Acessibilidade / Reportar erro

Questão social, brecha digital e tecnologia: expressões de desigualdade na sociedade da informação

Social question, digital divide and technology: inequality expressions in the information society

Resumo:

Este ensaio indaga em que medida a brecha digital se apresenta como uma manifestação da questão social no século XXI frente à difusão das tecnologias da informação e comunicação no Brasil, considerando a contribuição do Serviço Social. Ao identificar um abismo que separa o conjunto de indivíduos que usufruem das possibilidades do ciberespaço daqueles que não o fazem, conclui-se que o uso das tecnologias tem papel fundamental no exercício da cidadania em uma sociedade democrática.

Palavras-chaves:
Serviço Social; Questão social; Brecha digital; Sociedade da informação; Tecnologias da informação e comunicação

Abstract:

This study inquiries to what extent the digital divide presents itself as an expression of the social question in the 21st century in the face of the diffusion of information and communication technologies in Brazil, considering the contribution of Social Work. By identifying an abyss that separates the individuals who enjoy the possibilities of the cyberspace from those who do not, it is concluded that the use of technologies plays a fundamental role to citizenship in a democratic society.

Keywords:
Social Work; Social question; Digital divide; Information society; Information and communication technologies

Introdução

A sociedade presencia hoje um momento em que as tecnologias da informação e comunicação (TICs) são ferramentas protagonistas e estão cada vez mais presentes no cotidiano das populações. As relações sociais passam a ser estruturadas de modo multidirecional, em uma distribuição horizontal de interações, e a informação e o conhecimento assumem um papel central, especialmente na articulação de movimentos populares, na criação de redes de conexão, processos democráticos etc., tornando o seu acesso uma necessidade básica. Ainda, é fato que pandemia da covid-19 evidenciou a necessidade e a urgência do acesso às TICs como os mais essenciais recursos para a comunicação a acesso ao conhecimento, assim como aos serviços públicos e à educação formal. Essa realidade necessita ser mais bem compreendida e explorada, sobretudo, do ponto de vista do significado para a redução das desigualdades sociais.

Em face do exposto e considerando a necessidade da apreensão do real por parte do Serviço Social, chega-se ao cerne deste estudo, que consiste em lançar luz nas expressões que permeiam a atualidade movida pela tecnologia, especialmente em um cenário em que as expressões da questão social são intensificadas e cada vez mais palpáveis. Com efeito, no âmbito do acesso às tecnologias da informação e comunicação, é identificada na população uma parcela mundial que se encontra distante do cenário de disponibilização da informação devido à falta de acesso material aos artefatos digitais ou que tem acesso restrito a eles, conceituada como brecha digital. Portanto, a principal indagação do estudo é: em que medida a brecha digital se apresenta como uma manifestação da questão social no século XXI frente à difusão das tecnologias da informação e comunicação no Brasil?

O estudo, portanto, se desafia a descrever os movimentos que permeiam a atualidade movida pela tecnologia e as expressões da questão social, a fim de contribuir com elementos que possibilitem o processo de inclusão digital na sociedade brasileira. Em termos específicos, busca-se: a) compreender os movimentos sócio-históricos que conduzem a sociedade, frente à difusão das tecnologias da informação e comunicação, no que tange aos impactos trazidos pelo recrudescimento da questão social; e b) entender o cenário de demanda pela inclusão digital no Brasil, especialmente considerando a participação do Serviço Social e o contexto de acesso às tecnologias da informação e comunicação no país no século XXI.

Trata-se de uma pesquisa que, sob as lentes do materialismo histórico e à esteira das concepções dialéticas, utiliza o método de procedimento monográfico para uma explicação geral dos fenômenos que se buscam abordar. Nos movimentos que conduzem o funcionamento do capitalismo, compreende-se que algumas categorias apresentam essencial importância para o alcance do objetivo de lançar luz em processos que ocorrem na vida do ser social. Para tal, portanto, o primeiro passo é contribuir com elementos teóricos, históricos e práticos, a fim de compreender a historicidade de movimentos e processos que acabam sendo naturalizados. A Era da Informação, por ser um momento histórico que apresenta um complexo rol de atores sociais, relações sociais e instituições, todos inseridos na rede de modo transversal e multidirecional, propicia um fluxo de comunicação inédito e que merece apropriação teórica.

1. Era da Informação: tecnologia, rede e capital

O capitalismo e suas cíclicas crises demandam um regime constante de reinvenção. O capital cria, a todo momento, novas formas de dominar não só as relações da sociedade, mas também a subjetividade da população. Os anos 1940 foram marcados pelo surgimento dos primeiros computadores, na época compreendidos como grandes calculadoras reservadas às forças militares e à indústria. A internet logo surgiu como alternativa de comunicação para os conflitos bélicos em cooperação com a comunidade científica estadunidense, formando um sistema que formava uma rede interligada de computadores. A partir disso, fora impossível controlar a disseminação desse ambiente nos centros de ciência para troca de experiências e saberes e, logo mais, para fora deste (Castells, 1999CASTELLS, Manuel. A era da informação: economia, sociedade e cultura. 6. ed. São Paulo: Paz e Terra, 1999. v. 1, A sociedade em rede., p. 82), também contribuindo para a captação da subjetividade populacional ao alastrar informação de forma incomum.

Assim, a partir dos anos 1970, foi possível constatar o início de um grande movimento de virtualização da informação e da comunicação, caracterizado por uma das revoluções tecnológicas, a revolução das tecnologias da informação. O seu uso civil foi intensificado com o desenvolvimento e a comercialização do microprocessador,1 1 Peça informática que consiste em um circuito integrado que realiza as funções de cálculo e tomada de decisão de um computador. fato que disparou diversos processos econômicos e sociais, representando um marco para a sociedade hoje (Lévy, 2010LÉVY, Pierre. Cibercultura. 3. ed. São Paulo: Editora 34, 2010., p. 31).

