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Biologia reprodutiva de Dipsas neivai Amaral e D. catesbyi (Sentzen) (Serpentes, Colubridae) no sudeste da Bahia, Brasil

Reproductive biology in Dipsas neivai and D. catesbyi (Serpentes, Colubridae) in southeastern Bahia, Brasil

Resumos

A biologia reprodutiva de Dipsas neivai Amaral, 1923 e Dipsas catesbyi (Sentezen, 1796) foi estudada através da dissecção de 261 espécimes de D. neivai e 222 de D. catesbyi. Em D. neivai o macho amadurece com menor tamanho do que a fêmea, ocorrendo o oposto em D. catesbyi. Em ambas as espécies a fêmea atinge maior tamanho corporal que o macho. O tamanho da ninhada variou de um a oito ovos em D. neivai e de um a seis em D. catesbyi, não estando correlacionado com o tamanho da fêmea na última. O ciclo reprodutivo em ambos machos e fêmeas é contínuo, com vitelogênese e espermatogênese ocorrendo ao longo do ano todo. Em Dipsas neivai, a cópula nas fêmeas é dissociado da vitelogênese. D. neivai e D. catesbyi são sintópicas, e reproduzem no mesmo período do ano, o que possivelmente está relacionado à disponibilidade contínua de presas e à pouca variação climática no sudeste da Bahia.

Ciclo gonadal; dimorfismo sexual; Floresta Atlântica; maturidade sexual


The reproductive biology of Dipsas neivai Amaral, 1923 and Dipsas catesbyi (Sentzen, 1796), was studied by dissecting 261 specimens of D. neivai and 222 of D. catesbyi. In D. neivai males mature at smaller body size than females, and in D. catesbyi the opposite was observed. The females were larger than males in both species. The clutch size ranged from one to eight in D. neivai, and one to six in D. catesbyi, but it is not correlated with female length in the last one. Reproductive cycles in both males and females are aseasonal, with vitelogensis and spermatogenesis occurring throughout the year. The couple in females of D. neivai is dissociated from the vitellogenesis. D. neivai and D. catesbyi are syntopic and reproduce in the same time of the year, which is possibly related to the continuous availability of prey and little climate variation in southern Bahia.

Atlantic forest; gonadal cycle; sexual dimorphism; sexual maturity


Biologia reprodutiva de Dipsas neivai Amaral e D. catesbyi (Sentzen) (Serpentes, Colubridae) no sudeste da Bahia, Brasil

Reproductive biology in Dipsas neivai and D. catesbyi (Serpentes, Colubridae) in southeastern Bahia, Brasil

Fátima Q. AlvesI; Antônio J.S. ArgoloII; Jorge JimIII

IRua D, Loteamento Santa Teresa 34, Banco Raso, 45600-000 Itabuna, Bahia, Brasil. E-mail: fqueiroz48@hotmail.com

IIDepartamento de Ciências Biológicas, Universidade Estadual de Santa Cruz. Rodovia Ilhéus-Itabuna Km 16, 45650-000 Ilhéus, Bahia, Brasil. E-mail: lachesis@uesc.br

IIIDepartamento de Zoologia Universidade Estadual Paulista. Rubião Júnior, 18618-000 Botucatu, São Paulo, Brasil

RESUMO

A biologia reprodutiva de Dipsas neivai Amaral, 1923 e Dipsas catesbyi (Sentezen, 1796) foi estudada através da dissecção de 261 espécimes de D. neivai e 222 de D. catesbyi. Em D. neivai o macho amadurece com menor tamanho do que a fêmea, ocorrendo o oposto em D. catesbyi. Em ambas as espécies a fêmea atinge maior tamanho corporal que o macho. O tamanho da ninhada variou de um a oito ovos em D. neivai e de um a seis em D. catesbyi, não estando correlacionado com o tamanho da fêmea na última. O ciclo reprodutivo em ambos machos e fêmeas é contínuo, com vitelogênese e espermatogênese ocorrendo ao longo do ano todo. Em Dipsas neivai, a cópula nas fêmeas é dissociado da vitelogênese. D. neivai e D. catesbyi são sintópicas, e reproduzem no mesmo período do ano, o que possivelmente está relacionado à disponibilidade contínua de presas e à pouca variação climática no sudeste da Bahia.

