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ASSOMBRAÇÕES DE APIPUCOS: “O som ao redor” e os antagonismos em perpétuo desequilíbrio

Hauntings from Apipucos: “Neighboring Sounds” and Antagonisms in Permanent Disequilibrium

RESUMO

O artigo pretende examinar O som ao redor (2012Mendonça Filho, Kleber. O som ao redor. 131 min. Recife: CinemaScópio, 2012.), de Kleber Mendonça Filho, explorando sociológica e imageticamente as continuidades e descontinuidades entre o filme e a obra Casa-grande & senzala, de Gilberto Freyre. Se O som ao redor é uma alegoria sobre a interpretação do Brasil proposta por Gilberto Freyre, é, sobretudo, uma alegoria fantasmática que, em sua narrativa imagética, assombra as proposições freyria­nas sobre a sociedade brasileira.

PALAVRAS-CHAVE:
cinema; antropologia; antagonismo; Casa-grande & senzala; O som ao redor

ABSTRACT

The article examines Neighboring Sounds (2012Mendonça Filho, Kleber. O som ao redor. 131 min. Recife: CinemaScópio, 2012.), by Kleber Mendonça Filho, and explores, sociologically and imagetically, the continuities and discontinuities between the film and the book The Masters and the Slaves, by Gilberto Freyre. If Neighboring Sounds is an allegory about the interpretation of Brazil proposed by Gilberto Freyre, it is, above all, a phantasmagorical allegory that, in its imagistic narrative, questions the propositions of Freyre about Brazilian society.

KEYWORDS:
cinema; anthropology; antagonism; The Master and the Slaves; The Neighboring Sounds

O objetivo deste artigo é o exame do filme O som ao redor (2012Mendonça Filho, Kleber. O som ao redor. 131 min. Recife: CinemaScópio, 2012.), de Kleber Mendonça Filho,1 1 O movimento de cinema do Recife da década de 2010, no qual se integra Kleber Mendonça Filho, trata de questões urbanas e de processos de desigualdade social. Contrastam imagens de uma verticalização imobiliária com a de um passado dos antigos engenhos de cana-de-açúcar. Ver as obras dos diretores Gabriel Mascaro, Marcelo Lordello, Marcelo Pedroso entre outros (Ikeda, 2012). à luz de sua recepção e do debate provocado a partir de seu lançamento, que o tomou como a refundação de uma interpretação do Brasil moderno. A recepção em geral2 2 Adiante tratarei de algumas das principais críticas que o filme recebeu. e o próprio diretor assumem que o filme é, de certo modo, uma adaptação contemporânea de Casa-grande & senzala, de Gilberto Freyre, em que o engenho, agora, é transposto para uma rua da zona sul da cidade do Recife. Nesse cenário urbano, movimentam-se os personagens da casa-grande e da senzala, como o “sinhozinho”, o “coronel”, os “escravos”, dando a ver suas contradições, suas ênfases, seus silêncios, suas ambiguidades.

Minha intenção é explorar sociológica e imageticamente a relação entre O som ao redor e Casa-grande & senzala, apontando para suas continuidades e descontinuidades. Se O som ao redor é uma alegoria sobre a interpretação do Brasil proposta por Gilberto Freyre é, sobretudo, uma alegoria fantasmática que assombra em sua narrativa imagética as proposições freyrianas sobre a sociedade brasileira. Freyre faz do seu centro dispersivo de interpretação do Brasil a esfera da cultura; Mendonça Filho toma como matéria bruta de suas imagens as relações sociais da violência do dia a dia de um bairro de classe média alta, em que patrões e empregados, brancos e negros, o rural e o urbano apresentam suas contradições e antagonismos. O som ao redor faz, assim, um ajuste de contas com Casa-grande & senzala. Embora siga o mesmo percurso, propõe uma nova interpretação da sociedade brasileira que vive outras insurgências e outros enfrentamentos. Essa configuração social encenada em O som ao redor aponta para uma crítica aos papéis de gênero, às relações raciais e à subalternidade das relações de classe. O som ao redor gesta uma crítica à sociedade patriarcal, questionando os limites e os impasses de uma determinada interpretação sobre o Brasil. É desse modo que Mendonça Filho lê a contrapelo Casa-grande & senzala. Em vez de tomar o Brasil como problema, toma uma rua, um bairro, uma cidade. Minimalismo que permite aceder a um revigorado olhar sobre o campo das relações sociais emoldurado por um landscape, uma arquitetura, que acentua a desigualdade na sua forma mais predatória, paisagem ícone-imagética do filme: a especulação imobiliária na cidade do Recife.3 3 Tema que se desdobra em seu segundo longa-metragem, Aquarius (2016). O som ao redor produz um soundscape,4 4 Empregamos aqui os conceitos de landscape e soundscape seguindo as formulações de Ingold (2011, pp. 47, 129, 137) e Samuels et al. (2010), que apontam para suas complexas dimensões sensoriais e cognitivas. Assim, esses conceitos não podem ser definidos como materialidades ou como fenômenos naturais exteriores às relações sociais. Ao contrário, são constituídos agentiva e cognitivamente pela mútua inter-relação entre ambiente e sociedade. nos dando a ver o medo e a violência do dia a dia, flagrando as injustiças sociais, expondo, de forma direta e sem rodeios, a cor das pessoas, sua classe social e os espaços que ocupam na formação social brasileira.

Como material de análise importante, conclamo a participação de O mestre de Apipucos (1959Andrade, Joaquim Pedro de. O mestre de Apipucos. 9 min. Rio de Janeiro: Instituto Nacional do Livro-MEC, 1959.), de Joaquim Pedro de Andrade, filme biográfico-intelectual em que Freyre encarna o personagem de sua obra e de sua interpretação sobre o Brasil. Rodado no seu “engenho-mundo” de Apipucos e numa praia de Boa Viagem deserta, evoca outra paisagem, cenário que nos ajuda a compreender não apenas a formação das imagens e ideias de Freyre sobre a civilização brasileira como também as descontinuidades que separam as interpretações de Freyre e de Mendonça Filho acerca da sociedade brasileira de ontem e de hoje.

Na primeira parte do artigo, “Casa-grande & senzala e O som ao redor: mimese-alteridade”, discuto os enquadramentos e antecedentes do filme e sua relação (in)tensa com a obra de Freyre. A segunda parte, “As assombrações de Apipucos e os sons ao redor”, reconstitui, a partir de uma narrativa etnográfica-visual, os principais problemas e questões apresentados em O mestre de Apipucos e O som ao redor. “O ‘sistema casa-grande & senzala’: antagonismo em perpétuo desequilíbrio” busca compreender uma originária e original interpretação sobre o Brasil e suas relações de continuidade e descontinuidade propostas pelo filme.

“CASA-GRANDE & SENZALA” E “O SOM AO REDOR”: MIMESE-ALTERIDADE5 5 As relações entre O som ao redor e Casa-grande & senzala evocam o complexo problema da mimese/alteridade proposto por Taussig (1993, p. 19) ao seguir as reflexões de Benjamim (1996) sobre cópia e criação: mimese é um ato de transformação, de alteração, portanto vinculado às ideias de devir outro e de alteridade.

O som ao redor parte de uma tese histórica: “Toda sociedade é explicada pela história. E tudo que acontece no filme acaba sendo explicado pela força do passado” (Mendonça Filho, 2013a_______. “A desconfiança é gigante no Brasil”. Bahia Notícias, 03/01/2013a. Disponível em <https://www.bahianoticias.com.br/cultura/entrevista/86-kleber-mendonca-filho-diretor-de-039o-som-ao-redor039-039a-desconfianca-e-gigante-no-brasil039.html>. Acesso em: 15/08/2018.
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). O diretor faz a analogia entre o mundo urbano do Recife e o engenho de cana na Zona da Mata:

Queria fazer um filme numa rua de cidade grande, no caso do Recife, e sem dizer ao espectador que essa rua seria retratada como uma espécie de engenho. Pernambuco é muito isso. Trabalhei numa empresa pernambucana, aparentemente moderna, mas a sensação minha e de outros funcionários é de que éramos canavieiros dentro de um engenho de cana, com capataz e senhor de engenho controlando. E Pernambuco é isso: uma fusão muito tensa entre o velho e o novo. (Mendonça Filho, 2013b_______. “Som ao redor, expectativas para a estreia”. Cineclick, 04/01/2013b. Disponível em: <https://www.cineclick.com.br/entrevistas/kleber-mendonca-filho-diretor-de-o-som-ao-redor-fala-de-suas-expectativas-para-a-estreia>. Acesso em: 15/08/2018.
https://www.cineclick.com.br/entrevistas...
; 2016_______. “A cidade e sua arquitetura estão indo contra as pessoas”. Escotilha - Jornal de Cultura, 13/09/2016. Disponível em: <http://www.aescotilha.com.br/cinema-tv/central-de-cinema/kleber-mendonca-a-cidade-e-a-sua-arquitetura-estao-indo-contra-as-pessoas/>. Acesso em: 15/08/2018.
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)6 6 Mendonça Filho (2013e) reconhece que seu tema de investimento cinematográfico está no âmbito do que se designa decadência dos senhores de engenho e do poder tradicional pernambucano. Tema que tem seu contraponto na literatura realizada por José Luiz Passos (2012), em especial no livro O sonâmbulo amador.

E ainda acrescenta: “Acho que as relações de classe continuam arcaicas, principalmente em Pernambuco, que tem o dna da escravidão” (Mendonça Filho, 2013a_______. “A desconfiança é gigante no Brasil”. Bahia Notícias, 03/01/2013a. Disponível em <https://www.bahianoticias.com.br/cultura/entrevista/86-kleber-mendonca-filho-diretor-de-039o-som-ao-redor039-039a-desconfianca-e-gigante-no-brasil039.html>. Acesso em: 15/08/2018.
https://www.bahianoticias.com.br/cultura...
).