As tecnologias da informação e comunicação participam dessa revolução tecnológica como elemento essencial do capital: quanto mais rapidamente se transfere informação, mais rapidamente se transferem capital e lucros do mercado. “O tempo de circulação do capital se reduz quando a mercadoria mais valiosa, o bem de maior valor agregado, é a informação” (Silveira, 2001SILVEIRA, Sérgio Amadeu da. Exclusão digital: a miséria na era da informação. São Paulo: Fundação Perseu Abramo, 2001., p. 9), fazendo da revolução tecnológica elemento vital para o capitalismo alavancar o processo de acumulação permanente. Ainda, com a revolução tecnológica, junto à apropriação e ao uso das TICs, o controle dos fluxos das redes traz expressões inéditas a serem mais bem investigadas.

O processo dessa revolução gerou um agrupamento de inovações técnicas, organizacionais e administrativas interconectadas, cujas características representam parte da base material da sociedade hoje. É estabelecido, portanto, um paradigma tecnológico que coloca sobre a sociedade um novo padrão com base na comunicação entre as tecnologias, configurado por cinco características: i) compreensão da informação como commodity, permitindo que o capital e o indivíduo atuem sobre ela;2 2 É possível, inclusive, compreender esse fenômeno como uma reificação da informação, uma vez que esta, conforme a direção dos movimentos da sociedade da informação, passa de um conceito, ideia, para um objeto material, passível de troca e venda como mercadoria na estrutura do capital, de forma fetichizada. Reificação e fetichismo da mercadoria são fenômenos observados e teorizados por Marx, pautados na inversão entre a verdade do processo pelo que ele aparenta ser em sua forma imediata. Para mais, ver Marx (2011). ii) poder de capilaridade das tecnologias sobre a existência humana, fazendo com que a vida social seja diretamente moldada (embora não determinada) pelo novo meio tecnológico; iii) capacidade de adaptação da morfologia da rede à complexidade dos processos organizacionais da sociedade; iv) flexibilidade do sistema de redes, traduzindo-se no entendimento de que não apenas os processos são reversíveis, como também as organizações e as instituições podem ser modificadas; e v) ascendente convergência de tecnologias específicas para um sistema altamente integrado entre diferentes campos tecnológicos (Castells, 1999CASTELLS, Manuel. A era da informação: economia, sociedade e cultura. 6. ed. São Paulo: Paz e Terra, 1999. v. 1, A sociedade em rede., p. 108-110).

Assim, constata-se que “o paradigma da tecnologia da informação não evolui para o seu fechamento como um sistema, mas rumo à abertura como uma rede de acessos múltiplos” (Castells, 1999CASTELLS, Manuel. A era da informação: economia, sociedade e cultura. 6. ed. São Paulo: Paz e Terra, 1999. v. 1, A sociedade em rede., p. 113). Tal fenômeno é forte e impositivo em sua materialidade, mas adaptável e aberto em seu desenvolvimento histórico. Abrangência, complexidade e disposição em forma de rede são seus principais atributos.

Ao que aparenta, o capital não possuía, à época, a intenção nem tampouco chegou a prever a mudança extrema da sociedade quando deu início a um processo de reinvenção dos ataques militares. No entanto, o modo de produção foi se adaptando e se apropriando dessa realidade e instrumentos. Peça fundamental desse quebra-cabeça fora e é a classe trabalhadora, que integra a maior parte dos processos que movimentam a sociedade. O capital necessitara apenas de um novo maquinário que, com a força produtiva que já possuía, seria capaz de superar mais uma crise e forjar uma nova morfologia para o trabalho.

Com um novo paradigma estabelecido, e com o modo de produção coeso e a todo momento reafirmado, a sociedade estaria, aparentemente, pronta para adentrar no novo milênio com propriedade, no que tange às transformações trazidas pela revolução tecnológica. A Era da Informação, que já estava em andamento, prometia ainda mais avanços para a ciência e a evolução humana, ao mesmo tempo que apontava para perigos sociais da Indústria 4.0 (Antunes, 2020ANTUNES, Ricardo. Trabalho intermitente e uberização do trabalho no limiar da indústria 4.0. In: ANTUNES, Ricardo (org.). Uberização, trabalho digital e indústria 4.0. São Paulo: Boitempo, 2020.) ligados ao trabalho e às desigualdades.

Dessa forma, percebe-se o surgimento de um novo momento histórico, caracterizado pela tese de que a sustentação de todas as relações é mediada através das tecnologias e das suas capacidades de processamento de dados, da propagação de informação e da geração de conhecimento, proporcionando intensos fluxos de comunicação e interação. A sociedade da informação possui um funcionamento inovador e diferente de tudo já visto, por abranger e conectar todo o globo, formando uma grande rede em que a distância entre dois pontos é ínfima; formando um sistema aberto altamente dinâmico, suscetível de inovação sem ameaças ao seu equilíbrio (Castells, 1999CASTELLS, Manuel. A era da informação: economia, sociedade e cultura. 6. ed. São Paulo: Paz e Terra, 1999. v. 1, A sociedade em rede., p. 566), caracterizado pelo ciberespaço, um ambiente “de comunicação, aberto pela interconexão mundial dos computadores e das memórias dos computadores” (Lévy, 2010LÉVY, Pierre. Cibercultura. 3. ed. São Paulo: Editora 34, 2010., p. 94).

É importante ressaltar que o ponto fundamental desse sistema não é a infraestrutura em si, mas a forma de usar seus equipamentos existentes e de explorar seus recursos por meio da inovação incessante, que é intrinsecamente social e técnica. Suportando artefatos que amplificam, exteriorizam e modificam diferentes funções cognitivas humanas, as TICs favorecem novas maneiras de acesso à informação e novos estilos de raciocínio e de conhecimento (Lévy, 2010LÉVY, Pierre. Cibercultura. 3. ed. São Paulo: Editora 34, 2010., p. 159). Por exemplo, a formação política da sociedade na Era da Informação, representada pela totalidade das relações entre o indivíduo, as instituições públicas e a sociedade, tem o potencial de oferecer uma existência que será qualitativamente mais rica em relação a outras, tanto em valores materiais quanto democráticos.