Palavras chave: Ciclo gonadal, dimorfismo sexual, Floresta Atlântica, maturidade sexual.

ABSTRACT

The reproductive biology of Dipsas neivai Amaral, 1923 and Dipsas catesbyi (Sentzen, 1796), was studied by dissecting 261 specimens of D. neivai and 222 of D. catesbyi. In D. neivai males mature at smaller body size than females, and in D. catesbyi the opposite was observed. The females were larger than males in both species. The clutch size ranged from one to eight in D. neivai, and one to six in D. catesbyi, but it is not correlated with female length in the last one. Reproductive cycles in both males and females are aseasonal, with vitelogensis and spermatogenesis occurring throughout the year. The couple in females of D. neivai is dissociated from the vitellogenesis. D. neivai and D. catesbyi are syntopic and reproduce in the same time of the year, which is possibly related to the continuous availability of prey and little climate variation in southern Bahia.

Key words: Atlantic forest, gonadal cycle, sexual dimorphism, sexual maturity.

Serpentes Dipsas Laurenti, 1768, constituem um gênero bastante diversificado de colubrídeos de florestas, distribuídas desde o México até o sul do Brasil (PETERS & OREJAS-MIRANDA 1970). São denominadas popularmente "dormideira", "dorminhoca" ou "come-lesma" (AMARAL 1926, 1978), além de "cobra-cipó", na Amazônia (CUNHA & NASCIMENTO 1978). Apesar de inofensivas são bastante temidas no sudeste da Bahia, onde são conhecidas como "pingo-de-ouro" (Dipsas indica indica Laurenti, 1768, Dipsas indica petersi HOGE & ROMANO, 1975) ou "jaracuçu" (D. neivai) (ARGÔLO 2004). Embora ocupem razoável extensão geográfica, são serpentes pouco representadas em coleções (CUNHA & NASCIMENTO 1978, DUELLMAN 1978, PORTO & FERNANDES 1996) e dados reprodutivos consistentes são disponíveis para poucas espécies (HARTMANN et al. 2002). Dipsas albifrons (Sauvage, 1884) constitui uma das poucas formas do gênero razoavelmente bem representadas em coleções, mas sua distribuição abrange principalmente áreas de altas latitudes na Mata Atlântica. No momento, é a única Dipsas do bioma que tem o ciclo reprodutivo caracterizado (HARTMANN et al. 2002). Nenhuma congênere de áreas mais setentrionais da Mata Atlântica foi estudada com base em número significativo de espécimes.

O sudeste da Bahia abriga cinco espécies de Dipsas, das quais D. neivai e D. catesbyi são relativamente freqüentes em cacauais (ARGÔLO 2004). D. neivai distribui-se de Alagoas à Santa Catarina, mas, apesar da distribuição ampla, é pouco representada nas principais coleções herpetológicas do país (PORTO & FERNANDES 1996). Estes autores sugeriram reprodução contínua em D. neivai, com base em indivíduos de diferentes latitudes da Mata Atlântica (PORTO & FERNANDES 1996). D. catesbyi apresenta ampla distribuição na Amazônia e uma população isolada na Mata Atlântica do sudeste da Bahia (ARGÔLO 2004). Considera-se que as populações de Iquitos, no Peru, possuem reprodução contínua, mas não existem dados suficientes de outras áreas amazônicas (ZUG et al. 1979) e nada se conhece sobre as populações do sudeste da Bahia.

Dentre os colubrideos, os Dipsadini são serpentes de tamanho médio ou pequeno, cujas fêmeas são maiores que os machos (FITCH 1981). A despeito da grande diversidade ecológica na família (FITCH 1981), diversos estudos (e.g. PARKER & PLUMMER 1987, SHINE 1993, PIZZATTO & MARQUES 2002, HARTMANN et al. 2002, JORDÃO & BIZERRA 1996, MARQUES & PUORTO 1998) identificaram o mesmo padrão de dimorfismo de outros grupos.