Mendonça Filho deixa clara sua vinculação com a obra de Freyre: “Minha mãe me obrigou a ler Casa-grande & senzala, livro que reli antes de fazer O som ao redor” (Mena, 2013Mena, Fernanda. “O som e o sentido”. Folha de S.Paulo, 17/2/2013. Disponível em: <Disponível em: https://www1.folha.uol.com.br/fsp/ilustrissima/94154-o-som-e-o-sentido.shtml >. Acesso em: 03/08/2018.
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).7 7 O filme foi dedicado à sua mãe, Joseline Jucá (2001), pesquisadora da Fundação Joaquim Nabuco, autora de um livro sobre André Rebouças e a escravidão, resultado de sua tese de doutorado na Universidade de Essex, Inglaterra, onde residiu com seu filho entre 1982 e 1987. Desse modo, a questão posta por O som ao redor é a de transcender a tela e chegar ao mundo. O diretor, ao assumir a relação entre Casa-grande & senzala e O som ao redor, enfrenta o problema de como representar a sociedade. Entretanto, ambos são recriações, e não reflexos da sociedade. Ambos motivam sociedades imaginadas, e é esse aspecto da mimese que deve ser enfatizado em ambas as obras, sendo, ao mesmo tempo, o que permite compará-las.

As recepções críticas do filme acentuam o viés histórico e sociológico. Ismail Xavier associa Casa-grande & senzala a O som ao redor:

O condomínio fechado é mostrado como a versão contemporânea do feudalismo, em que empregadas e porteiros são objetificados […]. Tudo se resolve no plano das relações pessoais, de poder, mando e serventia, fora da noção abstrata de cidadania e fora da ordem institucional democrática. É a sobrevivência de certas tradições que a modernização não dissolve. (Xavier apudMena, 2013Mena, Fernanda. “O som e o sentido”. Folha de S.Paulo, 17/2/2013. Disponível em: <Disponível em: https://www1.folha.uol.com.br/fsp/ilustrissima/94154-o-som-e-o-sentido.shtml >. Acesso em: 03/08/2018.
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, p. 3)

Nagib (apudMousinho, 2017Mousinho, Luiz Antonio. “Leitura de O som ao redor e de sua recepção crítica”. Revista de Estudios Brasileños, v. 1, n. especial, 2017, pp. 92-101., p. 98) acentua essa percepção de que o filme trata de um passado recalcado que retorna na tensão, na violência e nos confrontos.

Comparações entre o engenho como “produtor de fantasmas” e o urbano como enclausurado propõem uma solução de continuidade entre o mundo rural e o mundo urbano, entre Casa-grande & senzala e O som ao redor (Araújo, 2012Araújo, Inácio. “Não ditos conduzem trama reveladora sobre Brasil atual”. Folha de S.Paulo, 20/10/2012. Disponível em: <Disponível em: http://www1.folha.uol.com.br/fsp/ilustrada/72958-nao-ditos-conduzem-trama-reveladora-sobre-brasil-atual.shtml >. Acesso em: 10/09/2018.
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, p. 1). A comparação de João, o neto do coronel, com o sinhozinho ou com o abolicionista Joaquim Nabuco foi por vezes explicitada nas críticas ao filme ou pelo próprio diretor em debates e entrevistas.

O filme é, portanto, uma demonstração de “que aquele momento de lazer entre muros - que denota tanto a divisão de classes quanto o medo da violência do Brasil do século XXI - descende da separação entre casa-grande e senzala e da lógica latifundiária dos engenhos do século XIX” (Calil, 2013Calil, Ricardo. “Diretor conecta reflexão social a clima de suspense e humor sutil”. Folha de S. Paulo, 1-º/01/2013. Disponível em: <Disponível em: http://www1.folha.uol.com.br/ilustrada/1208461-critica-diretor-conecta-reflexao-social-a-clima-de-suspense-e-humor-sutil.shtml >. Acesso em: 24/08/2018.
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); “retrato tão abrangente da sociedade nacional, que de certo modo condensa a trajetória do país no período republicano” (Puls, 2013Puls, Mauricio. “Obra retrata fim do coronelismo no país”. Folha de S.Paulo, 17/02/2013. Disponível em: <http://www1.folha.uol.com.br/ilustrissima/1231438-obra-retrata-fim-do-coronelismo-no-pais.shtml>. Acesso em: 15/08/2018.
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: §1). Nesse contexto, o filme surge como testemunho da migração do capital do engenho de cana para os “arranha-céus em Boa Viagem” (Zanin, 2013Zanin, Luís. “Um som perturbador”. O Estado de S. Paulo, 04/01/2013. Disponível em: <http://blogs.estadao.com.br/luiz-zanin/um-som-perturbador>. Acesso em: 15/08/2018.
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: §4), reproduzindo hierarquias “de uma sociedade pré-Revolução Francesa” (Augusto, 2013Augusto, Heitor. “O som ao redor (2012), de Kleber Mendonça Filho”. Revista Interlúdio, 04/01/2013. Disponível em: <Disponível em: http://www.revistainterludio.com.br/?p=5139 >. Acesso em: 26/08/2018.
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: §7). Retoma “a representação dos valores arcaicos, através de um universo demasiadamente urbano” (Nogueira, 2014Nogueira, Amanda Mansur Custódio. A brodagem no cinema em Pernambuco. Tese (doutorado em comunicação). Recife: Universidade Federal de Pernambuco, 2014., p. 172).

Não obstante, o próprio diretor e alguns críticos enfatizam a não passagem direta do mundo rural ao urbano. Assim, o filme faz parte da experiência recente brasileira, em especial a de Pernambuco, em que dois temas se destacam: a “arquitetura brutalista” e a decadência do “sistema engenho” (Mendonça Filho, 2011Mendonça Filho, Kleber. “Filmando ao redor. Conversa com Kleber Mendonça Filho sobre seu primeiro longa de ficção, O som ao redor (2011)”. Revista Cinética, mai. 2011. Disponível em: <Disponível em: http://www.revistacinetica.com.br/entrevistakmf.htm >. Acesso em: 07/08/2018.
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).

Mendonça Filho percebe que seu filme reverbera uma sensação de que a relação entre pobres e classe média está em transformação: menos resignação e evitação de uma postura cabisbaixa diante dos ricos ou poderosos (Mendonça Filho, 2013e_______. “Na estrada com Kleber Mendonça Filho”. Janela, 25/07/2013e. Disponível em: <http://janela.art.br/index.php/entrevistas/na-estrada-com-kleber-mendonca-filho/>. Acesso em: 15/08/2018.
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). Desse modo, o filme, querendo ser histórico, se revela antropológico. Ao enfatizar micropoderes e acontecimentos aparentemente banais, descortina o cotidiano das relações assimétricas no contexto das mudanças sociais pós-Lula (Zamberlan, 2013Zamberlan, Cesar. “O som ao redor”. Revista Interlúdio, 04/01/2013. Disponível em: <http://www.revistainterludio.com.br/?p=5124>. Acesso em: 03/08/2018.
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: §9), apresentando novas zonas de contato e de fricção.

A evolução das ações no filme se estrutura como uma tensão cumulativa narrada por meio de sequências, fios soltos que se justapõem, tendo seu ápice no final do filme com a morte do coronel, do engenho, de um Brasil patriarcal, de um modo de ser servil.

Ao apresentar as fantasmagorias e as assombrações de um passado colonial, O som ao redor quer, justamente, testar “o imaginário moderno” sobre a sociedade brasileira, proposto pelos grandes ensaios intelectuais dos anos 1930.8 8 Além de Casa-grande & senzala, inclui-se, aqui, Raízes do Brasil (1936), de Sérgio Buarque de Holanda. Deseja testar, sobretudo, uma civilização imaginada que emerge da harmonização de valores culturais díspares.

É nesse sentido que o filme se afasta de um modo de fazer cinema e de uma interpretação do Brasil proposta pelo Cinema Novo, que enfatizava uma percepção da classe média “ciosa de seus pequenos privilégios” (Mattos, 2013Mattos, Carlos Alberto. “O som ao redor - a revista fora do plástico”. Críticos, 09/01/2013. Disponível em: <Disponível em: http://criticos.com.br/?p=2651&cat=1 >. Acesso em: 17/07/2018.
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, p. 1). O som ao redor dá voz e ação aos pequenos gestos insubordinados dos subalternos, pondo a classe média em um papel secundário, cenário que permite a emergência de novos protagonistas e suas ações contundentes, conflitivas, explícitas (Escorel, 2013Escorel, Eduardo. “O som ao redor - violência latente”. piauí, 29/01/2013. Disponível em: <Disponível em: https://piaui.folha.uol.com.br/o-som-ao-redor-violencia-latente/ >. Acesso em: 15/7/2018.
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, p. 2; Mousinho, 2017Mousinho, Luiz Antonio. “Leitura de O som ao redor e de sua recepção crítica”. Revista de Estudios Brasileños, v. 1, n. especial, 2017, pp. 92-101., p. 97).

As questões da revanche, do pessimismo, de um “sem futuro”, foram, muitas vezes, enfatizadas na percepção do filme (Rabello, 2015Rabello, Ivone Daré. “O som ao redor: sem futuro, só revanche?”. Novos Estudos Cebrap, n. 101, 2015, pp. 157-73.). Entretanto, o que o longa parece querer revelar é não acomodação, não equilíbrio, não conformismo, que, apresentado pela micropolítica do cotidiano, produz desconforto permanente e uma avaliação crítica que aposta mais nos desacordos e nas contestações do servilismo, nos desencontros que afirmam o universo das relações sociais concretas.