Com efeito, o aprofundamento da democracia é uma possibilidade. No entanto, a sociedade da informação oferece os meios, mas não determina o movimento da formação política. O perigo de que este caminho seja bloqueado pelo totalitarismo continua sendo real, o que conduz a uma sociedade opulenta econômica e intelectualmente, mas totalitária no sentido político (Schaff, 1995SCHAFF, Adam. A sociedade informática: as consequências sociais da segunda revolução industrial. 4. ed. São Paulo: Editora da Universidade Estadual Paulista, 1995., p. 58), isto é: se, por um lado, as mudanças socioeconômicas que acompanham a Era da Informação são em maior parte voluntárias e inevitáveis, por outro, as que vieram para alterar o aspecto político da sociedade são alternativas e preferenciais, de acordo com o movimento que o modo de produção tem direcionado suas ações, variando em congruência, também, com o sistema de valores e morais adotados.

As características do ciberespaço e o aspecto ilimitado de liberdade da internet sobressaltam as potencialidades de participação mais direta dos cidadãos na administração pública - caso exista um uso social das tecnologias da informação e comunicação como política. As TICs são capazes de tornar mais transparentes as atividades estatais, abrindo uma “janela eletrônica” sobre o governo e sobre a administração, oferecendo grandes oportunidades para promover uma democracia contínua3 3 A título de exemplo, cumpre destacar o processo de redação da nova carta constitucional islandesa, em 2009, que convocou os cidadãos a debaterem por meio das redes sociais Facebook, YouTube e Twitter, através de sugestões e comentários postados abertamente, em uma ampla troca de informações e fluxos de ideias. A partir do debate, chegou-se a um consenso, e a versão final do texto foi levada à votação do Conselho Constituinte, que a aprovou por unanimidade. O “sim” da população obteve maioria das urnas, gerando um espectro de otimismo na comunidade internacional em relação a possíveis novos processos políticos e ao potencial dos movimentos sociais. Para compreender mais o processo da Revolução das Panelas, ver Pessoa (2021). (Rodotà, 2008RODOTÀ, Stefano. A vida na sociedade da vigilância: a privacidade hoje. Rio de Janeiro: Renovar, 2008., p. 159).

De fato, as relações entre Estado e sociedade civil e os modelos de democracia e de participação estão sendo continuamente influenciados pelo acelerado avanço das tecnologias de informação e comunicação - várias experiências, especialmente em nível local, caminham nesse sentido. O fenômeno pode ser entendido como o pressuposto de que recursos tecnológicos, projetos baseados em tecnologias da informação e comunicação ou até mesmo as experiências de uso pessoal e social das tecnologias podem ser empregados para produzir melhores e maiores democracias.

Não se trata de uma substituição, no âmbito político, do território pela cidade digital (Lévy, 2010LÉVY, Pierre. Cibercultura. 3. ed. São Paulo: Editora 34, 2010., p. 191), mas de uma articulação entre os dois espaços, qualitativa e significantemente diferentes. A democracia digital não vem no sentido de, por exemplo, fazer uma massa de pessoas separadas territorialmente votar em proposições simples através de alguma máquina ou tecnologia a todo momento, mas sim de incitar a colaboração coletiva e constante para os problemas e sua solução cooperativa e concreta, de forma a “aproximar” cada vez mais os grupos envolvidos. Isso se dá devido ao fato de o virtual não se opor ao real, mas representar o atual. O virtual representa a potência de ser, propondo processos de criação e atualização, e embora não seja possível fixá-lo em nenhuma coordenada espaçotemporal, é real (Lévy, 2010LÉVY, Pierre. Cibercultura. 3. ed. São Paulo: Editora 34, 2010.).

Em contraponto, ainda no âmbito estatal, é possível notar transformações devido à inclinação de os órgãos, cada vez mais, oferecerem serviços digital by default (“digital por padrão”, na tradução literal), conceito utilizado para caracterizar serviços que fornecem seus produtos ou benefícios exclusivamente pelo meio digital, informatizando processos e alterando a cultura organizacional. Essa técnica é comumente justificada pelo baixo custo de pessoal e redução de custos em geral. O que vem, aparentemente, como inovação e maneira de otimizar o atendimento ao público pode dificultar e, por vezes, impossibilitar o acesso da população a serviços essenciais.4 4 A exemplo disso, pode-se utilizar a implantação do sistema “Meu INSS”, por meio do qual é feito o agendamento e o atendimento digital no Instituto Nacional do Seguro Social (INSS), fazendo com que o acesso aos diversos benefícios da instituição - tais como o Benefício de Prestação Continuada (BPC), aposentadorias, auxílios-doença etc. - tenha se tornado cada vez mais difícil, seja pela falta de acesso às tecnologias necessárias, seja pela falta de conhecimento sobre seu uso.

Assim, pode-se afirmar que as tecnologias da informação e comunicação, juntas à internet, com suas potencialidades de alastramento do conhecimento permitem a pluralidade de pensamentos, a participação coletiva e o rompimento de barreiras fronteiriças, possibilitando novas experiências de pensamento e cognição, caso utilizadas pensando nesse viés. Independentemente, é fato que a Era da Informação coloca em uso um novo processo comunicativo que molda a cultura, a política, a economia e a educação, bem como apresenta alterações nas sociabilidades e nas relações com o espaço-tempo que demarca a vida hodierna.

