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Crescimento do caranguejo de água doce, Dilocarcinus pagei Stimpson (Crustacea, Brachyura, Trichodactylidae)

Growth of the freshwater crab, Dilocarcinus pagei Stimpson (Crustacea, Brachyura, Trichodactylidae)

Resumos

A biologia de caranguejos de água doce tem sido pouco enfocada na literatura carcinológica, especialmente em relação ao crescimento das espécies da família Trichodactylidae. Este estudo visa determinar as curvas de crescimento em tamanho e peso, bem como a longevidade e a idade na muda pubertária dos caranguejos de água doce Dilocarcinus pagei Stimpson, 1861. As amostras foram obtidas mensalmente na Represa Municipal de São José do Rio Preto (São Paulo), de outubro/1994 a setembro/1996. Os indivíduos tiveram o sexo determinado, sendo também mensurados (LC = largura do cefalotórax) e pesados (PE = peso úmido). O crescimento dos indivíduos foi determinado pelo método de distribuição dos exemplares em classes de tamanho, sendo utilizado o programa FiSAT para a determinação das curvas através do ajuste não linear dos dados pelo modelo de Bertalanffy. Foram analisados 962 exemplares (534 machos e 428 fêmeas) e as curvas de crescimento em tamanho foram expressas pelas equações LC Machos = 61,7[1-e-0,97(t+0,041)] e LC Fêmeas = 57,1[1-e-1,41(t+0,031)], enquanto o crescimento em peso foi melhor representado por PE Machos = 65,2[1-e-0,97(t+0,041)]3,08 e PE Fêmeas = 44,9[1-e-1,41(t+0,031)]2,82. O tamanho assintótico dos machos (61,66 mm) foi pouco superior ao das fêmeas (57,09 mm), ocorrendo o inverso para a longevidade, estimada em 2,4 e 2,7 anos, respectivamente. O tamanho máximo estimado com base em 95% do tamanho assintótico foi de 58,6 mm para os machos e 54,2 mm para as fêmeas, valores muito próximos dos maiores tamanhos registrados na natureza para cada sexo (55,8 mm). A muda da puberdade dos machos ocorreu com idade superior à das fêmeas (tMachos = 1,2 anos e tFêmeas = 0,9 anos). Os resultados obtidos neste trabalho são inéditos na literatura carcinológica, sendo de grande valia no manejo populacional e preservação desta espécie, que vem sendo intensamente explorada e usada como isca na pesca esportiva.

Idade; tamanho; peso; Bertalanffy


The biology of freshwater crab Dilocarcinus pagei Stimpson, 1861 has been poorly studied, mainly in relation to growth in the Trichodactylidae species. This study aims to determine size/weight growth curves, longevity and age in the puberty molt of the freshwater crab Dilocarcinus pagei Stimpson, 1861. The samples were taken monthly in the São José do Rio Preto county dam (São Paulo), from October 1994 to September 1996, the individuals being sexed, measured (CW = cephalotorax width) and weighed (WW = wet weight). Growth was determined by distribution of the specimens by size classes, where as the FiSAT program was used to determine non-linear estimation of growth parameters by the Bertalanffy equation. A total of 962 specimens (534 males and 428 females) was analyzed. Growth size curves were expressed by the equations CW Males = 61.7[1-e-0.97(t+0.041)] and CW Females = 57.1[1-e-1.41(t+0.031)], while growth in weight was better represented by WW Males = 65.2[1-e-0.97(t+0.041)]3.08 and WW Females = 44.9[1-e-1.41(t+0.031)]2.82. Assintotic size of the males (61.7 mm) was greater than that of the felamles (57.1 mm), the opposite occurring for longevity, estimated at 2.4 and 2.7 years, respectively. The maximum size (95% of the CW<FONT FACE=Symbol>¥</FONT>) was 58.6 mm for males and 54.2 mm for females, very close to maximum sizes recorded in nature to each sex (55.8 mm). The puberty molt in males occurred at a higher age level when compared to that of females (tMales = 1.2 years and tFemales = 0.9 years). The results present here are inedited in the carcinological literature, this being very important in population management and preservation of this species, as it is explored intensely and used as bait in fishing.