O filme, portanto, ao expor um “instantâneo do medo e da paranoia das classes abastadas […], reatualiza a luta de classes” (Almeida; Pelegrini, 2016Almeida, Rogério; Pelegrini, Christian Hugo. “Os textos críticos sobre o filme O som ao redor, seus pressupostos estéticos e desdobramentos hermenêuticos”. Palabra Clave, v. 19, n. 3, 2016, pp. 721-45., p. 729) no contexto de novos marcadores sociais de inclusão e exclusão, notadamente a raça e o gênero. No cenário de mudanças sociais, o passado e o presente não obedecem, necessariamente, a ordens de causalidade e determinação. Ao contrário, engendram relações tensas, por vezes conflituosas, demandando novas formas de coexistência (Marsh, 2015Marsh, Leslie. “Reordering (Social) Sensibilities: Balancing Realisms in Neighboring Sounds”. Studies in Spanish & Latin American Cinemas, v. 12, n. 2, 2015, pp. 139-57., p. 138).9 9 Conflitos e tensões que, como Migliorin (2013, p. 43) acentuou, são a linha de fuga do filme, podendo mesmo “fazer tudo explodir”.

O som ao redor opta, assim, por uma “descrição social em forma de crítica” (Lins, 2013Lins, Consuelo. “Tensão social como ela é”. O Globo, 03/01/2013. Disponível em: <Disponível em: http://rioshow.oglobo.globo.com/cinema/eventos/criticas -profissionais/o-som-ao-redor-7589.aspx >. Acesso em: 17/7/2018.
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, p. 12). Opera através de elementos de ação que promovem um investimento no plano da “organização social do universo do filme” (Fábio Andrade, 2013Andrade, Fábio. “O som ao redor, de Kléber Mendonça Filho”. Revista Cinética, 11/03/2013. Disponível em: <Disponível em: http://revistacinetica.com.br/home/o-som-ao-redor-de-kleber-mendonca-filho-brasil-2012-3/ >. Acesso em: 10/09/2018.
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, apudMousinho, 2017Mousinho, Luiz Antonio. “Leitura de O som ao redor e de sua recepção crítica”. Revista de Estudios Brasileños, v. 1, n. especial, 2017, pp. 92-101., pp. 97-8). O soundscape, a paisagem sonora que produz, escapa da história, da cultura, da terra, adentrando em outro esquema sensorial que permite, agora, revirar o sentido de uma percepção do Brasil.

É nesse novo campo de contradições que o espaço ganha relevo: a arquitetura emerge como tema central da narrativa. Para Mendonça Filho (2016_______. Aquarius. 141 min. Recife: CinemaScópio/ Globo Filmes, 2016.), no Brasil contemporâneo,

a cidade e a sua arquitetura estão indo contra as pessoas. Há vários momentos no filme em que os personagens são filmados quase como ratinhos dentro de uma gaiola, em um laboratório, eles são obrigados a andar de uma maneira estranha, a passar por obstáculos e dobrar à esquerda porque assim que a coisa foi desenhada. Estão totalmente condicionados àquela geografia, de uma maneira não natural. E não humana. 10 10 Sobre este ponto ver, especialmente, Migliorin (2013, p. 42): “Sintoma preciso dos modos de vida cotidianos estarem atravessados por um legado histórico e que hoje encontra outras formas de exploração e de tensões sociais, trazendo inclusive a arquitetura e o urbanismo como operadores fundamentais nessas continuidades excludentes”.

Arquitetura que reforça a desconfiança e o medo: “A desconfiança é gigante no Brasil. E isso está exposto não só nas relações humanas, mas basta olhar para as cidades, para os muros, ruas, portões. […] O medo do outro, manter o outro do lado de fora […]” (Mendonça Filho, 2013a_______. “A desconfiança é gigante no Brasil”. Bahia Notícias, 03/01/2013a. Disponível em <https://www.bahianoticias.com.br/cultura/entrevista/86-kleber-mendonca-filho-diretor-de-039o-som-ao-redor039-039a-desconfianca-e-gigante-no-brasil039.html>. Acesso em: 15/08/2018.
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).

Mendonça Filho (2011Mendonça Filho, Kleber. “Filmando ao redor. Conversa com Kleber Mendonça Filho sobre seu primeiro longa de ficção, O som ao redor (2011)”. Revista Cinética, mai. 2011. Disponível em: <Disponível em: http://www.revistacinetica.com.br/entrevistakmf.htm >. Acesso em: 07/08/2018.
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) menciona que a leitura de um livro achado num sebo em Roterdã, Defensible Space: Crime Prevention through Urban Design, de Oscar Newman, o ajudou a formalizar o que era antes um conjunto de impressões e observações, o conceito geral do filme. A ideia de “espaço defensivo” entende o design urbano como produção social, propondo uma alternativa à noção político-espacial de “apartamento fortificado”, de paredes, de muros e de trancas. Quando o design urbano não possibilita o desenvolvimento de uma “territorialidade humana” e de uma “vigilância natural”, gera o que se denomina de arquitetura do medo (Knoblauch, 2014Knoblauch, Joy. “The Economy of Fear: Oscar Newman Launches Crime Prevention through Urban Design (1969)”. Architectural Theory Review, v. 19, n. 3, 2014, pp. 336-54., pp. 336-7): modos de construções imediatistas que acabam por recrudescer o medo e a violência em áreas urbanas. Newman estabelece uma correlação entre espaço privado e público, uma vez que o “ambiente afeta o comportamento humano” (1973, p. XIII). No defensible space, os habitantes são agentes na criação da segurança e do conforto social, constituindo espaços de não segregação social ao atrair diferentes pessoas de distintas origens e classes sociais. Diversidade que é responsável por engendrar a possibilidade de autorregulação do espaço (Newman, 1973Newman, Oscar. Defensible Space: Crime Prevention through Urban Design. Nova York: Collier Books, 1973., p. 50; 1996_______. Creating Defensible Space. Nova York: Rutgers University Press, 1996., p. 9).

AS ASSOMBRAÇÕES DE APIPUCOS E OS SONS AO REDOR

Análises sociológicas que tomam as imagens cinematográficas como material privilegiado não necessariamente compreendem o filme como espelho ou reflexo direto de uma sociedade. Os filmes aqui analisados são concebidos como modos expressivos, conectivos, que ajudam a reverberar novas proposições e ideias sociais sobre o mundo filmado. Esse ponto é importante para não reiterarmos formas de interpretações reducionistas em que os filmes são tomados como explicadores de uma realidade, mas tão somente que eles são modos de estabelecer pontos de contato e possíveis relações entre o que se vê na tela e o mundo. A partir dessa percepção é que reconstituo os dois filmes em forma de narrativa etnográfica-visual, enfatizando cenas-chave que nos dão a ver problemas e questões que são objeto deste artigo.

Em O mestre de Apipucos, adentramos numa paisagem achatada, em que é enfatizada a idealização nostálgica de um passado patriarcal. O som ao redor propõe um questionamento que vai além de tomar uma rua de classe média do Recife como metáfora do engenho. Apresenta uma paisagem sonora complexa, composta de múltiplas camadas - nela os sons reverberam uma nova configuração dos protagonistas sociais, na qual vemos emergir os direitos civis, as classes sociais, o gênero e a raça como fatores preponderantes e prioritários na construção de um soundscape do Brasil contemporâneo.

O mestre de Apipucos

A intenção, ao introduzir o filme de Joaquim Pedro de Andrade, é criar zonas de tensão e confronto entre O som ao redor e Casa-grande & senzala, aqui representadas pelo plano visual do Mestre de Apipucos. Os filmes, postos em relação, produzem uma batalha imagética que incide, por sua vez, em possíveis interpretações sobre a sociedade brasileira baseadas em presentificações do passado na forma do eterno retorno do “argumento colonial” ou baseadas em apostas em outras temporalidades capazes de impulsionar o debate sobre a sociedade brasileira para diferentes direções.

O mestre de Apipucos11 11 Esse foi o primeiro filme de Joa­quim Pedro de Andrade, produzido para o Instituto Nacional do Livro do Ministério da Educação em 1959. Joaquim Pedro de Andrade é filho de Rodrigo de Melo Franco de Andrade, fundador do Iphan, amigo a quem Freyre rende homenagens e agradecimentos no prefácio à primeira edição de Casa-grande & senzala, em 1933. Joaquim Pedro de Andrade é afilhado de Manuel Bandeira, a quem devota seu segundo filme da mesma série, intitulado O poeta do castelo (1959). Certamente foi o cineasta que mais dialogou com os pressupostos do Modernismo, propondo mesmo uma releitura desse movimento em sua trilogia: Macunaíma (1969), O homem do pau-brasil (1981) e Casa-grande, senzala & cia. (roteiro de 1986, não filmado) (Andrade; Galano, 2001). é a estetização da vida e das ideias de Gilberto Freyre. Sua força expressiva está em produzir, por meio de imagens potentes, os valores de uma época, de uma interpretação do Brasil, ao enfatizar a harmonia de uma brasilidade como amálgama de culturas que se refletem nas relações servis entre patrões e empregados, na dominação de gênero como eixo fundante do engenho e da sociedade patriarcal espraiando-se para a culinária, as bebidas, os quitutes, a boa vida e o trabalho, temas e questões urdidos em roteiro freyriano. O mestre de Apipucos deixa transparecer uma visão nostálgica e saudosista da casa-grande, de um Brasil patriarcal, de um elogio à mestiçagem, à harmonização de culturas, ao amálgama da cozinha brasileira.