2. Brecha digital e a demanda por inclusão digital no Brasil

A revolução tecnológica já apontava que, baseada nas tecnologias da informação e comunicação, “a nova economia afeta a tudo e a todos, mas é inclusiva e exclusiva ao mesmo tempo; os limites da inclusão variam em todas as sociedades, dependendo das instituições, das políticas e dos regulamentos”, ao mesmo tempo que alertava para o fato de que “a volatilidade financeira sistêmica traz consigo a possibilidade de repetidas crises financeiras com efeitos devastadores nas economias e nas sociedades” (Castells, 1999CASTELLS, Manuel. A era da informação: economia, sociedade e cultura. 6. ed. São Paulo: Paz e Terra, 1999. v. 1, A sociedade em rede., p. 203).

Com excelência, pontua Silveira (2001SILVEIRA, Sérgio Amadeu da. Exclusão digital: a miséria na era da informação. São Paulo: Fundação Perseu Abramo, 2001., p. 5): “ter acesso à tecnologia e abrir as portas para o mundo da informação é o passo inicial, mas pequeno”. O acesso às TICs e à internet está relacionado diretamente com o poder de aquisição, representando uma nova face da exclusão social: enquanto uns têm acesso ao ciberespaço e a todas as fontes de informação disponíveis em bilhões de websites, outros são privados da interação com esses conteúdos, limitando sua criatividade e acesso à informação.

Neste estudo, procurou-se, da melhor forma, traduzir o termo em inglês digital divide, difundido a partir do final dos anos 1990, após discursos do então presidente estadunidense, Bill Clinton, sobre o tema,5 5 Ver o pronunciamento feito pelo referido presidente discorrendo sobre o tema na Casa Branca, em Washington D.C., Estados Unidos da América, em 9 de dezembro de 1999. Disponível em: https://catalog.archives.gov/id/6850842. Acesso em: 10 abr. 2022. fazendo referência a políticas de inclusão digital nas escolas do país, buscando “fechar a divisão”. Com sua propagação, o termo acabou recebendo diversos sinônimos: exclusão digital, marginalização digital, brecha digital, fratura digital, gap digital, apartheid digital, infoexclusão, entre outros.

Apesar de o uso da expressão exclusão digital ser mais utilizado no Brasil, conforme consulta ao Catálogo de Teses e Dissertações da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes), resiste-se em utilizá-la devido ao fato de a semântica da palavra apresentar o aspecto de “falta de acesso” e dicotomia, ao contrário do que se busca abordar com a temática. Ainda, em consulta a indexadores de produções científicas, verificou-se o uso frequente do termo brecha digital em produções, periódicos e demais obras na língua espanhola. Dessa forma, optou-se por utilizar a expressão brecha digital em virtude de sua capacidade de abordar não só a lacuna que separa os atores que possuem ou não acesso às TICs, mas também de expressar o desafio de uma parcela populacional referente à capacidade cognitiva dos indivíduos no acesso a essas tecnologias, além da importância de integração de produções brasileiras com demais contribuições latino-americanas, por suas similaridades no perfil de subdesenvolvimento.

Santoyo e Martínez (2003SANTOYO, Arturo Serrano; MARTÍNEZ, Evelio Martínez. Brecha digital: mitos y realidades. Mexicali: Universidad Autónoma de Baja California, 2003.) contextualizam que, historicamente, a criação e a aplicação das tecnologias têm proporcionado vantagens competitivas entre grupos sociais distintos. Fazendo parte essencial das mudanças na economia e na sociedade, o advento das TICs causou uma “separação (brecha) dos setores sociais de baixos poderes aquisitivos em relação àqueles com maiores possibilidades e opções de acesso à informação” (Santoyo; Martínez, 2003SANTOYO, Arturo Serrano; MARTÍNEZ, Evelio Martínez. Brecha digital: mitos y realidades. Mexicali: Universidad Autónoma de Baja California, 2003., p. 13, tradução nossa).

Pérez Rul e Domínguez (2012PÉREZ RUL, María Natalia; DOMÍNGUEZ, David Alfredo. La deserción estudiantil de la educación virtual como consecuencia de la brecha digital. In: MONTES, José Antonio Jerónimo (org.). Aprendizaje y mediación pedagógica con tecnologias digitales. Cidade do México: Universidad Nacional Autónoma de México, 2012., p. 332) classificam a brecha digital em três níveis: i) falta de acesso a equipamentos digitais, relacionada ao poder aquisitivo; ii) carência de habilidades digitais, ou seja, mesmo com o equipamento não se sabe como usá-lo adequadamente ou se possui um conhecimento muito básico sobre ele; e iii) baixa conectividade, relacionada à velocidade da internet, limitando a quantidade de informações e recursos acessados. Posto isso, entende-se que as diversas formas de a brecha digital se manifestar se traduzem em desigualdades de oportunidades sociais, informacionais e laborais.

Pedro Demo (2007DEMO, Pedro. Marginalização digital: digital divide. Boletim Técnico do Senac, Rio de Janeiro, v. 33, n. 2, p. 5-19, 2007. Disponível em: Disponível em: https://www.bts.senac.br/bts/article/view/295 . Acesso em: 22 abr. 2022.
https://www.bts.senac.br/bts/article/vie...
) compreende o acesso tecnológico como fator preponderante de inclusão social, mesmo que a tecnologia não determine a sociedade, mas a condicione profundamente no contexto de complexidade, dinamicidade e ambivalência das relações. Ainda, buscando o cerne da questão, Demo (2007DEMO, Pedro. Marginalização digital: digital divide. Boletim Técnico do Senac, Rio de Janeiro, v. 33, n. 2, p. 5-19, 2007. Disponível em: Disponível em: https://www.bts.senac.br/bts/article/view/295 . Acesso em: 22 abr. 2022.
https://www.bts.senac.br/bts/article/vie...
, p. 8) afirma que, embora a marginalização seja profundamente econômica, a face da brecha digital mais intensa é política, passando pelas carências em educação.

