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As espécies de Gastrotheca Fitzinger na Serra dos Órgãos, Estado do Rio de Janeiro, Brasil (Amphibia: Anura: Amphignathodontidae)

The species of Gastrotheca Fitzinger at Organs Mountains, Rio de Janeiro State, Brazil (Amphibia: Anura: Amphignathodontidae)

Resumos

O estudo dos anfíbios que ocorrem nas florestas da Serra dos Órgãos, no Estado do Rio de Janeiro, sudeste do Brasil, resultou no registro de três espécies de Gastrotheca Fitzinger, 1843: G. albolineata (Lutz & Lutz, 1939), G. ernestoi Miranda-Ribeiro, 1920 e G. fulvorufa (Andersson, 1911). Essas espécies são comparadas, inclusive com exame dos crânios e da vocalização, e reconhecidas como diferentes. O nome Gastrotheca microdiscus (Andersson, 1909), ao qual G. fulvorufa e G. ernestoi têm sido consideradas sinônimos por alguns autores, é tido aqui como inaplicável para qualquer dessas três espécies devido ao tamanho menor dos discos dos dedos e artelhos e pela derme da cabeça completamente envolvida em uma ossificação craniana debilmente rugosa em G. microdiscus, como consta da descrição original daquela espécie. Gastrotheca viridis Lutz & Lutz, 1939 é sinonimizada a G. ernestoi.

Taxonomia; sudeste do Brasil; Gastrotheca fulvorufa; Gastrotheca ernestoi; Gastrotheca albolineata


A study of the anurofauna of the Brazilian rainforest in the mountain chain of Serra dos Orgãos (state of Rio de Janeiro) revealed the occurrence of three species of Gastrotheca Fitzinger, 1843: G. albolineata (Lutz & Lutz, 1939), G. ernestoi Miranda-Ribeiro, 1920 and G. fulvorufa (Andersson, 1911). These taxa are compared with respect to their external and cranial morphology, as well as call structure, and diagnosed as three unique species. The name Gastrotheca microdiscus (Andersson, 1910), which G. fulvorufa and G. ernestoi have been recently considered as synonyms, is not applied to either of the three species from Serra dos Órgãos, given the smaller size of the disks of fingers and toes and by the derm of the head completely involved in a faintly rugose cranial ossification in G. microdiscus, as originally described. Gastrotheca viridis Lutz & Lutz, 1939 is herein considered a synonym of Gastrotheca ernestoi.

Taxonomy; Southeastern Brazil; Gastrotheca fulvorufa; Gastrotheca ernestoi; Gastrotheca albolineata


TAXONOMY AND NOMENCLATURE

As espécies de Gastrotheca Fitzinger na Serra dos Órgãos, Estado do Rio de Janeiro, Brasil (Amphibia: Anura: Amphignathodontidae)

The species of Gastrotheca Fitzinger at Organs Mountains, Rio de Janeiro State, Brazil (Amphibia: Anura: Amphignathodontidae)

Eugenio Izecksohn; Sérgio P. de Carvalho-e-Silva

Instituto de Biologia, Universidade Federal do Rio de Janeiro. Caixa Postal 68044, 21944-970 Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, Brasil. E.mail: eugenio@izecksohn.com.br; sergio@biologia.ufrj.br

RESUMO

O estudo dos anfíbios que ocorrem nas florestas da Serra dos Órgãos, no Estado do Rio de Janeiro, sudeste do Brasil, resultou no registro de três espécies de Gastrotheca Fitzinger, 1843: G. albolineata (Lutz & Lutz, 1939), G. ernestoi Miranda-Ribeiro, 1920 e G. fulvorufa (Andersson, 1911). Essas espécies são comparadas, inclusive com exame dos crânios e da vocalização, e reconhecidas como diferentes. O nome Gastrotheca microdiscus (Andersson, 1909), ao qual G. fulvorufa e G. ernestoi têm sido consideradas sinônimos por alguns autores, é tido aqui como inaplicável para qualquer dessas três espécies devido ao tamanho menor dos discos dos dedos e artelhos e pela derme da cabeça completamente envolvida em uma ossificação craniana debilmente rugosa em G. microdiscus, como consta da descrição original daquela espécie. Gastrotheca viridis Lutz & Lutz, 1939 é sinonimizada a G. ernestoi.