O filme, querendo expressar essa percepção de mundo, estrutura-se como um dia na vida de Gilberto Freyre, do alvorecer ao anoitecer. Aos 59 anos, Freyre, bem cedo pela manhã, desce a escadaria imponente do casarão de Apipucos. Trajando roupa simples e portando uma bengala, realiza seu passeio matinal pelo jardim rústico-tropical. Caminhando por seu sítio, “repleto de jaqueiras e mangueiras”, nos conta que ainda de madrugada desperta com o canto dos vizinhos maristas em Apipucos.12 12 Refere-se à antiga Casa Provincial dos Irmãos Maristas, que a habitam desde 1897. Em 2006, passou a abrigar a Faculdade Marista e, hoje, a Faculdade Imaculada da Conceição do Recife.

Em um enquadramento fechado sobre uma das estantes de livros no interior da casa, aparece em primeiro plano a edição inglesa de Casa-grande & senzala, The Masters and the Slaves. Gilberto, sentado em sua poltrona de couro tipo Berger, escreve em sua prancheta a seguinte frase: “Um livro que alguém precisa escrever é este: uma história da vida de estudante no Brasil” enquanto sua voz ecoa sublinhando a imagem: “Escrevo entre livros e notas em tábua de pinho-de-riga”.

A câmera, ao circular por sua biblioteca de 20 mil volumes e por muitas notas espalhadas pelas mesas e prateleiras, redobra o peso do conhecimento e da força intelectual do, agora, quase gigante Gilberto Freyre.

A música do filme é a suíte orquestral Descobrimento do Brasil, originalmente composta por Villa-Lobos em 1937 para o filme homônimo de Humberto Mauro, que, agora, adere à imagem de Gilberto como descobridor da cultura e da nação brasileira.

Surge sua esposa, Magdalena, bem vestida. Chama-o para o café da manhã servido numa mesa de jacarandá na antessala da cozinha, cujas paredes estão cobertas de azulejos portugueses do século XVIII. Reluzem, à mesa, a prataria, os copos de cristal, as delicadas xícaras de porcelana. Gilberto nos diz que “às sete horas interrompe o trabalho para um café com leite frugal, servido por Manoel, há muitos anos com a nossa família”. A frase “Manoel, há muitos anos com a nossa família” redobra seu sentido quando entra em cena o mordomo negro trajando calça e camisa de manga comprida pretas, sobre a camisa um colete compondo seu uniforme. Ele entrega a correspondência para Gilberto e deposita à mesa uma bandeja de prata com pães. Sua esposa serve o café, passando a xícara ao marido, que acrescenta um pouco de açúcar. Toma o café em ato encenado, levanta-se da mesa com ar sério, beija a testa da mulher e se retira para o escritório.

De lá, olha pela janela e, numa superposição espacial, vemos um plano da praia de Boa Viagem, deserta e desabitada nos anos 1950. Ele está solitário, sentado na areia, lendo uns papéis: “De Apipucos vou às vezes a Boa Viagem sozinho ou com a mulher e os filhos. Não me canso de olhar as cores deste mar onde nado desde menino. Eu poderia me esquecer do tempo nesta praia, não fosse ter de voltar para o peixe ou cozido que me espera”. Corte para uma panela com um peixe sendo frito, vemos Bia, a cozinheira mestiça, impecavelmente uniformizada à beira do fogão. Os dois trocam olhares e sorrisos na cozinha quando ele diz: “A cozinheira Bia prepara o peixe sob a direção de Magdalena, minha mulher. Há dias que eu mesmo provo a cavala-perna-de-moça, o melhor peixe de Pernambuco”. Em montagem paralela, Bia prepara o peixe, Gilberto retira da cristaleira da sala algumas bebidas e comenta que, “quando há convidados, [faz] uma batida com pitanga, maracujá e hortelã, tudo do sítio de Apipucos”. Ao terminar o preparo da batida, serve-a num cálice de prata e encena, deliberadamente, provar a batida e, em seguida, sorri para câmera. A cozinheira experimenta a comida. Chegando à cozinha nesse momento, ele entra em quadro, bate delicada e paternalmente nas costas da cozinheira, prova o peixe, lam­bendo os lábios. Corte para um gato que, deitado na rede, também lambe os lábios. Na varanda, deitado em uma rede do Ceará, Gilberto fuma cachimbo, lê um livro “fora da sua especialidade”. Sua esposa junta-se à cena e se senta em uma confortável cadeira de vime onde começa a bordar. Um zoom enquadra a capa do livro e o rosto de Gilberto emoldurando o plano final do filme em que se lê: “Manuel Bandeira, Poesias, Livraria Jose Olímpio Editora”.

O filme explora o ator Gilberto como aristocrata, vivendo seu cotidiano de intelectual em um dos cenários de seu livro, uma casa de engenho que sobreviveu aos tempos da opulência da cana-de-açúcar.13 13 A casa do antigo engenho Dois Irmãos foi adquirida no final dos anos 1930 e, depois de restaurada, passou a ser a Vivenda de Santo Antônio de Apipucos. Sua mudança para lá no começo da década de 1940 coincide com o casamento com Magdalena, vinte anos mais moça, e com a formação de sua própria família. Nesse local, paradoxalmente, encontra as condições ideais para concluir a história da sociedade patriarcal no Brasil. Opera uma intensificação minimalista de cada gesto freyriano, transformando o retratado em representação de sua própria obra. As imagens, ao misturarem pessoa e personagem, acentuam os símbolos ao redor: móveis pesados de jacarandá, os 20 mil livros, a prancheta de pinho-de-riga, os azulejos do século XVIII, a prataria, o mordomo, a cozinheira, a poltrona de couro Berger, o beijo na testa da esposa (uma esposa dedicada, obediente, que borda, que lhe serve o café, que dirige a cozinha); a batida das frutas do engenho, o canto dos maristas, o jardim tropical, a rede do Ceará, o passeio em Boa Viagem, a leitura de Manuel Bandeira. Surge, assim, um Freyre em atuação nas suas relações sociais engenhadas em Apipucos.14 14 Apipucos desde os anos 1940 até o final de sua vida, 1987, passa a ser essa síntese de distintas temporalidades do hoje, no passado, e do passado sendo o agora, bem ao modo como Freyre opera o tempo em sua obra (Bastos, 2006, pp. 152, 184).

A encenação do Mestre de Apipucos por Gilberto é crucial nessa construção do documentário de Joaquim Pedro, que quer, justamente, captar esse paradoxo da pessoa e do personagem vivido de forma intensa por Freyre, em uma mistura proposital entre obra e vida. O filme nos devolve o Mestre de Apipucos, que é a encarnação, afinal, de sua própria interpretação do Brasil: um pretenso patriarca, dono e senhor do engenho das ideias. Gilberto Freyre vive o Brasil patriarcal reencenando-o: “Eis como, por obra dessa operação quase singela, comparece diante de nossos olhos o Brasil patriarcal em pessoa, espécie de presença viva, mas fantasmagórica, de um passado que ainda assombra” (Paschoa, 2004Paschoa, Airton. “A estreia de Joaquim Pedro: gigante adormecido e bandeira popular”. Revista USP, n. 63, 2004, pp. 144-56., p. 148).

O som ao redor

A música de abertura,15 15 Cadavres en série, de Serge Gainsbourg, trilha sonora original do filme Le Pacha (1968), de Georges Lautner, cujo tema acentua, justamente, a oposição entre tradição e modernidade. com ênfase nos tambores, apresenta fotografias em preto e branco construindo sonoramente a primeira sequência do filme. Uma porteira fechada na entrada de um engenho, uma família de trabalhadores rurais na porta de sua casa de pau a pique, a imagem de um senhor de terno com uma prancheta anotando informações de uma senhora no terreiro de sua casa, uma moça com uma fantasia, trabalhadores rurais com suas foices levantadas, canavial, a casa-grande em toda a sua opulência, homens e mulheres trabalhadores plantando e preparando a terra, mulheres trabalhadoras com papéis na mão apresentando-os para a câmera, aparentemente reclamando seus direitos. Essas fotos são, na maioria das vezes, interpretadas como enfatizando os coronéis, o engenho, o mundo rural dominante e suas relações desiguais (Costa, 2015Costa, Maria Helena Braga e Vaz da. “Social and Cinematic Landscape in Neighboring Sounds”. Mercator, v. 14, n. 23, 2015, pp. 27-43., pp. 33-4). Porém, saindo da chave de rebatimento mecânico entre o mundo rural do passado e o mundo urbano moderno, adentramos na essência do filme, que procura estabelecer continuidades entre os conflitos e as lutas do campo com a configuração do Brasil contemporâneo, que produz a crítica ao servilismo e a naturalização da dominação. Não se trata de uma nostalgia do engenho e de suas relações servis, são fotos de um passado contestatório que contradiz a ordem social (Oliveira; Martins, 2016Oliveira, Eugênio Magno Martins de; Martins, Geovana Ramos. “Além dos olhos”. Revista Brasileira Estudos Pedagógicos, v. 97, n. 245, 2016, pp. 213-18., p. 215).

Estamos aqui situados no plano “cabra marcado”.16 16 Cabra marcado para morrer (1984), de Eduardo Coutinho. Mais do que citação, Mendonça Filho quer mostrar sua filiação a uma determinada interpretação da sociedade brasileira, àquela exposta por Eduardo Coutinho no filme-saga em que opera uma nova configuração não apenas do cinema brasileiro, mas das questões sociais que estariam, a partir daí, na ordem do dia da sociedade.

Depois dessa cena, seguimos a menina que patina e o menino de bicicleta, que nos dão a ver as marcas inconfundíveis de gênero, raça e classe social situadas nas margens da quadra polivalente do condomínio: corpos negros de babás uniformizadas.