Portanto, pressupõe-se que o acesso para todos é necessário, mas não se deve limitar isso ao simples acesso ao equipamento, à conexão técnica ou até mesmo ao conteúdo, e sim a um acesso de todos aos processos de inteligência coletiva, entendendo o ciberespaço como um “sistema aberto de autocartografia dinâmica do real, das expressões das singularidades, da elaboração dos problemas, de confecção do laço social pela aprendizagem recíproca e da livre navegação dos saberes” (Lévy, 2010LÉVY, Pierre. Cibercultura. 3. ed. São Paulo: Editora 34, 2010., p. 200-201).

Em virtude dessa realidade de desigualdade de oportunidades, de negação à cidadania e aos direitos fundamentais, manifesta-se a necessidade de incluir um aglomerado de indivíduos ao dilúvio informacional do ciberespaço e orientá-los sobre como multiplicar conhecimento. A organização da sociedade, nas mais diversas esferas, tende a ser mediada cada vez mais pelas tecnologias conectadas à rede, portanto, todas as camadas sociais precisam se qualificar para acompanhar o desenvolvimento tecnológico para o ingresso ao trabalho, à educação ou para o desenvolvimento das relações sociais.

Consequentemente, pode-se entender que a brecha digital é constituída pela parcela mundial que se encontra excluída do cenário de disponibilização da informação através das TICs ou que tem acesso restrito e/ou de baixa qualidade a elas. Assim, a brecha digital está diretamente relacionada com a desigualdade social em suas diversas facetas, como a má distribuição de renda, baixo poder de aquisição, níveis excludentes de escolaridade etc. Dado isso, deve ser tratada como uma expressão da questão social, visto que, como item do rol de desigualdades na sociedade capitalista madura, tem seu alicerce na diferença entre a produção social coletiva, através do trabalho, e o monopólio privado de sua apropriação (Iamamoto, 2015IAMAMOTO, Marilda Villela. O Serviço Social na contemporaneidade: trabalho e formação profissional. 26. ed. São Paulo: Cortez, 2015.). Nos dias de hoje, em que a sociedade está organizada em torno das tecnologias da informação e comunicação, a brecha digital se torna uma das expressões da questão social mais sensíveis, pois sua apreensão é capaz de tangenciar todas as classes e espaços: educação, cultura, relações sociais e de produção etc.

Com uma elevada concentração de renda, o Brasil, por fato, enfrenta grandes desafios perante as diversas nuances da desigualdade social. A título de contextualização, os anos 1980 foram marcados por um intenso processo de estagnação da renda da população, fazendo com que a distribuição continuasse a se deteriorar como um agravante. Somado a isso, nesse período, as tecnologias da informação e comunicação iniciaram de forma exponencial sua proliferação no cenário mundial. O standart de dinamismo econômico que o Brasil apresenta deixa de herança para a geração que cresceu convivendo com o avanço das TICs, mas sem acesso a elas, uma dificuldade nos diversos aspectos que permeiam o ciberespaço e uma adversidade para as políticas de inclusão digital serem implementadas com sucesso (Mattos; Chagas, 2008MATTOS, Fernando Augusto Mansor de; CHAGAS, Gleison José do Nascimento. Desafios para a inclusão digital no Brasil. Perspectivas em Ciência da Informação, v. 13, n. 1, p. 67-94, 2008. Disponível em: Disponível em: https://doi.org/10.1590/S1413-99362008000100006 . Acesso em: 22 abr. 2022.
https://doi.org/10.1590/S1413-9936200800...
, p. 74-75).

Os dados estatísticos que ilustram a realidade brasileira em relação ao uso e à apropriação das tecnologias da informação e comunicação e da internet são produzidos pelo Centro Regional de Estudos para o Desenvolvimento da Sociedade da Informação (Cetic.br). Atentando-se a específicos indicadores, a tabela a seguir apresenta alguns dados referentes ao cenário brasileiro, desde o ano das primeiras pesquisas do Cetic.br até a atualidade, a fim de demonstrar o que tem se colocado até então.

Tabela 1.
Uso das TICs e da internet no Brasil

No que tange à brecha digital na última década, o país tem aparentemente “fechado” a lacuna no aspecto ao acesso material às tecnologias da informação e comunicação, apresentando um salto quantitativo a partir de 2010 e, especialmente, entre os anos de 2019 e 2020 (tendo a pandemia da covid-19 como determinante para tal avanço). Há de se avançar, entretanto, no âmbito da apropriação delas, na perspectiva de acessar e multiplicar a informação, o conhecimento e os serviços. Os dados das pesquisas do Cetic.br confirmam a tese de que, junto ao avanço do acesso às tecnologias da informação e comunicação, há uma deficiência no que concerne à apropriação dessas tecnologias. Hoje é possível constatar que a vasta maioria dos usuários das TICs as utiliza para a comunicação, através de mensagens instantâneas, chamadas de voz/vídeo e redes sociais, representando 93%, 80% e 72%, respectivamente (Cetic.br, 2021CETIC.BR. TIC Domicílios. 2021. Disponível em: Disponível em: https://cetic.br/pt/pesquisa/domicilios/indicadores/ . Acesso em: 22 abr. 2022.
https://cetic.br/pt/pesquisa/domicilios/...
).

Em contraponto, no aspecto de busca por informação, os dados são reduzidos: 42% dos usuários das TICs acessaram informações oferecidas em sites governamentais; 75% declararam ter obtido informações através de outros sites; e 53% procuraram informações relacionadas à saúde ou a seus serviços na internet (Cetic.br, 2021CETIC.BR. TIC Domicílios. 2021. Disponível em: Disponível em: https://cetic.br/pt/pesquisa/domicilios/indicadores/ . Acesso em: 22 abr. 2022.
https://cetic.br/pt/pesquisa/domicilios/...
). Os números apontam para os desafios colocados para a sociedade da informação em incluir uma grande parcela no dilúvio informacional que é proporcionado por ela.