Palavras-chave: Taxonomia; sudeste do Brasil; Gastrotheca fulvorufa; Gastrotheca ernestoi; Gastrotheca albolineata.

ABSTRACT

A study of the anurofauna of the Brazilian rainforest in the mountain chain of Serra dos Orgãos (state of Rio de Janeiro) revealed the occurrence of three species of Gastrotheca Fitzinger, 1843: G. albolineata (Lutz & Lutz, 1939), G. ernestoi Miranda-Ribeiro, 1920 and G. fulvorufa (Andersson, 1911). These taxa are compared with respect to their external and cranial morphology, as well as call structure, and diagnosed as three unique species. The name Gastrotheca microdiscus (Andersson, 1910), which G. fulvorufa and G. ernestoi have been recently considered as synonyms, is not applied to either of the three species from Serra dos Órgãos, given the smaller size of the disks of fingers and toes and by the derm of the head completely involved in a faintly rugose cranial ossification in G. microdiscus, as originally described. Gastrotheca viridis Lutz & Lutz, 1939 is herein considered a synonym of Gastrotheca ernestoi.

Key words: Taxonomy; Southeastern Brazil; Gastrotheca fulvorufa; Gastrotheca ernestoi; Gastrotheca albolineata.

As espécies de Gastrotheca Fitzinger, 1843 são características por suas fêmeas apresentarem uma bolsa dorsal com abertura posterior onde os ovos se incubam, sendo que ao menos 52 espécies ocorrem na América do Sul, Panamá e Costa Rica (FROST 2007). As espécies brasileiras conhecidas devem apresentar desenvolvimento direto a julgar pelo tamanho de seus ovos (BOULENGER 1888, ANDERSON 1910, MIRANDA-RIBEIRO 1920, 1926, IZECKSOHN & CARVALHO-E-SILVA 2001, SACHSSE et al. 1999). Exemplares dessas espécies são relativamente escassos nas coleções dos museus em decorrência de seus hábitos, pois normalmente se mantêm e se reproduzem no alto de árvores, na floresta atlântica, e raramente são encontrados ao alcance dos colecionadores. Em decorrência disto, tais espécies têm sido descritas com base apenas em um ou dois exemplares e ainda são mal conhecidas quanto ao significado da variabilidade de seus caracteres, o que tem acarretado, por um lado o surgimento de sinônimos, e por outro, sinonímias que parecem ser incorretas diante dos caracteres referidos nas descrições originais das espécies. Assim, apesar de terem sido reunidos na literatura seis nomes atribuíveis a espécies brasileiras de Gastrotheca, após COCHRAN (1955) haver colocado as espécies Nototrema fulvorufa Andersson, 1911 e Hyla parkeriana DeWitte, 1930 na sinonímia de Gastrotheca microdisca [sic] (Andersson, 1909), e DUELLMAN (1984) ter acrescentado à lista de sinônimos daquela espécie Gastrotheca ernestoi Miranda-Ribeiro, 1920 e Gastrotheca viridis Lutz & Lutz, 1939 apenas duas espécies brasileiras permaneceram consideradas válidas: G. microdiscus e G. fissipes (Boulenger, 1888). Uma outra espécie, contudo, descrita originalmente como Hyla albolineata Lutz & Lutz, 1939, baseada em um indivíduo juvenil obtido em Teresópolis, no Estado do Rio de Janeiro, foi posteriormente transferida para o gênero Gastrotheca por SACHSSE et al. (1999) que obtiveram uma fêmea com a bolsa dorsal contendo ovos, de onde eclodiram 16 rãzinhas. IZECKSOHN & CARVALHO-E-SILVA (2001) não aceitaram a sinonímia de G. fulvorufa e G. ernestoi com G. microdiscus.