As crianças observam um trabalhador que instala ou recupera grades de ferro em uma janela. Vemos prédios altos, a desigualdade urbana do Recife, um casal de estudantes que se beija e uma colisão entre dois carros em um cruzamento. Afeto, desejo, violência, choque, palavras-chave dessa nova configuração imagética.

Vemos a rua vazia e tranquila contrastando com o som dos cachorros que latem e ganem. Bia, uma dona de casa, se angustia com o som dos animais vizinhos. Insone, enquanto seu marido dorme, levanta-se e, com uma faca, corta pedaços de carne que, mais tarde saberemos, são enrolados em soníferos para apaziguar os cães. Múltiplas cenas investem nessa relação entre a dona de casa e os cachorros, fios condutores do filme até o desfecho final. Bia cultiva relações interespecíficas com animais e objetos. Os cachorros encarnam as relações de raiva, culpa, violência e simetria. O aspirador de pó colabora para eliminar o cheiro da maconha fumada no ambiente doméstico do lar de classe média. A máquina de lavar roupa transforma-se em um vibrador gigante. Cenas que configuram uma anestética violência sub-reptícia que silencia e aplaca o medo do choque do mundo moderno.17 17 Destaco a importância da noção de “choque” benjaminiana para a constituição do mundo moderno (Buck-Morss, 2012). Bia sai de sua “jaula”, desce as escadas, para receber um aparelho de TV de quarenta polegadas. Uma vizinha adentra a cena interpelando o entregador, dizendo que comprou também uma tv e perguntando se vão entregar ainda naquele dia. O entregador diz que a próxima entrega é de um aparelho menor, de 32 polegadas. A palavra menor ecoa. O ciúme se instala, a vizinha em fúria ataca a dona de casa e as duas brigam na calçada. Cena minimalista, porém plena de significado ao demonstrar que do mínimo e do subliminar, do menor, irrompe o conflito, uma erupção levada a termo que ganha a estética da batalha corporal, dos tapas, dos cabelos puxados, das marcas vermelhas no corpo de Bia após o combate. Bia, depois de se angustiar novamente com o cachorro, fuma maconha e tem a visão de que algumas pessoas invadem uma casa vizinha. Sem rodeios, aportamos aos fantasmas da alteridade, o outro é o inimigo. Mas Bia está segura em seu “apartamento fortificado”.

Bia leva seus filhos para o curso de inglês. No caminho, passa por cima de uma bola e a fura. Acontecimento não intencional, microcomportamentos que causam indignação e frustração. Bia conversa com o marido e os filhos, no lanche noturno, sobre a insegurança: os CD players roubados dos carros e os seguranças que chegaram na rua para oferecer seus serviços. O cachorro começa a ganir, perturbando-a. Os filhos de Bia aprendem mandarim com uma professora chinesa. Mundo capitalista contemporâneo, novas relações sociais em que o chinês é a metáfora surrealista de conquistar uma condição de superioridade no mundo. A filha de Bia tem um pesadelo em que o terreno vizinho é invadido por homens que pulam o muro e adentram o jardim. Porém, ela está segura em seu apartamento gradeado.

Grades dos prédios. Adentramos no interior de um apartamento. Garrafas, sinais de festa. João e Sofia surgem nus, deitados no sofá da sala. A empregada, ao chegar no apartamento, observa os dois correrem para o quarto. O casal transa no quarto, enquanto as duas filhas da empregada veem televisão na sala. Desconcerto que expõe relações assimétricas, embora enraizadas no plano da subjetividade, entre patrões e empregados. Relação social que, ao expressar intimidade, confronta distintas moralidades, marcando uma situação de subalternidade, ao produzir uma sensação de invisibilidade acrítica da presença dos patrões e de seu modo de se comportar no mundo. O carro de Sofia é arrombado na porta do prédio e o CD player é roubado. Roubo que, por sua vez, embaralha o cenário da delinquência e dos papéis de classe social. Dinho, primo de João, também neto do “coronel” Francisco, o “dono da rua”, é o delinquente de classe alta. João pergunta aos lavadores de carro se viram algo se passar ali durante a noite, interpelando-os com uma subliminar suspeição. O som dos CDs piratas invade o plano seguido pela sirene de uma viatura de polícia que cruza a rua.

João, ao mostrar um apartamento para uma cliente, diz que tem uma linda vista. Da sala vê-se uma nesga de mar entre arranha-céus. A cliente conta que no dia anterior uma pessoa se suicidou no prédio e, em seguida, pede um desconto. João retruca dizendo que não percebe nenhuma associação entre o ocorrido e o preço do aluguel. A mulher diz que sente uma “coisa estranha” e que não vai alugar o imóvel. A especulação imobiliária, com sua racionalidade capitalista, aqui é afrontada por um pensamento antimoderno, as assombrações e o suicídio irrompem a cena como crítica à irracionalidade das construções e à violência dessa nova condição moderna do Recife.

João chega em casa, depois de recuperar o CD player que seu primo (branco e de olhos claros) roubou, encontra um rapaz negro deitado em seu sofá, dormindo. Reage de forma natural,18 18 Esse “reagir de forma natural” é enfaticamente construído pela direção cinematográfica de Mendonça Filho quando procura explicitar as tensões e os conflitos de raça, classe e gênero. Ao desenfatizar a “reação” do personagem diante das contradições sociais, faz com que elas sejam vividas de modo sensorial e intelectual, agora, na perspectiva do espectador. Cena semelhante se passa em Aquarius quando dois jovens caracterizados como da periferia do Recife se juntam ao grupo de classe média, ao final da aula de ginástica na praia. Essa cena acentua, mais uma vez, a perspectiva do espectador ao provocar uma interrogação, de forma imediata e contundente, sobre as contradições visuais-so é o filho da empregada que chegou cansado do trabalho, sabemos que trabalha das 22h às 6h todos os dias. O filme remarca as relações de proximidade interclasse e inter-racial de modo a pontuar uma sensação de que há um perigo latente, algo pode descambar em conflito, em curto-circuito, em uma violência que se efetiva.

João vai a uma reunião de condomínio. O síndico do prédio insinua que o porteiro está velho e dorme no serviço. Microperversidades das relações assimétricas cotidianas são reinventadas nos condomínios modernos. As reuniões de condomínio condensam, explicitamente, as formas de violência verbal e institucional, expondo as contradições de classe social. Uma senhora reclama do porteiro, dizendo que ele está intencionalmente fazendo coisas erradas para ser demitido e receber sua indenização: todos os domingos a senhora recebe a revista Veja fora do plástico. Outra pessoa diz que o porteiro faz questão dos adicionais noturnos e alguém diz que ele “ganha pra dormir”. Um morador vai à reunião com seu filho adolescente, que leva um computador no qual exibe imagens captadas pelo seu celular que provam que o porteiro dorme em serviço. Alguém argumenta que o fato pode configurar demissão por justa causa. Fazem as contas da indenização e somam no total 316 reais para cada apartamento. As pessoas reclamam. O síndico argumenta que muita gente gasta esse dinheiro em uma única noite, em farra ou comprando maconha. A reunião de condomínio se converte em um tribunal da classe média que julga, impiedosamente, e entre si, os subalternos.

Um plano geral mostra as terras infinitas de um engenho. Uma estrada de terra, um carro, uma casa. Francisco está na porta. No almoço, o avô expressa o desejo de que o neto se case. O engenho se apresenta decadente, os cachorros comem milhagas de pão na sala de jantar, os móveis são velhos, não há nenhum sinal de prosperidade. O fim de uma era rural que aponta para uma nova configuração das relações sociais no Brasil que se dão no espaço urbano. Sofia não quer casar com João apenas porque ele é rico, recusa o lugar de mulher tradicional. Passeiam pelas entranhas da casa-grande decadente. Escutam os passos do avô no andar de cima. Visitam a escola das crianças, andam pelas ruínas da antiga moenda de cana. A maquinaria está jogada por terra. Passam por um cinema destruído e, nos escombros, ouvem-se gritos de filmes de terror ou suspense. Mundo que agora é sombra e assombração.

João, Sofia e Francisco gritam e divertem-se numa cachoeira. De repente, a água vira sangue. Sangue jorrado da antiga opulência escravocrata acentua que a violência da instituição engenho está ali presente.

Na casa de João, ele usa de um subterfúgio para mandar a faxineira botar a sandália, dizendo que descalça ela pode tomar um choque com o ferro de passar roupa, ela obedece. Em seguida, sem cerimônia e de forma impiedosa, diz que vai viajar na outra semana e que ela não precisa vir. Sofia diz que vai perguntar se alguém necessita de faxina no seu escritório, tentando repor a diária que a faxineira perderia.

Ela, que morou na mesma rua vinte anos antes, revisita, em companhia de João, sua antiga casa, que agora vai ser derrubada para dar lugar a um prédio de 21 andares.

Um negro carrega um galão de água pela porta dos fundos do apartamento de João e o coloca na área de serviço. O entregador de água, o mesmo que faz a entrega na casa de João, fornece água e maconha para Bia.

Uma mulher sai do prédio e vai pegar seu carro, que estava sendo lavado. O porteiro oferece ajuda para carregar sua bolsa. O rapaz negro que lavava o carro começa a atendê-la de forma serviçal, mas o porteiro arranha a lataria do carro com uma chave enquanto a mulher conversa no celular. A ação sublinha o desacordo, desafiando uma naturalização das desigualdades.

Entram em cena Clodoaldo e seu amigo, que querem instituir a vigilância privada na rua. Passam de casa em casa tentando convencer as pessoas a pagarem por seus serviços.

Os seguranças vão visitar seu Francisco, o patriarca, “dono da rua” e, também, do engenho. Entram pelos fundos passando por várias portas e grades. A empregada uniformizada os atende. A conversa com Francisco em seu apartamento reflete a assimetria da relação imagetificando um antigo Nordeste: o sertão, o engenho, as terras. Francisco diz ao segurança que acompanha Clodoaldo, e que é cego de um olho, que Lampião também era cego, mas foi apagado. O rapaz retruca dizendo que antes de morrer Lampião derrubou muitos.