Age; size; weight; Bertalanffy


Crescimento do caranguejo de água doce, Dilocarcinus pagei Stimpson (Crustacea, Brachyura, Trichodactylidae)

Growth of the freshwater crab, Dilocarcinus pagei Stimpson (Crustacea, Brachyura, Trichodactylidae)

Marcelo A. A. PinheiroI; Fabiano G. TaddeiII

IGrupo de Pesquisa em Biologia de Crustáceos, Universidade Estadual Paulista. Praça Infante Dom Henrique, 11330-900 São Vicente, São Paulo, Brasil. E-mail: pinheiro@csv.unesp.br

IICentro Universitário de Rio Preto. Rua Yvette Gabriel Atique 45, 15025-400 São José do Rio Preto, São Paulo, Brasil. E-mail: fgtaddei@unirpnet.com.br

RESUMO

A biologia de caranguejos de água doce tem sido pouco enfocada na literatura carcinológica, especialmente em relação ao crescimento das espécies da família Trichodactylidae. Este estudo visa determinar as curvas de crescimento em tamanho e peso, bem como a longevidade e a idade na muda pubertária dos caranguejos de água doce Dilocarcinus pagei Stimpson, 1861. As amostras foram obtidas mensalmente na Represa Municipal de São José do Rio Preto (São Paulo), de outubro/1994 a setembro/1996. Os indivíduos tiveram o sexo determinado, sendo também mensurados (LC = largura do cefalotórax) e pesados (PE = peso úmido). O crescimento dos indivíduos foi determinado pelo método de distribuição dos exemplares em classes de tamanho, sendo utilizado o programa FiSAT para a determinação das curvas através do ajuste não linear dos dados pelo modelo de Bertalanffy. Foram analisados 962 exemplares (534 machos e 428 fêmeas) e as curvas de crescimento em tamanho foram expressas pelas equações LCMachos = 61,7[1-e-0,97(t+0,041)] e LCFêmeas = 57,1[1-e-1,41(t+0,031)], enquanto o crescimento em peso foi melhor representado por PEMachos = 65,2[1-e-0,97(t+0,041)]3,08 e PEFêmeas = 44,9[1-e-1,41(t+0,031)]2,82. O tamanho assintótico dos machos (61,66 mm) foi pouco superior ao das fêmeas (57,09 mm), ocorrendo o inverso para a longevidade, estimada em 2,4 e 2,7 anos, respectivamente. O tamanho máximo estimado com base em 95% do tamanho assintótico foi de 58,6 mm para os machos e 54,2 mm para as fêmeas, valores muito próximos dos maiores tamanhos registrados na natureza para cada sexo (55,8 mm). A muda da puberdade dos machos ocorreu com idade superior à das fêmeas (tMachos = 1,2 anos e tFêmeas = 0,9 anos). Os resultados obtidos neste trabalho são inéditos na literatura carcinológica, sendo de grande valia no manejo populacional e preservação desta espécie, que vem sendo intensamente explorada e usada como isca na pesca esportiva.

Palavras chave: Idade, tamanho, peso, Bertalanffy.

ABSTRACT

The biology of freshwater crab Dilocarcinus pagei Stimpson, 1861 has been poorly studied, mainly in relation to growth in the Trichodactylidae species. This study aims to determine size/weight growth curves, longevity and age in the puberty molt of the freshwater crab Dilocarcinus pagei Stimpson, 1861. The samples were taken monthly in the São José do Rio Preto county dam (São Paulo), from October 1994 to September 1996, the individuals being sexed, measured (CW = cephalotorax width) and weighed (WW = wet weight). Growth was determined by distribution of the specimens by size classes, where as the FiSAT program was used to determine non-linear estimation of growth parameters by the Bertalanffy equation. A total of 962 specimens (534 males and 428 females) was analyzed. Growth size curves were expressed by the equations CWMales = 61.7[1-e-0.97(t+0.041)] and CWFemales = 57.1[1-e-1.41(t+0.031)], while growth in weight was better represented by WWMales = 65.2[1-e-0.97(t+0.041)]3.08 and WWFemales = 44.9[1-e-1.41(t+0.031)]2.82. Assintotic size of the males (61.7 mm) was greater than that of the felamles (57.1 mm), the opposite occurring for longevity, estimated at 2.4 and 2.7 years, respectively. The maximum size (95% of the CW¥) was 58.6 mm for males and 54.2 mm for females, very close to maximum sizes recorded in nature to each sex (55.8 mm). The puberty molt in males occurred at a higher age level when compared to that of females (tMales = 1.2 years and tFemales = 0.9 years). The results present here are inedited in the carcinological literature, this being very important in population management and preservation of this species, as it is explored intensely and used as bait in fishing.