A Serra dos Órgãos (senso restrito) (Fig. 1) é um segmento da Serra do Mar, no Estado do Rio de Janeiro, que se limita com a Serra de Macaé ao leste e com a Serra da Estrela ao oeste, se bem que alguns autores considerem, em um sentido mais amplo, os três segmentos reunidos sob o nome Serra dos Órgãos. A região abriga importantes unidades de proteção integral do meio ambiente, podendo ser destacadas, pelas extensões de suas áreas, o Parque Nacional da Serra dos Órgãos, com 10653 ha, e o Parque Estadual dos Três Picos, com 46350 ha. Ao oeste, na vizinha Serra do Tinguá, encontra-se a Reserva Biológica de Tinguá, com extensão de 26136 ha. As encostas cobertas por florestas distribuem-se, nessas montanhas, desde poucas dezenas de metros sobre o nível do mar até altitudes acima de 2000 m. A região foi escolhida como limitação da área de pesquisa para este trabalho, pois além de oferecer facilidades de locomoção, abriga ao menos três distintas espécies de Gastrotheca.


O objetivo deste trabalho é reavaliar sinonímias entre espécies descritas para as regiões Sudeste e Sul do Brasil. O nome G. microdiscus não é aqui aplicado às espécies encontradas na Serra dos Órgãos por razões apresentadas adiante (ver Discussão). Para melhor diferenciar essas espécies, são acrescentados aos caracteres empregados por autores anteriores, outros ainda não utilizados como o aspecto dos frontoparietais e a vocalização.

MATERIAL E MÉTODOS

O material examinado está depositado nas seguintes coleções: ZUFRJ (Coleção do Laboratório de Anfíbios e Répteis, Instituto de Biologia, Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro), EI (Coleção Eugenio Izecksohn, Instituto de Biologia, Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro, Seropédica), RURAL (Coleção do Laboratório de Zoologia do Instituto de Biologia da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro, Seropédica), UNIRIO (Coleção da Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro), MNRJ (Coleção do Setor de Herpetologia do Museu Nacional, Rio de Janeiro), AL (Coleção Adolpho Lutz, Museu Nacional, Rio de Janeiro) e MZUSP (Coleção de Anfíbios do Museu de Zoologia, Universidade de São Paulo, São Paulo).

As vocalizações foram gravadas em Teresópolis, Estado do Rio de Janeiro, em fitas cassete, com auxílio de um gravador Sony WM-DC6 e um microfone Sennheiser ME-66. As vozes foram digitalizados a 44,1 kHz, 16 bits e analisadas em microcomputador iMac G3 com auxílio do programa Canary (v.1.2.4) ou em microcomputador PC com o programa Raven (v.1.2.1) ambos do Cornell Laboratory of Ornithology (Bioacoustics Research Program). As descrições e análises das vocalizações seguem WEBER et al. (2005).

Os crânios foram preparados segundo IZECKSOHN et al. (2005).

RESULTADOS

Gastrotheca albolineata (Lutz & Lutz, 1939)

Figs 2, 3, 13 , 16, 19 , 22 , 26 , 27 , 32




Hyla albolineata Lutz & Lutz, 1939: 69. Localidade-tipo: Teresópolis, Estado do Rio de Janeiro, Brasil.

Gastrotheca albolineata: Izecksohn & Carvalho-e-Silva, 2001: 37. Sachsse, Izecksohn & Carvalho-e-Silva, 1999: 401.

Os exames do holótipo e de um topotipo da Serra dos Órgãos confirmaram a identidade dos demais exemplares atribuídos a esta espécie. A presença de um par de destacadas faixas laterais brancas (amarelas anteriormente) percorrendo do focinho aos flancos separa esta espécie das demais da mesma procedência. Faixas brancas percorrem também o bordo externo do tarso e acima da abertura cloacal. Finas estrias brancas delimitam figuras simétricas no dorso e nas patas. A pele no dorso da cabeça é aderente mas não há co-ossificação. Em vida, a cor geral é verde-folha, com dois pares de pintas negras ou pardo-escuras, um pós-nucal e outro sobre o sacro, formando um trapézio. A largura do disco do terceiro dedo é maior que o diâmetro do tímpano.