Sem dúvidas, a maciça inclusão das pessoas na sociedade da informação promoverá um impetuoso aumento de potencialidade na perspectiva do fortalecimento da cidadania, junto à necessidade de reinvenção da dinâmica social excludente e desigual (Silveira, 2001SILVEIRA, Sérgio Amadeu da. Exclusão digital: a miséria na era da informação. São Paulo: Fundação Perseu Abramo, 2001., p. 18). Para tanto, a atenuação da brecha digital deve ser dada com perspectivas de acesso material às tecnologias da informação e comunicação integradamente com políticas dispostas a estimular a inteligência humana, esta que, hoje, é capaz de ser desenvolvida em velocidade recorde na história. A inclusão digital deve abarcar ambos os aspectos para ser efetivada e colocar a emancipação humana como norte de intervenção.

A inclusão digital deve ser apreendida, por sua vez, como instrumento partícipe do conjunto de “ações que determinam o padrão de proteção social implementado pelo Estado, voltadas, em princípio, para a redistribuição dos benefícios sociais”, no sentido da “diminuição das desigualdades estruturais produzidas pelo desenvolvimento socioeconômico” (Höfling, 2001HÖFLING, Eloisa de Mattos. Estado e políticas (públicas) sociais. Cadernos Cedes, Campinas, v. 21, n. 55, p. 30-41, 2001. Disponível em: Disponível em: https://doi.org/10.1590/S0101-32622001000300003 . Acesso em: 22 abr. 2022.
https://doi.org/10.1590/S0101-3262200100...
, p. 31), isto é, como política social. Assim, é ela a responsável por responder à “desigualdade de status de cidadania com uma ‘igualdade de oportunidades’ à informação, à qualificação para um melhor posicionamento no mercado de trabalho, à busca de conhecimentos para a ação em defesa dos próprios direitos, à comunicação e expressão etc.” (Becker, 2009BECKER, Maria Lúcia. Inclusão digital e cidadania: as possibilidades e as ilusões da “solução” tecnológica. Ponta Grossa: Editora UEPG, 2009., p. 14).

A inclusão digital remete ao acesso e ao uso crítico e criativo das tecnologias digitais em favor da emancipação. Para elaborar políticas desse viés não se deve supor o indivíduo como elemento autônomo, cujas vontades e capacidades determinariam sua condição social, assim como não é cabível atribuir uma determinação nas relações sociais. O movimento a ser feito é de identificar possibilidades de os sujeitos produzirem formas de inclusão que não se igualem à padronização e aos modos de diferenciação, que não impliquem o isolamento. Isso quer dizer que, para a efetiva realização da inclusão digital, é necessário considerar a totalidade do indivíduo, colocando-o no local de sujeito transformador da realidade e o reconhecendo como ator político, capaz de conhecer e intervir em sua própria realidade com autonomia.

No movimento de compreender a contribuição do Serviço Social nessa realidade movida pela tecnologia, se a atuação deste profissional deve estar vinculada à compreensão da realidade social para, assim, voltá-la à transformação societária, “dar conta dessa exigência requer a radical conciliação do projeto formativo com a história: com as tendências contraditórias, de curto e largo prazo, que dela emanam” (Iamamoto, 2015IAMAMOTO, Marilda Villela. O Serviço Social na contemporaneidade: trabalho e formação profissional. 26. ed. São Paulo: Cortez, 2015., p. 195). A demanda de uma formação de profissionais com o pensamento crítico emerge como necessidade, podendo se materializar, especialmente, através de metodologias ativas de ensino. À vista disso, o Serviço Social tem estabelecida uma hegemonia norteada pela teoria crítica, assim moldando a práxis social da profissão.

O cenário de desenvolvimento contínuo das TICs demanda que não se ignore mais o seu potencial nos processos de emancipação humana. Uma atuação profissional crítica transpassa, portanto, pela apropriação do funcionamento da sociedade da informação e da realidade da brecha digital no país, concebendo a inclusão digital como essencial para a efetivação e o fortalecimento da (ciber)democracia, assim como garante a universalidade de acesso a bens, serviços e espaços da sociedade.

Se é na contemporaneidade que se pensam as intervenções do Serviço Social, é preciso ter olhos abertos para a realidade que a sociedade se coloca, a fim de decifrá-la e participar de sua recriação, opondo-se ao entendimento do real como pano de fundo para a atuação e se tornando condição para esta (Iamamoto, 2015IAMAMOTO, Marilda Villela. O Serviço Social na contemporaneidade: trabalho e formação profissional. 26. ed. São Paulo: Cortez, 2015., p. 62). Desse modo, é importante o alastramento do referencial teórico que fundamenta a atuação para que contemple as inovações tecnológicas que impõem um novo paradigma nas relações sociais e de produção, assim como cabe à academia assumir esse processo de formação de profissionais qualificados.

No que toca à presença do debate das tecnologias da informação e comunicação na produção científica do Serviço Social, nota-se ainda incipiência na apropriação do fenômeno da sociedade da informação e sua importância para o atual contexto. São poucos os estudos que abarcam o conteúdo de modo a analisar as potencialidades do ciberespaço para a emancipação humana e o fortalecimento da democracia, voltando o debate, muitas vezes, apenas para a precarização do trabalho e a substituição do labor humano. Da mesma forma, as possibilidades de intervenção são dadas na realidade, mas não involuntariamente transformadas em alternativas: requerem a atuação crítica do profissional, o devido planejamento e o pleno desenvolvimento dos projetos.

Observações conclusivas

O presente artigo perquiriu sobre as manifestações que permeiam a atualidade movida pela tecnologia, especialmente em um cenário em que as expressões da questão social são intensificadas e cada vez mais perceptíveis. Portanto, buscou-se responder à seguinte indagação: em que medida a brecha digital se apresenta como uma manifestação da questão social no século XXI, frente à difusão das tecnologias da informação e comunicação no Brasil? Dessa forma, o estudo teve como objetivo descrever os movimentos que permeiam a atualidade movida pela tecnologia e as expressões da questão social, a fim de contribuir com elementos que possibilitem o processo de inclusão digital na sociedade brasileira, considerando o recrudescimento da questão social e da participação do Serviço Social no contexto brasileiro.