Os seguranças montam sua barraca e assistem no celular a um vídeo da morte de um segurança que foi assassinado a tiros em um bairro do Recife. A violência irrompe, literalmente, como imagem. Coisificada como mercadoria, eterniza-se afigurando-se em imaginário coletivo. Tecnologia e imaginário se confundem.

Observado pelos seguranças, seu Francisco vai tomar um banho de praia noturno, veem-se placas que avisam: perigo de tubarão.

Os seguranças ligam para Dinho, neto de Francisco que rouba os carros da rua, ameaçando-o de morte, invertendo a relação de classe social, contrariando o que foi determinado pelo senhor de engenho Francisco. Dinho, furioso, vai até os seguranças e performa o discurso “você sabe com quem está falando?”. Esclarece aos seguranças que a rua é de sua família, que ali não é favela.

Numa conversa entre os três, um dos seguranças diz ao outro que conheceu Clodoaldo, o segurança, quando sua irmã foi atropelada - e narra em detalhes a tragédia do atropelamento, o que ocorreu com seu corpo, sem rodeios, direto e explícito. Depois mostra a foto dela no seu celular.

A empregada de Francisco tira o uniforme, veste uma roupa sexy e vai com Clodoaldo a uma casa vazia da rua e fazem sexo na cama de casal dos patrões.

Uma criança negra sobe numa árvore para pegar fruta. Os seguranças dão um soco violento em seu rosto.

A empregada de Bia acidentalmente liga o aparelho antilatido, comprado para amedrontar o cachorro, sem usar o transformador e o queima. Furiosa, Bia a humilha, mas ela não se mostra servil, contra-argumenta.

Francisco chama Clodoaldo e seu irmão em sua casa para pedir-lhes que sejam seus seguranças pessoais. Está assustado porque seu capataz foi morto. Francisco pensa que foi vingança. Os irmãos citam a data de 27 de abril de 1984. Francisco a princípio não lembra, depois recorda que aqueles são os filhos de Antônio. Dizem que por causa de uma cerca o pai foi morto. Os seguranças matam Francisco, o senhor de engenho, aquele que deveriam, agora, proteger. A morte de Francisco descortina um admirável mundo novo das configurações da sociedade brasileira em que as classes se enfrentam, o racismo é reconhecido, uma nova arquitetura de prédios, de sons, engenha as novas relações sociais. Assim, O som ao redor, ao criar um cenário em que o “passado passa”, contraria a premissa freyriana, fundadora da visão de um Brasil que é da ordem da repetição, do fatalismo, da naturalização, do conformismo: a de que o “passado não passa”.

O “SISTEMA CASA-GRANDE & SENZALA”:19 19 Reconheço a existência da “montanha de estudos freyrianos”, usando aqui uma expressão de Pallares-Burke e Nicolazzi (2016, p. 229). Uma análise detida desse volumoso material ultrapassaria o escopo deste artigo. Recorro a algumas análises da obra de Freyre e ao próprio Freyre quando concorrem diretamente com os argumentos propostos no artigo. ANTAGONISMO EM PERPÉTUO DESEQUILÍBRIO

Mendonça Filho “escova a história a contrapelo”,20 20 Tomo aqui emprestada essa noção de Benjamin (1994, p. 225). toma o passado como presente, dando-nos a ver não exatamente Casa-grande & senzala, mas um “sistema casa-grande” instaurado no Recife urbano, em que se destacam o medo, a insegurança, a injustiça social, a desigualdade. O “sistema” é apresentado no cotidiano, no plano das relações sociais, tendo a violência como forma expressiva de comunicação. O que aproxima O som ao redor de Casa-grande & senzala é a narrativa do tempo vivido, da subjetividade, do ritmo, da vibração do som e do tempo, realocando nosso olhar no cotidiano, nas experiências (Benzaquen, 1994Benzaquen de Araújo, Ricardo. Guerra e paz: Casa-grande & senzala e a obra de Gilberto Freyre nos anos 30. Rio de Janeiro: Editora 34, 1994., p. 373).

Casa-grande & senzala, como nos aponta Benzaquen (1994Benzaquen de Araújo, Ricardo. Guerra e paz: Casa-grande & senzala e a obra de Gilberto Freyre nos anos 30. Rio de Janeiro: Editora 34, 1994., pp. 44, 68, 75), constrói uma narrativa justapondo de forma ambígua os antagonismos na proposição do que seria a cultura ou a formação da sociedade brasileira. Freyre apostava que esse modus operandi era sua potência, sua riqueza, ao “equilibrar os antagonismos”, as “metades confraternizantes” que se “enriquecem de valores e experiências”, “que se completam num todo” (Freyre, 2003Freyre, Gilberto. Casa-grande & senzala. A formação da família brasileira sob o regime da economia patriarcal. São Paulo: Global , 2003., pp. 418-9). O som ao redor opera por antagonismos, não de simples complementaridades, mas por schismogenesis - processo em que a diferenciação dos agentes sociais, grupos ou culturas performa na tela um antagonismo em perpétuo desequilíbrio (Bateson, 2006Bateson, Gregory. Naven: um esboço dos problemas sugeridos por um retrato compósito, realizado a partir de três perspectivas, da cultura de uma tribo da Nova Guiné. São Paulo: Edusp, 2006., pp. 215-37). O conceito de schismogenesis é capital aqui por propor uma contra-argumentação ao “equilíbrio de antagonismos”. Nesse contexto, os encontros culturais não dão origem ao melting pot ou a um amálgama, mas a processos de diferenciação entre indivíduos e culturas que, ao serem intensificados, levam a distinções agudas e a conflitos explícitos.

O antagonismo freyriano foi produzido a partir de uma visão de mundo “moderna”, que pensava as diferenças como possibilidades complementares, a diversidade produzindo ricas formações sociais.21 21 Ver, por exemplo, “Raça e história”, palestra de Lévi-Strauss (1976) proferida na Unesco em 1952, em que essas premissas modernas são afirmadas em escala científica e política. Casa-grande & senzala opera a partir de determinadas chaves formais da narrativa modernista: retratar a sexualidade de forma franca e direta, obsessão perseguida como fio condutor da narrativa; narração por meio de perspectivas fragmentadas e múltiplas. Some-se a isso a questão do “equilíbrio de antagonismo”, que estava posta como tema desde o começo do século XIX nas interpretações sobre as formações sociais modernas, ganhando espaço na teoria sociológica de Spencer e na teoria da história de Giddings - este último professor de Freyre (Burke; Pallares-Burke, 2008Burke, Peter; Pallares-Burke, Maria Lúcia. Gilberto Freyre: Social Theory in the Tropics. Oxford: Peter Land Ltd., 2008., p. 65).

Adorno, na sua definição do modernismo, enfatiza um aspecto crucial que ajuda a compreender ambas as propostas de Casa-grande & senzala e O som ao redor: “A modernidade é uma categoria qualitativa, não cronológica […]. Deve dar as costas à coerência da superfície convencional, a aparência de harmonia, a ordem corroborada apenas pela replicação” (2005Adorno, Theodor. Minima moralia: Reflections on a Damaged Life. Nova York: Verso, 2005., p. 218).

Percebe-se aqui uma insistência de Adorno nessa condição moderna como a rejeição da harmonia e da coerência ou, em outras palavras, tomar a harmonia negativamente, uma vez que ela, agora, incorpora as contradições.

Nesse sentido, o Brasil, considerado em sua diversidade, parecia ser uma fonte de inesgotável riqueza e produtividade. Uma figuração do Brasil tomando-o em sua percepção cultural. Concepção culturalista que percebe as diferenças como possibilidades conciliatórias. O problema central aqui é que Freyre pensa a sociedade brasileira gerada por dualismos culturais (Melo, 2013Melo, Alfredo César. “Saudosismo e crítica social em Casa grande & senzala: a articulação de uma política da memória e de uma utopia”. Estudos Avançados, v. 23, n. 67, 2013, pp. 279-96., p. 280). Nesse sentido, as diferenças entre O som ao redor e Casa-grande & senzala residem no modo como se coloca a ênfase na cultura ou nas relações sociais. Casa-grande & senzala tem como argumento central a cultura como modo de elaborar diferenças, conflitos, antagonismos (Benzaquen, 1994Benzaquen de Araújo, Ricardo. Guerra e paz: Casa-grande & senzala e a obra de Gilberto Freyre nos anos 30. Rio de Janeiro: Editora 34, 1994., p. 374). O som ao redor ataca o plano das relações sociais, na esfera da subjetividade. Apresenta desacordos manifestos pela microfísica dos afetos, dos pequenos gestos, nos silêncios, nos ruídos. Investe num modelo desequilibrado, paradoxal, engendrado por ações no mundo em que a linguagem da violência positiva o desequilíbrio: o soco na cara do menino negro, o tiro no coronel, a briga das vizinhas, o porteiro que arranha o carro da madame.

O plano das contradições, dos antagonismos sem proposição de solução, é o que O som ao redor nos reconstitui. Ao ressignificar as questões da desigualdade e da diferença, joga-nos no plano das injustiças que descambam no conflito, no medo, na tensão das práticas sociais.

A construção de um “mito da ambiguidade do brasileiro” se apoia em uma percepção da obra freyriana de que ali encontramos um modelo de harmonia autoritária gerador de um convívio social em que os conflitos são a arte do equilíbrio das diferenças (Villas Bôas, 2004Villas Bôas, Glaucia. “Casa grande e terra grande, sertões e senzala: a sedução das origens”. Iberoamericana, v. 4, n. 13, 2004, pp. 23-37., pp. 24-6). Problema que O som ao redor enfrenta, escapando dos grandes temas, por vezes estéreis e retóricos, da desigualdade e da diferença, dando-nos a ver as incertezas, as revanches, o poder menor.