Gastrotheca ernestoi A. Miranda-Ribeiro, 1920

Figs 4-8, 14, 17, 20 , 23 , 28, 29, 33

Gastrotheca ernestoi A. Miranda-Ribeiro, 1920: 323. Localidade-tipo: Macaé, Estado do Rio de Janeiro, Brasil; Izecksohn & Carvalho-e-Silva, 2001: 37.

Gastrotheca viridis Lutz & Lutz, 1939: 81. Localidade-tipo: Bonito, Serra da Bocaina, Estado de São Paulo, Brasil.

Gastrotheca microdisca (parte); Cochran, 1955: 50; Duellman, 1984: 304.

O exame do holótipo confirmou a identidade dos exemplares provenientes da Serra dos Órgãos e reunidos sob este nome. Trata-se de espécie grande, sem co-ossificiação da pele do crânio, mas com aderência desta nos exemplares recém fixados. Dorsalmente e lateralmente apresenta manchas ou faixas oblíquas, simétricas, pardo-escuras ou negras, que contrastam com o fundo bege ou verde. Sobre as pálpebras superiores há um par de manchas redondas ou ocelos negros ou pardo-escuros, havendo geralmente um par de manchas semelhantes pós-nucais. As faixas escuras laterais podem apresentar margens claras. A largura do disco do terceiro dedo é maior que o diâmetro do tímpano.

Gastrotheca fulvorufa (Andersson, 1911)

Figs 9-12, 15, 18, 21 , 24, 30, 31, 34

Nototrema fulvorufa Andersson, 1911: 3. Localidade-tipo: Santos, Estado de São Paulo, Brasil.

Hyla parkeri DeWitte, 1930a: 226 (não Hyla parkeri Gaige, 1929). Localidade-tipo: Alto da Serra, São Paulo.

Hyla parkeriana DeWitte, 1930b:102 (novo nome para Hyla parkeri DeWitte).

Gastrotheca fulvo-rufa: A. Miranda-Ribeiro, 1926: 110.

Gastrotheca microdisca [sic] (parte); Cochran, 1955: 50; Duellman, 1984: 304.

Gastrotheca fulvorufa; Izecksohn & Carvalho-e-Silva, 2001: 37.

Não examinamos o holótipo, mas a descrição e figuras originais não nos deixaram dúvidas quanto à identidade dos exemplares reunidos da Serra dos Órgãos. Trata-se de espécie grande sem capacete ou co-ossificação na cabeça, mas com aderência da pele na zona mediana do crânio nos indivíduos vivos ou recentemente coletados. Os exemplares examinados apresentam um pequeno e destacado grupo de grânulos negros no centro do dorso a meia distância entre a extremidade do focinho e a abertura cloacal. As figuras pardas que compõem a ornamentação dorsal estão sempre delimitadas por filas de pequenos pontos negros. A cor fundamental dorsal, em vida, varia do verde-maçã (juvenis) ao bege avermelhado (adultos). A largura do disco do terceiro dedo é maior que o diâmetro do tímpano.

Estudo comparativo de exemplares das três espécies de Gastrotheca obtidos na Serra dos Órgãos

Os maiores exemplares entre o material examinado apresentaram comprimento rostro-cloacal para G. albolineata = 60 mm (macho e fêmea), para G. ernestoi = 75 mm (fêmea), e para G. fulvorufa = 80 mm (fêmea).

Gastrotheca albolineata (Figs 2 e 3) e G. ernestoi (Figs 4-8) possuem corpo relativamente mais largo que o de G. fulvorufa (Figs 9-12).

Os focinhos de G. albolineata (Fig. 13 ) e de G. ernestoi (Fig. 14) têm perfis quase truncados; o de G. fulvorufa (Fig. 15) mostra perfil arredondado.

As pálpebras superiores de G. ernestoi exibem um ocelo ou elipse, negro ou pardo-escuro, compacto ou com o centro claro (Figs 4-8). As pálpebras de G. albolineata (Figs 2 e 3) e de G. fulvorufa (Figs 9-12) não mostram esse tipo de ornamentação.