A primeira seção do estudo lançou algumas teses sobre os movimentos que conduziram a sociedade ao seu atual contexto sócio-histórico e econômico, especialmente frente às tecnologias da informação e comunicação e à luz do capitalismo. Partiu-se da premissa de que o advento das novas ferramentas digitais, somado ao ilimitado ambiente da internet, gerou um agrupamento de inovações interconectadas, cujas características promoveram alterações nas sociabilidades e nas relações com o espaço-tempo que demarca a vida contemporânea, possibilitando a multiplicidade de pensamentos, a participação coletiva, o rompimento de barreiras fronteiriças e novas habilidades de proliferação do conhecimento.

Em seguida, buscou-se colocar em evidência as desigualdades quanto ao uso de grandes contingentes populacionais às tecnologias da informação e comunicação. Se é na sociedade capitalista, meio de constantes contradições e expressões de desigualdade, que a Era da Informação teve seu advento, é possível identificar um profundo abismo que separa o conjunto de indivíduos que usufruem do ciberespaço e de suas potencialidades daqueles que não o fazem. Dessa forma, identificou-se a brecha digital como uma expressão da questão social, bem como a necessidade de inclusão de uma grande parcela da população aos processos de inteligência coletiva propiciados pelo ciberespaço.

No caso brasileiro, o país enfrenta historicamente drásticas manifestações de desigualdades sociais. Em meados dos anos 1980, período em que houve a ascensão das tecnologias da informação e comunicação, o Brasil, por exemplo, encarou um processo de estagnação da renda da população, fazendo com que a distribuição aumentasse seu fluxo disruptivo e o desemprego alavancasse. Esse dinamismo econômico do país deixou de herança para a geração que cresceu apenas visualizando o avanço das tecnologias extremas dificuldades nos aspectos envolventes do ciberespaço. Não obstante, é impossível negar o avanço quantitativo observado a partir dos anos 2010 no que se refere ao acesso às tecnologias da informação e comunicação, mas que carregou consigo uma deficiência no que tange à apropriação desses instrumentos.

Ao considerar o envolvimento do Serviço Social no contexto da sociedade da informação, uma vez que o assistente social tem-se mostrado o profissional mais bem capacitado para atuar diretamente com as manifestações da questão social, devido à sua propriedade constitutiva da profissão construída e reconstruída na formação da identidade da categoria, atribui a responsabilidade de trabalhar interdisciplinarmente com o intuito de qualificar a intervenção das equipes em que atua, com vista à atenuação das desigualdades sociais. Dessa maneira, é primordial a apropriação do Serviço Social da arquitetura social em que se vive e atua que, hoje, tem sido organizada cada vez mais em torno das tecnologias da informação e comunicação e no ambiente da internet.

As tecnologias da informação e comunicação influenciam significativamente na garantia do exercício da cidadania em uma sociedade democrática, bem como no engajamento dos indivíduos na rede. Assim, o apoderamento da brecha digital como uma das múltiplas manifestações da questão social é tarefa primordial não só para atuação com as políticas de inclusão digital, mas também para a totalidade da atuação nos mais diversos setores da sociedade. Em um mundo cada vez mais conectado, o acesso a bens e serviços se dá, muitas vezes, restritamente no âmbito digital, e reconhecer que há uma grande parcela populacional distante dessa realidade é utilizar a questão social como objeto de estudo e intervenção do fazer profissional.

Em conclusão, sob a nova ação conectiva que a Era da Informação traz consigo, é necessário (re)pensar a brecha digital à luz dos movimentos que conduzem a sociedade, visando à necessidade de integração do real com o virtual, bem como as possibilidades que as tecnologias da informação e comunicação têm de alavancar os processos educacionais, em um alastramento do conhecimento e fomento da participação coletiva. A ascensão das (novas) ferramentas digitais desencadeou processos de articulação social que podem reproduzir ideias plurais, a fim de contestar a estrutura dominante e, assim, representar o exercício da cidadania, dando destaque para projetos societários compromissados com a emancipação dos indivíduos.

O presente artigo se preocupou em abarcar lacunas importantes a serem discutidas teoricamente acerca do uso e da apropriação das tecnologias da informação e comunicação em todos os regimes de interação social, em especial na atuação do assistente social. Em vista disso, e considerando a importância do debate, torna-se fundamental o avanço de novas pesquisas sobre a temática, acumulando mais aporte teórico para a categoria profissional e difundindo tais conhecimentos. Assim, afirma-se que discutir, bem como estudar, investigar e incentivar o debate acerca dos potenciais da sociedade da informação é lançar luz sobre o paradigma que move o mundo e aprofundar a democracia.