Nas questões fundadoras do Modernismo, observam-se alguns impasses, como o expresso pela ideia de conflito reverberando nos problemas do privado, do individual, da alteridade, como modos de se construir a dialética das relações sociais (Rufinoni, 2014Rufinoni, Simone. “Mário e Drummond: nacionalismo, alteridade, arte”. Estudos Avançados, n. 28(80), 2014, pp. 247-66.). A ideia de conciliar as contradições, o ideal do mestiço harmônico, do amálgama, da decadência patriarcal, do autoritarismo, permeia desde sempre as interpretações sobre a obra de Freyre, que não cessam de apontar para novas elaborações, aprofundamentos e novas questões (Bastos, 2006Bastos, Elide Rugai. As criaturas de prometeu: Gilberto Freyre e a formação da sociedade brasileira. São Paulo: Global, 2006.).

No âmbito do próprio Modernismo, observa-se uma outra argumentação que se aproxima da proposta de O som ao redor. Trata-se da insurgência do “sistema Macunaíma”, que pensa de outro modo a diferença e suas contradições na construção do Brasil. Como enfatiza Mello e Souza (2003Mello e Souza, Gilda de. O tupi e o alaúde. São Paulo: Editora 34, 2003., p. 84), é preciso afastar-se, portanto, de uma explicação triunfal da sociedade brasileira em que Macunaíma é tomado como “fábula normativa”, afirmação de uma ideia de antropofagia que seria uma devoração acrítica de valores extremos pela vitalidade da cultura brasileira. O “sistema Macunaíma”, e aqui vemos seu rebatimento na constituição de O som ao redor, veicula um pessimismo “ambivalente, dúbio, indeciso, entre duas ordens de valores”, o que caracteriza Macunaíma como “um homem degradado que não consegue harmonizar culturas diversas”. E aqui o “discurso selvagem” é sempre dilacerante, já que está posto nesta condição do conflito, da desordem, da desarmonia (idem, p. 40).

O som ao redor assassina o coronel, figura ícone da sociedade patriarcal, colocando o engenho à sombra, definitivamente, no modo de narrar a história da colonização brasileira. Não se trata apenas de uma vendeta ou de um ajuste de contas com o passado, mas de um modo novo de atualizar o presente através desses “elementos soltos” que, como efeito bumerangue, retornam de onde partiram, destruindo a máquina geradora de seu sentido ao descortinar os conflitos, as batalhas, a guerra do dia a dia. Os antagonismos desequilibrados agora surgem das radicalizações das posições de classe, de raça e de gênero que acabam por atualizar um novo cenário no qual se enquadram as relações sociais. Portanto, O som ao redor, em vez de buscar o equilíbrio ou a superação dos antagonismos, aposta nas dissonâncias e fragmentações, em imagens condensadas das relações socioculturais da sociedade brasileira contemporânea.

Se as questões de história, tradição, memória e tempo são cruciais no modo de se operar o modernismo no Brasil (Veloso, 2000Veloso, Mariza. “Gilberto Freyre e o horizonte do modernismo”. Sociedade e Estado, v. 15, n. 2, 2000, pp. 361-86., p. 362), e de alguma forma vemos rebatimentos desses mesmos temas em O som ao redor, percebe-se, entretanto, novos encaminhamentos propostos pelo filme. O som ao redor procura se afastar do “argumento colonial” (idem, p. 368) como modo genérico de alocar as mazelas e os problemas da sociedade em um passado remoto. Os temas da memória, do tempo e da tradição abrem o filme. As primeiras imagens são de fotografias do engenho, do campo, de um passado e de uma outra época. As fotos marcam a passagem do tempo em que se anteveem as transformações sociais. O filme sublinha com essas fotografias o sentido das lutas, do conflito, do tempo dos direitos.22 22 Tema crucial na reviravolta do mundo dos engenhos nos anos 1960, quando surge o “direito” como categoria importante na construção das lutas dos trabalhadores rurais, marcadora de um tempo histórico, o que propulsiona as relações sociais cotidianas (Sigaud, 1979). As fotos são nostálgicas em um novo sentido, naquele de que ali um Brasil não se operou pela via do conflito e do desentendimento.

Darcy Ribeiro chamou atenção para o ambíguo na obra de Freyre, o que se refletia em sua própria vida, isto é, como vivia o drama de ser simultaneamente pernambucano e inglês (Ribeiro, 1979Ribeiro, Darcy. Ensaios insólitos. Porto Alegre: L&PM Editores, 1979., p. 26). Tal ambiguidade se rebate em Mendonça Filho e sua obra num sentido completamente distinto daquele atribuído a Freyre. O inglês de Mendonça Filho é o do aspecto contestatório da working class. O de Freyre é o da Comenda da Grande Cruz dos Cavaleiros Britânicos, recebida pela rainha da Inglaterra.23 23 É preciso, também, levar em conta que “o pensamento de Gilberto Freyre se constitui em um componente essencial do bloco de poder que se forma e desenvolve a partir de 1930. Em especial, legitima cientificamente o vasto segmento agrário e tradicionalista, sem deixar de indicar a necessidade de transformação do mesmo” (Bastos, 2006, p. 197). Outro contraponto entre Mendonça Filho e Freyre se impõe quando Freyre é anti-Goulart, apoia os militares em 1964, é contra as Ligas Camponesas, o comunismo, faz propaganda para a Arena e é nomeado por Médici, em 1969, ao Conselho Federal de Cultura (cf. Mota, 1977Mota, Carlos Guilherme. Ideologia da cultura brasileira (1933-1974). São Paulo: Ática, 1977., p. 71).

Porém, “ambiguidade” que insiste em ser uma categoria estratégica na obra de Freyre, produzindo um Brasil como “imagem de sociedade marcada por um grau inusitado de tensão” (Benzaquen, 1994Benzaquen de Araújo, Ricardo. Guerra e paz: Casa-grande & senzala e a obra de Gilberto Freyre nos anos 30. Rio de Janeiro: Editora 34, 1994., p. 22).24 24 Ver Bastos (2017) para uma percepção mais detalhada desta construção original em Freyre proposta pela interpretação de Benzaquen (1994). Talvez, aqui, resida a chave do entendimento de continuidade entre a proposta de Freyre e a de Mendonça Filho, uma vez que o desafio dessa sociedade é, estruturalmente, o de pôr junto coisas separadas.

Freyre, em obra posterior, foi profético ao anunciar um “sistema casa-grande-senzala” que se despedaçou aos poucos até que “se partissem, quase pelo meio, os elementos soltos espalhando-se um pouco por toda a parte e completando-se mal nos seus antagonismos de cultura europeia e de cultura africana ou indígena. Antagonismos outrora mantidos em equilíbrio à sombra dos engenhos” (Freyre, 2013_______. Sobrados e mucambos: decadência do patriarcado rural e desenvolvimento do urbano. São Paulo: Global, 2013., p. 168).

Esse “sistema”, quando saído das sombras do engenho, projeta-se por todo lado de modo descontrolado, desequilibrando espaços e tempos sociais outros. O som ao redor parte de algum lugar desse “sistema”, apostando nas suas transformações. A casa-grande e a senzala, quando tomadas em seus “elementos soltos”, chegam a uma rua de classe média alta no bairro de Boa Viagem, no Recife, dando-nos a ver um insistente som, construtor de uma paisagem sonora que está, agora, em perpétuo desequilíbrio.