Gastrotheca albolineata mostra-se dorsalmente verde intenso em vida, apresentando dois pares de pintas pardas ou negras, dispostas como os cantos de um trapézio, o primeiro mais aproximado e situado sobre as supra-escápulas, e o segundo, com as pintas mais afastadas entre si, situado pouco adiante do sacro (Figs 2, 3) e, por vezes, uma pinta sobre a cabeça; nesta espécie podem ser notadas, em vida, finas estrias brancas que se dispõem como se marginassem indistintas figuras simétricas no dorso e bandas nas pernas (Fig. 27 ). G. ernestoi (Figs 4-8) mostra na cabeça, dorso e patas coloração fundamental bege ou pardo claro, por vezes e ao menos em parte verde claro; atrás da cabeça há um par de manchas negras, às vezes fundidas, compactas ou com o centro mais claro; o dorso do tronco exibe faixas negras ou pardo-escuras, oblíquas, que divergem para trás. G. fulvorufa (Figs 9-12) tem sua coloração dorsal fundamental pardo-avermelhada, (verde-clara em juvenis), com figuras simétricas pardas, irregulares em suas formas, divergentes para trás, marginadas por pontos ou grânulos negros; diversos outros grânulos negros estão presentes entre estas figuras e há um pequeno conjunto de tubérculos, também negros, situados no centro do dorso a meia distância entre a extremidade do focinho e a abertura cloacal.

Gastrotheca albolineata (Figs 26-27 ) exibe nos loros e flancos apenas uma faixa branca (em vida amarelada no focinho), marginada por estria castanha, que percorre o lábio superior, passa sob o olho, sob tímpano, sobre a inserção do úmero e vem terminar no flanco pouco à frente da região inguinal; G. ernestoi (Figs 28-29) apresenta uma estreita faixa esbranquiçada desde a extremidade do focinho até o úmero, passando pelo lábio superior, sob o olho e sob o tímpano, e também uma estria pardo-clara, marginada ventralmente por uma faixa marrom ou negra, desde o canto rostral, passando pela borda da pálpebra, até o flanco onde se encurva para o ventre; G. fulvorufa (Figs 30-31) não possui, nos loros e flancos, estrias ou faixas claras longitudinais, mas mostra uma mancha marrom sob o olho e outra desde o bordo posterior do olho até a comissura labial, encobrindo o tímpano, e nos flancos manchas e faixas marrons ou negras, irregulares.

Em vida a íris de G. albolineata se apresenta amarela, em G. ernestoi a íris é parda e em G. fulvorufa ela é cor de ferrugem.

Em G. albolineata e G. ernestoi a pele no dorso se mostra finamente granulosa, enquanto em G. fulvorufa a pele apresenta diversos grânulos maiores.

As membranas das mãos e pés de G. albolineata são mais extensas do que as das duas outras espécies (Figs 16-21).

Nas espécies estudadas observou-se aderência da pele a trechos da superfície do crânio, mas isto desapareceu após algum tempo de manutenção dos exemplares nos líquidos conservadores, deixando então a pele solta. Ela é decorrente da superfície rugosa dos ossos do crânio que têm contato com a pele, como os frontoparietais, esfenoetmóides, nasais e as partes superficiais dos maxilares e escamosais. Essa rugosidade ou ornamentação se mostra como um conjunto de rugas que formam retículos e deixam cavidades rasas de contorno redondo entre elas. Os frontoparietais são os ossos do crânio com maior área de contacto com a pele e sua forma difere entre as espécies encontradas na Serra dos Órgãos. Eles possuem flanges laterais angulosas que se projetam para as órbitas em maior ou menos extensão. Em G. albolineata as flanges dos frontoparietais são algo mais expandidas do que nas outras duas espécies, apresentando lateralmente ângulos mais acentuados e retículos maiores (Fig. 22 ). Os frontoparietais de G. ernestoi são algo menos expandidos, com ângulos laterais menores (Fig. 23 ) e os frontoparietais de G. fulvorufa têm seu contorno convexo, quase sem ângulos (Fig. 24). Nenhuma das três espécies encontradas na Serra dos Órgãos mostra os frontoparietais formando o bordo posterior das órbitas como em Gastrotheca sp. (Fig. 25), do litoral do Estado de São Paulo.