O dimorfismo sexual de tamanho está relacionado com a latitude (SHINE 1994) e a distribuição geográfica é marcante na determinação não apenas desta, mas de outras características reprodutivas (SHINE 1994, HARTMANN et al. 2002). Assim, conclusões consistentes acerca de tais tópicos para espécies amplamente distribuídas devem apoiar-se em dados ao longo da sua distribuição. D. neivai e D. catesbyi constituem bons modelos para uma abordagem dessa natureza. A primeira, por ocorrer em diferentes latitudes da Mata Atlântica e a segunda por apresentar considerável disjunção entre este bioma e a Amazônia. Neste trabalho apresentamos dados de maturidade, dimorfismo sexual de tamanho e ciclo reprodutivo de D. neivai e D. catesbyi no sudeste da Bahia.

MATERIAL E MÉTODOS

Área de estudo

Os espécimes foram coletados entre 1986 e 1998 principalmente na faixa de floresta ombrófila densa do sudeste da Bahia, onde predomina o cultivo do cacau (Theobroma cacao). A área situa-se entre a costa Atlântica e aproximadamente a 41ºW, e 13º00'-18º15'S (Fig. 1). Nessa faixa, o relevo em grande parte é suavemente ondulado e o clima é do tipo Af (Koeppen), quente e úmido, sem estação seca definida (ROEDER 1975). O índice pluviométrico médio anual atinge 1.500 mm. A temperatura média mensal oscila entre 20 e 26ºC e a anual em torno de 24ºC. No verão a temperatura média é 26°C e no inverno 18°C. Os meses mais quentes são outubro a abril e os mais frios, junho a agosto. A umidade situa-se em torno de 78% atingindo índices médios superiores a 80% próximo ao litoral. Os níveis elevados de umidade e temperatura, associados à ocorrência quase constante de condensação, ocasionam precipitações relativamente uniformes e abundantes ao longo do ano, com valores que superam os 2.000 mm em algumas localidades do litoral (SÁ et al. 1982). Apenas seis indivíduos de D. neivai foram obtidos em área de floresta estacional semidecidual, onde a precipitação média anual situa-se em torno de 1.000 mm e ocorre um período seco (tipo climático Am na classificação de Koeppen).


Foram analisados 261 indivíduos de D. neivai e 222 de D. catesbyi da Coleção Zoológica Gregório Bondar (CZGB) da Comissão Executiva do Plano da Lavoura Cacaueira (CEPEC/CEPLAC), em Ilhéus-BA. Os seguintes dados foram obtidos dos espécimes dissecados: (1) comprimento rostro-cloacal (CRC); (2) comprimento caudal (CC); (3) diâmetro do maior folículo ovariano; (4) número de folículos e ovos; (5) espessura dos ovários e ovidutos; (6) comprimento do maior ovo (eixo maior); (7) diâmetro dos ductos deferentes (próximo ao epidídimo); (8) comprimento dos testículos (eixo maior; CTE); (7) estágio de enovelamento dos ductos deferentes; (8) maturidade reprodutiva, se estavam maduros ou imaturos. Foram considerados indivíduos maduros as fêmeas com folículos ovarianos a partir da vitelogênese inicial (3-4 mm), ovidutos espessos ou com ovos nos ovidutos; e os machos com testículos desenvolvidos e túrgidos ou ductos deferentes opacos e enovelados, indicando a presença de esperma (SHINE 1977a, b, 1984, ZUG et al. 1979).

A variação do ciclo gonadal das fêmeas foi analisada com base no número de fêmeas maduras coletadas em cada mês e o número de fêmeas com folículos vitelogênicos ou ovos no mesmo período, através do teste Qui-quadrado. O comprimento dos testículos e o diâmetro dos ductos deferentes foram correlacionados com o CRC e os resultados utilizados para indicar a presença de atividade espermatogênica (SHINE 1977b). A atividade espermatogênica também foi avaliada pelo exame histológico dos testículos, epidídimos e ductos deferentes. Para análise histológica foram selecionados indivíduos maduros de vários tamanhos e cada mês do ano foi representado por dois ou três espécimes.

O período de desova e eclosão, tamanho da ninhada e dos recém-nascidos foram obtidos a partir de desovas efetuadas em cativeiro (espécimes mantidos no biotério da CEPLAC), dos ovos e filhotes encontrados na natureza e dos espécimes preservados da coleção.

O CRC da fêmea foi correlacionado com o tamanho da ninhada através da análise de correlação. O grau de dimorfismo sexual de tamanho (DST) foi calculado pela seguinte fórmula: a média do CRC do maior sexo dividido pela média do CRC do menor sexo e subtraído de 1 (SHINE 1994). O grau de dimorfismo sexual foi calculado nos jovens para avaliar se este caracter ocorre em toda história de vida ou se há mudança ontogenética.