Key words: Age, size, weight, Bertalanffy.

De acordo com ÁLVAREZ & VILLALOBOS (1997), os caranguejos de água doce da superfamília Potamoidea Ortmann, 1896, são representados nas Américas Central e do Sul por duas famílias: Trichodactylidade H. Milne-Edwards, 1893 e Pseudothelphusidae Ortmann, 1893. Entre os tricodactilídeos, Dilocarcinus pagei Stimpson, 1861 apresenta ampla distribuição geográfica na região central da América do Sul (MELO 2003), principalmente no noroeste do Estado de São Paulo, onde é utilizado como isca viva na pesca esportiva.

Apesar da importância dessa espécie na biota aquática, onde atua no processamento da matéria orgânica e integra a cadeia trófica de rios e lagos (MELO 2003), poucos estudos abordam aspectos de sua biologia, particularmente sobre seu crescimento e dinâmica populacional.

Desde a década de 50, várias espécies de peixes e crustáceos têm sido estudadas quanto ao crescimento em tamanho e/ou peso, relacionando tais variáveis à idade (BAILEY 1950, HEALD & GRIFFITHS 1967). Estas análises revestem-se de grande importância biológica, já que possibilitam conhecer a viabilidade de cultivo de uma espécie pela avaliação da taxa de crescimento (LOBÃO et al. 1987).

O método utilizado na análise do crescimento em tamanho e peso em função da idade apresenta dependência do grupo animal enfocado. Segundo BRANCO & MASUNARI (1992), o estudo do crescimento nos peixes tem sido efetuado pela contagem dos anéis etários nas escamas ou otólitos (HEALD & GRIFFITHS 1967) ou pela aplicação do método de marcação-soltura-recaptura, possibilitando a estimativa da taxa de crescimento e demais parâmetros das curvas de crescimento. Para os crustáceos, esta estimativa pode ser obtida pelo cultivo da espécie, pelo incremento de tamanho e peso durante os ciclos de muda, ou pelo acompanhamento das coortes etárias resultantes da distribuição de freqüência dos organismos em função do tempo (FONTELES-FILHO 1987).

Nos crustáceos, os indivíduos crescem assintoticamente, com a taxa de crescimento somático decorrendo de ecdises sucessivas durante a ontogenia, podendo diferir em função do sexo (VAZZOLER 1982). O modelo matemático proposto por BERTALANFFY (1938) tem mostrado excelência no ajuste aos pontos empíricos, tendo sido utilizado para expressar a relação do tamanho ou peso corpóreo em função da idade (MUNRO 1982).

O conhecimento das curvas de crescimento de uma espécie, sua longevidade máxima e a determinação da idade no início da maturidade sexual são informações indispensáveis ao cultivo e manejo de populações naturais (MELLO 1973, SANTOS 1978). Neste sentido, o presente estudo visa determinar as curvas de crescimento em tamanho e peso para cada sexo do caranguejo de água doce Dilocarcinus pagei Stimpson, 1861, bem como estimar sua longevidade (tmáx) e idade por ocasião do tamanho máximo e da muda pubertária.

MATERIAL E MÉTODOS

Os exemplares de D. pagei foram amostrados mensalmente (outubro/1994 e setembro/1996) em coletas diurnas e noturnas, na Represa Municipal de São José do Rio Preto (São Paulo, 20º48'36"S, 49º22'59"W). As capturas foram efetuadas com peneiras, puçás ou manualmente, junto à vegetação marginal e aguapés das espécies Eichhornia azurea Kunth e E. crassipes (Mart.) ou em galerias escavadas por este caranguejo nos barrancos da represa.

Após a captura, os espécimes foram acondicionados em sacos plásticos etiquetados e transportados até os laboratórios do Grupo de Estudos em Biologia de Crustáceos (CRUSTA), onde foram mantidos sob congelamento até o momento das análises. Depois de descongelados em temperatura ambiente, o sexo dos indivíduos foi determinado pela inspeção da morfologia abdominal e do número de pleópodos.