A tíbia, por ser retilínea e ter suas extremidades fora do tronco, é o segmento da perna que permite medição mais precisa e é proporcional, em comprimento, aos demais segmentos dos membros posteriores, dando idéia da extensão relativa da pata. A relação CT/CRC observada em quatro exemplares adultos de cada espécie mostrou para G. albolineata variação entre 45% e 48%, para G. ernestoi variação de 48% a 49% e para G. fulvorufa variação de 54% a 62%.

Nas três espécies examinadas, os discos do terceiro dedo e do quarto artelho mostraram suas larguras iguais ou pouco maiores que o diâmetro transversal dos tímpanos.

A vocalização de G. albolineata (oito registros), com duração entre 2,0 e 4,0 segundos, consta de cinco a 14 notas graves, com duração média de 0,07 s, que se repetem a cada 0,30 s, podendo ter notas introdutórias que são emitidas em escala crescente de intensidade, lembrando o timbre de uma galinha quando estressada. Cada nota é formada por pulsos com freqüência dominante entre 1200 hz e 1700 hz e freqüência fundamental entre 650 hz e 800 hz. A vocalização de G. ernestoi (dois registros) com duração de 0,4 s, é algo estridente, sugerindo o grito do pássaro cotingídeo "araponga" ou "ferreiro" (Procnias nudicolis) quando ouvido ao longe e consta geralmente de duas notas de igual intensidade, a primeira (0,18 s) mais longa que a segunda (0,11 s), emitidas com intervalo de 0,30 s. A primeira nota é formada por cerca de sete pulsos semelhantes e a segunda por três pulsos cada um menos intenso que o anterior. As duas notas apresentam estrutura de harmônicos, sendo o dominante ( = fundamental), com freqüência em torno de 1119 hz. Embora o canto mais freqüente apresente duas notas, um dos autores (SPCS) ouviu vocalizações no ambiente com até oito notas. G. fulvorufa (quatro registros) vocaliza emitindo notas sonoras, musicais, algo flauteadas, com seu timbre sugerindo, à distância, a voz de Aplastodiscus albofrenatus (A. Lutz), e a vocalização com duração media 0,5 s, consta de duas notas não formadas por pulsos, com a mesma intensidade, com 0,16 s a primeira e 0,06 s a segunda, emitidas com intervalo de 0,4 s. Apresentam estrutura de harmônicos com o harmônico dominante em torno de 1785 hz e o fundamental em 904 hz.

Os exemplares de G. fulvorufa encontrados em repouso estavam sempre refugiados em bromélias, tanto os jovens como os adultos. Dois indivíduos de G. ernestoi mantidos em terrários, um da área estudada e o outro de Itatiaia, igualmente no Estado do Rio de Janeiro, demonstraram também sua preferência por bromélias como local de abrigo. Nenhum indivíduo de G. albolineata, tanto adulto como filhote, demonstrou qualquer afinidade com as bromeliáceas, mesmo em terrários, preferindo repousar sempre sobre folhas verdes.

Exemplares examinados

Gastrotheca albolineata (Lutz & Lutz) – Estado do Rio de Janeiro, Teresópolis: AL 1778 (holótipo de Hyla albolineata), jovem; MNRJ 3223, jovem adulto; ZUFRJ 3437, jovem; ZUFRJ 6456, macho adulto; ZUFRJ 6457, jovem adulto; ZUFRJ 6923, macho adulto (crânio retirado); ZUFRJ 7050, fêmea adulta; ZUFRJ 7051-66, recém-nascidos em terrário; ZUFRJ 9416, macho adulto (diafanizado e crânio retirado). Cachoeira de Macacú: RURAL 020, macho adulto.