RESULTADOS

Maturidade e dimorfismo sexual de tamanho (DST)

A menor fêmea madura de D. neivai mediu 432 mm de CRC e o menor macho 298 mm. As fêmeas atingiram a maturidade sexual com 52,43% do CRC e os machos com 42,45%. As fêmeas maduras (584,41 ± 86,67mm; amplitude de variação = 432-820 mm; n = 91) foram significativamente maiores do que os machos maduros (521,79 ± 81,29 mm; amplitude de variação = 298-702 mm; n = 99) (t = 5,12; df = 183,83; p < 0,05). O grau de DST foi maior nos adultos (0,05) que nos jovens (0,01).

Em D. catesbyi, a menor fêmea madura mediu 331 mm e o menor macho maduro 341 mm. As fêmeas alcançam a maturidade com 51,72% do CRC e os machos com 59,30%. As fêmeas maduras (494,19 ± 63,91 mm; amplitude de variação = 331-640 mm; n = 54) também foram significativamente maiores do que machos (463,69 ± 53,78 mm; amplitude de variação = 341-575; n = 65) (t = 2,782; df = 103,10; p < 0,05). O grau de DST foi 0,06 nos adultos e nos jovens foi negativo (-0,06).

Ciclo reprodutivo

Fêmeas

Folículos vitelogênicos ocorreram ao longo do ano em D. neivai (Fig. 2, x2 = 13,623; df = 11; p > 0,05) e D. catesbyi (Fig. 3; x2 = 13,352; df = 11; p > 0,05) e foram distribuídos de modo uniforme. Da mesma forma houve fêmeas maduras em diferentes fases do ciclo reprodutivo e as fêmeas prenhes ou fêmeas pós-postura apresentaram folículos em vários estágios de desenvolvimento, em ambas as espécies. As fêmeas prenhes ou com folículos ovulatórios apresentaram depósito de gordura no abdômen.



Dipsas neivai apresentou ovos nos ovidutos de maio a dezembro, exceto junho (Fig. 2). Foram registradas desovas em cativeiro em outubro (n = 2) e setembro e eclosões nos meses de janeiro, abril e dezembro. Os registros da coleção indicam que os espécimes com CRC < 240 mm (maior tamanho registrado no recém-nascido) foram coletados em janeiro, abril, junho, julho, agosto, setembro e outubro.

Dipsas catesbyi apresentou ovos nos ovidutos em janeiro, março, maio, junho, julho e dezembro (Fig. 3). As desovas em cativeiro ocorreram em março, agosto e outubro e as eclosões em fevereiro. Os registros da coleção indicam que espécimes com CRC < 202 mm (maior tamanho registrado no recém-nascido) foram coletados em fevereiro, março, maio, julho, agosto, outubro, novembro e dezembro.

Tamanho da ninhada e do recém-nascido

O tamanho da ninhada em D. neivai foi de um a oito ovos (3,91 ± 1,95; n = 22) e em D. catesbyi de um a seis de ovos (3,63 ± 1,66; n = 13) e foi positivamente correlacionado com o CRC da fêmea em D. neivai (Fig. 4; r2 = 0,6325; p < 0,05), mas não em D. catesbyi (Fig. 5; r2 = 0,51; p > 0,05). Em D. neivai o comprimento médio do ovo foi de 27,60 ± 6,30 mm (19,50-41,50 mm, n = 90 ovos de 24 ninhadas) e em D. catesbyi, 25,00 ± 3,02 mm (18,72-30,70 mm, n = 47 ovos de 13 ninhadas). O tamanho da ninhada não está correlacionado com o comprimento dos ovos de D. neivai (Fig. 6; r = 0,032; p > 0,05) ou D. catesbyi (Fig. 7; r = -0,05; p > 0,05).


Em cativeiro os ovos foram postos a intervalos de dois, três e até 19 dias. O período de incubação dos ovos de uma postura em cativeiro foi 90 dias. O recém-nascido em D. neivai mede 194,90 mm ± 45,42 (96-225 mm; n = 13) e em D. catesbyi 188,07 mm ± 10,52 (170-202 mm, n = 24). Os recém-nascidos medem entre 16,43 e 29,27% do CRC materno em D. neivai e entre 31,56 e 49,42% do CRC materno em D. catesbyi.