Todos os exemplares tiveram a maior largura cefalotorácica (LC) medida com paquímetro (0,05 mm), com registro de seu peso úmido total (PE) numa balança de precisão (0,001 g). Os exemplares com injúrias morfológicas no cefalotórax ou ausência de pereiópodos não foram utilizados nas análises de crescimento em tamanho e peso, respectivamente.

O crescimento dos indivíduos da população foi determinado pelo método de distribuição dos exemplares em classes de tamanho (SANTOS 1978, FONTELES-FILHO 1987), para cada sexo em separado. Visando aumentar o número de exemplares nas análises, optou-se por seu agrupamento trimestral, com distribuição em classes de 10 mm. Os dados foram submetidos ao programa FAO-ICLARM Stock Assessment Tools (FiSAT) (GAYANILO et al. 1996), onde o método de BATTACHARYA (1967) foi usado na decomposição das componentes normais de cada trimestre, validando aquelas com maior índice de separação arbitrário (SI > 2). As componentes normais foram confirmadas pela rotina NORmally SEParation (NORMSEP) (PAULY & CADDY 1985), do mesmo programa, que forneceu as médias e desvios padrão, devidamente plotadas graficamente e unidas para constituição das coortes etárias anuais. A curva de crescimento de cada sexo foi obtida pela determinação dos valores do tamanho máximo assintótico (LC¥) e constante de crescimento (k), estimados a partir de um ajuste não linear dos dados de tamanho e idade, ponderados na minimização da soma dos quadrados dos resíduos (SQR) pelo algoritmo de Marquardt.

A rotina ELEFAN do FiSAT foi utilizada para checar os valores obtidos para "LC¥" e "k" por uma análise superficial de resposta (Rn), verificando se eles se encontravam entre os limites biológicos aceitáveis para a espécie.

O modelo matemático de Bertalanffy, LCt = LC¥ [1- e-k(t-t0)], foi utilizado para representar o crescimento da espécie, onde LCt = tamanho dos indivíduos com idade t; LC¥= tamanho assintótico; k = inclinação da curva de crescimento (constante de crescimento); t = idade dos indivíduos; e t0 = idade do animal ao nascer. O valor da constante de crescimento (k) foi estimado em base anual.

O valor de "t0" foi estimado pela substituição do tamanho médio inicial da espécie (LC0) no modelo proposto por Bertalanffy, obtido pela medição da largura cefalotorácica (LC) de 15 exemplares de D. pagei recém-eclodidos dos ovos (JI = primeiro estágio juvenil), utilizando um estereomicroscópio acoplado a um sistema de análise de imagens por computador com o programa KS-100 Zeiss (0,01 mm).

A idade por ocasião do tamanho assintótico (LC¥) e no início da maturidade sexual (LC50%) foram determinadas pelas curvas de crescimento em tamanho e peso, obtidas para cada sexo. Os tamanhos na puberdade de D. pagei foram obtidos de PINHEIRO & TADDEI (em preparação), referindo-se à largura cefalotorácica na muda da puberdade, que foi de 42,5 mm (machos) e 42,0 mm (fêmeas).

O tamanho máximo de cada sexo (LCmáx) foi determinado com base em 95% do tamanho assintótico, sendo tais valores confrontados ao dos maiores exemplares capturados durante o período estudado.

A longevidade ou idade máxima (tmáx) foi calculada para cada sexo segundo a fórmula inversa de Bertalanffy, tmáx = t0 - (1/k) ln [1 - (LCmáx/LC¥)], onde, k = constante de crescimento; t0 = idade em anos estimada pela equação de Bertalanffy para LCt = LC0; LCmáx = tamanho do maior animal registrado durante o período estudado; e LC¥ = tamanho assintótico.

A curva de crescimento em peso foi determinada elevando-se a curva de crescimento de Bertalanffy à constante de crescimento alométrico (b) da função potência determinada para cada sexo para a relação PE/LC, que segundo PINHEIRO & TADDEI (em preparação) foram: PE = 0,0002LC3,08 (machos) e PE = 0,0005LC2,82 (fêmeas). Os valores de peso assintótico (PE¥) foram obtidos pela substituição dos valores de "LC¥" nestas mesmas relações.