Gastrotheca ernestoi Miranda-Ribeiro – Estado do Rio de Janeiro, Macaé: MZUSP 238 (holótipo de Gastrotheca ernestoi), fêmea adulta. Teresópolis: MNRJ 19325, macho adulto; MNRJ 19326, jovem; MNRJ 19327, adulto jovem; MNRJ 19329, fêmea adulta; MNRJ 19330, fêmea adulta; MNRJ 19331, jovem; EI s/nº, jovem; UNIRIO 2534, macho adulto (crânio retirado). Itatiaia: MNRJ 19328, fêmea adulta; EI s/nº, macho adulto (crânio retirado). Estado de São Paulo, Bonito (Serra da Bocaina): AL 969 (holótipo de Gastrotheca viridis), fêmea adulta.

Gastrotheca fulvorufa (Andersson) – Estado do Rio de Janeiro, Teresópolis: AL s/nº, macho adulto; MNRJ 19323, macho adulto; EI 1623-4, jovens; EI 1626, jovem; EI s/nº, jovem, EI s/nº, jovem; EI s/nº, fêmea adulta; EI s/nº, fêmea adulta, ZUFRJ 621, macho adulto; ZUFRJ 4184-5, jovens aparentemente recém-natos; ZUFRJ 8287, macho adulto. Nova Friburgo: AL 3562, fêmea.

Gastrotheca sp. – Estado de São Paulo, Ilha de São Sebastião: EI s/nº, fêmea adulta.

DISCUSSÃO

ANDERSSON (1910) quando descreveu e figurou Nototrema microdiscus, informou que a espécie apresentava a derme, na cabeça, completamente envolvida em uma ossificação craniana debilmente rugosa estendendo-se até uma linha semicircular, correndo entre os bordos posteriores das órbitas e com a convexidade posterior, sendo que somente as pálpebras superiores, a ponta do focinho e uma estreita faixa da margem livre do lábio superior eram moles. ANDERSSON (loc. cit.) assinalou, também, que os discos dos dedos eram pequenos, não maiores do que a metade do tímpano e os dos artelhos eram ainda menores. Posteriormente, o mesmo autor (ANDERSSON 1911), ao descrever Notorema fulvorufa, relatou que a derme da cabeça era livre de ossificação craniana e que os discos do terceiro e quarto dedos, assim como os dos artelhos, eram tão grandes quanto o tímpano.

Em todos os exemplares de Gastrotheca examinados procedentes da Serra dos Órgãos, os discos do segundo e terceiro dedos, bem como do terceiro e quarto artelhos, eram iguais ou maiores que o diâmetro do tímpano e a pele sobre o crânio não se mostrou co-ossificada. Entretanto, tivemos a oportunidade de examinar uma fêmea de uma espécie de Gatrotheca com 67 mm de comprimento rostro-cloacal, com a bolsa formada e ovócitos desenvolvidos nos oviductos, procedente da Ilha de São Sebastião, no litoral do Estado de São Paulo, mostrando intensa aderência entre a derme e o crânio até atrás das órbitas, encobrindo os proóticos (Fig. 25). Este exemplar estava com seu colorido desbotado e mostrava discos grandes nos dedos e artelhos, o que não nos permitiu sua identificação como G. microdiscus. Entre as espécies brasileiras conhecidas de Gastrotheca, apenas fissipes e microdiscus são referidas como possuindo envolvimento da derme com o crânio e, portanto, consideramos inaplicável o nome microdiscus a qualquer das três espécies aqui registradas para a região da Serra dos Órgãos.

Um exemplar juvenil de G. ernestoi (Fig. 6) obtido no Parque Nacional da Serra dos Órgãos era verde e possuía como padrão de colorido apenas dois ocelos sobre as pálpebras, uma pequena pinta negra no dorso atrás da cabeça, e estria negra curvada percorrendo os flancos, reproduzindo o colorido de G. viridis (Fig. 4) dado por LUTZ & LUTZ (1939).