Machos

Machos com testículos pequenos apresentaram ductos deferentes translúcidos e não enovelados em D. neivai (r = 0.546; p > 0,01; n = 112) e em D. catesbyi (r = 0.696; p > 0,01; n = 95). Os comprimentos dos testículos dos indivíduos maduros de D. neivai (F = 0,669; df = 10; p > 0,05; n = 58) e de D. catesbyi (F = 0,487; df = 10; p > 0,05; n = 58) não variaram ao longo do ano (Figs 8-9). O mesmo padrão foi observado para o diâmetro dos ductos deferentes de D. neivai (F = 0,828; df = 10; p > 0,05; n = 58) e de D. catesbyi (F = 0,840; df = 10; p > 0,05; n = 58) (Figs 10-11), indicando ciclo contínuo em ambas as espécies.


A presença de machos e de fêmeas adultas de D. neivai (x2 = 13,925; df = 11; p > 0,05) e de D. catesbyi (x2 = 8,867; df = 11; p > 0,05) foi registrada ao longo do ano com distribuição praticamente uniforme (Figs 12-13).

Cópula

Um casal de D. neivai em cópula foi observado em janeiro de 1992, às 08:40 h da manhã sobre um cacaueiro, em Uruçuca, Bahia. O macho mediu 700 mm de CRC e a fêmea 550 mm. O casal foi mantido em cativeiro durante três meses e sacrificado em 14 de abril de 1992. A fêmea apresentou folículos imaturos (maior folículo = 2,73 mm, n = 12) e o macho apresentou testículos maduros (CTE = 11,04 mm) e ductos deferentes enovelados (diâmetro = 0,73 mm).

Outra fêmea e três machos foram encontrados em fevereiro do mesmo ano, às 10:20h, enrodilhados sob as cascas de um tronco em decomposição, a 1,5 m do solo, no interior de um cacaual em Ilhéus-BA. Os machos mediram respectivamente 595, 580 e 536 mm e a fêmea 580 mm. Os machos apresentaram testículos maduros (CTE = 10,72; 13,93 e 10,20 mm e ductos deferentes enovelados (diâmetro = 0,62; 0,63 e 0,54 mm). O exame histológico em um dos espécimes revelou espermatozóides no lúmen dos túbulos seminíferos (F. Q. Alves, dados não publicados). A fêmea apresentou folículos imaturos (maior folículo: 2,84 mm; n = 38) mas ovidutos espessos e com regiões convolutas.

DISCUSSÃO

Em D. neivai os machos amadurecem com menor tamanho que as fêmeas, como em outros colubrídeos ovíparos, a exemplo de Simophis rhinostoma (Schlegel, 1837) (JORDÃO & BIZERRA 1996); Erythrolamprus aesculapii (Linnaeus, 1758) (MARQUES 1996) e Dipsas albifrons (HARTMANN et al. 2002). Esse padrão (e.g. PARKER & PLUMMER 1987) é encontrado em 66% das espécies de regiões temperadas. Para D. neivai, assim como em outras espécies em que a fecundação está correlacionada com o CRC (e.g. SHINE 1993), o maior tamanho confere vantagem seletiva para a fêmea. Isso se reflete no dimorfismo sexual, mais evidente nos adultos, com as fêmeas sendo maiores que os machos.

Machos de D. catesbyi amadurecem com maior CRC do que as fêmeas. Ou seja, contrariamente a D. neivai, fêmeas de D. catesbyi não retardam a reprodução para alcançar maior tamanho. Talvez isso explique a ausência de correlação entre o tamanho da ninhada e o CRC materno na espécie.

Em ambas as espécies as ninhadas são pequenas, um traço comum com outros Dipsadini (e.g. DUELLMAN 1978, ZUG et al. 1979, MANZANI & CARDOSO 1997, MARTINS & OLIVEIRA 1998, HARTMANN et al. 2002). Nos representantes dessa tribo, o tamanho da ninhada tem sido relacionado aos hábitos semi-arborícolas (e.g. MARTINS & OLIVEIRA 1998) ou, ainda, ao bem estar físico da fêmea (ZUG et al. 1979). Isso também pode se aplicar às espécies de Dipsas aqui estudadas. Entretanto, de acordo com SHINE (2003), o tamanho da fêmea determina a massa da ninhada somente se ela retarda a reprodução até obter energia suficiente para preencher sua cavidade com ovos ou embriões. Essa suposição se enquadra perfeitamente à situação de D. catesbyi.