Referências

  • ANTUNES, Ricardo. Trabalho intermitente e uberização do trabalho no limiar da indústria 4.0. In: ANTUNES, Ricardo (org.). Uberização, trabalho digital e indústria 4.0 São Paulo: Boitempo, 2020.
  • BECKER, Maria Lúcia. Inclusão digital e cidadania: as possibilidades e as ilusões da “solução” tecnológica. Ponta Grossa: Editora UEPG, 2009.
  • CASTELLS, Manuel. A era da informação: economia, sociedade e cultura. 6. ed. São Paulo: Paz e Terra, 1999. v. 1, A sociedade em rede.
  • CETIC.BR. TIC Domicílios 2021. Disponível em: Disponível em: https://cetic.br/pt/pesquisa/domicilios/indicadores/ Acesso em: 22 abr. 2022.
    » https://cetic.br/pt/pesquisa/domicilios/indicadores/
  • DEMO, Pedro. Marginalização digital: digital divide. Boletim Técnico do Senac, Rio de Janeiro, v. 33, n. 2, p. 5-19, 2007. Disponível em: Disponível em: https://www.bts.senac.br/bts/article/view/295 Acesso em: 22 abr. 2022.
    » https://www.bts.senac.br/bts/article/view/295
  • HÖFLING, Eloisa de Mattos. Estado e políticas (públicas) sociais. Cadernos Cedes, Campinas, v. 21, n. 55, p. 30-41, 2001. Disponível em: Disponível em: https://doi.org/10.1590/S0101-32622001000300003 Acesso em: 22 abr. 2022.
    » https://doi.org/10.1590/S0101-32622001000300003
  • IAMAMOTO, Marilda Villela. O Serviço Social na contemporaneidade: trabalho e formação profissional. 26. ed. São Paulo: Cortez, 2015.
  • LÉVY, Pierre. Cibercultura 3. ed. São Paulo: Editora 34, 2010.
  • MARX, Karl. O capital: crítica da economia política. 2. ed. São Paulo: Boitempo, 2011. v. 1, O processo de produção do capital.
  • MATTOS, Fernando Augusto Mansor de; CHAGAS, Gleison José do Nascimento. Desafios para a inclusão digital no Brasil. Perspectivas em Ciência da Informação, v. 13, n. 1, p. 67-94, 2008. Disponível em: Disponível em: https://doi.org/10.1590/S1413-99362008000100006 Acesso em: 22 abr. 2022.
    » https://doi.org/10.1590/S1413-99362008000100006
  • PÉREZ RUL, María Natalia; DOMÍNGUEZ, David Alfredo. La deserción estudiantil de la educación virtual como consecuencia de la brecha digital. In: MONTES, José Antonio Jerónimo (org.). Aprendizaje y mediación pedagógica con tecnologias digitales Cidade do México: Universidad Nacional Autónoma de México, 2012.
  • PESSOA, João Pedro Seefeldt. “Verás que um filho teu não foge à luta”: a contravigilância na sociedade em rede e a nova ação conectiva dos movimentos sociais do século XXI. Porto Alegre: Editora Fi, 2021. Disponível em: Disponível em: https://www.editorafi.org/102luta Acesso em: 22 abr. 2022.
    » https://www.editorafi.org/102luta
  • RODOTÀ, Stefano. A vida na sociedade da vigilância: a privacidade hoje. Rio de Janeiro: Renovar, 2008.
  • SANTOYO, Arturo Serrano; MARTÍNEZ, Evelio Martínez. Brecha digital: mitos y realidades. Mexicali: Universidad Autónoma de Baja California, 2003.
  • SCHAFF, Adam. A sociedade informática: as consequências sociais da segunda revolução industrial. 4. ed. São Paulo: Editora da Universidade Estadual Paulista, 1995.
  • SILVEIRA, Sérgio Amadeu da. Exclusão digital: a miséria na era da informação. São Paulo: Fundação Perseu Abramo, 2001.
  • 1
    Peça informática que consiste em um circuito integrado que realiza as funções de cálculo e tomada de decisão de um computador.
  • 2
    É possível, inclusive, compreender esse fenômeno como uma reificação da informação, uma vez que esta, conforme a direção dos movimentos da sociedade da informação, passa de um conceito, ideia, para um objeto material, passível de troca e venda como mercadoria na estrutura do capital, de forma fetichizada. Reificação e fetichismo da mercadoria são fenômenos observados e teorizados por Marx, pautados na inversão entre a verdade do processo pelo que ele aparenta ser em sua forma imediata. Para mais, ver Marx (2011MARX, Karl. O capital: crítica da economia política. 2. ed. São Paulo: Boitempo, 2011. v. 1, O processo de produção do capital.).
  • 3
    A título de exemplo, cumpre destacar o processo de redação da nova carta constitucional islandesa, em 2009, que convocou os cidadãos a debaterem por meio das redes sociais Facebook, YouTube e Twitter, através de sugestões e comentários postados abertamente, em uma ampla troca de informações e fluxos de ideias. A partir do debate, chegou-se a um consenso, e a versão final do texto foi levada à votação do Conselho Constituinte, que a aprovou por unanimidade. O “sim” da população obteve maioria das urnas, gerando um espectro de otimismo na comunidade internacional em relação a possíveis novos processos políticos e ao potencial dos movimentos sociais. Para compreender mais o processo da Revolução das Panelas, ver Pessoa (2021PESSOA, João Pedro Seefeldt. “Verás que um filho teu não foge à luta”: a contravigilância na sociedade em rede e a nova ação conectiva dos movimentos sociais do século XXI. Porto Alegre: Editora Fi, 2021. Disponível em: Disponível em: https://www.editorafi.org/102luta . Acesso em: 22 abr. 2022.
    https://www.editorafi.org/102luta...
    ).
  • 4
    A exemplo disso, pode-se utilizar a implantação do sistema “Meu INSS”, por meio do qual é feito o agendamento e o atendimento digital no Instituto Nacional do Seguro Social (INSS), fazendo com que o acesso aos diversos benefícios da instituição - tais como o Benefício de Prestação Continuada (BPC), aposentadorias, auxílios-doença etc. - tenha se tornado cada vez mais difícil, seja pela falta de acesso às tecnologias necessárias, seja pela falta de conhecimento sobre seu uso.
  • 5
    Ver o pronunciamento feito pelo referido presidente discorrendo sobre o tema na Casa Branca, em Washington D.C., Estados Unidos da América, em 9 de dezembro de 1999. Disponível em: https://catalog.archives.gov/id/6850842. Acesso em: 10 abr. 2022.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    24 Jul 2023
  • Data do Fascículo
    2023

Histórico

  • Recebido
    07 Maio 2022
  • Aceito
    13 Fev 2023
Cortez Editora Ltda Rua Monte Alegre, 1074, 05014-001 - São Paulo - SP, Tel: (55 11) 3864-0111 , Fax: (55 11) 3864-4290 - São Paulo - SP - Brazil
E-mail: servicosocial@cortezeditora.com.br