A presença de ovos grandes e pouco numerosos na bolsa dorsal já foi constatada em espécies brasileiras do gênero para G. fissipes (BOULENGER 1888, MIRANDA-RIBEIRO 1926), G. microdiscus (ANDERSSON 1910), G. ernestoi (MIRANDA-RIBEIRO 1920, 1926) e G. albolineata (SACHSSE et al. 1999). Ainda não foi registrado, porém, exemplar de G. fulvorufa com ovos na bolsa dorsal, mas foram obtidos dois exemplares muito jovens da espécie completamente metamorfoseados, com comprimento rostro-cloacal de 20 mm, encontrados próximos um do outro, sugerindo que o abandono da bolsa materna era recente.

A dificuldade em se obter exemplares e a relativa riqueza de espécies de Gastrotheca na área estudada, o que deve ocorrer também em outros segmentos da floresta atlântica, permite prever que outras espécies deste gênero devem existir nas matas das serras litorâneas brasileiras, aguardando suas descobertas.

CONCLUSÕES

A Serra dos Órgãos, no Estado do Rio de Janeiro, abriga ao menos três distintas espécies do gênero Gastrotheca Fitzinger: G. albolineata (Lutz & Lutz), G. ernestoi Miranda-Ribeiro e G. fulvorufa (Andersson), sendo que o nome Gastrotheca microdiscus (Andersson) não pode ser aplicado a nenhuma delas por se tratar de espécie diversa, ainda não encontrada na região, descrita como possuidora de derme envolvida em uma ossificação craniana debilmente rugosa e de discos digitais com sua largura correspondendo à metade da do tímpano.

Gastrotheca albolineata é reconhecível por apresentar, em vida, cor intensamente verde, ornamentação dorsal escura constituída apenas por quatro pintas negras ou pardas dispostas como os cantos de um trapézio, as posteriores mais afastadas entre si, e finas estrias brancas dispostas como se marginassem figuras indistintas no dorso e patas, e como ornamentação lateral uma faixa branca (amarela em seu início), marginada de marrom, que percorre o lábio superior, passando sob o olho e vindo terminar no meio do flanco. Essa espécie igualmente se destaca por mostrar uma faixa marrom ferrugem sob o ânus e em cada tarso, que é marginada por estria branca e se estende, no lado externo dos pés, desde a articulação tíbio-tarsal até o quinto e o quarto artelhos.

Gastrotheca ernestoi se destaca, entre as espécies estudadas, por apresentar um par de ocelos ou elipses escuras sobre as pálpebras e faixa labial clara, além de uma faixa lateral escura que percorre o focinho e os flancos, onde se curva para o ventre. A ornamentação sobre o dorso consta de faixas ou manchas negras ou pardo-escuras e não são visíveis grânulos negros dispersos ou formando séries.

Gastrotheca fulvorufa não mostra ocelos palpebrais, faixa branca labial nem faixa clara lateral, mas ostenta manchas escuras suboculares e postoculares. A face dorsal da cabeça e tronco exibe manchas ou faixas pardacentas irregulares, simétricas, sempre delimitadas por séries de pontos ou grânulos negros, que também se distribuem entre as manchas. No centro da face dorsal há um pequeno grupo destacado de tubérculos negros.

AGRADECIMENTOS

Por suas colaborações em alguma etapa da preparação deste trabalho, agradecemos a Ana Carolina O. de Q. Carnaval, Ana M.P.T. de Carvalho e Silva, Antenor L. de Carvalho (in memoriam), Carlos A.G. da Cruz, Cyro de L. Dias Netto, Márcia dos R. Gomes, Paulo E. Vanzolini, Oswaldo L. Peixoto, Thiago S. Soares, Ulisses Caramaschi e Werner C.A. Bokermann (in memoriam). Somos especialmente gratos a Direção do Parque Nacional da Serra dos Órgãos pelas facilidades proporcionadas para a realização dos trabalhos de campo.

LITERATURA CITADA

Received in 26.VI.2007; accepted in 14.II.2008.

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  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      16 Maio 2008
    • Data do Fascículo
      Mar 2008

    Histórico

    • Aceito
      14 Fev 2008
    • Recebido
      26 Jun 2007
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