RESULTADOS

Foram utilizados 962 exemplares de D. pagei (534 machos e 428 fêmeas), com agrupamento dos indivíduos de cada sexo trimestralmente e subseqüente análise de distribuição em classes de tamanho, gerando os histogramas dos machos (Fig. 1) e fêmeas (Fig. 2). As componentes normais de cada trimestre (média ± desvio padrão) foram dispostas graficamente e unidas para a obtenção das coortes etárias, constatando-se três coortes por ano, independente do sexo (Figs 3 e 4).



O ajuste da curva de Bertalanffy aos dados possibilitou a determinação do tamanho assintótico (LC¥) e da constante de crescimento (k) para cada sexo. O "LC¥" dos machos foi pouco superior ao das fêmeas, ocorrendo o inverso com os valores de "k". Os exemplares no primeiro estágio juvenil (JI) apresentaram tamanho de 2,4 ± 0,4 mm, com média utilizada na determinação dos valores de "t0" para machos (t0 = 0,041 anos < 15 dias) e fêmeas (t0 = 0,031 anos < 11 dias). A determinação destes parâmetros resultou nas curvas de crescimento em tamanho, para os machos LCt = 61,7 [1 - e -0,97(t+0,041)] e fêmeas LCt = 57,1 [1 - e -1,41(t+0,031)], conforme as figuras 5 e 6.


A longevidade máxima (tmáx) dos machos foi de 2,4 anos, pouco inferior à das fêmeas (2,7 anos). Os valores de "LCmáx" foram muito próximos, sendo de 58,6 mm para os machos (três anos) e 54,2 mm para as fêmeas (dois anos). A substituição dos tamanhos de puberdade de cada sexo nas curvas de Bertalanffy, possibilitou a estimativa da idade para os machos (1,2 anos) e fêmeas (0,9 anos).

As curvas de crescimento do peso em função da idade foram expressas pelas equações: PEt = 65,2 [1 -e -0,97 (t+0,041)]3,08 (FIg. 7) e PEt = 44,9 [1 -e -1,41 (t+0,031)]2,82 (Fig. 8) para os machos e fêmeas, respectivamente.


DISCUSSÃO

Os crustáceos possuem um crescimento peculiar em função das ecdises periódicas que sofrem durante sua ontogenia, bem como pela duração distinta dos sucessivos estágios de intermuda, o que pode causar dificuldades à estimativa dos parâmetros das cruvas de crescimento em tamanho e peso (GONZÁLEZ-GURRIARÁN 1985).

Para D. pagei, as curvas que relacionam a largura cefalotorácica em função do tempo, indicam que os machos apresentam um maior tamanho assintótico do que as fêmeas. Esta característica pode estar associada ao padrão de acasalamento dessa espécie, bem como a processos de competição intra-específica que envolvem interações agressivas decorrentes da busca por parceiras ou abrigo (SOMERS & NEL 1998). LIU & LI (2000) observaram o acasalamento do caranguejo de água doce Candidiopotamon rathbunae (de Mann, 1914), reportando que fêmeas foram sempre menores do que os machos, fato também relatado por GHERARDI & MICHELI (1989) para Potamon potamios palestinensis Bott, 1970. Dessa forma, o maior tamanho assintótico dos machos pode ser considerado uma vantagem reprodutiva, já que estes têm maior probabilidade de sucesso nas disputas pelas fêmeas.

Outro aspecto a ser ressaltado é a maior taxa de crescimento (k) apresentada pelas fêmeas de D. pagei quando comparada à dos machos, possivelmente uma compensação ao seu menor tamanho assintótico e uma estratégia reprodutiva em relação à potencialização do número de ovos por desova. Caranguejos de água doce apresentam desenvolvimento direto, possuindo ovos de maior tamanho do que os caranguejos marinhos. Devido à correlação positiva entre o número de ovos e seu tamanho nos braquiúros (HINES 1982), pode-se supor que as fêmeas de caranguejos dulcícolas investem mais em crescimento somático (maior taxa de crescimento), atingindo a maturidade com um maior porte, com elavação de sua fecundidade. Da mesma forma, uma maior taxa de crescimento por parte das fêmeas faria com que os tamanhos de puberdade e máximo deste sexo sejam antecipados ao dos machos.

