$000 (15,1 %)

(Castro Carreira, 1889CASTRO CARREIRA, Liberato de (1889) História orçamentária e financeira do Império do Brasil. Rio de Janeiro, Imprensa Nacional. , p.781).

Também: “Até 1887, o Estado ... tinha gasto em garantia de juros um total de 113.317 contos. Para termos uma visão da magnitude do esforço que o Estado dispendeu no auxílio ao desenvolvimento ferroviário brasileiro basta comparar as cifras acima citadas com a média das despesas governamentais nos últimos oito anos do Império. Essa média segundo os dados de Castro Carreira, andava ao redor de 115.000 contos anuais. Ora, o que o Estado gastou até 87-88 na encampação e/ou construção de ferrovias e na garantia de juros é aproximadamente igual a duas vezes o gasto anual do governo central no período” (Albuquerque e Nicol, 1987ALBUQUERQUE, Marcos Cintra C. & NICOL, Robert (1987) Economia Agrícola. São Paulo, Mc­GrawHill. , p. 181).

O Estado fez bastante. Talvez pudesse ter feito mais, especialmente em educação. Mas aí teríamos de estar num outro país. Pedro II, apesar de todo seu amor à educação (Koseritz, 1885KOSERITZ, Carl von (1885) Imagens do Brasil. Belo Horizonte, Itatiaia , 1980. Primeira edição alemã, 1885. , p. 112), não era nenhum Frederico, o Grande, para poder impor autocraticamente uma grande reforma educacional. O projeto educacional brasileiro foi um projeto coletivo em que o pouco apreço luso-brasileiro pela educação sempre prevaleceu. Foi assim no Império, foi assim na República dos positivistas, na ditadura dos gaúchos e na República populista dos anos 50 e 60; e continuou a ser assim na grande farra dosgovernos Sarney e Collor.

Respondendo, portanto, à pergunta de por que o Brasil não se industrializou no século passado, podemos dizer que a industrialização não poderia ter se dado porque o país não tinha acumulado condições adequadas para tal. Simplesmente ele não estava no mesmo páreo em que estavam a Inglaterra, os EUA, a França, a Alemanha e, posteriormente, o Japão. Essas condições que permitiriam seu deslanche industrial foram surgindo muito lenta e parcialmente durante o século, permitindo um início de um processo bastante limitado, como não poderia deixar de ser. Qualquer um que tenha acompanhado o processo de industrialização não pode deixar de notar a lentidão com que a incorporação de algumas novas técnicas tem se processado no país. É difícil explicar essa lentidão sem lembrar o atraso técnico-científico que foi uma constante da sociedade até mais ou menos recentemente. Essa era uma variável que independia de fatores externos, perfeitamente alterável por decisões políticas internas. A sociedade, através de seus representantes no poder, nunca deu a importância que o problema merecia. Para ilustrar o ponto, entre 1874/5 e 1890, num total de 16 anos, os governos provinciais e o governo central gastaram 193 mil contos com o ensino primário, secundário e superior (Pires de Almeida, 1889PIRES DE ALMEIDA, José Ricardo (1889) História da instrução pública no Brasil (1500-1889). São Paulo. PUC, 1989. Primeira edição em francês, 1889. , pp. 292-295); no mesmo período, como vimos acima, só com as ferrovias o governo central gastou bem mais: quase 300 mil contos. A falta de prioridade para a educação, como assinala Iglésias falando acerca das tentativas de criação de institutos de ensino técnico em Minas, no século passado, reflete bem a falta de ambiente para o seu florescimento, assim como para o florescimento de escolas agrícolas, apesar da proliferação de leis e regulamentos nesse sentido (Iglésias, 1958IGLÉSIAS, Francisco (1958) Política econômica do Governo Provincial Mineiro (1835-1889). Rio de Janeiro, MEC. , p. 147).

“Explica-se facilmente ... o malogro do ensino profissional ... O certo é que nesse, como em outros pontos, a instrução foi antes uma teia de equívocos que uma realidade bem-sucedida ... As normas educacionais que então se adotaram ficam bem enquadradas no tempo e no ambiente ... Também no capítulo do ensino técnico a Província se coloca ao lado das outras, em consonância com a ideologia brasileira da época e o grau de desenvolvimento do país” (Iglésias, 1958IGLÉSIAS, Francisco (1958) Política econômica do Governo Provincial Mineiro (1835-1889). Rio de Janeiro, MEC. , p. 152).

O que este autor afirma com relação a Minas, no século passado, com algumas qualificações poderia ainda ser afirmado com relação ao resto do país, neste século.

Da mesma forma que nunca se privilegiou a educação, nunca se deu a devida importância a uma política populacional adequada, como teria sido uma política de informação sobre as alternativas de prevenção, política essa que se tornou viável à medida que o presente século transcorreu, política essa, entretanto, que nunca foi sequer cogitada. Diferentemente de outras áreas de comportamento econômico e social, nas quais o intervencionismo sempre foi muito favorecido pelo centro, esquerda e direita numa unanimidade quase total, o comportamento reprodutivo do cidadão sempre foi entregue a um lassez-faire firmemente calcado numa ignorância hipócrita e obscurantista. Tivesse a população crescido mais lentamente, a educação das massas não teria ficado um objetivo sempre tão distante de ser alcançado e a democracia social talvez estivesse um pouco mais perto hoje em dia.

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  • 1
    JEL Classification: N66; O25; O14.

5. APÊNDICE

Tabela 9:
Evolução das rendas dos EUA, Grã-Bretanha e Brasil

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    01 Jul 2022
  • Data do Fascículo
    Oct-Dec 1997
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