O ciclo reprodutivo de D. neivai e D. catesbyi no sudeste da Bahia é contínuo. Isso coincide com o observado em D. catesbyi em Iquitos no Peru (ZUG et al. 1979) e em D. neivai (PORTO & FERNANDES 1996) na Mata Atlântica. Mesmo nos trópicos pode haver sazonalidade na reprodução de algumas espécies, devido a alguma variação nos níveis de recursos (SHINE 2003). Entretanto, a área estudada apresenta grande estabilidade climática (SÁ et al. 1982), o que também deve ocasionar disponibilidade contínua de presas no ambiente. Já Dipsadini ocorrendo em latitudes elevadas, a exemplo de D. albifrons (HARTMANN et al. 2002), pode haver sazonalidade no ciclo reprodutivo. Nestes casos a reprodução em geral ocorre na estação chuvosa, quando a disponibilidade de alimento e temperatura para incubação são mais adequadas (SHINE 2003), o que se reflete também na própria atividade das serpentes (SEIGEL & FORD 1987). Esse parece ser o caso, também, de populações mais meridionais de D. indica petersi (MARQUES & SAZIMA 2004). D. neivai e D. catesbyi são as serpentes do gênero mais abundantes na região estudada e a estabilidade climática e a oferta de recursos podem ser responsáveis por permitir que espécies abundantes e com ciclo reprodutivo contínuo ocorram em sintopia.

A ocorrência de fêmeas prenhes ou em pós postura com folículos em diferentes estágios de desenvolvimento, sugere que D. neivai e D. catesbyi podem talvez produzir ninhadas múltiplas. Reservas de gordura, disponibilidade de alimento e a estrutura da população são os primeiros determinantes da freqüência reprodutiva em serpentes (SEIGEL & FORD 1987). Fêmeas prenhes das espécies aqui estudadas apresentaram presas não digeridas no estômago e depósitos de gordura abdominal. Isso demonstra que elas obtêm energia para a reprodução através da alimentação contínua (e.g. SHINE & MADSEN 1997, BROWN & SHINE 2002) possuindo uma estrutura fisiológica adequada a produção de ninhadas múltiplas.

O acasalamento observado em D. neivai demonstrou que fêmeas apresentam a cópula dissociada da vitelogênese, embora os machos apresentem associação entre cópula e espermatogênese. Existem muitas espécies em que um ou ambos os sexos exibem dissociação entre a atividade gonadal e o acasalamento (CREWS 1984). Há também evidências de que o ato de acasalamento estimula a vitelogênese (e.g. SEIGEL & FORD 1987) e a dissociação entre cópula e vitelogênese pode estar relacionada ao estímulo desta nas fêmeas. Serpentes como Oxyrhopus guibei Hoge e Romano, 1977 (PIZZATTO & MARQUES 2002) estocam esperma e isso poderia ser uma explicação para a dissociação entre cópula e vitelogênese. Entretanto, ao contrário de O. guibei, machos e fêmeas sexualmente maduros de D. neivai e D. catesbyi foram encontrados em proporções semelhantes ao longo de todo o ano, tornando desnecessário o armazenamento de esperma.

AGRADECIMENTOS

Agradecemos a Otávio A. V. Marques e José V. Ortiz pela leitura crítica do manuscrito e ao segundo também pelo auxilio nas análises estatísticas. A Christine Strüssman e um revisor anônimo pelas valiosas sugestões ao texto. Ao Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico-CNPq pela bolsa de mestrado concedida a primeira autora. À Comissão Executiva do Plano da Lavoura Cacaueira (CEPLAC), Ilhéus-BA pelo empréstimo dos espécimes analisados. Este artigo é parte da dissertação de mestrado defendida no Curso de Pós-graduação e Zoologia da Universidade Estadual Paulista (UNESP), Botucatu, São Paulo.

Recebido em 30.IX.2004; aceito em 19.VII.2005.

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  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      31 Out 2005
    • Data do Fascículo
      Set 2005
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