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FILMOGRAFIA

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  • Coutinho, Eduardo. Cabra marcado para morrer. 119 min. Rio de Janeiro: HBO2 distribuição, 1984.
  • Mendonça Filho, Kleber. O som ao redor. 131 min. Recife: CinemaScópio, 2012.
  • _______. Aquarius. 141 min. Recife: CinemaScópio/ Globo Filmes, 2016.
  • 1
    O movimento de cinema do Recife da década de 2010, no qual se integra Kleber Mendonça Filho, trata de questões urbanas e de processos de desigualdade social. Contrastam imagens de uma verticalização imobiliária com a de um passado dos antigos engenhos de cana-de-açúcar. Ver as obras dos diretores Gabriel Mascaro, Marcelo Lordello, Marcelo Pedroso entre outros (Ikeda, 2012Ikeda, Marcelo. “O ‘novíssimo cinema brasileiro’. Sinais de uma renovação”. Cinémas d’Amérique latine, n. 20, 2012, pp. 136-49.).
  • 2
    Adiante tratarei de algumas das principais críticas que o filme recebeu.
  • 3
    Tema que se desdobra em seu segundo longa-metragem, Aquarius (2016_______. Aquarius. 141 min. Recife: CinemaScópio/ Globo Filmes, 2016.).
  • 4
    Empregamos aqui os conceitos de landscape e soundscape seguindo as formulações de Ingold (2011Ingold, Tim. Being Alive: Essays on Movement, Knowledge and Description. Nova York: Routledge, 2011., pp. 47, 129, 137) e Samuels et al. (2010Samuels, David; Meintjes, Louise; Ochoa, Ana Maria; Porcello, Thomas. “Soundscapes: Toward a Sounded Anthropology”. Annual Review of Anthropology, n. 39, 2010, pp. 329-45.), que apontam para suas complexas dimensões sensoriais e cognitivas. Assim, esses conceitos não podem ser definidos como materialidades ou como fenômenos naturais exteriores às relações sociais. Ao contrário, são constituídos agentiva e cognitivamente pela mútua inter-relação entre ambiente e sociedade.
  • 5
    As relações entre O som ao redor e Casa-grande & senzala evocam o complexo problema da mimese/alteridade proposto por Taussig (1993Taussig, Michael. Mimesis and Alterity. Nova York: Routledge , 1993., p. 19) ao seguir as reflexões de Benjamim (1996_______. “A obra de arte na era de sua reprodutibilidade técnica”. In: Obras escolhidas. São Paulo: Brasiliense, 1996, pp. 165-96.) sobre cópia e criação: mimese é um ato de transformação, de alteração, portanto vinculado às ideias de devir outro e de alteridade.
  • 6
    Mendonça Filho (2013e_______. “Na estrada com Kleber Mendonça Filho”. Janela, 25/07/2013e. Disponível em: <http://janela.art.br/index.php/entrevistas/na-estrada-com-kleber-mendonca-filho/>. Acesso em: 15/08/2018.
    http://janela.art.br/index.php/entrevist...
    ) reconhece que seu tema de investimento cinematográfico está no âmbito do que se designa decadência dos senhores de engenho e do poder tradicional pernambucano. Tema que tem seu contraponto na literatura realizada por José Luiz Passos (2012Passos, José Luiz. O sonâmbulo amador. São Paulo: Companhia das Letras, 2012.), em especial no livro O sonâmbulo amador.
  • 7
    O filme foi dedicado à sua mãe, Joseline Jucá (2001Jucá, Joseline. André Rebouças: reforma & utopia no contexto do segundo império: quem possui a terra possui o Homem. Rio de Janeiro: Odebrecht, 2001.), pesquisadora da Fundação Joaquim Nabuco, autora de um livro sobre André Rebouças e a escravidão, resultado de sua tese de doutorado na Universidade de Essex, Inglaterra, onde residiu com seu filho entre 1982 e 1987.
  • 8
    Além de Casa-grande & senzala, inclui-se, aqui, Raízes do Brasil (1936Buarque de Holanda, Sérgio. Raízes do Brasil. Rio de Janeiro: José Olympio, 1936.), de Sérgio Buarque de Holanda.
  • 9
    Conflitos e tensões que, como Migliorin (2013Migliorin, Cezar. “As manifestações de 2013: revendo Doméstica, O som ao redor e A febre do rato”. Revista Geminis, v. 4, n. 2, 2013, pp. 35-47., p. 43) acentuou, são a linha de fuga do filme, podendo mesmo “fazer tudo explodir”.
  • 10
    Sobre este ponto ver, especialmente, Migliorin (2013Migliorin, Cezar. “As manifestações de 2013: revendo Doméstica, O som ao redor e A febre do rato”. Revista Geminis, v. 4, n. 2, 2013, pp. 35-47., p. 42): “Sintoma preciso dos modos de vida cotidianos estarem atravessados por um legado histórico e que hoje encontra outras formas de exploração e de tensões sociais, trazendo inclusive a arquitetura e o urbanismo como operadores fundamentais nessas continuidades excludentes”.
  • 11
    Esse foi o primeiro filme de Joa­quim Pedro de Andrade, produzido para o Instituto Nacional do Livro do Ministério da Educação em 1959. Joaquim Pedro de Andrade é filho de Rodrigo de Melo Franco de Andrade, fundador do Iphan, amigo a quem Freyre rende homenagens e agradecimentos no prefácio à primeira edição de Casa-grande & senzala, em 1933. Joaquim Pedro de Andrade é afilhado de Manuel Bandeira, a quem devota seu segundo filme da mesma série, intitulado O poeta do castelo (1959_______. O poeta do castelo. 12 min. Rio de Janeiro: Instituto Nacional do Livro (INL), Ministério da Educação (MEC), 1959.). Certamente foi o cineasta que mais dialogou com os pressupostos do Modernismo, propondo mesmo uma releitura desse movimento em sua trilogia: Macunaíma (1969_______. Macunaíma. 108 min. Rio de Janeiro: Filmes do Serro, 1969.), O homem do pau-brasil (1981_______. O homem do pau-brasil. 105 min. Rio de Janeiro: Filmes do Serro, 1981.) e Casa-grande, senzala & cia. (roteiro de 1986, não filmado) (Andrade; Galano, 2001Andrade, Joaquim Pedro de; Galano, Ana Maria. Casa-grande, senzala & cia.: roteiro e diário. Rio de Janeiro: Aeroplano, 2001.).
  • 12
    Refere-se à antiga Casa Provincial dos Irmãos Maristas, que a habitam desde 1897. Em 2006, passou a abrigar a Faculdade Marista e, hoje, a Faculdade Imaculada da Conceição do Recife.
  • 13
    A casa do antigo engenho Dois Irmãos foi adquirida no final dos anos 1930 e, depois de restaurada, passou a ser a Vivenda de Santo Antônio de Apipucos. Sua mudança para lá no começo da década de 1940 coincide com o casamento com Magdalena, vinte anos mais moça, e com a formação de sua própria família. Nesse local, paradoxalmente, encontra as condições ideais para concluir a história da sociedade patriarcal no Brasil.
  • 14
    Apipucos desde os anos 1940 até o final de sua vida, 1987, passa a ser essa síntese de distintas temporalidades do hoje, no passado, e do passado sendo o agora, bem ao modo como Freyre opera o tempo em sua obra (Bastos, 2006Bastos, Elide Rugai. As criaturas de prometeu: Gilberto Freyre e a formação da sociedade brasileira. São Paulo: Global, 2006., pp. 152, 184).
  • 15
    Cadavres en série, de Serge Gainsbourg, trilha sonora original do filme Le Pacha (1968), de Georges Lautner, cujo tema acentua, justamente, a oposição entre tradição e modernidade.
  • 16
    Cabra marcado para morrer (1984Coutinho, Eduardo. Cabra marcado para morrer. 119 min. Rio de Janeiro: HBO2 distribuição, 1984.), de Eduardo Coutinho.
  • 17
    Destaco a importância da noção de “choque” benjaminiana para a constituição do mundo moderno (Buck-Morss, 2012Buck-Morss, Susan. “Estética e anestética: uma reconsideração de a obra de arte de Walter Benjamin”. In: Benjamin, Walter. Benjamin e a obra de arte: técnica, imagem, percepção. Rio de Janeiro: Contraponto, 2012, pp. 155-205.).
  • 18
    Esse “reagir de forma natural” é enfaticamente construído pela direção cinematográfica de Mendonça Filho quando procura explicitar as tensões e os conflitos de raça, classe e gênero. Ao desenfatizar a “reação” do personagem diante das contradições sociais, faz com que elas sejam vividas de modo sensorial e intelectual, agora, na perspectiva do espectador. Cena semelhante se passa em Aquarius quando dois jovens caracterizados como da periferia do Recife se juntam ao grupo de classe média, ao final da aula de ginástica na praia. Essa cena acentua, mais uma vez, a perspectiva do espectador ao provocar uma interrogação, de forma imediata e contundente, sobre as contradições visuais-so
  • 19
    Reconheço a existência da “montanha de estudos freyrianos”, usando aqui uma expressão de Pallares-Burke e Nicolazzi (2016Pallares-Burke, Maria Lúcia Garcia; Nicolazzi, Fernando. “Um estilo de história: a viagem, a memória, o ensaio: sobre Casa-grande & senzala e a representação do passado”. Revista Brasileira de História, v. 36, n. 72, 2016, pp. 229-33., p. 229). Uma análise detida desse volumoso material ultrapassaria o escopo deste artigo. Recorro a algumas análises da obra de Freyre e ao próprio Freyre quando concorrem diretamente com os argumentos propostos no artigo.
  • 20
    Tomo aqui emprestada essa noção de Benjamin (1994Benjamim, Walter. “Sobre o conceito de história”. In: Magia e técnica, arte e política: ensaios sobre literatura e história da cultura. São Paulo: Brasiliense, 1994, pp. 222-34., p. 225).
  • 21
    Ver, por exemplo, “Raça e história”, palestra de Lévi-Strauss (1976Lévi-Strauss, Claude. “Raça e história”. In: Antropologia Estrutural II. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 1976, pp. 328-66.) proferida na Unesco em 1952, em que essas premissas modernas são afirmadas em escala científica e política.
  • 22
    Tema crucial na reviravolta do mundo dos engenhos nos anos 1960, quando surge o “direito” como categoria importante na construção das lutas dos trabalhadores rurais, marcadora de um tempo histórico, o que propulsiona as relações sociais cotidianas (Sigaud, 1979Sigaud, Lygia. Os clandestinos e os direitos. São Paulo: Duas Cidades, 1979.).
  • 23
    É preciso, também, levar em conta que “o pensamento de Gilberto Freyre se constitui em um componente essencial do bloco de poder que se forma e desenvolve a partir de 1930. Em especial, legitima cientificamente o vasto segmento agrário e tradicionalista, sem deixar de indicar a necessidade de transformação do mesmo” (Bastos, 2006Bastos, Elide Rugai. As criaturas de prometeu: Gilberto Freyre e a formação da sociedade brasileira. São Paulo: Global, 2006., p. 197).
  • 24
    Ver Bastos (2017_______. “Sobre os princípios: Ricardo Benzaquen e o pensamento social”. Sociolologia & Antropologia, v. 7, n. 2, 2017, pp. 557-78.) para uma percepção mais detalhada desta construção original em Freyre proposta pela interpretação de Benzaquen (1994Benzaquen de Araújo, Ricardo. Guerra e paz: Casa-grande & senzala e a obra de Gilberto Freyre nos anos 30. Rio de Janeiro: Editora 34, 1994.).

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    10 Jun 2020
  • Data do Fascículo
    Jan-Apr 2020

Histórico

  • Recebido
    16 Nov 2018
  • Aceito
    18 Dez 2019
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