A idade do primeiro estágio juvenil de D. pagei (t0), determinado pelas curvas de crescimento de cada sexo, indicam que o desenvolvimento embrionário da espécie seja de aproximadamente 15 dias. Este resultado se coaduna com aqueles obtidos para outros braquiúros já estudados (HATTORI & PINHEIRO 2001, PINHEIRO & HATTORI 2002, 2003), sendo confirmado pela correlação negativa entre sua duração com a temperatura da água (PINHEIRO et al. 1994) e elevada temperatura da água na região em estudo (entre 33,6 a 34,5ºC). No entanto, vale ressaltar que o tempo de incubação dos jovens de D. pagei pode ser maior, a exemplo do verificado para Candidiopotamon rathbunae por LIU & LI (2000), que foi de aproximadamente 45 dias entre 25 e 32ºC, bem como para Paratelphusa hydrodromus por PILLAI & SUBRAMONIAM 1984), que foi de 41 dias a 30ºC.

O reduzido número de modas e grupos etários na população estudada reflete a sazonalidade reprodutiva da espécie (PINHEIRO & TADDEI, em preparação), fato que vem sendo relatado para outros caranguejos dulcícolas (PILLAI & SUBRAMONIAM 1984, LIU & LI 2000, OKANO et al. 2000). Os dados obtidos também permitem inferir sobre o crescimento extremamente rápido desta espécie, já que atinge sua maturidade sexual com um ano e o tamanho máximo com 2,5 anos.

A longevidade de D. pagei encontra-se dentro dos limites já mencionados para outros crustáceos decápodos, variando de dois a quatro anos (OHTOMI 1997, TSUCHIDA & WATANABE 1997). Segundo D'INCAO et al. (1993), este parâmetro é um dos mais importantes da curva de crescimento, tendo conotação fisiológica por relacionar o tamanho à idade, devendo ser analisado com bastante ponderação.

O tamanho máximo representado por 95% do tamanho assintótico das curvas de crescimento, indicou valores de 58,8 mm para os machos e 54,2 mm para as fêmeas, muito próximos ao dos maiores animais de cada sexo registrados durante o estudo (55,8 mm). Isto vem indicar que os valores de "k" de Bertalanffy não foram subestimados.

A comparação de animais de mesmo tamanho mostra que os machos apresentam peso superior ao das fêmeas, em virtude do maior valor da constante de crescimento alométrico (b) deste sexo, caracterizando uma maior taxa de crescimento em peso. Esta diferença inter-sexual pode estar refletindo o maior tamanho e crescimento alométrico dos quelípodos dos machos (GHERARDI & MICHELI 1989, PINHEIRO & TADDEI, em preparação), que utilizam esses apêndices durante as interações agonísticas (VANNINI & SARDINI 1971) e na imobilização da fêmea durante a cópula (LIU & LI 2000).

Estudos sobre crescimento em crustáceos têm gerado diversas hipóteses relativas às adaptações para a história de vida de cada grupo. As interpretações adquiridas por meio de modelos devem ser consideradas com cautela, principalmente quando se trata de descrever como os processos biológicos atuam na natureza. Os resultados obtidos no presente trabalho geram diversas hipóteses sobre o mecanismo diferencial de crescimento dos sexos de D. pagei, sugerindo que trabalhos empíricos sobre taxas de crescimento, número de instars antes da maturidade, comportamento reprodutivo, entre outros, devem ser incentivados, conferindo maior consistência à interpretação dos modelos matemáticos.

AGRADECIMENTOS

Ao Prof. Dr. Adilson Fransozo (Depto. de Zoologia, IB, UNESP Botucatu) pelo apoio e incentivo. Ao Prof. Dr. Fernando D'Incao (Depto. de Oceanografia, FURG) pelas proveitosas conversas sobre o modelo de Bertalanffy e ao MSc. Gustavo Y. Hattori por seu auxílio na análise de dados e pela amizade.

Recebido em 31.VIII.2004; aceito em 13.VI.2005.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    31 Out 2005
  • Data do Fascículo
    Set 2005

Histórico

  • Aceito
    13 Jun 2005
  • Recebido
    31 Ago 2004
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